O mistério de um rosto
Um rosto é um milagre. Há hoje no mundo 6200 milhões. Nenhum igual a outro: cada rosto é único.
Um rosto é a visita do infinito e a sua manifestação viva no finito. Um rosto é uma intimidade visível, ao mesmo tempo manifesta e velada - os psicólogos sabem que, nas suas várias fases de desenvolvimento, o sinal de que o bebé distingue entre o Si e o não-Si é a sua capacidade de diferenciar um rosto. Esse rosto concentra-se no olhar. E o que é o olhar senão a luz que se acende na noite do mistério? Nunca ninguém viu o seu rosto e o seu olhar a não ser num espelho e sobretudo no olhar de outro rosto.
Para rosto há muitos nomes: rosto, cara, face, aspecto, máscara-pessoa. De um modo ou outro, todos indicam a visibilidade de alguém. Que é um rosto senão alguém que se mostra na sua aparição? O rosto é a nossa exposição, o nosso estar voltados para os outros e para a frente, para diante.
O que vai na alma vem ao rosto. Há o rosto sereno, ou amargurado, ou alegre, ou rancoroso, ou triste, esfarrapado, revoltado, suplicante, pensativo, esfomeado. De homem, criança ou mulher.
Um rosto estoira em riso; um rosto desfaz-se em lágrimas. A criança tem o rosto da manhã; nas rugas do rosto velho, está escrito o trajecto de uma história.
A beleza estonteante do riso num rosto nunca será explicada pela física. A química nunca há-de explicar as lágrimas de alegria, de dor, de horror, de compaixão, que nascem da fonte do olhar e descem por um rosto.
Como é que foi possível o dinamismo do universo ir-se configurando ao longo de milhares de milhões de anos até á sua concentração na forma de um rosto enquanto divino visto? É nele que Deus nos visita e interpela.
No rosto, há uma pessoa que se apresenta e é vista. Por isso, o mistério de um rosto morto é que nele o que se mostra é a ausência definitiva de um alguém. Para sempre.
Para sempre?
A arte é a vitória da vida sobre a morte. A beleza gera e materializa a esperança de presença eterna. Mas só a esperança.
Por isso, a arte não é o final. Final mesmo é a convocação por Deus de todos os rostos da história do mundo, transfigurados pelo esplendor divino da eternidade. Já não haverá lágrimas nem dor nem sofrimento nem morte. Como diz o Apocalipse: "Vi, então, um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e o mar já não existia. E vi descer do céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova Jerusalém, já preparada, qual noiva adornada para o seu esposo. E ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia: 'Esta é a morada de Deus entre os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo e o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus. Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; e não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor. Porque as primeiras coisas passaram.' O que estava sentado no trono afirmou: 'Eu renovo todas as coisas.'"
O que a Páscoa faz é antecipar em Jesus Cristo a concretização dessa esperança de todos e para todos.
In RELIGIÃO - Opressão ou libertação?