terça-feira, 21 de novembro de 2017

“Deus trocou o tempo para não sabermos mais do que ele”


 

Natália Faria (Texto) e Adriano Miranda (Fotografia) no Público

Miguel Almeida - Amar com obras e não com palavras


 
 

Festa de Nossa Senhora da Nazaré em 2018



Não sendo muito festeiro, não deixo de apreciar e valorizar as tradições que vêm dos nossos ancestrais. Quero sublinhar o verbo valorizar pela simples razão de que os tempos mudam, tal como mudam os gostos e as apetências das pessoas. Por isso, compreendo e aceito mudanças que possam enriquecer as tradições.
Tive pena, mesmo muita pena, quando na Gafanha da Nazaré deixou de se fazer a festa em honra de Nossas Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal, no seu dia próprio, 8 de dezembro, ou no fim de semana mais próximo. Era a festa dos bacalhoeiros que nessa quadra já tinham regressado da faina maior.
Voltando à festa de Nossa Senhora da Nazaré, entristeceu-me a falta de mordomos que se empenhassem na organização dos festejos, nomeadamente, na componente profana, como aconteceu este ano. Contudo, no próximo ano já haverá festa, porque se organizou um grupo de homens e mulheres da nossa terra com coragem para avançar. Desejo que consigam não só levar por diante o seu projeto, mas também lhes peço que saibam estimular outros conterrâneos que aceitem seguir o seu exemplo no futuro.

domingo, 19 de novembro de 2017

Um poema de Manuel António Pina — O nome do cão




O NOME DO CÃO

O cão tinha um nome
por que o chamávamos
e por que respondia,

mas qual seria
o seu nome
só o cão obscuramente sabia.

Olhava-nos com uns olhos que havia
nos seus olhos
mas não se via o que ele via,
nem se nos via e nos reconhecia
de algum modo essencial
que nos escapava

ou se via o que de nós passava
e não o que permanecia,
o mistério que nos esclarecia.

Onde nós não alcançávamos
dentro de nós
o cão ia.

E aí adormecia
dum sono sem remorsos
e sem melancolia.

Então sonhava
o sonho sólido que existia.
E não compreendia.

Um dia chamámos pelo cão e ele não estava
onde sempre estivera:
na sua exclusiva vida.

Alguém o chamara por outro nome,
um absoluto nome,
de muito longe.

E o cão partira
ao encontro desse nome
como chegara: só.

E a mãe enterrou-o
sob a buganvília
dizendo: " É a vida..."


Manuel António Pina
primeiros poemas
todas as palavras
poesia reunida
assírio & alvim
2012

Nota: Por sugestão do caderno Economia do EXPRESSO

Eu gostava de envelhecer assim!

Uma crónica de David Marçal 
— Quanto pagaria para ter mais tempo de vida saudável? 

Bento Domingues — Teologia da libertação ou libertação da teologia? (2)



«Hoje, não posso esquecer que o Papa Francisco, o praticante e resistente da teologia da libertação e da libertação da teologia, instituiu o Dia Mundial do Pobre. Acontece neste Domingo. Se os pobres não estiverem na missa, é porque lha roubaram.»

1. Recebi, recentemente, três obras de três consagrados autores portugueses. Uma é de António Lobo Antunes, outra de Frederico Lourenço e a terceira de António Damásio. Uma pertence à criação literária, outra ao alargamento do nosso mundo bíblico e a terceira à investigação científica. Ninguém escreve como Lobo Antunes, ninguém pode ousar o que Frederico Lourenço consegue, a antropologia científica, filosófica e sapiencial de António Damásio é o guião e o mapa que nos faltavam para a fascinante viagem às raízes da vida, dos sentimentos e das culturas humanas. Mostra-nos como e porquê “os seres humanos acabam sempre por depender da maquinaria dos afectos e das suas ligações com a razão. Não há maneira de fugir a tal condição”.
Conhecer essa maquinaria ajuda a não sermos cegos a conduzir outros cegos para o desastre pessoal e colectivo. As investigações destinadas a saber quem somos, como somos, quem podemos e devemos ser, requerem a cooperação de todas as ciências e sabedorias. A cultura da cooperação é um caminho luminoso para nos irmos libertando do egoísmo, o inimigo público e privado do presente e do futuro da humanidade.
Repete-se que a ciência e a tecnologia podem ser usadas para melhorar o nosso futuro — o seu potencial continua a ser extraordinário — ou podem representar a nossa perdição. Pode-se continuar, por outro lado, a desenvolver a ideia de que o ser humano é uma paixão inútil que importa substituir por outra coisa mais limpa, mais inteligente e mais rentável. Essa coisa pós-humana já está configurada, mas continuo a não saber para quem. 
Destaquei o novo livro deste investigador português, radicado nos EUA, porque, em primeiro lugar, preciso dele — talvez não seja o único — para perceber “a estranha ordem das coisas” na evidente desordem do mundo. Ao chegar ao fim, exprime uma atitude que é essencial à libertação da teologia. Permito-me transcrever: “Em primeiro lugar, e tendo em conta as imensas novas e poderosas descobertas científicas, é fácil ceder à tentação de acreditar em certezas e interpretações prematuras que o tempo se encarregará de rejeitar impiedosamente. Estou preparado para defender a minha actual visão sobre a biologia dos sentimentos, da consciência e das raízes da mente cultural, mas não tenho ilusões sobre a durabilidade dessa visão. Em segundo lugar, embora seja possível falar com alguma confiança das características e das operações dos organismos vivos e da sua evolução, e embora seja possível situar o início do respectivo universo há cerca de 13 mil milhões de anos, não temos qualquer relato científico satisfatório quanto à origem e ao significado do Universo, ou seja, não temos uma teoria de tudo que nos diga respeito. Serve isto para recordar que os nossos esforços são modestos e hesitantes, e que devemos estar a abertos e atentos quando decidimos abordar o desconhecido.” [1]

