Por Anselmo Borges,
no DN
Adela Cortina
Para lá da síntese que aqui apresentei, na semana passada, do estudo sobre "Identidades Religiosas em Portugal: Representações, Valores e Práticas - 2011", da Universidade Católica, há outros dados significativos sobre os quais é importante reflectir.
Apesar da descida de 7,4% nos últimos 12 anos, 79,5% da população continua a afirmar-se católica em Portugal (quatro em cada cinco portugueses). Quanto à prática religiosa, 31,7% dizem que vão à missa pelo menos uma vez por semana. Somando os 14% que dizem ir pelo menos uma ou duas vezes por mês, o total perfaz 45,7%. Esta percentagem, por razões que a sociologia explica, deve ser exagerada. Seja como for, quase metade dos católicos considera-se não praticante (43,9%).
Quanto às práticas orantes, a sondagem mostra que, juntando os que dizem rezar todos os dias e os que rezam algumas vezes na semana, obtemos o total de 59,7%.
No domínio referente ao lugar das crenças religiosas no sistema de valores, sobressaem as proposições que afirmam a religião enquanto proporcionando sentido para a vida (36,3%), dando capacidade de perdoar (28,9%), aceitação da dor e da morte (18,7%), desejo de ser melhor (24,5%), valor à família (27,0%); quanto à moral humanitária, 32,7% dizem que a religião contribui para o desejo de ajudar os outros, e 27,9% para preocupar-se com a pobreza, a guerra e a fome. Note-se ainda que 46,5% e 29,0%, respectivamente, concordam total ou parcialmente com a proposição "sem a Igreja católica, em Portugal, muitos (idosos, doentes) ficariam mais sós" e 38,7% e 26,9%, respectivamente, concordam total ou parcialmente com a proposição "sem a Igreja católica, em Portugal, muitos não encontrariam um sentido para a vida".
Já quanto às proposições relativas ao contributo da religião para a dimensão cívico-política as percentagens são tremendamente baixas: "competência no trabalho": 9,6%; "honestidade no pagamento de impostos": 7,9%; "participação na vida cívica e política": 6,7%.
Aqui, é preciso parar e reflectir. Que se passa, se Jesus foi morto como blasfemo religioso e subversivo social e político? Afinal, o que é ser praticante, se Jesus anunciou o Reino de Deus, que começa já neste mundo? Que significa praticar liturgicamente, se não há consequências na praxis social e política?
É fundamental distinguir entre ética, direito, política e religião. Mas não se percebe por que é que a religião não há-de influenciar e motivar positivamente os crentes para uma praxis humanista e competente nestes domínios.
Neste contexto, há muito que a filósofa Adela Cortina chama a atenção concretamente para a relação entre ética e religião, apelando para a distinção entre ética de mínimos e ética de máximos.
Numa sociedade pluralista, impõe-se, no quadro de uma argumentação racional, uma ética de mínimos, que consiste em dar a cada um o que lhe corresponde, que é a exigência da justiça, do mínimo decente humano.
Isto hoje concretiza-se na obrigação por parte da sociedade de "garantir a cada um o exercício dos direitos: 1) da primeira geração, isto é, das chamadas 'liberdades de' (liberdade de consciência, de expressão, de imprensa, de associação, de participação no poder político e de iniciativa económica; 2) dos direitos da segunda geração, agrupados sob a expressão 'liberdades em relação a' ou 'libertação' (libertação da fome, da necessidade, da ignorância, da doença, que só pode conseguir-se satisfazendo o direito à educação, a um meio de vida digno, a uma certa segurança em casos de doença, desemprego ou velhice); 3) dos direitos da terceira geração, que exigem, ainda mais do que os restantes, a solidariedade internacional (direito à paz e a um meio ambiente sadio)".
Com este mínimo conjuga-se uma ética de máximos, que tem a ver com a felicidade, no quadro de projectos livres, religiosos, agnósticos ou ateus. Aí, estamos já no domínio do razoável, da narrativa, do dom e da graça.