sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Georgino Rocha — Admirados com a resposta de Jesus. Aprecia!


A figura e a inscrição na moeda que os fariseus mostram a Jesus constituem o ponto de partida para o ensinamento que o Evangelho de hoje nos transmite. (Mt 22, 15-22). As autoridades queriam desforra pelos desafios que as atitudes de Jesus lhes lançavam. Haviam tentado apanhá-lo já em alguma questão acusatória. Agora colocam-lhe a pergunta envenenada: “É lícito pagar o imposto a César ou não?”. São seus porta-vozes alguns fariseus e outros partidários de Herodes, aliados de circunstância para a armadilha dar resultado.

E têm tudo bem pensado. Procuram captar a benevolência de Jesus, elogiando-o com menções honrosas verificáveis: Sabemos que és verdadeiro, ensinas o caminho de Deus, não fazes acepção de pessoas porque vais para além das aparências. Dir-se-ia que para começar não havia melhor entrada. Mas palavras são palavras que podem esconder a realidade. E esta era a intenção dos “inocentes louvaminhas”, intenção que Mateus, o narrador do relato, apresenta de modo claro: Os fariseus fizeram um plano para apanhar Jesus.

Plano bem urdido, temos de reconhecer. Logicamente qualquer resposta seria comprometedora. Se Jesus dissesse: Não se deve pagar o imposto, seria acusado de subversivo; pelo contrário; se concordasse com o pagamento, não sintonizava com os gemidos do povo subjugado pelas forças do Império Romano. De qualquer modo, ficava sempre mal visto e com provas condenatórias. Que momento delicado vive Jesus. E tem de tomar uma decisão urgente. Que terá sentido no seu coração apertado? Que critérios se podem descortinar na sua atitude? Ela vai ser desconcertante e os seus adversários ficam espantados. De admiradores “louvaminhas”, passam a cúmplices acusados, de homens verdadeiros a hipócritas denunciados, de tentadores disfarçados a gente desmascarada. E para cúmulo, diríamos com humor, a sua reacção a este “tratamento de excelência” é de admiração e não de confusão, como seria normal.

“Mostrai-me a moeda do imposto. De quem é a figuira e a inscrição?”. “De César”, dizem. E Jesus olhando a efigie do imperador, responde: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. E eles ficam admirados. E nem era para menos. Como podiam fazer-lhe qualquer acusação? A sabedoria triunfa sobre a artimanha e a verdade ilumina não apenas a relação entre o poder civil e a autoridade religiosa, como alguns chegam a pensar, mas o rosto de Deus que deixa a sua imagem e semelhança no ser humano, homem e mulher, o reflexo da sua beleza no santuário da consciência pessoal, os vestígios da sua impressão digital nas criaturas e na criação. O cunhar moeda, o pagar impostos, o regime fiscal e tudo o que se liga com esta rede deve estar em consonância com aquela verdade primeira, e, sendo justos, isto é servindo o bem comum ou, pelo menos da maioria necessitada, tornam-se obrigatórios moralmente, e os prevaricadores, incluindo a própria autoridade que os estabeleceu, são passíveis de penalização legal.

Em comentário a este episódio, afirma Frei Raimundo de Oliveira, op: “O imposto era o sinal da dominação romana; os fariseus rejeitavam-na, mas os partidários de Herodes aceitavam-na. Se Jesus responde «sim», os fariseus desacreditá-Lo-iam diante do povo; se diz «não», os partidários de Herodes poderão acusá-lo de subversão. Mas Jesus não discute a questão do imposto. Ele só se preocupa com o povo: A moeda é «de César», mas o povo é «de Deus». O imposto só é justo quando reverte em benefício do bem comum. Jesus condena a transformação do povo em mercadoria que enriquece e fortalece tanto a dominação interna como a estrangeira”. (Bíblia Pastoral, Ed. São Paulo Lisboa 1993, p. 1380, em nota de roda-pé). 

“Dar a Deus o que é de Deus” é consigna para todo o sempre porque o homem realizar-se-á no seu melhor: ama sem acepção de pessoas nem fronteiras de tempo; vive e convive amigavelmente com todos os humanos e com respeito pela criação inteira; situa-se na história como agente responsável na escuta dos gemidos das criaturas oprimidas e na sua libertação integral; aspira a que os direitos básicos sejam assegurados a todos, designadamente o da dignidade, da alimentação, do vestuário, da saúde e de tantos outros. O contrário será o drama da humanidade, sempre possível!

