sábado, 10 de outubro de 2009

Neurociências e liberdade




Com a biotecnolgia o novo continente científico é o cérebro, e a pergunta é se, com os avanços neste domínio, o enigma do homem será finalmente superado ou se, pelo contrário, ele permanecerá. Grandes debates se travam entre as neurociências e a filosofia, precisamente por causa de temas candentes e incendiários, como a subjectividade, a autodeterminação, a vontade livre.



Sobre estas questões, o conhecido filósofo e professor da Universidade de Tubinga Manfred Frank acaba de dar uma longa entrevista ao alemão DIE ZEIT. O que aí fica reflecte esse debate.



A questão da subjectividade pertence ao núcleo da reflexão humana. Embora algumas correntes filosóficas falem da sua dissolução, penso que o sujeito é ineliminável. Argumento, mostrando que a condição de possibilidade de objectivar - no caso do homem, de objectivar-se - é o sujeito, de tal modo que, por mais que objective de si mesmo, o homem nunca se objectivará completamente, já que continuará a ser o sujeito que (se) objectiva.



M. Frank também afirma que nunca será possível reduzir a consciência e o espírito a processos neuronais, e isso "por razões de princípio". Há uma questão de princípio: como explicam as neurociências a passagem de processos físicos inconscientes a processos mentais conscientes? "Não é possível substituir o saber sobre nós mesmos por um saber objectivo sobre o mundo." A subjectividade cai fora do mundo, não pertence ao mundo dos objectos.



O "eu" do autoconhecimento não é redutível àquilo a que nos referimos com nomes ou caracterizações. "A autoconsciência é um conhecimento único, reflexivo, no qual uma pessoa se refere conscientemente a si mesma, mas a si mesma em posição objectiva. Como poderia ela, porém, captar este eu-objecto como ela mesma enquanto sujeito, se, antes desta apresentação objectiva, não tivesse tido uma consciência inobjectiva de si?" Esta consciência inobjectiva quer dizer vivida, pré-reflexiva.



Permanece uma questão: "Quando identifico espírito com matéria, não identifico matéria com matéria." Trata-se como que dos dois lados de uma moeda, mas as condições de verdade do neuronal não se identificam com as do espírito: as primeiras encontram-se num tratado de fisiologia enquanto as dos estados mentais são verificadas introspectivamente, como viu Descartes. Isso é experienciado também ao nível do vocabulário, que é diferente para descrever o psíquico e o estado físico correspondente: não teria sentido exprimir a inclinação amorosa por alguém, descrevendo os processos electromagnéticos no cérebro.



A tese de neurocientistas que afirmam não haver, por detrás do alegado livre arbítrio, senão processos neuronais, que determinam a vontade, contradiz não só a compreensão jurídica de responsabilidade mas também a nossa própria autocompreensão: queremos ser autores racionais de mudanças no mundo - tentamos "tomar decisões racionais".



Para lá dos sistemas jurídico-penais, que pressupõem a liberdade, um exemplo. Suponhamos que alguém tropeça, sem querer, e, ao cair sobre outra pessoa, esta é apanhada por um carro e morre. Distinguimos muito bem esta situação daquela em que alguém empurra intencionalmente outra pessoa. E há esta virtude admirável: resistir moralmente à maioria. Os opositores ao Terceiro Reich "merecem o nosso sumo respeito", precisamente porque foram poucos e capazes de enfrentar a morte. Aí, "os neurocientistas têm muito para justificar no sentido de dar conta do correcto normativamente dessas decisões a partir de processos neuronais".


Tudo o que é essencial, quando pensamos na humanidade, "vinculamo-lo ao pensamento da subjectividade e não à nossa representação do cérebro. São sempre pessoas, sujeitos, que consideramos como criadores de literatura, cultura ou religião". Afinal, "temos cérebros e somos eus". Daí poder formular-se o imperativo categórico de Kant nestes termos: "Nunca trates os seres humanos como coisas, mas sempre como sujeitos e pessoas." Se o mundo consistisse só em objectos, não haveria ninguém a quem dirigir o preceito: "Porta-te decentemente com os outros sujeitos."



Para começar o dia


Grande Veleiro Canadiano Concordia entre nós



No seguimento da Regata dos Grandes Veleiros, realizada em 2008, com reconhecido sucesso que instituiu o Município de Ílhavo e o seu Porto de Aveiro com “friendly port”, vai estar entre nós mais um grande veleiro, o Concordia, pertencente a uma universidade privada do Canadá, a “West Island College International”.