2. Se as lideranças da Igreja, os teólogos, os padres e os catequistas tivessem estes cuidados de puro bom senso teriam evitado, às comunidades cristãs, muitos falsos problemas no campo da criação cultural, das ciências, da acção pastoral e da ética. Não tomariam atitudes e decisões que pudessem impedir uma virtuosa abertura ao futuro, ao imprevisto e imprevisível.
Nota-se isto em muitos âmbitos, mas tornou-se uma tragédia que se aprofunda e alarga, dia a dia, em relação aos “ministérios ordenados” de solteiros e casados, sobretudo à declaração de que as mulheres nunca poderão receber o sacramento da Ordem. Poder-se-ia perguntar como é que se sabe tanto acerca do futuro e tão pouco acerca do presente?
Configuraram-se as instituições funcionais da Igreja para determinados contextos sociais e culturais que não podem ter garantias de eternidade. Não tendo isso em conta, acabam por deixar a vida pastoral em becos sem saída, paralisada. Abandonaram-se os avisos de Cristo: “para vinho novo, odres novos”; “o sábado é para o ser humano e não o ser humano para o sábado.” S. Paulo não se esqueceu: foi para a liberdade que Cristo vos libertou.
É muito importante a questão e a história da teologia da libertação, mas volto a dizer que é ainda mais decisivo libertar a teologia da ideologia, da visão distorcida da fidelidade confundida com a repetição do pré-definido, do pré-sabido e do sempre rezado, assim como era no princípio agora e sempre pelos séculos dos séculos [2].
Um dos modelos medievais da prática teológica, que sempre me deliciaram, estava ligado à interrogação sistemática, isto é, às questões disputadas (quaestiones disputatae). Tomás de Aquino, além disso, estava profundamente marcado pela teologia negativa, que nada tinha de niilista. Qualquer afirmação tinha de ser acompanhada de negação. Depois de descrever a sua teoria do conhecimento teológico e de mostrar a razoabilidade da afirmação da existência de Deus, diz que seria normal que se procurasse saber como é Deus, mas não podia ir por aí, pois só podemos saber como Ele não é. Esta é uma teologia da libertação da idolatria dos nossos conceitos da divindade [3].
Era o tempo da combinação do atrevimento, na teologia, com a virtude da modéstia na sua prática. Tomás de Aquino sabia unir o que outros separavam: procurar entender para crer e crer para entender.

3. Quando me perguntam qual foi o papel da teologia da libertação em Portugal, tenho de ter em conta vários aspectos para poder responder. A teologia académica, entre 1911 e 1968, esteve em perfeito jejum, como já referi. Não é uma interpretação. É um facto. Na maioria dos casos, a teologia dos seminários era de importação, de justificação do que estava mandado crer e pensar, preparava párocos. O padre Joaquim Alves Correia era um teólogo por conta própria. Testemunhava a Largueza do Reino de Deus, que lhe saiu caro, dada a estreiteza da ideologia dominante.
Existe uma produção histórica abundante sobre a relação da Igreja com o Estado Novo e o mundo dos católicos que a questionavam. Nessa produção não se fala de teologia da libertação nem da libertação da teologia, mas existiram ambas com os limites que as circunstâncias eclesiais e políticas impunham, mas o conhecimento dos seus percursos tem de ficar para outra crónica.
Hoje, não posso esquecer que o Papa Francisco, o praticante e resistente da teologia da libertação e da libertação da teologia, instituiu o Dia Mundial do Pobre. Acontece neste Domingo. Se os pobres não estiverem na missa, é porque lha roubaram.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO

[1] António Damásio, A Estranha Ordem das Coisas, Círculo de Leitores, 2017, pp. 331-332.
[2] Quem desejar conhecer o que era a prisão da teologia nos anos 50 do séc. passado, leia o impressionante Journal d’un théologien (1946-1956), de Yves Congar, Cerf, 2000
[3] Summa Theologiae, q. III, Prólogo

sábado, 18 de novembro de 2017

Efeméride - Desertas encalha na Costa Nova

1916 - 18 de novembro 


"Pelas 20 horas e 20 minutos produziu-se o encalhe do navio «Desertas»ao norte da Vagueira e a meia milha ao sul dos palheiros e armações da pesca da Costa Nova de Aveiro, iniciando-se a partir deste momento uma odisseia de recuperação e salvamento do navio, que durou até 20 de Março de 1920, data em que o navio saiu da barra de Aveiro (16:40) para voltar a navegar. – HJCO"

