terça-feira, 3 de julho de 2012

A Mulher Portuguesa


Por Maria Donzília Almeida


Isabel Jonet

“A história da mulher é a história 
da pior tirania que o mundo conheceu:
 a tirania do mais fraco sobre o mais forte.”


A mulher ocupou um lugar subalterno, no seio da família e da sociedade, durante séculos, que a história justifica pelo modelo de organização e subsistência, nas sociedades primitivas.
Homens e mulheres viviam em grupos, em que os homens se dedicavam à caça, para suprir as necessidades da alimentação. As mulheres, predestinadas à procriação, limitavam-se a colher plantas, nas imediações do seu habitat. A caça era uma atividade nobre, pois implicava argúcia e destreza, em oposição à colheita de plantas, sem qualquer valorização. A partir desta dicotomia de funções, surgem as desigualdades. A mulher fica confinada ao espaço do lar, cuida dos filhos e dos parentes. Com base neste quotidiano, surgem extrapolações bem conhecidas: o homem caracteriza-se pelo rigor do pensamento, pela capacidade do raciocínio, pela força muscular...... o que lhe dá autoridade! À mulher, resta-lhe a intuição, a paciência, a capacidade de dedicação aos outros, de sofrimento!

Enraízam-se, assim, hábitos ancestrais e criam-se mentalidades apoiadas em códigos, interdições e proibições, veiculadas pelas religiões, que influenciam o relacionamento entre homens e mulheres.
 Gradualmente, elas vão saindo do ambiente doméstico para a vida ativa, põem à prova as suas capacidades, revelam talentos, aprendem a viver em sociedade, afirmando a sua identidade e autonomia.
Vivemos num mundo complexo em constante mudança e com ele muda a condição feminina, mas as mudanças não ocorrem de forma linear.
Há resistências a vencer para alcançar a igualdade e isso justifica a criação de certos movimentos feministas no século XX e particularmente o seu incremento nos anos setenta. As mulheres recusam que as considerem parceiras menores, que pretendam confinar as suas funções e procuram, em associações, resolver os seus problemas e participar na vida coletiva.
A situação da mulher portuguesa, condicionada pelas leis e pelos costumes era idêntica às das mulheres da Europa e, tal como as suas congéneres, procurou melhorar as suas condições de vida.
Em pleno século XIX, segundo o Direito Português, a situação da mulher na família, era precária. Só o marido exerce o poder, tendo autoridade para maltratar a mulher, que lhe deve obediência! Só ao chefe de família, isto é ao pai, compete exercer autoridade sobre os filhos. O código civil de 1867 melhora um pouco este quadro, ao conceder à mãe, o poder sobre os filhos, quase em equivalência ao pai, mas tudo o resto prevalece.
A mulher casada não pode assumir qualquer compromisso, ao exercer uma profissão e no caso de ter uma ocupação fora do lar, não lhe é permitido dispor do seu salário.
Os protestos femininos são numerosos, corroborados pelas ideias dos movimentos feministas, veiculados em grupos de reflexão, constituídos por algumas mulheres instruídas.
Neste ambiente propício, tem início, já no século XX, o Conselho Nacional das Mulheres portuguesas, que desenvolve uma ação notável, promovendo a emancipação feminina. Expõe as suas ideias em Boletim próprio, “Alma feminina”, e consegue realizar com êxito o “I Congresso Feminista e de Educação” em 1924, promove ainda em 1928 o II Congresso Feminista já em pleno Estado Novo, muito contestado pelo poder estabelecido.
 Mais tarde o CNMP ressurge com nova vitalidade, sob a presidência de Maria Lamas, que deu o nome, ainda em vida, a uma escola do Porto, onde lecionei no meu périplo docente. Esta jornalista e escritora promoveu a educação social das jovens, de todas as classes sociais e desenvolveu ações de esclarecimento em várias zonas do país.
A Constituição de 1933 ao afirmar a igualdade dos cidadãos perante a lei, no artº 5º, abre uma exceção para as mulheres “ pelas diferenças que resultam da sua natureza e do bem da família”.
-As regras estabelecidas colocam a mulher na dependência do homem, pai ou marido.
-A mulher deve assegurar o futuro da raça no lar.
-A instrução é um perigo e por isso suprime-se a coeducação, e a orientação do ensino primário no concernente às raparigas, deve contemplar a economia doméstica e os cursos de costura.
-O trabalho realizado pelo homem, mesmo que seja penoso é sempre uma alegria (!!!) e existe a melhor harmonia entre dirigentes e dirigidos. A mulher só é feliz, se estiver à guarda do homem. (!?)
-No lar, o homem detém a autoridade e a mulher deve receá-lo, servi-lo e obedecer-lhe!
O Código Civil de 1939 concede ao homem o poder de obrigar a mulher a regressar ao domicílio conjugal.
A mulher não pode ter passaporte nem viajar para o estrangeiro sem autorização do marido, mesmo que estejam separados.
Os casados pela igreja não podem separar-se (Concordata com a Santa Sé em 1940)
Apesar de tantas restrições, a sociedade evoluiu e a promulgação do novo Código Civil em 1966 traz algumas melhorias: a mulher casada já pode exercer uma profissão liberal sem autorização do marido e pode dispor do seu salário o que é um passo importante para a sua autonomia. O marido pode denunciar o contrato de trabalho da mulher.
Em 1968 a mulher adquire a igualdade política, podendo votar, desde que saiba ler e escrever, mas essa cláusula não se aplica às eleições municipais. Os limites impostos pretendiam travar a emancipação da mulher portuguesa, que das suas congéneres europeias era a que detinha menos direitos.
Há 37 anos, deu-se a Revolução de Abril, que teve repercussões, nunca antes vistas – a libertação de uma longa noite fascista, em que a mulher foi grande vítima!
Com a instauração da democracia foram conquistadas: a liberdade de pensamento e expressão, liberdade de imprensa e foram reconhecidos os direitos e deveres, para homem e mulher, em pé de igualdade.
