sábado, 16 de novembro de 2013

O ENIGMA DA PERGUNTA E A RELIGIÃO


Anselmo Borges



O ser humano é constitutivamente o ser da pergunta, não podendo deixar de perguntar. Mas o próprio perguntar é enigmático. Se perguntamos, é porque não sabemos, mas sobre aquilo de que nada sabemos não perguntamos. Então, o que é que sabemos quando perguntamos? Sabemos sempre de modo imediato e atemático sobre o ser. É sempre no ser que estamos, numa experiência originária.

Mas essa experiência é a do ser na sua ambiguidade, causando-nos, por isso, espanto positivo e negativo e levando-nos à pergunta: o que é? Outra experiência fundamental, explicitando esta, tem que ver com o aparente e o real. Há sempre aquele encontro com o que nos parecia real e era apenas aparente: alguém, por exemplo, parecia cheio de saúde e, afinal, estava doente. Daqui, a pergunta: o que é verdadeiramente? Qual é a realidade última? Como escreve o filósofo Carlos João Correia, a religião é, numa primeira abordagem essencial, "um fenómeno cultural, de natureza pessoal e social, que engloba um conjunto de crenças, acções e emoções organizadas em torno da ideia do que se poderia designar, em termos filosóficos, "como uma realidade última e fundamental"".



Esta realidade última remete-nos e liga-nos ao incondicionado ou, se se quiser, ao absoluto. De facto, o contingente, o efémero, tem como sua condição de possibilidade uma realidade necessária prévia, o incondicionado.

Aqui, pode surgir uma crítica semelhante à que Bertrand Russell fazia a uma causa primeira, a Deus enquanto causa sui, causa de si, causa incausada: se tudo tem uma causa, qual é a causa de Deus?, se o incondicionado é condição de todo o condicionado, qual é a sua causa? Simon Blackburn mostrou que a argumentação de Russell não convence: "Russell terá notado que o argumento da causa primeira era mau, excepcionalmente, terrivelmente mau, uma vez que a conclusão não só não se segue das premissas, mas também na realidade as contradiz. A sua ideia era que o argumento parte da premissa de que "tudo tem uma causa (prévia e distinta)", mas acaba na conclusão de que tem de haver algo que não tem uma causa prévia e distinta, mas "tem em si a razão da sua própria existência". Portanto, a conclusão nega o que a premissa afirma. Ora, a rejeição de Russell é um pouco fraca. Realmente, o objectivo do argumento, na perspectiva teológica, é mostrar que, apesar de tudo o que é material ou físico ter uma causa prévia distinta, precisamente este facto leva-nos a postular algo de diferente, que não tem uma causa prévia distinta. No jargão teológico, isso seria algo que é "necessário" ou "causa sui": algo que é a sua própria causa. E uma vez que isto não se verifica no caso das coisas comuns que nos rodeiam, precisamos de postular algo extraordinário, uma Divindade enquanto titular desta extraordinária auto-suficiência." A questão é realmente a de um ser auto-suficiente.

É raro tematizarmos esta questão essencial, mas ela está lá sempre presente. Carlos João Correia acrescenta: "Mesmo que não quiséssemos, a percepção da nossa mortalidade far-nos-ia relembrar a sua presença silenciosa, pois a morte, enquanto nadificação das nossas possibilidades, faz emergir a própria questão de se ser."

Aceitando o carácter irredutível e necessário de uma "realidade última", fica a questão da relação humana com ela, percebendo-se que varie em função das diferentes mundividências e perspectivas culturais. Assim, "múltiplas posturas designadas como ateias" - pense-se, por exemplo, na concepção marxista de uma realidade última dialéctica - "não deixam, por isso, de serem religiosas". De facto, dá-se uma experiência religiosa, sempre que há "a consciência de dois postulados fundamentais: 1. Para lá da contingência dos fenómenos existe um horizonte em que eles têm sentido; 2. É incontornável para cada ser pessoal uma certa postura de relacionamento com esse mesmo horizonte." Por isso, embora a importância da palavra religião pareça desaparecer a um ritmo galopante do léxico humano contemporâneo, "a sua realidade permanece actual, na medida em que a resposta global às questões centrais da vida permanece tão ou mais viva do que antes".

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