In Calendário Históricode Aveiro 
de António Christo e João Gonçalves Gaspar


Ler mais aqui

Património das Gafanhas precisa de ser conhecido



O dinamismo de uma terra, por mais modesta que seja, conta-se pela vida e entusiasmo das suas gentes e instituições, muitas das coisas nos passam à margem. Tanto quanto vou sabendo, nascem e morrem associações na Gafanha da Nazaré, e porventura noutras terra, sem nos darmos conta da sua vida real e das razões por que, de um ano para o outro, morrem sem honra nem glória. 
Todos sabemos que a vida agitada que nos domina nem tempo nos dá para pensar na realidade da obra de cada instituição, mas os seus dirigentes podiam muito bem fazer um registo alusivo ao nascimento, trabalhos realizados, projetos de futuro e outros pormenores históricos das associações que dirigem. Desta forma, seria fácil fazer um levantamento do que há nas nossas freguesias, deixando aos vindouros notas preciosas, ao jeito de registo do património local. O mesmo poderia fazer-se noutras localidades. 
Se os dirigentes puderem e quiseram proceder a este levantamento, eu terei muito gosto em publicar no meu blogue Galafanha o que tiverem a gentileza de me enviar. 

Um poema de Aida Viegas — Tudo Passa


Tudo Passa

Tudo passa nesta vida
Nos caminhos e nos ventos
Nas correntes de água turva
Na mente nos pensamentos.
Passa a mágoa com o tempo
Passa a dor e passa a vida
Passa a paz e a alegria
Passa a noite, passa o dia.

Há passantes, há passado
Há o passo a procissão.
Uns seguem pelos caminhos
Outros param na ilusão.
Há quem esteja a ver passar
Há quem vá de escantilhão
Outros seguem arrastados
No meio da multidão.
Há passivos, pacientes
E quem vá só de empurrão
Os perdidos vão seguindo
Caminhos de escuridão.
Passam luas sem luar
Dias sem sol e sem luz
Há quem passe derreado
Carregando sua cruz.

Tudo passa
A fome, a guerra
Passa a banda, a procissão
Passa o ódio e o amor
Passa o luto e a paixão.
Passa o vento, passa o rio
O Outono e o Inverno.
Passa o calor, passa o frio
Só não passa o que é eterno.

Aida Viegas

O Homem e a Natureza


«O mundo tornou-se perigoso, porque os homens aprenderam a dominar a natureza antes de se dominarem a si mesmos.»
Albert Schweitzer (1875-1965)
Teólogo, filósofo, músico e médico alemão

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Anselmo Borges — Lutero: a fé e as indulgências




1. Por causa de Lutero, pus-me a caminho de Worms, era eu ainda estudante na Alemanha. Foi uma senhora que amavelmente me disse: ali adiante, no jardim, junto à catedral, vai encontrar uma placa no chão alusiva à presença de Lutero. E lá encontrei a placa: "Hier Stand Vor Kaiser Und Reich Martin Luther, 1521" (aqui compareceu perante o império e o imperador Martinho Lutero, 1521). Foi ali, na Dieta de Worms, que Lutero fez o discurso que marcaria a ruptura com a Igreja de Roma, o discurso que termina com as famosas palavras sempre lembradas quando se trata de defender a objecção de consciência: "Se me não refutardes através do testemunho das Escrituras ou mediante argumentos evidentes - uma vez que não creio nem nos papas nem nos concílios, pois é evidente que já muitas vezes se equivocaram e se contradisseram -, estou encadeado aos textos da Escritura e a minha consciência cativa da Palavra de Deus. Não posso retractar-me nem me retractarei de nada, porque não é justo nem honesto agir contra a consciência. Que Deus me ajude! Amém."

Lutero já estava excomungado e podia ser preso. Por isso, Frederico III conseguira do imperador Carlos V um salvo-conduto para ele poder ir a Worms e regressar, sem ser detido. Depois da sua declaração, ficava proscrito, podendo o seu fim ser a fogueira, como acontecera a Jan Hus, que também queria a reforma da Igreja. Assim, o príncipe Frederico, astutamente, sequestrou-o, para protegê-lo no seu castelo de Wartburg, onde se dedicou à tradução do Novo Testamento, contribuindo decisivamente para a constituição do alemão moderno. Abandonou o hábito de frade em 1524 e casou-se com Catarina de Bora em 1525, tendo sido um bom marido e pai.

