quinta-feira, 8 de março de 2012

Homilia, momento privilegiado e de grande sentido pastoral


Texto de António Marcelino
no Correio do Vouga


«Ainda presenciei, na década de trinta, como “menino do coro”, este facto curioso. No momento da homilia, os homens saiam para o adro. A ouvir o padre ficavam as mulheres. Não me recordaria deste quadro singular se não me fosse dado ir à porta da sacristia, a um sinal do padre, tocar uma campainha para chamar, de novo, os homens ao templo…»


O Concílio faz uma especial recomendação em relação à homilia. Considera-a “parte da própria liturgia, pela qual, no decorrer do ano litúrgico, são expostos os mistérios da fé e as normas da vida cristã a partir do texto sagrado, não podendo ser omitida nos domingos e nos dias santos de guarda”. As leis da Igreja reforçam esta orientação e hoje a homilia dominical é um dado adquirido e indiscutível.
Compreende-se esta preocupação do Concílio, dado que a história trazia, de bem longe, muitas falhas neste campo. O Concílio Plenário Português (1926) tornou obrigatória, para os párocos, a homilia dominical. Sinal de que muitos a não faziam. Ainda presenciei, na década de trinta, como “menino do coro”, este facto curioso. No momento da homilia, os homens saiam para o adro. A ouvir o padre ficavam as mulheres. Não me recordaria deste quadro singular se não me fosse dado ir à porta da sacristia, a um sinal do padre, tocar uma campainha para chamar, de novo, os homens ao templo… Estes admiravam, por altura da festa, o sermão de um “distinto orador sagrado”, não a pregação vulgar do seu pároco. E, no Seminário, aconteceu assim comigo, fazíamos exercícios de oratória sagrada para aprender a pregar do púlpito, mas não nos ensinavam a catequizar ou a estimular com a Palavra de Deus a fé sincera, mas débil e pouco esclarecida, do povo simples.
Em cada domingo há milhares de pessoas a participar livremente na celebração da Eucaristia e a ouvir a pregação de quem a ela preside. A maioria dos cristãos não teve outro meio de formação e ainda hoje muitos não têm a senão a homilia de domingo. Quem participa regularmente na Eucaristia, no fim do ano, tem mais de cinquenta momentos privilegiados de alimento e fortalecimento da sua fé.
A diversidade das assembleias dominicais constitui, em relação à homilia, uma dificuldade para o presidente. A comunicação tem de ser simples e direta, compreensível e clara, breve e orientada para a vida. Tem de ser um momento de reflexão para os que participam na celebração, não para os ausentes. Tem de ser uma manifestação de vida a realizar-se e uma proposta a dar sentido ao mistério que se celebra e, ao mesmo tempo, ser orientação clara para a vivência cristã da semana que começa.
A seguir ao Concílio verificou-se um cuidado especial na preparação da homilia. Não faltaram padres a prepará-la com a colaboração de um pequeno grupo de paroquianos e a respeitar os pontos orientadores: relação com a Palavra proclamada, com o Mistério que se celebra, com a vida concreta das pessoas e da comunidade. Padres a recorrer a bons comentários bíblicos com a preocupação de melhor captar o sentido da Palavra de Deus, bem como a prestar uma maior atenção aos acontecimentos por todos vividos, a nível local, social e eclesial. Sempre com a preocupação de que o que se prega, seja alimento espiritual para quem prega e para quem escuta. O pregador é o primeiro ouvinte e o povo percebe bem quando assim é. Só ultimamente se tem dado maior espaço ao silêncio depois da pregação. Será tempo vazio sempre que a comunidade não for educada no sentido de perceber o sentido e o valor do silêncio na celebração litúrgica.
Vêem-se, cada vez mais, presidentes da celebração a ler a homilia. Pode justificar-se algumas vezes, mas não sempre. A leitura empobrece a comunicação direta com a assembleia, e esta comunicação é um elemento importante na pregação. Em coerência com a eclesiologia conciliar, não cabem na homilia nem saudações, nem distinções especiais. Na Eucaristia não há senão “irmãos”. Se outros, por vezes não crentes, estão por dever de outra ordem, que o que se diz também lhes faça bem. Talvez na despedida e dada a bênção, se lhes possa fazer uma saudação e referência, bem como ao acontecimento que nesse dia lhes impôs uma presença no templo. Quando se aboliram os lugares especiais no templo, tribunas e cadeiras com o nome de quem as usava, ficou bem claro o que queria o Concílio. Nem todos o entenderam assim, e mais se continua a copiar da vida civil do que a dar sugestões que ajudariam esta a corrigir desvios que aí se verificam.


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