DIREITOS DOS ANIMAIS?
Anselmo Borges
Sobre esta questão complexa, existem três posições
filosófico-jurídicas fundamentais. No Ocidente, predomina a concepção chamada
kantiana, que só reconhece direitos às pessoas. Nas últimas décadas, o
movimento animalista vem defendendo a tese de que há animais não humanos que
são pessoas. A terceira proposta é a de um modelo de sociedade na qual se
reconhece a dignidade dos humanos, mas tem em atenção o valor dos animais.
1 Na concepção predominante, só a pessoa humana é sujeito de
direitos. A dignidade da pessoa humana é o fundamento dos direitos humanos. Mas
significa isso que os animais devam ser remetidos para o domínio das coisas? O
constitucionalista J. Gomes Canotilho pergunta justamente, numa obra colectiva
sobre os desafios para a Igreja de Bento XVI, se precisamente um desses
desafios não é desenvolver uma ecologia em que "as diferenças entre 'algo
e alguém' não remetam para o domínio das coisas a problemática humana dos
outros seres vivos da Terra".
2 Num texto famoso de 1789, Jeremy Bentham inquiria: Qual é
a característica que confere o direito a uma consideração igualitária? E
respondia, perguntando: "Será a faculdade da razão ou, talvez, do
discurso? Mas um cavalo adulto é, para lá de toda a comparação, um animal muito
mais racional assim como mais sociável do que um recém-nascido de um dia, uma
semana ou até um mês. Mas suponhamos que não era assim; de que serviria? A
questão não é: pode raciocinar?, pode falar?, mas: pode sofrer?"
O chamado utilitarismo moral coloca o centro precisamente na
capacidade de sofrer e de sentir prazer. Para Peter Singer, defensor célebre
desta concepção, os seres sensíveis têm interesses, concretamente o interesse
do maior prazer possível e da menor dor possível, seguindo-se daí que, ao
contrário da concepção anterior, temos deveres directos para com todos os seres
capazes de sentir. A desigualdade de tratamento deriva do chamado especiesismo
- julgo que se deve dizer assim e não especismo -, que consiste na preferência
que damos aos humanos sem qualquer outra razão que não a pertença a uma
espécie, no caso, a espécie humana.
Singer, professor da Universidade de Princeton, escreve
textualmente, em Ética Prática: "Devemos rejeitar a doutrina que coloca a
vida dos membros da nossa espécie acima da vida dos membros de outras espécies.
Alguns membros de outras espécies são pessoas; alguns membros da nossa não o
são. De modo que matar um chimpanzé, por exemplo, é pior que matar um ser
humano que, devido a uma deficiência mental congénita, não é capaz nem pode vir
a ser uma pessoa."
3 A filósofa Adela Cortina, numa obra importante - Las
fronteras de la persona -, atravessa toda esta problemática, para defender a
sua tese, com a qual me identifico. A vida é valiosa por si mesma, mas ainda
mais a dos seres sensíveis, que têm a capacidade de sofrer e ter prazer. Os
animais têm um valor intrínseco e não meramente instrumental, havendo, por
isso, uma obrigação directa de lhes não causar dano.
Mas há seres que não só têm valor intrínseco "mas
também absoluto". Os direitos humanos são naturais, isto é, a sociedade
política não os concede, mas simplesmente os reconhece, pois são anteriores ao
pacto político. Os outros animais não têm o sentido da dignidade e da
humilhação. Os humanos "são capazes de reconhecer se a sua própria vida é
digna ou indigna, a partir do reconhecimento que outros fazem dela e a partir
da sua própria autoconsciência". Para os outros animais basta uma vida
materialmente satisfeita; mas a ideia de uma vida digna é diferente:
"brota do reconhecimento de estar a ser tratado segundo a norma da espécie,
que é, em última análise, a da liberdade."
E os membros da nossa espécie que não podem de facto exercer
essas capacidades, como os deficientes mentais profundos? "Isso não os
torna membros de outras espécies, mas pessoas que é preciso ajudar para poderem
viver ao máximo essas capacidades, o que só conseguirão numa comunidade humana
que cuide deles e os promova na medida do possível."
No DN
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