O “tall ship class A” - SV Concordia - chega ao Porto de Aveiro no próximo dia 14 de Outubro, quarta-feira, aqui permenecendo durante cinco dias (largada a 18 de Outubro), com visitas em horário a definir proximamente.

A sua tripulação de 57 pessoas (dos quais 48 Alunos) terá um programa cultural e turístico durante o tempo da estadia, com centralidade no Município de Ílhavo.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

País real ou "Portugal dos pequeninos"?




Cada vez aparece mais lúcida e actual a expressão “país real”. Esse país que, de norte a sul, trabalha no campo ou nas empresas, nos serviços ou nas escolas, que luta pela justiça e pelo bem-estar, que sofre injustiças de que ninguém se acusa, solta gritos que ninguém ouve. País real, como lhe chamou Sá Carneiro, é este povo desconhecido de muitos que dele falam eloquentemente e até dizem que é ele quem ordena, e se julgam mesmo, ciclicamente, os legítimos delegados e defensores dos seus direitos.

Só conhece o país real quem se cobre com o pó dos seus caminhos, suja os pés na sua lama, gasta tempo a ouvir quem nele luta e é a reserva nacional do bom senso, da honestidade, do trabalho, do respeito, da verdade e da justiça a toda a prova. Povo que cresceu com a chave sempre na porta, aberta, como o coração, a quem chegava e, agora, se vê ameaçado e inseguro nas suas pessoas e bens, vendo admirado, incólumes e à solta, os profissionais da mentira, do assalto aos bens alheios, do ataque infame a idosos indefesos, do crime frequente. Povo com centenas de milhares de portugueses que não querem o pão dos subsídios, mas o salário justo de um trabalho certo.

Pó e lama deste povo significam a dor e os sacrifícios de milhões de portugueses que, aqui ou lá fora, lutam para viverem uma existência de pessoas, que muitos não a tiveram antes, e poderem transmitir aos filhos, com a educação que os prepare para a vida, os valores duradoiros que a tornam digna.

Pó e lama é a carência sofrida de muita gente que ainda não dispõe de meios para cuidar a tempo da saúde, nem possibilidade de uns dias de férias repousantes, necessárias e justas. É o esforço inglório de milhares de jovens para quem um diploma de curso é pouco mais que um papel inútil, e vêem voar o tempo, sem lobrigarem trabalho e condições para constituir uma família com estabilidade. É a dor inconsolável de muitos idosos que trabalharam uma vida inteira sem horários, antes do sol nascer e para além do sol se pôr, e, que hoje, sofrem com a míngua do pão, cada dia mais caro, e a premência de ter de contar os tostões para poder comprar remédios indispensáveis. Os passeios gratuitos por todo o país, com almoço incluído, que os políticos lhes proporcionam, não apagam carências essenciais do dia a dia, nem enxugam lágrimas choradas no silêncio das noites sem fim e, agora, de uma casa sem gente.

Muitas coisas melhoraram neste pai real. Mal seria se assim não fosse. Mas não se atribuam honras próprias ao que se faz por dever e sempre com o dinheiro que não é dos que governam. Nenhum bem social é favor, a que título seja, de políticos generosos.

Ao lado deste país há outro que, também, é Portugal. Quem vir os canais de televisão em concorrência, onde cada vez mais vale tudo, ler os jornais que procuram fugir à falência, vendendo títulos enganosos, folhear, ainda que só nas salas de espera dos consultórios médicos, as revistas cor-de-rosa que desvirtuam a vida e os sonhos de muita gente; quem reduzir os seus horizontes humanos e sociais ao mundo do futebol, perceber os objectivos, públicos e ocultos, de algumas juventudes partidárias, e mesmo de gente adulta que navega nas mesmas águas, observar a saída apressada das tocas e esconderijos dos que nela escondidos na hora da luta, investem logo que lhes cheira a proventos possíveis da morte ou da infelicidade de outros do seu mundo, ficará, com uma ideia razoável, ainda que não perfeita, do que é o “Portugal dos pequeninos”.

Intrigas e coscuvilhices políticas, até ao extremo, dão horas intermináveis a politólogos, jornalistas, políticos profissionais, gurus do pensamento e do saber, que esclarecem pouco e intoxicam muito. Tudo gente que só tem certezas, fala e não deixa falar, só as suas opiniões são verdades incontestáveis. Neste momento, Portugal são apenas duas pessoas. O resto é gente que não interessa. Neste país de gente pequena, os modelos em promoção reduzem-se a políticos vazios, futebolistas de milhões, gente fútil de telenovelas e passarelas… O povo que trabalha, esse não tem história.