Num curto espaço de tempo, a mulher adquiriu conquistas legislativas de grande alcance.
Em 1976 adquiriu o direito de voto, sem qualquer restrição e é abolido o direito de o marido abrir a correspondência da mulher.
É reconhecido o valor social da maternidade com direito a licença de parto e respetiva remuneração, sem perda de regalias.
Com a reforma do Código Civil de 1976, houve: o restabelecimento do divórcio; igualdade de direitos e deveres dos cônjuges; a partilha do poder paterno, entre o marido e mulher; a igualdade de tratamento no casamento em que homem e mulher estão ligados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação e assistência.
Nos nossos dias é bem visível a presença da mulher em todos os níveis de ensino, em diferentes categorias profissionais e na vida política.
Sabemos que ainda, são as maiores vítimas de violência doméstica, que sobre elas continua a pesar a grande carga das lides domésticas e dos cuidados do lar. Extrapolando para a mulher das Gafanhas, todas as conquistas referidas atrás foram sendo conseguidas, a par e passo. Longe vão os tempos em que a mulher cuidava da família, em simultâneo com o amanho das terras. A expressão “ir para a terra” tinha uma conotação meramente agrária e nada tinha do sentido que comummente lhe é atribuído, do regresso à terra natal.
Remontando a meados do século passado, num ambiente semi-rural, semi-piscatório, pouco desenvolvido socialmente, a mulher vestia de forma muito modesta. Usava uma indumentária característica: a saia pelo tornozelo, usada no tempo de Camões, século XVI, subira um pouco e as cores eram escuras como convinha à condição de mulher casada e mãe de família. Na cabeça, um “drapeado” que escondia quase a totalidade do cabelo e penteado, era a burka muçulmana, transposta para terras das gafanhas.
 Dado que havia muitos homens embarcados para a Terra Nova e Gronelândia, na pesca do bacalhau, ficavam em terra, muitas mulheres que assumiam a liderança da família. Educavam os filhos e transmitiam-lhes os padrões de uma moral tradicional, que impunha regras e rituais. Assim, mulher casada com bacalhoeiro, devia primar pelo recato, no trajar e ser comedida nas relações sociais. Qualquer gesto menos padronizado, colidia com os ditames desse código de valores instituído e a mulher “era falada”! Hoje, numa evolução semântica da palavra, perdeu-se o sentido pejorativo e “ser falada” significa ter protagonismo no trabalho, na sociedade, na política. A Assunção Cristas.....é uma mulher muito falada nos dias de hoje!
 Se andava de cabeça descoberta e com garridice na roupa, andava “para agradar” no linguajar popular. Era este o eufemismo usado, correspondente ao termo atual, “oferecer-se”! Esta mentalidade imperava, na época em que eu era ainda, menininha de liceu e ouvia com atenção e cogitava, como iria ser a minha vida numa sociedade tão castrativa! No meu íntimo e deixando, já, esboçar uma rebelião incipiente, eu projetava: Não vou ser”ovelha”!
No que concerne às formalidades do luto, quando alguém morria, também se respeitavam regras muito rígidas. Havia um período de tempo em que se tinha que vestir de preto e que variava consoante o grau de parentesco, com o defunto. Lembro só, que passei longos períodos da minha juventude, vestida de preto, em consonância com esses ditames.
Hoje, houve uma evolução de costumes e a mulher, finalmente, conquistou o seu lugar ao sol. A saída para o mercado de trabalho, a não dependência do homem em questões económicas, fizeram com que tivesse adquirido uma maior auto-estima, e tivesse afirmado o seu papel na sociedade.
A mulher deixou de ser subjugada por maridos tiranos ou obsessivos, ganhou a coragem de dar “o grito do Ipiranga”, quando a situação se torna insustentável.
Em termos de apresentação, a mulher das Gafanhas, não fica atrás de nenhuma das suas congéneres, em qualquer parte do país. Os mass media uniformizam o traje, os costumes e a forma de estar.
Independentemente do seu estatuto social, a mulher “brilha” nas suas aparições sociais e, quase não se distingue uma operária, duma técnica superior! A moda está ao alcance de todas e os cuidados de beleza, hoje, são apanágio de sexo feminino. A sociedade foi-se adaptando a estas exigências e basta constatar o número de esteticistas que abundam no mercado, aqui na nossa terra!
Quase se perderam as características regionais, a favor duma massificação de costumes, que caracteriza a aldeia global.

01.07.2012

2 comentários:

  1. A propósito deste tema, não posso deixar de relatar um caso que se passou comigo, minha cunhada então dmenor de idade e minha sogra sua mãe!
    Corria o mês de Dezembro de 1975 e no aeroporto de Lisboa, íamos os três embarcar para os USA. Na apresentação dos passaportes para embarque, a minha cunhada, apesar de estar com a mãe, foi proibida de viajar porque como menor, precisava de uma autorização do pai!... Depois de algumas negociações com os agentes da autoridade e na presente do chefe, fui eu quem teve de assinar um termo de responsabilidade pela viagem e regresso da menor, porque a mãe não o podia fazer!!!

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  2. Nesse pormenor e noutros de grande importância, já conquistámos algum terreno, não é verdade, meu caro amigo?
    A mulher parece um terreno mole, moldável e movediço, passe a aliteração, mas lá no fundo somos rocha dura, que nem a erosão dos piores ventos, dos ciclones, consegue mover!
    Calma aí, pois não pertenço a nenhum movimento feminista. Também não é preciso! Com a força que temos, individual e coletivamente...não precisamos que ninguém nos defenda!

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