“Dar a Deus o que é de Deus” é ver respeitada a liberdade de consciência e poder expressá-la pessoalmente e de forma associada, na rua e nos templos, dentro de um quadro legal que facilite a harmonia de cidadãos que vivem numa sociedade plural. É sentir-se reconhecido nesta relação com a fonte original de todos os bens e ver facilitada, mediante a criação de condições favoráveis, a transmissão dos valores correspondentes a educação nas famílias, nas escolas de serviço público, na comunicação social.

“Dar a Deus o que é de Deus” é dar largas ao coração que exulta de alegria e convida a terra inteira a associar-se a este louvor, é publicar entre as nações as suas maravilhas, é anunciar a todos os povos a novidade do amor revigorante que o Senhor nos tem. O salmista da liturgia de hoje convida-nos a alargar horizontes.

Hoje é o Dia Mundial das Missões. O Papa Francisco dirige-nos uma mensagem e um veemente apelo: “A missão da Igreja, destinada a todos os homens de boa vontade, funda-se sobre o poder transformador do Evangelho. Este é uma Boa Nova portadora duma alegria contagiante, porque contém e oferece uma vida nova: a vida de Cristo ressuscitado, o qual, comunicando o seu Espírito vivificador, torna-Se para nós Caminho, Verdade e Vida (cf. Jo 14, 6)… Promovido pela Obra da Propagação da Fé, o Dia Mundial das Missões é a ocasião propícia para o coração missionário das comunidades cristãs participar, com a oração, com o testemunho da vida e com a comunhão dos bens, na resposta às graves e vastas necessidades da evangelização… Que a Virgem nos ajude a dizer o nosso «sim» à urgência de fazer ressoar a Boa Nova de Jesus no nosso tempo; nos obtenha um novo ardor de ressuscitados para levar, a todos, o Evangelho da vida que vence a morte; interceda por nós, a fim de podermos ter uma santa ousadia de procurar novos caminhos para que chegue a todos o dom da salvação”.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Ares de Outono — Exposição no Centro Comercial Glicínias






Uma exposição que merece uma visita. Não faltam motivos para nos inspirarmos. Lamento não ter levado uma máquina para conseguir melhores registos.

Nádia Piazza — O silêncio do fogo na voz da dor...