António Marcelino

Para começar o dia: OBAMA Prémio Nobel da Paz


Obama

Acrescidas responsabilidades para Obama


Para começar o dia e o fim-de-semana nada, nada melhor do que uma excelente notícia. Obama, o Presidente dos EUA, é Nobel da Paz. Não pela obra feita, mas essencialmente pela esperança que espalhou no mundo de uma nova ordem social. Uma nova ordem social de mais paz, de mais solidariedade, de mais justiça.
Por mais justos que sejam os prémios, por mais oportunas que sejam as distinções e as honras, há sempre quem desdenhe, quem critique, quem discorde e quem diga mal das escolhas feitas. Contudo, penso que neste caso as discordâncias até servem para sublinhar a importância do Nobel da Paz atribuído a Obama. O Presidente da mais poderosa nação da Terra recebe com o prémio, talvez o mais apetecido, uma acrescida responsabilidade nas respostas aos problemas que dele todos esperam.

FM

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Crónica de um Professor: Negligência médica



Nesta era da globalização, é um lugar comum dizer-se que a comunicação está à distância de um click do rato, no computador.
Todos sabem e estão atentos aos rápidos progressos que as novas T.I.C.s (tecnologias de informação e comunicação) têm operado e o quanto têm influenciado a celeridade dos contactos interpessoais.
Sim, é um facto incontestável, a rapidez com que hoje se comunica. Partindo deste pressuposto, esperar-se-ia que as relações humanas fossem mais profícuas e até incrementadas. Seria, numa sociedade moderna que acompanha esta evolução tecnológica a seu favor.
O episódio que vou relatar, vem, infelizmente contrariar esta realidade e pôr a nu os podres duma sociedade enferma, em termos de comunicabilidade.
Tive conhecimento através de pessoa amiga, dum caso de omissão em efectiva comunicação.
Aconteceu ali na Costa Nova, quando por imperativos de solidariedade humana, uma pessoa chamou os serviços do INEM, para socorrer um senhor que estava a sofrer aquilo que se pensava ser um acidente vascular cerebral. Pelo menos, foi isso que pareceu à senhora, detentora de uma provecta idade, cuja longa experiência de vida lhe consente fazer este diagnóstico clínico. Dada a gravidade da situação, a senhora insistia na urgência da vinda do INEM, relatando sumariamente os sintomas do acidentado. Do lado de lá da linha telefónica, ouvia uma voz feminina a inquirir com uma curiosidade mórbida, em contextos destes, todos os sintomas e reacções do indivíduo, em questão. Estranhando tal atitude, nesta situação de urgência interventiva, insistia a senhora que não se podia estar com aquela minúcia, já que ali, estava a vida duma pessoa em jogo. Foi tal a demora no atendimento do pedido de socorro, que o nervosismo começou a apoderar-se dos familiares do doente e no auge do desespero, chegou a haver uma troca ácida de palavras, entre os dois lados da linha O senhor entrou em paragem respiratória, que se a princípio era intermitente, passou a ser contínua…acabando o senhor por falecer.
Aí, vem ao de cima a inoperância dos serviços médicos de instituições como o INEM, ou…de pessoas inaptas para o serviço que desempenham.
Chegaram a vir, tarde e a más horas, justificando a demora com a ocorrência de chamadas indevidas de pessoas que brincam com estas situações da emergência médica. Fica a pergunta: será que haverá criaturas tão desmioladas que se põem a brincar com coisas tão sérias como a vida das pessoas? Custa a crer que haja de facto brincadeiras deste mau gosto, que sirvam de justificação para se perderem vidas humanas. E…ainda que tais situações tenham já, ocorrido, pontuais, depreende-se, nunca se poderá fazer uma generalização. É de lamentar, profundamente, que tais erros humanos ainda aconteçam em pleno século XXI.
E…lá no fundo fica a perplexidade da pergunta: tendo isto ocorrido no dia 5 de Outubro, será que o pessoal também fechou a loja para desfrutar do feriado e deixou lá alguém incompetente para as funções de alta responsabilidade que lhe estão acometidas?
Perdeu-se uma vida e nada no mundo poderá ocupar o vazio que ela deixou.
Fica aqui o aviso: a família da vítima tenciona recorrer judicialmente para apurar das responsabilidades e muito bem!

M.ª Donzília Almeida

08.10.09

O FIO DO TEMPO: Povo que Participas?


