Crónica de Maria Donzília Almeida
"A poesia é a música da alma,
e, sobretudo,
de almas grandes e sentimentais."
Voltaire
Levar os alunos a escrever na aula de Língua Portuguesa, afigura-se um quebra-cabeças para o aluno e simultaneamente para o professor de língua materna, a quem cabe a dura tarefa da motivação.
A palavra redação que povoou os anos da minha instrução primária, foi evoluindo semanticamente para composição, chamando-se agora, com certa pompa, produção de texto.
Redigir é um trabalho que exige prática e dedicação. Não existem fórmulas mágicas: o exercício contínuo, aliado à leitura de bons autores e à reflexão são indispensáveis para a criação de textos. Saber escrever pressupõe, antes de mais nada, saber ler e pensar. Ler é fundamental para escrever. Mas não basta ler, é preciso entender o que se lê. Estruturar o pensamento e verbalizá-lo implica um esforço de concentração que não se coaduna com a impetuosidade e hiperatividade dos adolescentes.
Quando se passa da prosa para o texto poético recrudescem as barreiras. Daí, a necessidade de aquisição de estratégias e ferramentas didáticas, por parte dos professores de língua materna, para colmatarem esta dificuldade.
É neste contexto pedagógico que se inserem as Ações de Formação, em que uma tertúlia de professores se reúne para discutir e inventariar práticas que conduzam a uma sensibilização à escrita, numa espécie de brainstorming (chuva de ideias).
Numa dessas atividades, foram apresentadas as marcas do texto poético que vão para além da rima, a mais evidente e mais percetível pela faixa etária que lecionávamos. Existe a prosa poética em que a poesia está subjacente no conteúdo, desvalorizando-se a forma.
“Às vezes ouço passar o vento;
e só de ouvir o vento passar,
vale a pena ter nascido. ”
Fernando Pessoa
A formadora, também docente de Língua Portuguesa, para ilustrar a exposição feita, relatou o seguinte episódio, ocorrido numa das suas aulas.
Após ter dado a explicação sobre o texto poético, pedi aos meus alunos que para trabalho de casa, escrevessem uma frase poética, como forma de aplicarem os conteúdos ministrados na aula.
No dia seguinte, a primeira tarefa da aula foi a correção do TPC. Assim, fui chamando os alunos que quiseram apresentar a sua criação poética. O primeiro a responder foi o Joãozinho.
Diz lá, qual foi a tua frase?
— O sol brilha e as flores abrem…
— Muito bem, menino Joãozinho, e tu…Arnaldinho, o que escreveste?
— O vento sussurra na ramaria…
— Sim senhor, muito bem!
Nisto, ouve-se um burburinho no fundo da sala. O menino Zequinha mostra-se muito inquieto, pois queria apresentar a sua frase.
— Diz lá! — anuiu a professora.
— O canguru tem pelos no cu!
Estupefação geral na sala de aula. Os coleguinhas ficam em silêncio.
— Muito feio o que fizeste…quiseste ser engraçadinho e não tiveste graça nenhuma. Vais repetir o TPC para amanhã.
No dia seguinte, o menino Zequinha foi solicitado a apresentar a nova frase:
— O canguru tem pelos na beiça…
Já todos respiravam de alívio, quando surge o resto da frase poética…
— Só não tem pelos no cu
Porque a professora não deixa!
Algo semelhante se passou comigo quando quis implementar as ideias e estratégias apreendidas na formação que tivemos.
Numa escola da Invicta, nas traseiras da Casa de Serralves, foi feita a compilação dos textos poéticos, produzidos por uma turma de 6º ano, em época natalícia.
Tudo o resto se varreu da memória, apenas ficou esta “pérola” da poesia, produzida nos anos oitenta do século XX.
É Natal, é alegria
Vamos comer bacalhau!
Anda daí, Donzília.
Se não levas com o pau!