sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Papa denuncia aqueles que «deformam o rosto da Igreja...»

Do corpo de Maria, nasce Jesus, o Salvador


Georgino Rocha

Maria, a noiva de José, engravida após consentimento informado e decisão livre. O recém-gerado “apodera~se” do seu corpo e marca o ritmo da sua vida: a nível da fisiologia, das emoções e afectos, da movimentação e das relações, dos incómodos e satisfações. Tudo por amor à boa gestação em curso. Com que intensidade viveria a jovem mãe a fase germinal do seu bebé! Ele, tudo recebia dela, humanamente. Ela, realizava nele o sonho da maternidade.
Lucas, no chamado Evangelho da Infância, faz uma bela narração da anunciação e anota que Maria, após ficar entregue à liberdade da sua decisão, parte “imediatamente”. Toma o rumo da casa de Zacarias, que fica a uns 150 Km de distância, e vai pelas regiões montanhosas da Judeia. Encontra Isabel, a prima, em fase avançada de gravidez daquele que virá a ser João Baptista. E tem um encontro memorável que a liturgia nos faz recordar, hoje. Para nos aproximarmos do significado profundo do que está a acontecer no ventre destas mulheres. Por graça de Deus, com a generosa colaboração delas. Vamos deter-nos em alguns pormenores desta maravilha que ecoa na voz de Isabel. (Lc 1, 39-45).

Ao chegar, Maria faz a saudação tradicional dos judeus: Shalom! Isto é, as bênçãos de Deus estejam contigo. Ou seja, que te sintas realizada na tua gravidez, que aprecies a vida que estás a gerar, que à tua volta haja harmonia e paz, que o teu coração agradecido alimente a sintonia com Deus e o seu desejo de libertar o nosso povo de todos os que nos querem mal, e de guiar os seus passos no caminho da paz, como rezará mais tarde Zacarias, após ter retomado a fala de que, provisoriamente, fora privado.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

O Natal escondido


Acordei cedo para sentir o desabrochar do sol por entre nuvens prenunciadoras de chuva. Primeiro uns raiozinhos, tímidos mas persistentes, e só depois veio a força renovadora do astro-rei a marcar presença neste Advento. Saí do meu aconchego e fui à cata do Natal na grande cidade a uns bons quilómetros da casa onde moro. Levei no saco a ânsia de encontrar o Natal em cada esquina, quiçá no coração das pessoas apressadas. Mas do Natal elas não me falaram.
Música no ar, serena para não incomodar, mas audível quanto baste. Eram as melodias natalícias da minha meninice. Bonitas, sim senhor, mas denotando falta de criatividade. As mesmas de sempre, que os novos poetas e músicos terão posto de lado o tema do nascimento de Jesus.
Os enfeites cruzavam-se entre luzinhas que piscavam para nos desafiarem a estar. Estar, olhar, sentir que o ambiente era diferente, que algo de novo andava no ar, que havia festa para celebrar, tradições para respeitar, família para congregar, prendas para ofertar e convidados a chegar. Tudo isto, em força, para na célebre noite da consoada, com data certa em 24 de dezembro de cada ano, se viver a alegria à volta do tronco comum, a família humana.
Deambulei por entre lojas, subi e desci pelas passadeiras rolantes, cruzei-me com olhares que outrora conheci bem, vi jovens e idosos na mesma azáfama, meninos e meninas a saborearem chupa-chupas, pais e mães com sacas e saquetas de presentes, rostos felizes, uns, e cabisbaixos, outros. Gente com porte de endinheirada e pobres de pedir em algumas esquinas. Do Natal da minha infância, nada.
Um magote de crianças rodeava um velho de vermelho vestido, com barbas brancas e saco às costas. Oferecia umas lembranças a quem o rodeava. Era o Pai Natal.
A história do Menino Jesus não tinha lugar naquele espaço comercial. Ficou reduzido a uma ou outra montra e às celebrações em casa ou nas igrejas cristãs. O espírito natalício saiu de cena. O comércio ganhou a parada. E o Natal ficou escondido.

Fernando Martins

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A Noite de Natal




« (...) Então Joana foi ao jardim. Porque ela sabia que nas Noites de Natal as estrelas eram diferentes. Abriu a porta e desceu a escada da varanda. Estava muito frio, mas o próprio frio brilhava. As folhas das tílias, das bétulas e das cerejeiras tinham caído. Os ramos nus desenhavam-se no ar como rendas pretas. Só o cedro tinha os seus ramos cobertos.
E muito alto, por cima das árvores, era a escuridão enorme e redonda do céu. E nessa escuridão as estrelas cintilavam, mais claras do que tudo. Cá em baixo era uma festa e por isso havia muitas coisas brilhantes: velas acesas, bolas de vidro, copos de cristal. Mas no céu havia uma festa maior, com milhões e milhões de estrelas. (...)»