2. Lutero nasceu em Eisleben em 1483. Estudou Filosofia e Direito. A sua vida sofreu uma reviravolta quando no dia 2 de Julho de 1505, no meio de uma grande tempestade, um raio lhe caiu perto e, aterrado, prometeu: "Santa Ana, ajuda-me, far-me-ei monge." No dia 17 de Julho seguinte, contra a vontade do pai, cumpriu e deu entrada no Convento dos Agostinhos em Erfurt, em cuja universidade estudava. Foi ordenado em 1507, doutorando-se em Teologia em 1512, e exerceu como professor de Teologia Bíblica. Antes, enviado pelo superior, J. von Staupitz, passou por Roma, onde, constatando o fausto e a vida escandalosa do Papa e da Cúria, mais aprofundou a urgência da reforma da Igreja.
Foi um frade piedoso e cumpridor, na oração, no jejum, na penitência, confessava-se frequentemente. Sedento de Deus e de salvação, vivia em crise interior permanente, angustiado com os escrúpulos, torturado com o pecado e a ira de Deus e a sua justiça como castigo. Obcecava-o a pergunta: "Que devo fazer para obter a misericórdia de Deus?" Em 1545, recorda no prólogo à edição das suas Obras Completas em latim: "Embora a minha vida de frade fosse irrepreensível, sentia-me pecador diante de Deus, com a consciência perturbada. Indignava-me contra este Deus, alimentando em segredo, senão a blasfémia, pelo menos uma violenta murmuração... Sei de um homem que sofreu estas penas muitas vezes... com violência tão dura e infernal que nem a língua pode exprimir nem a pena escrever..."
Foi em 1514 que se deu a viragem total na sua vida, ao descobrir, através da Carta aos Romanos, de São Paulo, o Deus da misericórdia, cuja justiça não é de castigo mas de amor. "Pela fé recebemos um coração diferente, novo e puro. Deus quer ter-nos totalmente justificados por causa de Cristo, nosso mediador." Em terminologia simples, a questão que já São Paulo tinha é esta: o que vale a minha vida? Que valor tem ela e para quem? Quem me reconhece? Valho o quê para quem? E São Paulo e Lutero descobrem que valemos infinitamente para Deus. A fé é a entrega confiada a esse mistério do Deus misericordioso que, através de Cristo, reconhece o nosso valor para ele. Nisso consiste a salvação.

3. Resolvido este problema pessoal, no quadro da urgência da reforma da Igreja, no contexto da necessidade de uma piedade mais interior e pessoal, quando os príncipes exigiam autonomia face ao imperador Carlos V e a Roma e estavam em marcha transformações culturais, económicas e políticas, destronando o paradigma medieval, Lutero acabou por desencadear, nem sempre consciente disso e até contra a sua vontade, uma ruptura religiosa e um cataclismo civilizacional. Como escreveu Jaume Botey, "as consequências desse cataclismo puseram em evidência a existência na Europa de duas culturas, dois modelos de relações sociais, duas formas de entender a política e o poder, inclusive, dois modelos económicos que, de facto, ainda hoje continuam entre a Europa do Norte e a Europa mediterrânica".
A causa imediata foi a venda de indulgências. No dia 31 de Outubro de 1517, Lutero afixou nas portas da igreja do castelo de Wittemberg as célebres 95 teses, apenas com o propósito de um debate teológico académico. Algumas dessas teses: "Deve-se ensinar aos cristãos que age melhor quem dá esmola ao pobre do que quem compra indulgências." "Se o Papa soubesse dos métodos de extorsão usados pelos pregadores de indulgências, preferiria ver a Basílica de São Pedro a afundar-se em cinzas a edificá-la à custa da pele, da carne e dos ossos das suas ovelhas." "Deve ensinar-se aos cristãos que o Papa, como é seu dever, estaria, se fosse necessário, disposto a vender a Basílica de São Pedro para dar do seu próprio dinheiro a muitos a quem alguns pregadores o tiram."

4. Qual o cristão que não estará de acordo com a crítica da venda das indulgências?
Recentemente, o Papa Francisco, com a audácia que o Evangelho dá, "denunciou e condenou o "mercadejar" no que ao inferno, ao céu e ao purgatório se refere, como frequentemente se faz nas cúrias eclesiásticas e seus arredores". E convidou a todos a deixar-se "misericordiar" por Deus.

Anselmo Borges no DN

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Georgino Rocha — Valorizar os dons que Deus te confia