AMÁLIA
NO TOPO
DA MONTANHA


1. A incontornável Amália (1920-1999) tanto cantava com a nostalgia lusitana «povo que lavas no rio…». As tábuas de Amália continuam a ecoar, quer numa maravilhosa nova geração de fado quer na candidatura do Fado Português a património da Humanidade na UNESCO. Uma ideia que dá que pensar é como o fado, a cantiga da alma das gentes, fez um caminho admirável até aos palcos internacionais, percurso esse de uma irreverência criativa, mas que, predominantemente, revela uma face saudosa que muitas vezes, mais que mobilizar activamente, poderá fazer parar nostalgicamente. Não é linear, nem o fado tem muitas regras, como se sabe… Sabe-se e reconhece-se a originalidade do fado, enaltecido por tantos nomes que terão na Amália o topo da montanha.

2. Se muitos sentimentos reflectidos no fado poderão até ser reflexo de conjunturas sociopolíticas, a verdade é que a canção portuguesa nunca se deixou aprisionar e traz sempre consigo a ânsia de novos mares a navegar. Também é verdade que pertencerá à história da identidade nacional, sem mitologias excessivas, que o fado como destino da aceitação de tudo e tristeza que paralisa reflecte-se naqueles estudos europeus ou mundiais que volta e meia nos dizem que somos mais tristes que alegres, nostálgicos do passado que empreendedores do futuro(?). Claro que o fado não tem culpa de nada, ele acontece, reflecte, manifesta, espelha… O fado poderá aliar a memória da tradição ao projecto visionário e aventureiro do amanhã? Claro que sim, as gentes do povo têm a “caneta” nas mãos em cada dia…

3. Não parece mas eis-nos diante de outro acto eleitoral de altíssima responsabilidade cívica. O fado de que tudo está mal ou tudo está bem (até porque tal nunca é verdade) não pode aprisionar e limitar a intervenção dos cidadãos. Povo que participas…! Mais que uma questão que seja a afirmação convicta de todos serem actores da construção do bem comum. Só a participação dá razões para a exigência! Dar frescura ao fado!

Alexandre Cruz

Universidade Sénior da Fundação Prior Sardo



                               
Portas abertas à partilha de saberes


Comecei o meu dia no blogue com artes. Penso que as artes devem estar sempre nos nossos horizontes, porque a beleza dá outro sentido à vida. Tal como a bondade, a tolerância e o amor. Mas hoje também poderia começar com outros temas enriquecedores, como a solidariedade, a disponibilidade e a beleza da partilha. É que, a abertura do ano lectivo da Universidade Sénior da Fundação Prior Sardo, que ocorreu da parte da manhã, suscitava isso mesmo.
Mais de meia centena de pessoas interessadas em partilhar saberes e alguns jovens (e menos jovens) disponíveis para as acompanhar e animar, nessa troca de conhecimentos, marcaram significativa presença na sede da Fundação Prior Sardo.
Afinal, e ao contrário do que muitos pensam, há gente que gosta de dar e de receber cultura e valores, que emprestam mais vida à vida de cada um e de todos.
Gostei de tudo, mas não posso deixar de valorizar o precioso contributo de jovens, abertos ao convívio com uma geração mais idosa, que não velha. Idosos que não são velhos são aqueles que acreditam que o saber não ocupa lugar, que há continuamente razões para aprender mais e para dar o seu saber a outros.
Jovens que podiam ser meus netos, mas que ali estavam animados pelo prazer de pôr em comum o que podem (e podem muito) e sabem dar.
Quando vejo uma certa juventude mais voltada para futilidades, mais aprecio esta, que cultiva a solidariedade, a disponibilidade e a beleza da partilha.

FM

Nota: Inscrições e Informações na sede.

 

ARTE PARA COMEÇAR O DIA: Sobre a Igreja de Santa Maria, de Siza Vieira


Igreja de Marco de Canavezes

A substância dos sonhos é a luz

A igreja de Santa Maria nasceu duma necessidade, mas depressa se tornou num sonho. Há realidades assim: nascem como nascem os dias, previsíveis, com uma determinação habitual. E depois, há um lanço de luz, um encontro essencial, uma notícia, sei lá, uma dobra do tempo súbita e surpreendente, que tudo alteram. A igreja de Santa Maria (na altura, apenas a igreja nova) era mais uma igreja que era necessário construir, como muitas vezes e em muitos lados acontece. Um dia, talvez ao acordar, tomei consciência do fardo enorme que os meus ombros teriam de suportar. O que fazer, como fazer, por onde começar?