Sophia de Mello Breyner Andresen (1989).
A Noite de Natal. Porto: Figueirinhas (4ª ed.; il. de Júlio Resende)
(1ªed. - 1959; il. de Maria Keil).

NOTA: Por gentileza de Sara Raquel da Silva

Mourinho foi despedido




Confesso, à partida, que não simpatizo com Mourinho. O homem especial, para os adeptos do futebol. Pelos maus resultados no MU,  foi despedido. Acontece aos melhores. Conseguiu na vida chegar ao topo e ganhou milhões. O despedimento deu-lhe também milhões. E um dia destes não faltará quem ponha na sua conta outros milhões. Isto tudo é uma ofensa aos milhões de pobres que há neste mundo, um mar de lágrimas que todos conhecemos. Mas quem paga tudo são os adeptos e os trabalhadores das empresas que subsidiam o desporto. Se calhar, trabalhadores sem pão para matar a fome aos filhos e empresas que  pagam salários miseráveis a quem  as serve. É este o nosso mundo.

Nuvens para este dia


As nuvens são sempre um desafio à nossa imaginação. E quando elas se deslocam, ao sabor do vento, esse desafio amplifica-se para ficarmos com vontade de ir com elas. Umas são claras, mas há também as que indiciam chuva iminente. Foi o caso de hoje. Tudo bem com belas nuvens, mas já está a chover.

PORTUGAL de Alexandre O’Neill


Evocando o dia do seu nascimento,
19 de dezembro de 1924 

PORTUGAL

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

        ***

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós . . .

Alexandre O’Neill
In Poesias Completas

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Isabel Cristina Caçoilo: O Natal da minha infância

Aquecíamos os pés ao Menino Jesus








Nasci e vivi a minha infância e parte da adolescência numa aldeia, "Campo de Jales", também conhecida por Minas de Jales, concelho de Vila Pouca de Aguiar, Distrito de Vila Real de Trás-os-Montes. 
A ceia ou noite de consoada, como lhe costumávamos chamar, era passada em família. No caso da minha família, a mesa era bem preenchida: recebíamos as minhas irmãs com respetivos maridos e filhos. Eu era a mais nova da família. Quando eu era criança e já mesmo adolescente as minhas irmãs e irmão já não viviam na aldeia. Por norma, iam passar o Natal com os pais, podendo um ano por outro ser o contrário. 
Em minha casa, a mesa era composta pelos pais, filhos e netos. No entanto, o uso na minha aldeia e para quem lá habitava regularmente, cada família jantava em sua casa. No fim de jantar os filhos dirigiam-se a casa dos pais para passar o resto da noite em família. Passava-se a noite a jogar ao Rapa. Era era um jogo com um pequeno pião. O prémio que se "rapava" eram os frutos secos, e confetes (pequenas entrelinhas de açúcar de diferentes cores). 
O prato tradicional da consoada era o bacalhau com a couve troncha. Havia também o Polvo frito e os bolinhos de bacalhau. Como doces, tínhamos as rabanadas e os bilharacos. 
Havia a Missa do Galo na Igreja Paroquial da Freguesia "Vreia de Jales" e a Missa no dia de Natal na capela da aldeia. 
As prendas não eram como hoje, claro. Eu recebia sempre um pacotinho de confetes e  chocolates (fantasias de natal). Como era a mais nova das irmãs, já recebia uma boneca, um jogo ou um brinquedo qualquer. Já tinha esse miminho dado pelas irmãs. Recebia sempre meias, pijama ou uma peça de roupa.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Papa Francisco nasceu há 82 anos



O Papa Francisco completou hoje, 17 de dezembro, a bonita idade de 82 anos. O mundo inteiro, segundo cremos, conhece o Papa e segue todos os seus passos que o conduzem às periferias frias e esquecidas das civilizações deste século. O seu amor pelos pobres dos pobres é conhecida e a sua fé, assente nos caminhos de verdade e vida, é exemplo para cada um de nós, em particular, e para as nossas comunidades, em geral. 
Aprecio em particular, no Papa Francisco, a sua humildade e a sua paixão pela libertação do homem todo e de todos os homens, certo de que a humanidade há de atingir o ponto mais alto, com homens e mulheres, dos cinco continentes e credos, de mãos dadas, a cantar salmos de glória à felicidade na mãe-terra que o Criador nos legou. 
Os meus parabéns ao Papa Francisco, na certeza de que o Espírito de Deus continuará a abençoá-lo e a iluminar o rumo da barca de Pedro de que ele é o timoneiro de mão firme. 