Jesus quer deixar claro quem é Deus. Está na parte final dos seus ensinamentos. Tem consigo os discípulos e, neles, todos os que virão a acreditar na sua palavra. Como nós, hoje. E recorre a três parábolas muito concretas: A da festa nupcial, narrada no domingo passado, a da avaliação final ou do juízo da humanidade e do universo, no próximo domingo que a Igreja celebra como a Festa de Cristo Rei, a de hoje dedicada aos talentos confiados aos servos por um homem rico que vai fazer uma viagem. Por indicação do Papa Francisco este domingo é consagrado especialmente aos Pobres, o que indica uma chave de leitura para o texto evangélico
Mateus elabora uma excelente catequese para os judeus convertidos, destinatários preferenciais do seu evangelho. E faz uma narração em que praticamente todos os elementos têm um especial significado. Vale a pena acompanhar o seu precioso relato.
Um homem parte de viagem. (Mt 25, 14-30). Certamente teria razões sérias: Gosto pela aventura, cansaço das rotinas da vida, tentativas de alcançar novos benefícios, ou o desejo de mostrar uma faceta do seu coração: a confiança nos empregados e no seu agir responsável? Tudo aponta para esta última hipótese. Os dons entregues gratuitamente têm apenas em conta as capacidades dos servos, nem sequer as necessidades ou outras circunstâncias. São à medida de cada um. Sem exigir nada que a ultrapasse. Não pretende sobrecarregar ninguém, nem provocar cansaços estéreis. Nada de “burnout”. Mas uma excelente oportunidade para que as capacidades possam desenvolver-se, afirmar-se, atingir a maturidade. Que propósito sublime e beleza confiante!
A viagem demora o tempo suficiente para que os servos possam realizar o trabalho encomendado. Certamente que, entretanto, vários sentimentos o assaltam, antes de vir encontrar-se com eles. Mas a confiança na sua atitude responsável prevalecia. E que grande alegria se apoderou do seu coração quando ouvia o relato do que havia acontecido aos dois primeiros. Tinham conseguido o pleno: Os cinco multiplicaram-se por outros cinco; o mesmo acontecendo aos dois que alcançaram outros dois. O dono tem uma reacção curiosa, cheia de mensagem: Não reclama nada, mas tudo entrega de novo: as mais-valias e os talentos confiados. Com provas tão positivas, os servos podem desempenhar serviços maiores e saborear a alegria exuberante do seu senhor. Que momento tão consolador! Que desfecho tão surpreendente! Que apreço pela confiança serena e activa!
O mesmo não acontece com o que havia recebido o talento proporcional às suas capacidades e actua de acordo com as regras que conhece: Sabia que és severo; tive medo e salvaguardei o teu talento; aqui o tens. Mateus ao destacar as razões invocadas deixa a claro a força paralisante do medo, a asfixia das capacidades que provoca, a esterilidade da vida respaldada na segurança e na acomodação. Razões que podem iluminar muitas atitudes e comportamentos actuais, e, à maneira de “chicotada psicológica”, abanar consciências adormecidas. E o dono complacente aceita a medida indicada pelo servo medroso. As razões que acompanham a sua declaração visualizam as trevas do seu coração, a solidão em que se colocou, o choro da lamentação consentida. “Tudo isto revela o que impediu o servo de entrar numa relação de confiança”, que é um dos objectivos da parábola. (Vers Dimanche, nº 469).
Deus oferece-nos a possibilidade de viver já a sua alegria. Espera que correspondamos à confiança que tem em nós e cuidemos dos seus dons que enriquecem a nossa humanidade: Os da criação e das criaturas, os da saúde integral e da educação libertadora, os da solidariedade operativa e da caridade a toda a prova, os da celebração dos sacramentos e da participação na missa dominical, os da graça divina como presença revigorante das nossas forças peregrinas.
O Papa Francisco envia-nos uma mensagem especial para o “Dia Mundial dos Pobres” que celebramos, hoje. Dela retiramos este parágrafo persuasivo: “Benditas as mãos que se abrem para acolher os pobres e socorrê-los: são mãos que levam esperança. Benditas as mãos que superam toda a barreira de cultura, religião e nacionalidade, derramando óleo de consolação nas chagas da humanidade. Benditas as mãos que se abrem sem pedir nada em troca, sem «se» nem «mas», nem «talvez»: são mãos que fazem descer sobre os irmãos a bênção de Deus. (da mensagem do Papa Francisco para o dia Mundial dos Pobres, nº 5). Os dons de Deus estão nas nossas mãos!
Georgino Rocha
 

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

S. Jacinto: Cais dos pescadores



"O Executivo Municipal de Aveiro deliberou aprovar a abertura do concurso público para a empreitada do novo Cais dos Pescadores de São Jacinto, pelo preço base de 345.000€ (acrescidos de IVA) e um prazo de execução de 180 dias."

Li aqui
Foto da Comunidade Portuária do Porto de Aveiro


Nota: Permitam-me que realce a importância desta obra para benefício de quantos há muito tempo por ela esperavam. Todos sabemos da mais-valia que representa um cais bem localizado e equipado, proporcionando melhores condições para os que exercem uma profissão dura e de risco. 

