no Correio do Vouga
«Ainda presenciei, na
década de trinta, como “menino do coro”, este facto curioso. No momento da
homilia, os homens saiam para o adro. A ouvir o padre ficavam as mulheres. Não
me recordaria deste quadro singular se não me fosse dado ir à porta da
sacristia, a um sinal do padre, tocar uma campainha para chamar, de novo, os
homens ao templo…»
O Concílio faz uma
especial recomendação em relação à homilia. Considera-a “parte da própria
liturgia, pela qual, no decorrer do ano litúrgico, são expostos os mistérios da
fé e as normas da vida cristã a partir do texto sagrado, não podendo ser
omitida nos domingos e nos dias santos de guarda”. As leis da Igreja reforçam
esta orientação e hoje a homilia dominical é um dado adquirido e indiscutível.
Compreende-se esta
preocupação do Concílio, dado que a história trazia, de bem longe, muitas
falhas neste campo. O Concílio Plenário Português (1926) tornou obrigatória,
para os párocos, a homilia dominical. Sinal de que muitos a não faziam. Ainda
presenciei, na década de trinta, como “menino do coro”, este facto curioso. No
momento da homilia, os homens saiam para o adro. A ouvir o padre ficavam as
mulheres. Não me recordaria deste quadro singular se não me fosse dado ir à
porta da sacristia, a um sinal do padre, tocar uma campainha para chamar, de novo,
os homens ao templo… Estes admiravam, por altura da festa, o sermão de um
“distinto orador sagrado”, não a pregação vulgar do seu pároco. E, no
Seminário, aconteceu assim comigo, fazíamos exercícios de oratória sagrada para
aprender a pregar do púlpito, mas não nos ensinavam a catequizar ou a estimular
com a Palavra de Deus a fé sincera, mas débil e pouco esclarecida, do povo
simples.
Em cada domingo há
milhares de pessoas a participar livremente na celebração da Eucaristia e a
ouvir a pregação de quem a ela preside. A maioria dos cristãos não teve outro
meio de formação e ainda hoje muitos não têm a senão a homilia de domingo. Quem
participa regularmente na Eucaristia, no fim do ano, tem mais de cinquenta
momentos privilegiados de alimento e fortalecimento da sua fé.
A diversidade das
assembleias dominicais constitui, em relação à homilia, uma dificuldade para o
presidente. A comunicação tem de ser simples e direta, compreensível e clara,
breve e orientada para a vida. Tem de ser um momento de reflexão para os que
participam na celebração, não para os ausentes. Tem de ser uma manifestação de
vida a realizar-se e uma proposta a dar sentido ao mistério que se celebra e,
ao mesmo tempo, ser orientação clara para a vivência cristã da semana que
começa.
A seguir ao Concílio
verificou-se um cuidado especial na preparação da homilia. Não faltaram padres
a prepará-la com a colaboração de um pequeno grupo de paroquianos e a respeitar
os pontos orientadores: relação com a Palavra proclamada, com o Mistério que se
celebra, com a vida concreta das pessoas e da comunidade. Padres a recorrer a
bons comentários bíblicos com a preocupação de melhor captar o sentido da
Palavra de Deus, bem como a prestar uma maior atenção aos acontecimentos por
todos vividos, a nível local, social e eclesial. Sempre com a preocupação de
que o que se prega, seja alimento espiritual para quem prega e para quem
escuta. O pregador é o primeiro ouvinte e o povo percebe bem quando assim é. Só
ultimamente se tem dado maior espaço ao silêncio depois da pregação. Será tempo
vazio sempre que a comunidade não for educada no sentido de perceber o sentido
e o valor do silêncio na celebração litúrgica.
Vêem-se, cada vez mais,
presidentes da celebração a ler a homilia. Pode justificar-se algumas vezes,
mas não sempre. A leitura empobrece a comunicação direta com a assembleia, e
esta comunicação é um elemento importante na pregação. Em coerência com a
eclesiologia conciliar, não cabem na homilia nem saudações, nem distinções
especiais. Na Eucaristia não há senão “irmãos”. Se outros, por vezes não
crentes, estão por dever de outra ordem, que o que se diz também lhes faça bem.
Talvez na despedida e dada a bênção, se lhes possa fazer uma saudação e
referência, bem como ao acontecimento que nesse dia lhes impôs uma presença no
templo. Quando se aboliram os lugares especiais no templo, tribunas e cadeiras
com o nome de quem as usava, ficou bem claro o que queria o Concílio. Nem todos
o entenderam assim, e mais se continua a copiar da vida civil do que a dar
sugestões que ajudariam esta a corrigir desvios que aí se verificam.