Crónica de Bento Domingues
no PÚBLICO
Quero deixar, aqui, o testemunho de uma grande obra literária, na qual a religião é a própria cura de quem a pratica.
1. Carlos Drummond de Andrade, no grande poema-crónica Prece do brasileiro, por ocasião da Taça do Mundo (1970), termina: “Nem sei como feche a minha crónica.” Eu, pelo contrário, não sei como abrir a minha. Não por falta de assunto, mas por excesso de motivações religiosas contraditórias.
Chegam-me, continuamente, pedidos para rezar por doentes em situações extremas e pelas famílias que não puderam acompanhar os últimos momentos das pessoas que mais amavam, por causa
da covid-19.
Recebi também alguns telefonemas, culpando a religião e a Igreja pelas cedências do Presidente da República, dos deputados e do Governo ao sentimentalismo piegas do Natal. Cedências responsáveis por muitas mortes e
o completo descontrole no combate à difusão da pandemia.
Esta conversa, embora muito repetida, parece-me bastante descontrolada.
Para certas correntes culturais, as religiões foram, são e serão sempre, em toda a parte, fontes e sistemas de alienação da responsabilidade humana. Não vale a pena reconhecer o bem fundado de muitas das acusações e das suspeitas desenvolvidas, no longo processo contra as religiões; nem adianta mostrar que esse processo talvez esteja mal desenhado, semeado de confusões e de esquecimentos essenciais à condição humana.