Georgino Rocha - Discernir o que é melhor



Opção de divorciados recasados 

A experiência menos feliz do primeiro casamento exige certamente a quem opta por um segundo uma séria ponderação e uma grande maleabilidade para suavizar surpresas e ter garantias de acertar. Exigência prévia no início, mas também em toda a caminhada conjugal. Exigência mobilizadora de energias e capacidades que serão compensadas pela felicidade alcançada no futuro. Exigência que pode levar o novo casal a procurar ajuda junto de quem vive a mesma experiência ou de quem mantém com alegria serena e confiante a primeira opção matrimonial.
Tenho vindo a ler relatos vários e a acompanhar iniciativas diversas, a ler artigos de revista e livros que procuram abrir horizontes a este vasto campo onde o sonho se confronta com os limites da realidade e o desejo de acertar com as hipóteses de insucesso. E o casal em segundas núpcias sente-se inseguro, pressionado pela força da nova opção, “assaltado” pela memória do fracasso ocorrido, vigiado por um olhar estranho e acusatório, sobretudo de certos cristãos.
Partilho esta urgência pastoral numa reunião de preparação do encontro de casais do movimento das Equipas de Nossa Senhora. E surgem opiniões que alargam o horizonte da conversa. O amor conjugal está exposto a provocações frequentes e graves – diz um. E concretiza: A facilidade de contactos na rede virtual, a onda erotizada da opinião publicitada, o assédio em ambientes de trabalho, a fragilidade de convicções em relação ao amor e de certezas sobre a sua durabilidade. Adianta outro: A família tende a desestruturar-se, casais são impelidos a viver separados por longos períodos por afazeres profissionais, filhos são estimulados por surpreendentes solicitações e entregues à voracidade das paixões sem esteios de referência ética. E em jeito de quem prevê caminho a seguir, afirma: Temos de assumir começar por casa e procurar que o nosso testemunho seja irradiante e a nossa palavra respeitosa e convincente.
Faço minhas as observações apresentadas e sublinho a importância do testemunho e da palavra. Oxalá irradiem de tal modo que despertem nos jovens e nos divorciados recasados a estima pelo matrimónio sacramental e a vontade positiva de dar passos na escolha do que é melhor como exortava S. Paulo os cristãos de Filipos, exortação surgida num contexto determinado, mas agora muito actual e prática para iluminar as fases da ajuda pastoral a divorciados recasados. (Fl 1, 3-11).
“A Alegria do Amor”, do Papa Francisco, está ainda “em fase de assimilação” em Portugal, mas motiva já uma nova dinâmica pastoral perante os desafios das famílias, afirma D. Joaquim Mendes, presidente da Comissão Episcopal para o Laicado e a Família, no encontro dedicado à “Família e transformação social”; encontro realizado em Fátima a 21 de Setembro de 2017. Faz assim uma avaliação da atenção que os cristãos e seus responsáveis, tanto em dioceses como em paróquias e movimentos, têm dado a tão importante exortação apostólica.
Escolher o que é melhor é propósito de quem assume com honradez e valentia a vida e seus desafios; aspira sempre ao ideal e valoriza o passo possível; confiado nas razões fundadas na natureza e no esforço pessoal e, neste caso, conjugal, na possível ajuda dos familiares e amigos, na graça de Deus que não falha. Valorizar o passo possível desinstala, faz apreciar o bem alcançado, desejar prosseguir (as margens do possível frequentemente podem alargar-se) e fazer a experiência de que Deus está na caminhada em busca do melhor para a situação concreta, celebrar esta presença que abençoa e impulsiona a avançar. Escolher o melhor é sabedoria que o discernimento quer proporcionar. Como é urgente treinar esta arte quer a nível pessoal e familiar, quer a nível institucional e comunitário.
D. Manuel Clemente, no final da Assembleia do Episcopado a 16 de Novembro, propôs uma atitude fundamental a desenvolver: a de “acolhimento”, de “acompanhamento” e “discernimento” dos divorciados recasados, assinalando que “em grandíssimo número de casos” o matrimónio foi nulo. E sublinha que a possibilidade de readmissão destes católicos aos sacramentos, implica um itinerário "muito longo" e não é uma decisão “rápida, imediata, simples”. Trata-se de uma coisa séria”.
Os desafios da família constituem uma excelente oportunidade para relançar uma nova dinâmica pastoral. Demos as mãos. Há tanta iniciativa solta. Sejamos realistas. Há tanta reflexão genérica, fria e distante. Ousemos mais e melhor. Há capacidades adormecidas que esperam ser despertas.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

É urgente mudar a nossa relação com outros seres do Universo





TIMOTHY MORTON em entrevista ao PÚBLICO


Continuamos a destruir a Terra



«Ricardo Trigo, climatólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, também é signatário do artigo e refere como alarmantes a diminuição da abundância espécies de vertebrados, o crescimento da população mundial, assim como o aumento dos gases com efeito de estufa e da temperatura global. “Agora não temos qualquer dúvida de que o aumento da temperatura nos últimos 30 ou 40 anos é em grande medida impulsionado pelos gases de efeito de estufa”, assinala. “Há cinco anos, nenhum climatólogo lhe dizia que as ondas de calor tinham uma componente das alterações climáticas. Agora posso dizer-lhe que as últimas grandes secas como a que temos agora e as de 2012 e a 2005 tiveram uma componente significativa das alterações climáticas. A probabilidade de ocorrerem já foi ampliada pelos gases com efeito de estufa e isso tem evoluído muito nos últimos anos.”»

Efeméride de 1908 – Dez quilómetros à hora!


14 de novembro 

«A folha oficial publicou uma portaria governamental que fixava em dez quilómetros à hora, dentro das povoações, e em trinta, fora das povoações, o máximo da velocidade para os automóveis. Por uma interessante estatística, vê-se que em Portugal existiam 840 automóveis, cabendo 21 ao Distrito de Aveiro (Litoral, 15-11-1938) – J.»

In "Calendário Histórico de Aveiro" 
de António Christo e João Gonçalves Gaspar

Nota: Eu sei que os tempos eram outros, que os automóveis não estavam tecnologicamente preparados para maiores velocidades, que as nossas estradas seriam muito más, com buracos e com curvas e contracurvas, etc., etc. Mesmo assim, só dez quilómetros à hora! Fica a curiosidade.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Andanças por Aveiro - 2


Aveiro é uma cidade bonita vista dos mais diversos lugares. De cada ângulo, por mais insólito que seja, é possível apreciar panoramas singulares e dificilmente imaginados  por quem vive ou visita a cidade dos canais. Estes amantes de paisagens amplas e diferentes escolheram, realmente, um telhado central. Rodando, veem a cidade e arredores na sua plenitude. Eu se pudesse fazia o mesmo.





O canal central de Aveiro tem presentemente um movimento como nunca vi. Os moliceiros ou aparentados não param com viagens que se multiplicam, porque não faltam turistas interessados em conhecer outros canais, outros recantos,  cada um com as suas curiosidades. 