Fernando Martins

domingo, 16 de dezembro de 2018

Tudo por causa da alegria

Bento Domingues

1. Não sei se Bergoglio conhece a literatura portuguesa. Espero que Tolentino Mendonça não deixe de lhe recomendar algumas leituras essenciais antes de voltar a Portugal, pátria dos antepassados do argentino J. L. Borges. O Cardeal G. Ravasi, esse conhece, de certeza, Fernando Pessoa. Não pode ignorar o sonho piedosamente blasfemo de Alberto Caeiro. Este viu Jesus Cristo aproveitar o dia em que Deus estava a dormir, o Espírito Santo andava a voar e a Virgem Maria a fazer meia, para fugir do céu, onde tudo é convencional e aborrecido, e tornar-se outra vez menino, uma criança tão humana que é divina, a Eterna Criança, o Deus que faltava, que sorri e brinca, o Menino Jesus verdadeiro que veio viver para aldeia com o nosso poeta. 
Lembrei-me desse sonho ao ler a mensagem que o Papa Francisco enviou ao referido Cardeal italiano, manifestando o seu agrado por verificar que a eternidade, o outro lado da vida, tivesse sido escolhida para tema da XXIII Sessão das Academias Pontifícias. Confesso que, no primeiro momento, achei algo despropositada aquela mensagem. Terá a recitação dominical do Credo, por milhões de fiéis, perdido a sua esperada eficácia? Será verdade que, nos últimos tempos, a convicção central da fé cristã terá sido negligenciada, tanto na investigação teológica como no anúncio e na formação dos fiéis? [1]. Poderá a teologia universitária e dos seminários, a doutrina dos catecismos, da pastoral e da nova evangelização esquecer-se do Céu? 
A observação do Papa é, no entanto, mais do que um desabafo de circunstância. Ele próprio colocou o dedo na ferida: "ao proclamar, hoje, essa verdade de fé, ela pode parecer quase incompreensível e, às vezes, transmitir uma imagem pouco positiva e 'atraente' da vida eterna. O outro lado da vida pode ser percebido como monótono e repetitivo, chato, triste ou totalmente insignificante e irrelevante para o presente". Esta descrição papal não está longe do sonho de Alberto Caeiro, heterónimo de F. Pessoa. Nem o menino Jesus pode aguentar esse aborrecimento.

sábado, 15 de dezembro de 2018

Globalização e ética global



1. Muitas das graves convulsões sociais em curso têm na sua base a globalização, que arrasta consigo inevitavelmente questões gigantescas e desperta paixões que nem sempre permitem um debate sereno e racional. Hans Küng, o famoso teólogo dito heterodoxo, mas que Francisco recuperou, deu um contributo para esse debate, que assenta em quatro teses. Segundo ele, a globalização é inevitável, ambivalente (com ganhadores e perdedores), e não calculável (pode levar ao milagre económico ou ao descalabro), mas também - e isto é o mais importante - dirigível. Isto significa que a globalização económica exige uma globalização no domínio ético. Impõe-se um consenso ético mínimo quanto a valores, atitudes e critérios, um ethos mundial para uma sociedade e uma economia mundiais. É o próprio mercado global que exige um ethos global, também para salvaguardar as diferentes tradições culturais da lógica global e avassaladora de uma espécie de "metafísica do mercado" e de uma sociedade de mercado total. 

2. Neste sentido, em Setembro de 1993, teve lugar em Chicago o Parlamento das Religiões, com a presença de uns 6500 participantes e onde 150 pessoas qualificadas, representando as diferentes religiões e movimentos de tipo religioso do mundo inteiro, assinaram o Manifesto ou Declaração de Princípios para Uma Ética Mundial. O texto fora preparado essencialmente por Hans Küng. 
Ainda no contexto das celebrações dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, vale a pena retornar a esses princípios. Como escreveu Küng, não se trata de uma duplicação da Declaração dos Direitos Humanos, nem de uma declaração política, nem de uma prédica casuística, nem de um tratado filosófico, nem de uma idealização religiosa ou da busca de uma religião universal unitária. Trata-se exactamente desse consenso de base, mínimo, referente a valores vinculantes, a critérios e normas inamovíveis e a atitudes morais fundamentais. Supõe-se que estes mínimos éticos, que assentam na constatação de uma convergência já existente nas tradições religiosas, podem ser assumidos por todos os seres humanos, independentemente da sua relação com a religião. 

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