Devemos discordar desses profetas das desgraças, que anunciam acontecimentos sempre funestos, como se o fim do mundo estivesse próximo." A Igreja quer ir ao encontro dos homens nas suas alegrias e esperanças, nos seus problemas e dificuldades. "Nos nossos dias, a Igreja de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade: julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validade da sua doutrina do que condenando erros."
Foi com estas palavras que o Papa João XXIII inaugurou há 50 anos, precisamente no dia 11 de Outubro de 1962, o Concílio Ecuménico Vaticano II, um dos acontecimentos maiores do século XX - o Presidente da França, Charles de Gaulle, considerou-o "o mais importante". Nele, como ironicamente escreveu a Der Spiegel, deu-se "uma viragem copernicana, na qual Roma confessou que o Céu talvez ainda gire à volta da Basílica de São Pedro, mas a Terra não".
A Cúria Romana preparava-se para manter praticamente tudo na mesma. Houve, porém, um conjunto de cardeais que obrigaram à viragem. Um deles foi o cardeal Josef Frings, de Colónia, que tinha como assessor um jovem professor de Teologia, Joseph Ratzinger, crítico de cinco dos sete esquemas preparatórios fundamentais do Concílio. Ele e outros peritos, como Karl Rahner, Edward Schillebeeckx, Yves Congar, Hans Küng pensavam na urgência de uma renovação profunda e reconciliação da Igreja com o mundo moderno. Ratzinger foi então um provocador, até certo ponto um rebelde, favorável às línguas vernáculas na liturgia e criticando duramente a Cúria e a sua "atitude antimoderna": "A fé tem de enfrentar-se com uma nova linguagem, uma nova abertura."
Só quem viveu antes do Concílio pode aperceber-se da revolução que ele constituiu. Foi um esforço real e sincero de aproximação de todos. Como se diz no início da Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, Gaudium et Spes, "as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e das mulheres do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os aflitos, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo, e nada existe de verdadeiramente humano que não encontre eco no seu coração".
E talvez o mais paradoxal é que a Igreja, com o seu aggiornamento, diálogo, abertura, apenas estava, no essencial, a reconciliar-se com o melhor do Evangelho, que, desgraçadamente, tinha tido de se impor na modernidade contra a Igreja oficial: os direitos humanos, a dignidade sagrada da pessoa humana, a liberdade religiosa, a inviolabilidade da consciência.
Devia tornar-se claro que a Igreja, "luz dos povos", é, antes de mais, "povo de Deus" e não a hierarquia e mesmo esta tem de contar com a colegialidade episcopal e a participação dos leigos, contra uma estrutura piramidal. A revelação não pode ser concebida como um ditado de Deus; apela-se, portanto, à leitura da Bíblia, que estava afastada dos fiéis, mas no quadro de uma investigação histórico--crítica. A Igreja deve estar atenta aos "sinais dos tempos", como a emancipação das mulheres, a descolonização, o mundo do trabalho, da ciência e da técnica. As realidades terrestres são autónomas e não há oposição entre a criação de Deus e a acção criadora dos homens no mundo; a esperança da salvação no além tem de dar sinais e começar já aqui. Denunciou-se o anti-semitismo, a Igreja abriu-se ao diálogo ecuménico com as outras Igrejas e confissões cristãs, com as outras religiões, com os não crentes, com todos os homens de boa vontade. A viragem mais visível foi na liturgia: em vez do latim, adoptou-se a língua vernácula, o presidente deixou de celebrar de costas para o povo, todos eram convocados para uma participação activa, fraterna e festiva.
Passados 50 anos, muito falta fazer por uma Igreja verdadeiramente conciliar. O ecumenismo não dá passos. Os bispos, como faz notar a Der Spiegel, continuam "marginais", "a Perestoika na Cúria não se realizou". Continua a dominar em Roma "uma corte medieval" e lutas pelo poder. Sobretudo, falta a fé e o ânimo de então.