As flores ficam sempre bem em qualquer sítio. A  Lita chamou a minha atenção para os "vasos" que as apresentam a quem passa. Nada mais nada menos que alcatruzes dos poços de rega que já desapareceram das nossas paisagens agrárias. O  inútil tornou-se útil. Ainda bem.


Os moliceiros já oferecem cicerones nas viagens pelos canais. Parto do princípio que estão preparados para isso. Se não é verdade, está mal. É que podem vender gato por lebre. E  turista enganado pode ser turista perdido.



Cortaram a cabeça a este cisne. Gostam? Eu não gosto nada.






domingo, 12 de novembro de 2017

Bento Domingues — Teologia da libertação ou libertação da teologia (1)



1. O séc. XX, quando se observam as persistentes lutas da teologia católica que o percorreram, mostrou que não conseguiu conviver com a herança autoritária do séc. XIX, traçada por Pio IX, pelo Vaticano I e pela enigmática infalibilidade pontifícia. Não vingou a ideia dos que julgavam que, a partir daquele momento, as expressões da fé ficavam adequadamente formuladas para enfrentar os tempos modernos. Os concílios eclesiásticos deixavam de ter razão de ser e os teólogos podiam ir para férias.
Não foi o que aconteceu. Essa ilusão esquecia que a verdadeira energia da fé cristã não paralisa as actividades cognitivas e afectivas do ser humano. Não é um calmante e muito menos uma anestesia. É um impulso vital e uma nova lucidez no coração do quotidiano. É do encontro da sua chama com os acontecimentos inéditos que nasce a co-agitação teológica e a luz para as suas práticas de libertação espiritual, cultural, económica, social e política. Ao respeitar e alimentar a originalidade de cada uma dessas dimensões da realidade, sempre multifacetada, o cristianismo manifesta a sua fidelidade ao céu e à terra.
Não se deve esquecer que a primeira metade do séc. XX foi constituída por um dos tempos mais inovadores sob o ponto de vista teológico. Essa inovação foi o fruto das novas formas de exegese bíblica, de redescobertas dos Padres da Igreja, da análise da história dos concílios ecuménicos, das formas desconhecidas da liturgia, em suma, do encontro com os testemunhos das fontes mais genuínas e muito ignoradas dos diversos percursos da fé cristã. Não eram visitas guiadas a um museu de antiguidades mortas. A descoberta da pluralidade viva e turbulenta do passado abria o caminho a novas experiências e movimentos.
As experiências ecuménicas, missionárias, pastorais e as do encontro com um mundo no qual as Igrejas já não mandavam, obrigaram a inteligência da fé a tornar-se mais interrogativa, mais inquieta, mais agitada pelas convulsões de duas grandes guerras mundiais. A teologia tinha de abandonar o mundo das abstracções e descer ao concreto, às realidades terrestres, humanas. As terras de missão já não ficavam longe. Mas a cegueira ideológica dos grandes senhores das instituições da Igreja, salvo fantásticas excepções, preferia condenar a dialogar.

2. Depois de tantas condenações romanas que atingiram os movimentos, as experiências inovadoras e os teólogos mais criativos e, quando muitos católicos pensavam que já não havia esperança na renovação da Igreja, foi eleito Papa, a 28 de Outubro de 1959, um homem nascido em 1881. Chamava-se Angello Roncalli. Depois da surpresa geral, julgou-se que era uma saída de emergência até se encontrar um guia seguro para tempos difíceis e complexos.
De facto, João XXIII conhecia muitos mundos, as peripécias internas da Igreja dos séculos XIX e XX e as suas dificuldades de relacionamento com o mundo contemporâneo. Não se apresentou com nenhum programa salvador. Ao fazer a barba, lembrou-se de convocar um concílio ecuménico, como gostava de dizer para ocultar a sua divina clarividência.
Não escreveu nenhuma linha da teologia da libertação, mas começou, nesse momento, a libertação da Igreja e a libertação da teologia no mundo actual. Lembro isto porque estamos confrontados com vários movimentos organizados para que a orientação da Igreja católica regresse aos tempos anteriores ao prodigioso Vaticano II. Também são activos em Portugal e, nomeadamente, em Fátima. Não toleram que o Papa Francisco, depois de um longo inverno, retome a primavera de João XXIII.

