sábado, 22 de agosto de 2015

As mulheres nas religiões

Crónica de Anselmo Borges 




«Que caminho longo a percorrer 
até à dignidade na igualdade 
e à igualdade na dignidade!»


O Papa João Paulo I disse que Deus tanto é Pai como Mãe e, estando para lá do sexo, também poderia ser representado como mulher. O Vaticano não gostou. Mas é neste contexto do feminino e Deus que se conta uma estória. Ao contrário do que se lê e diz, Deus criou primeiro Eva e não Adão. Eva aborrecia-se, sentia-se só e pediu a Deus alguém semelhante a ela, com quem pudesse conviver e partilhar. Deus criou então Adão, mas com uma condição: para não ferir a sua susceptibilidade, Eva nunca lhe diria que foi criada antes dele. "Isso fica um segredo entre nós..., entre mulheres!"

As primeiras figurações da divindade foram femininas, por causa da fertilidade e maternidade. Depois, explica o filósofo F. Lenoir, com a sedentarização segundo um modelo maioritariamente patriarcal, aconteceu com as religiões o mesmo que com as aldeias e as cidades: "Os homens tomaram o seu controlo, relegando a mulher para um papel secundário ou até para uma ausência de papel, a não ser no seio do lar e sob a tutela do marido. As justificações teológicas vieram posteriormente." E o que é facto é que a maior parte das religiões têm "uma forte tendência para a misoginia". O taoísmo é significativamente diferente, porque é essencial nos seus ensinamentos a fusão do yin e do yang, do feminino e do masculino, como "penhor de acesso à imortalidade".



A mulher foi considerada tentadora, devendo os homens acautelar-se. Foram-lhe retirados os poderes rituais, por causa da impureza. Lê-se, na Bíblia, no livro do Levítico: "Quando uma mulher tiver o fluxo de sangue que corre do seu corpo, permanecerá durante sete dias na sua impureza. Quem a tocar ficará impuro até à tarde. Todo o objecto sobre o qual ela se deitar ficará impuro; tudo aquilo sobre que ela se sentar ficará impuro. Quem tocar no seu leito, deverá lavar as vestes, banhar-se-á em água, e ficará impuro até à tarde. Se um homem coabitar com ela e a sua impureza o atingir, ficará impuro durante sete dias e todo o leito em que se deitar ficará impuro". Segundo F. Lenoir, outra das razões da misoginia é o prazer feminino, "essa grande intriga para o homem": "O ciúme em relação ao gozo feminino (jouisance), porque ele é infinito enquanto o do homem é finito. Há uma espécie de abismo do gozo sexual da mulher que mete medo ao homem e o contraria."

Concretizando e seguindo F. Lenoir na obra Dieu. Afinal, o hinduísmo e o budismo não são menos misóginos. Na tradição hindu, há um código legislativo redigido entre o século II antes da nossa era e o século II da nossa era, fundado sobre textos sagrados, tacitamente ainda hoje aplicado, em que se lê sobre o estatuto das mulheres: "Uma jovem, uma mulher jovem, uma mulher avançada em idade nunca devem fazer algo segundo a sua própria vontade, mesmo na sua casa", pois a mulher está dependente do pai, do marido, dos filhos, e é inferior a eles. Também não tem direito à iniciação religiosa: "A sua iniciação é o casamento." Em ordem à libertação do ciclo das reencarnações, deve esperar até ao renascimento como homem. E há o drama das satis: as esposas que se imolam vivas quando o marido morre.

Segundo uma tradição, Buda aceitou, a pedido da tia, fundar uma ordem de monjas, mas com condições: o monge mais jovem manteria sempre a proeminência sobre a monja mais velha, mesmo que centenária, e nenhuma poderia admoestar um monge, embora o contrário estivesse autorizado. "Ainda hoje é assim." Um antigo texto budista lembra que "a filha deve obedecer ao pai; a esposa, ao marido; por morte deste, a mãe deve obediência ao filho." E para o Despertar búdico deve renascer como homem.

A oração da manhã dos judeus ortodoxos inclui: "Dou-te graças, meu Deus, por não me teres feito mulher". As mulheres devem ocultar o cabelo e o corpo e, nesta corrente, só os homens têm direito a estudar Teologia. "Felizmente, não é o caso na maioria dos judeus."

Jesus tratou bem as mulheres: rodeado por elas, que também podiam ser discípulas, foram-lhe fiéis até à morte, ao contrário dos discípulos homens, que fugiram. Mas as Igrejas católica e ortodoxas discriminam-nas, impedindo-as, por exemplo, de aceder aos ministérios ordenados. Já não é o caso entre as Igrejas protestantes, mais próximas do texto evangélico.

No Alcorão, há passos que declaram a igualdade. Por exemplo, sura 9, 71: "Os crentes e as crentes são amigos uns dos outros. Ordenam o bem e proíbem o mal. Fazem a oração, dão a esmola, obedecem a Alá e ao seu Enviado." Mas também há suras nas quais se permite desposar duas, três ou quatro mulheres; a herança do filho será igual à de duas filhas; pode bater-se nelas: "Os homens têm autoridade sobre as mulheres em virtude da preferência que Deus deu a uns sobre outros. Admoestai as que temeis que se rebelem, deixai-as sós no leito e batei-lhes."(4, 34)

Que caminho longo a percorrer até à dignidade na igualdade e à igualdade na dignidade!

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.


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