«Estamos tão cansados, mas não podemos estar. Os mortos não se calam e não nos deixam cansar. Gritam por Justiça! Exigem Mudança!
A Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande, o grande, brutal e devastador incêndio que lavrou do dia 17 a 24 de Junho de 2017, nos concelhos de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra, é um movimento cívico que partiu dos familiares e amigos das vítimas mortais desta tragédia. Uma associação cujo mote é apurar responsabilidades e ajudar a construir um futuro em que tal tragédia e crueldade não volte a acontecer!
Esta é a descrição do que pretendemos ser, com a ajuda de todos e a lembrança de todos aqueles que partiram. Porque hoje somos uma comunidade traumatizada. Uma comunidade sujeita a uma tal brutalidade que não se nos apaga da memória... O cheiro a terra ardida é algo que nos envolve, que nos macilenta e que se entranhou em cada um de nós.
A perda de dezenas de vidas e de forma tão trágica que roça a loucura deixou uma sociedade e todo o seu contexto à volta num luto imposto. A vida acabou ali, naquela estrada para muitas pessoas. Inocentes. E acabou também parte de uma vida para os que ficaram. Os que ficámos, ficámos mais pobres, mais sós, apenas com o alento das memórias, mas com a revolta de toda esta situação. São filhos sem pais. São pais sem filhos... são casas sem gente, é gente sem gente, não é natural!
Olho à volta e as pessoas não se riem, choram sozinhas, acanhadas, não se olham nos olhos, com vergonha pela sua impotência, com medo; o cenário é deprimente e não nos ajuda a superar com dignidade a tragédia. O Inverno não tarda e com ele as ruas despidas de vida. Despidas de ainda mais vida.
Há rancor, ressentimento com o território e com as entidades públicas. O Estado falhou. A Nação não existiu.
Mas não falhou apenas nesta tragédia. O Estado vem falhando ao longo de décadas. O Estado padece de uma cegueira crónica, está enfermo de um tal sentimento de negação de si próprio. Nega o seu estado de país rural, um país orgulhosamente rural e por isso mesmo rico.
Enquanto Estado é um conceito frio, masculinizado, distante, de um ente que impõe tributos e leis aos seus súbditos, um amontoado de entidades supostamente hierarquizadas, com dirigentes supostamente competentes, e que supostamente deveriam cumprir e fazer cumprir um conjunto de leis e regras que se vão aprovando (ou não!) conforme as vontades políticas da estação. Assim se vai governando Portugal. Sem pactos de regime e visão a longo prazo. Vão-se puxando o tapete uns aos outros, não se apercebendo que, por fim, só restam cacos, dor e tristeza para governar.
Nação, por sua vez, é um conceito acolhedor, integrador, feminino, belo, quase maternal, que agrega o seu Povo e o seu Território. É o que dá sentido à reunião das pessoas num determinado território a que chamamos “a nossa terrinha”, “o nosso cantinho a beira-mar plantado”, a proa desta “jangada de pedra”. Portugal.
O Estado falhou nesta tragédia levando consigo o sentimento de pertença de Nação que tínhamos. O Estado não protegeu a sua Nação. Não assegurou o seu Território e com ele o seu Povo...
Fomos vítimas desta ausência insuportável de Estado. Ontem e hoje. Mas não amanhã. Porque já chega de incêndios que ceifam vidas. Incêndios como os de 2003, 2005 e Junho de 2017, e que contabilizam, até a data, 100 vítimas mortais em solo português, não podem voltar a acontecer. É hora de todos dizermos “Basta!”. Este Estado que não quer ver secou uma parte importante da sua Nação, aquela que moveu este país por séculos, o Interior.
A primeira muralha e frente de defesa do País no passado contra as invasões estrangeiras, o celeiro do País em tempo de vacas magras, o emissor de soldados nas guerras ultramarinas, o mercado de mão-de-obra barata em tempos de construção europeia... Quando o Interior e os seus recursos já não eram precisos, substituídos pela oferta de bens e serviços mais baratos, o Povo e o Território do Interior foram abandonados À sua sorte. Emigrem! E assim o fizeram, abandonados à sua sorte.
Não houve solidariedade em tempos de vacas gordas, não houve estratégia para o Território quando os dinheiros dos Fundos Estruturais Europeus chegavam a rodos. Foram anos de esquecimento, de esvaziamento progressivo e consistente das instituições regionais e locais, depois seguiram-se as empresas e, por fim, as pessoas. Sobreviver é preciso.
Foram sucessivas décadas de descaso com o Interior, de negligência com o Território, com a Floresta e a Agricultura. Tendo como consequência a emigração das pessoas em idade ativa, restando uma população envelhecida e empobrecida a exigir cuidados redobrados do pouco Estado que restou e que nos foi esventrado e sobretudo das autarquias locais e misericórdias.
Parecia propositado... o Interior tornou-se terra de ninguém, envergonhado de o ser, abandonado e, assim, por fim, vergado.
Deveríamos dar graças por nos termos tornado a maior região eucaliptizada da Europa... Fomos “agraciados” pela falta de oportunidade! O Território estava a saldos e ninguém quis saber.
O Interior tornou-se um canteiro de ervas daninhas, sem jardineiros — as suas gentes. Um barril de pólvora em que se soma a indústria do fogo institucionalizada e um qualquer ano eleitoral. Os ingredientes ideais para a tempestade perfeita.
A tragédia de 17 a 24 de junho de 2017 estava mais que anunciada. Foi apenas uma questão de tempo... e o tempo não pára! E com ele foram muitas vidas abreviadas. Cedo demais... Cedo demais!

Por ti, meu filho...»

Nádia Piazza, mãe de uma criança de cinco anos que morreu a 17 de Junho de 2017 em Pedrógão Grande

Li no PÚBLICO

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Bispo de Aveiro mobiliza diocese para ajudar vítimas dos fogos florestais


O Bispo de Aveiro, D. António Moiteiro, acaba de publicar uma Nota Pastoral — Dar as mãos para sermos muitos —, a propósito os Fogos Florestais que assolaram também a área diocesana. Nela reconhece que as causas dos incêndios dependem «direta ou indiretamente da vontade humana», adiantando que «só pode prevenir-se ou combater-se com eficácia, se todos nós, desde o cidadão mais simples ao mais responsável, em vez de vãs lamentações, mudarmos realmente de mentalidades e de hábitos sociais». 
D. Manuel Moiteiro, diz que a Igreja não pode ficar indiferente ao drama de tantos cidadãos, enquanto reafirma «a nossa comunhão e caridade cristãs para com todos os afetados». Nessa linha, propõe o levantamento das necessidades mais urgentes das nossas famílias, ao mesmo tempo que entrega à Cáritas Diocesana a coordenação de toda a ajuda a prestar às populações atingidas pelos fogos. 
Os fundos a recolher são depositados na conta em nome do Fundo Diocesano de Emergência Social, da responsabilidade da Caritas Diocesana de Aveiro e cujo nº é: PT50 0010 0000 4955 3880 1011 6.