3. Estão a ser celebrados os 50 anos da Universidade Católica e da sua Faculdade de Teologia. Os meus parabéns!
Uma qualificada representação deslocou-se à Sé de Pedro. O Papa respondeu à saudação do Grão-Chanceler, cardeal Manuel Clemente, com uma incisiva interpelação e um apelo que nascem de uma interrogação que deve obrigar, professores e alunos, a um exame sério acerca da orientação que estão a seguir. Que procuram? Uma carreira ou uma maior capacidade de servir os mais pobres? [1]
"É justo que nos interroguemos: Como ajudamos os nossos alunos a não olhar um grau universitário como sinónimo de maior posição, sinónimo de mais dinheiro ou maior prestígio social? Não são sinónimos. Ajudamos a ver esta preparação como sinal de maior responsabilidade perante os problemas de hoje, perante o cuidado do mais pobre, perante o cuidado do meio ambiente? Não basta realizar análises, descrições da realidade; é necessário gerar espaços de verdadeira pesquisa, debates que gerem alternativas para os problemas de hoje. Como é necessário descer ao concreto!"
O Papa, na sua intervenção, parece que tem a obsessão de voltar sempre ao concreto: "Queria aqui lembrar o princípio da encarnação na pele do nosso povo. As suas perguntas ajudam-nos a questionar-nos; as suas batalhas, sonhos e preocupações possuem um valor hermenêutico que não podemos ignorar, se quisermos deveras levar a cabo o princípio da encarnação. O nosso Deus escolheu este caminho: encarnou-Se neste mundo, atravessado por conflitos, injustiças e violências, atravessado por esperanças e sonhos. Por conseguinte não temos outro lugar onde O procurar a não ser no nosso mundo concreto, no vosso Portugal concreto, nas vossas cidades e aldeias, no vosso povo". É aí que Ele está a salvar.
Bergoglio não se esqueceu de uma interrogação ainda mais global: para que existe a Universidade Católica? Que interesses serve?
"Por natureza e missão, sois universidade, isto é, abraçais o universo do saber no seu significado humano e divino, para garantir aquele olhar de universalidade sem o qual a razão, resignada com modelos parciais, renuncia à sua aspiração mais alta: a de buscar a verdade. À vista da grandeza do seu saber e do seu poder, a razão cede perante a pressão dos interesses e a atracção da utilidade, acabando por a reconhecer como seu último critério.
Mas, quando o ser humano se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, então a sua liberdade adoece. 'Neste sentido, ele está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter os instrumentos para o controlar. Talvez disponha de mecanismos superficiais, mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si [2]'”.
A teologia académica, em Portugal, não teve os problemas que enunciei no começo desta crónica. Esteve em jejum desde 1911 até 1968. Mas não é tudo. Voltarei a esta questão

Frei Bento Domingues no PÚIBLICO


[1] Discurso do Papa Francisco à comunidade da Universidade Católica Portuguesa por ocasião do 50º aniversário da sua instituição.
[2] Francisco, Laudato si’, 105

sábado, 11 de novembro de 2017

Notas do meu Diário - Dia de São Martinho com castanhas e vinho






Hoje celebra-se a festa litúrgica de São Martinho com o povo a saborear, se possível, castanhas e vinho. O santo benfeitor não ficará zangado por isso e eu, se puder, também hei de provar. Contudo, é bom conhecer, no mínimo, quem foi este santo, mais lembrado nesta época. Recordo, com muita saudade, as castanhas assadas, bem ou mal, nas escolas, no meio do recreio. Um bom molho de bicas, castanhas em cima, fogo ateado e espera ansiosa que a repartição entre todos se iniciasse, que ninguém podia ficar de fora. Os mais afoitos arriscavam-se a apanhar umas tantas castanhas que estouravam com o calor, quantas vezes por falta do tradicional golpe que era dado em cada uma.
Embora tardiamente, que não tive tempo para escrever esta nota antes, aqui ficam os meus votos de bom dia de São Martinho. Eu vou comer umas tantas...

Camões — Amor é fogo que arde sem se ver





Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói e não se sente; 
é um contentamento descontente, 
é dor que desatina sem doer. 

É um não querer mais que bem querer; 
é um andar solitário entre a gente; 
é nunca contentar-se de contente; 
é um cuidar que se ganha em se perder. 

É querer estar preso por vontade; 
é servir a quem vence, o vencedor; 
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor 
nos corações humanos amizade, 
se tão contrário a si é o mesmo Amor? 

Luís de Camões

NOTA: A coleção de livros de bolso que o EXPRESSO está a oferecer dá-me a oportunidade de regressar a alguns clássicos, que não esqueço mas nem sempre releio, porque outras obras mais recentes me desafiam. Hoje é a vez de voltar a Camões com a satisfação de sempre. Na Contracapa há  um texto de Manuel Alegre retirado da apresentação desta obra, que tem por título "O livro mais actual da poesia portuguesa". 
Boas leituras.

Ares de Outono — Quando, Lídia, Vier o Nosso Outono


Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa
O amarelo atual que as folhas vivem
E as torna diferentes.

Ricardo Reis, 
in "Odes"
(Heterónimo de Fernando Pessoa)

Dia Nacional do Mar — 16 de novembro



O Dia Nacional do Mar comemora-se no dia 16 de novembro - data à qual o Museu Marítimo de Ílhavo não poderia ficar indiferente, assinalando-a com várias iniciativas tanto para as famílias como para o público em geral, ao longo do dia 18, sábado. Esta é também a iniciativa que marca o encerramento das comemorações do 80.º aniversário do Museu Marítimo de Ílhavo. A tarde de sábado será pontuada por vários momentos chave, como a apresentação do livro "Traços de Construção Naval em Madeira", de António Marques da Silva, a entrega dos Prémios do 4.º Concurso de Modelismo Náutico do Museu Marítimo de Ílhavo, encerrando com uma visita especial à exposição “Invisível”, de Hermano Noronha, Alexandre Sampaio, Ricardo Raminhos, João Malaquias.

Ver programa aqui

Nota: Texto do MMI