domingo, 25 de maio de 2014

Deus activista dos direitos humanos? (2)

Crónica de Bento Domingues
no Público

1. A Amnistia Internacional iniciou, há semanas, a campanha Stop Tortura para denunciar uma situação vergonhosa: 30 anos após a assinatura, na ONU, da Convenção Contra a Tortura, esta prática bárbara continua a crescer, como se fosse a coisa mais normal do mundo. No entanto, na África, nas Américas, na Ásia-Pacífico, na Europa e Ásia Central, no Médio Oriente e Norte de Africa, alarga-se esta extrema forma de desumanidade, perante a indiferença internacional. Nos EUA, nenhum agente da CIA, envolvido em casos de tortura, foi levado a tribunal.



Não se pode atribuir esse comportamento “à ausência de Deus” na esfera pública como, por vezes, se diz. Em todos os continentes, é em seu nome que se oprime, tortura e mata. Tentei mostrar, no Domingo passado, que a palavra Deus pode ser usada para o melhor e para o pior.

Hoje, gostaria de chamar a atenção para outra forma de observação e problematização das sociedades actuais, praticada por Boaventura de Sousa Santos, no livro Se Deus fosse um activista dos direitos humanos (Almedina). Foi também publicado com grande ressonância no Brasil, traduzido em Espanha e acolhido com fervor na América Latina.

Este professor catedrático da Universidade de Coimbra e de diversas universidades americanas tenta mostrar como a democracia representativa liberal foi derrotada pelo capitalismo e como a invocação dos direitos humanos foi e é usada para os destruir. A religião, grito dos oprimidos, passou demasiado depressa a ser considerada “ópio do povo” e reduzida à esfera privada. As teologias políticas não defendem todas os mesmos interesses. Não se pode confundir as teologias que procuram justificar as opressões com as teologias dos oprimidos que animam as suas práticas concretas de libertação.

2. Juan José Tamayo, um teólogo bem informado, na selecção internacional dos Cincuenta intelectuales para una consciencia crítica (Fragmenta Editorial, Barcelona, 2013) incluiu dois nomes portugueses: José Saramago e Boaventura de Sousa Santos. O primeiro, por razões óbvias. Para quem estiver a par do que se passa nas ciências sociais, no âmbito da língua espanhola – verifiquei-o em vários países –, o segundo era previsível.

Tamayo considera Boaventura de Sousa Santos um dos cientistas sociais mais criativos no actual panorama intelectual, porque possui uma grande capacidade de inovação, tanto no próprio plano da linguagem – cheio de imagens, de símbolos e intuições - como nos conteúdos e propostas. Sabe articular coerentemente as análises críticas com as alternativas, os protestos com as propostas, a indignação ética com as utopias históricas. O seu estilo não é o de seguir caminhos já trilhados, mas o de levantar novas questões e abrir novas pistas na investigação e na sua escrita.

Para o teólogo espanhol, a obra de Boaventura de Sousa Santos é transgressora de fronteiras entre disciplinas académicas, de fronteiras geográficas e culturais, recusando, no âmbito académico, a separação entre teoria e prática e estabelecendo uma conexão intrínseca entre ambas.

Se os polícias das ciências sociais ficam incomodados com a heterodoxia deste académico militante, os adversários das teologias da libertação são obrigados a sair do sossego, que julgavam definitivo depois dos pronunciamentos negativos do Vaticano, desde a década de oitenta até à eleição do Papa Francisco. Não é por acaso que Fr. Gustavo Gutiérrez, fundador da Teologia da Libertação, tenha sido recebido por este papa e solicitado a escrever no jornal L’Osservatore Romano (1).

3. Este peruano tornou-se, muito cedo, um fervoroso discípulo do genial antropólogo, Fr. Bartolomé de las Casas (1484-1566), o intrépido defensor dos Índios, na frente filosófica, teológica, jurídica e política, tanto em Espanha como nas Américas. Mas na descoberta dessa história descobriu outra, a do célebre sermão de Fray Anton de Montesinos e do seu inesquecível grito perante os conquistadores espanhóis: e estes (os índios explorados) não são seres humanos?!

A partir daí, os olhos de Gustavo Gutierrez saltaram do séc. XVI para o séc. XX. As lutas contra a violência da opressão económica, social, cultural e política precisam de uma teologia elaborada a partir do chão das comunidades cristãs de base. Os cristãos fazem a experiência de Deus na história concreta da opressão e libertação dos seres humanos. A ousadia de G. Gutierrez provocou a proliferação das chamadas teologias contextuais, em todos os continentes.


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