Nuno Higino

Leia e veja tudo aqui

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O FIO DO TEMPO: Ajudar é em tempo real



1. O turbilhão do sismo e tufões tem marcado os dias difíceis da costa asiática. Indonésia e Filipinas, especialmente, foram fustigadas por tragédias naturais que nos devem deixar a pensar. As designadas sociedades de bem-estar ocidental são, volta e meia, abaladas por imagens de tragédias cuja proveniência sendo de longe se fazem bem perto. Se o tsunami de 2004 teve grande impacto na consciência do mundo, seja registado o dado histórico que estas chuvas torrenciais de há mais de uma semana bateram os máximos registados desde 1976, tendo inundado mais de 80% de Manila (capital das Filipinas) e provocando centenas de mortos e desaparecidos. Em zonas do planeta tão frágeis, em termos de construção civil para as gentes do povo, poder-se-á dizer, o safanão da natureza provocou estragos em casas e edifícios atingindo alguns milhões de pessoas.

2. Números são números, pouco valem, porque o que conta é cada pessoa que sofre. Esta visão personalista da vida e dos valores humanos aplicados na solicitude para com cada ser humano faz-nos ficarmos sensibilizados para com cada situação. É esta a alma que é a chama sempre nova da multidão de missionários modernos que são presença de apoio humanitário. Muitas coisas (mesmo passos e ideias em termos de clubismos ou visões sociopolíticas e religiosas) poderão ser questionáveis, mas o que nunca o será é o espírito do «amor ao próximo», esta a autêntica escola da vida que gera futuro. Nesta hora da tempestade merecem lugar de apreço especial as organizações que largam a teoria e partem para o lamaçal. Apoio em termos de saúde e de alimentação são nesta hora a presença da «salvação».

3. Milhares de pessoas soterradas, cerca de mil mortos e uma multidão de deslocados. Nesta hora da necessária ajuda em tempo real a AMI – Assistência Médica Internacional está lá (www.ami.org.pt). Nas Filipinas e Indonésia, como em tantos outros locais, aqui e ali, é hora do essencial: gerar espírito de serviço.

As minhas reportagens: Banco do Tempo de Ílhavo


Maria das Dores, Jorge Neves e Maria de Lurdes


O Banco do Tempo
é o único que não vai à falência


“Aqui, no Banco do Tempo (BT), não queremos dinheiro nem subsídios de ninguém, apenas queremos dar horas e receber horas; o BT é o único que não vai à falência.” No final da entrevista, Jorge Neves, um dos coordenadores do BT de Ílhavo, sintetizou de forma lapidar o que é esta estrutura, criada pelo Graal.
Aposentado das suas obrigações profissionais, pensava que ficaria livre, mas está completamente ocupado. “110 por cento envolvido em trabalhos de casa, pertenço ao Grupo Poético de Aveiro, digo poesia e estou no BT”, disse.
O “bichinho” da solidariedade surgiu-lhe quando o Diniz Vizinho, “que é o maior entusiasta deste projecto”, o convidou, em 2008, para o ajudar a reorganizar o Banco, que estava um tanto ou quanto adormecido, depois de ter sido criado em 2002.
As dificuldades que encontraram foram muitas, mas tudo se compôs e hoje já há 50 pessoas que aceitaram trocar horas, ao jeito do espírito de vizinhança, o qual está a perder-se com o corre-corre da vida dos nossos tempos.
Segundo Jorge Neves, “os ilhavenses mostravam-se um pouco cépticos, à espera do que isto iria dar; também mostravam algumas reticências em admitir que alguém entrasse em suas casas, para partilharem ajudas”. E acrescentou: “As pessoas gostam mais de dar do que pedir.”
Sabendo que é cada vez maior o número de idosos nas nossas comunidades, graças à esperança de vida que continua a crescer, Jorge Neves adiantou que muitos ficam “inactivos e descrentes da vida, caindo na solidão”. Torna-se necessário, por isso, envolver essas pessoas em tarefas que lhes dêem prazer. E explicou: “durante a vida profissional faziam sempre as mesmas coisas, deixando de lado gostos que ficaram à espera de poderem ser realizados; agora podem concretizá-los, porque têm tempo para isso; só precisam de ser estimulados, tarefa que nos cabe a nós.”
Recordou o caso de uma senhora que vive só, porque os filhos trabalham e residem longe. “Um dia foi apanhar umas folhas de couve ao quintal para uma sopinha; sentiu-se mal e caiu; sem poder levantar-se, ali ficou 24 horas, suportando o frio da noite e a angústia de não ter quem lhe valesse. Passado esse tempo, uma vizinha estranhou a sua ausência e foi encontrá-la naquela situação. Felizmente resistiu.”
“Este exemplo – sublinha – leva-nos a cultivar o gosto de olhar para o lado, porque a solidariedade não é nem pode ser uma palavra vã; tem mesmo de ser vivida e trabalhada 100 por cento, por cada um de nós e por toda a comunidade.”
Maria de Lurdes está no BT desde o início. A primeira fase foi desanimadora, mas agora, felizmente, há mais motivação. Neste momento dedica quatro horas semanais à confecção de bonecas, em colaboração com Maria das Dores, para serem enviadas para a Guiné.
Muito importante foi, sem dúvida, conseguir estimular um vizinho que ficou sem as pernas de um dia para o outro. Como é membro do BT, envolveu-o na tarefa das bonecas. “Quando lhe falei para colaborar, ele ficou muito emocionado”, frisou a Maria de Lurdes. E explicou: “O BT tem de olhar para casos de pessoas que estão em situação difícil e que precisam de incentivos, para não pensarem nas doenças.”
A Maria de Lurdes confessa que não gosta muito da cozinha. “Se puder fugir da cozinha, fujo!” Por isso, pediu ao banco alguém que a pudesse ajudar na confecção de comida para uma filha, que exerce a sua profissão no Porto. E lembrou que os pedidos e ofertas de horas têm de ser feitos no BT, directamente ou pelo telefone. “Isto não é um clube de amigos”, referiu.
Uma senhora aderente logo se prontificou a fazer aquilo que a Lurdes desejava. Como as trocas podem não ser directas, outros membros do banco trataram-lhe do jardim e pintaram-lhe uma parede. A Lurdes, contudo, já foi passar a ferro.
Maria das Dores, que colabora na confecção das bonecas, também aderiu ao BT desde a primeira hora. Ofereceu-se, no acto da inscrição, para estar com idosos necessitados de companhia, escrever cartas e ler a quem não o possa fazer, ajudar em tratamentos, seguindo instruções de enfermeiros, e cuidar de crianças.
Considera importantíssimo o espírito de entreajuda, o que a leva a falar do BT, com o objectivo de cativar mais gente para este serviço. Os que aderem precisam, naturalmente, de ser apoiados na integração. Mas a Maria das Dores ainda lembrou outras tarefas, entretanto programadas. Como Ílhavo é uma terra de marinheiros, sabe-se que muitos homens, com carro próprio, já não podem conduzir, estando impossibilitados de ver o mar e de passar pelas nossas praias. Pois isso vai ser feito, com alguém do BT a conduzir os seus carros.
Jorge Neves esclareceu que os membros do BT não são apenas pessoas reformadas ou aposentadas. “Temos bastantes com os seus empregos, incluindo crianças.” Crianças? E apontou três exemplos: “Uma, depois de ouvir histórias contadas pela avó, começou a contar-lhe as suas próprias histórias; outra veio ao banco pedir que lhe indicássemos uma colega que quisesse passear com ela de bicicleta; outra, menina de 13 anos, ofereceu-se para fazer fosse o que fosse; as primeiras tarefas foram passar a ferro no Lar de São José e andar com velhinhos nas suas cadeiras de rodas.”
O Lar de São José foi o aderente n.º 1. Nessa linha, o BT substitui alguma voluntária que falte, na hora de passar a ferro, e no Verão disponibilizou-se para conduzir o autocarro do lar, transportando os idosos para a praia e acompanhando-os.
O BT de Ílhavo está ligado ao Banco Central, coordenado pelo Graal. Há uma rede de 27 BT no país, todos motivados para apoiar a família e a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, através da oferta de soluções práticas da organização da vida quotidiana. Desta forma, pretende-se construir uma cultura da solidariedade, promovendo o sentido de comunidade, o encontro de pessoas que convivem nos mesmos espaços e a colaboração entre gerações. No fundo importa construir relações sociais mais humanas, valorizando o tempo e o cuidado dos outros, estimulando os talentos e promovendo o reconhecimento das capacidades de cada um.
Em Ílhavo, o BT mantém uma parceria institucional com a paróquia de São Salvador, contando com apoios pontuais da CGD (para a confecção de cartazes), Jornal Ilhavense e Rádio Terra (para a difusão dos ideais e projectos do banco) e Junta de Freguesia (para despesas de água, luz e telefone).

Fernando Martins
 

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