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Notas do meu diário — Catástrofe Nacional



Quis hoje retomar, a esta hora, a edição do meu blogue, mas não consegui superar a emoção que me tem afetado estes dias. A Catástrofe Nacional, com mais de 100 mortos e feridos no corpo e na alma sem conta, impediu-me de avançar. Li os jornais online e alguns comentários nas redes sociais; vi imagem chocantes e ouvi gritos de dor; protestos desesperados e gente sem voz; pessoas abandonadas e políticos em guerra; revoltas sem propostas e silêncios angustiados. Tudo isto num país pobre, desertificado, cheio de autoestradas e rotundas, com povo a sobreviver em casebres humildes e com velhos entregues à sua sorte em plenas serras e aldeias quase sem vida, ou com a vida dos que só estão bem nos sítios que amam. 
Veio a chuva, o fogo está extinto e daqui a uns tempos a vida recomeça como se nada de anormal tivesse acontecido. Fico-me por aqui… hoje.

NOTA: A foto, de Adriano Miranda, no PÚBLICO, retrata o drama dos nossos compatriotas que tudo perderam. Ficaram as cinzas, um ar irrespirável e uma dor a abafar-lhes a voz. Por habitação, um céu escuro e por cama uma enxerga em qualquer canto, se não tiverem amigos e familiares que os acolham. 

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Incêndios Florestais - Portugal está de Luto


Portugal está de luto, decretou o Governo. Também decretou a situação de calamidade. Um ano de incêndios que devastaram o país e mataram cerca de 100 pessoas. Ainda não estão contabilizados os feridos, alguns dos quais poderão vir a falecer. Uma tragédia para um país com tão débeis recursos. Não temos palavras para retratar os dramas de milhares de compatriotas que tudo perderam. Tudo, incluindo bens construídos ao longo de anos, mais a alegria de sonhar, o gosto de projetar o futuro, o prazer de viver. 
A tragédia vai marcar os nossos quotidianos por tempo sem fim. A história de Portugal, a história de concelhos, freguesias e aldeias e as histórias de famílias e pessoas atingidas pelo inferno das chamas hão de ficar dramaticamente registadas na nossa memória coletiva. 
Para muitos, as culpas são sempre dos outros, mas temos de assumir que todos somos coniventes nesta situação, direta ou indiretamente, desde o poder político, nacional e autárquico, até aos nossos comportamentos a nível de ambiente, do cuidado que não temos em relação à natureza, mesmo nos horizontes que nos cercam. Urge olhar para o que nos rodeia com olhos de ver, no sentido de denunciar os erros de ordenamento florestal, de falta de organização dos meios de vigilância e de ataque aos fogos, sem reclamar que os bombeiros, que tanto fazem, estejam disponíveis a toda a hora e no território todo. Os fogos deste ano provam à saciedade que tudo falhou. E alguém quererá que a culpa morra solteira?
A desertificação do território nacional, o calor intenso que se abateu sobre o país, a seca por falta de chuva, o desordenamento florestal, a falta de limpeza das matas, a ausência de profissionais de ataque aos fogos, uma coordenação capaz de gerir os diversos meios que estão no terreno, de Norte a Sul de Portugal e, ainda, o nosso conhecido desleixo e indiferença perante a causa comum estarão na base dos dramas deste ano? Talvez. Mas os técnicos que se pronunciem.

Fernando Martins

domingo, 15 de outubro de 2017

Bento Domingues — Um livro indispensável



1. Que livro é esse que me leva a dizer que é mesmo indispensável? Se tenho de confessar que foi essa a convicção que a sua leitura me impôs, sei que o espaço desta crónica não é o mais adequado para a justificar. A verdade é esta: ajudou-me a diminuir ignorâncias que talvez não sejam só minhas; ofereceu-me o conhecimento de alguns percursos da Bioética que ajudam a vencer a ideia de que perante questões tão complexas, o mais razoável seria deixá-las no segredo dos especialistas. 
O título, que enche a capa dessa obra, revela, sem ambiguidades, o seu conteúdo: Eutanásia, Suicídio Ajudado, Barrigas de Aluguer. Destina-se a possibilitar um debate de cidadãos, esclarecido e fecundo.
O autor, Miguel Oliveira da Silva, é professor catedrático de Ética Médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Foi, entre 2009 e 2015, o primeiro presidente eleito do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Integra, por eleição, o bureau da DH-Bioética do Conselho da Europa.
No passado dia 9, a obra foi apresentada, na Casa-Museu Fundação Medeiros e Almeida, por José Barata-Moura e Anselmo Borges. Ficou claro que as questões abordadas neste livro não deveriam deixar ninguém indiferente. Têm a ver com a dignidade humana de todos os cidadãos, do presente e do futuro. Vivemos num mundo global, mas que também parece cada vez mais fragmentado e não se prevê que se vá tornar mais estável.
Como reza um velho aforismo, o que a todos diz respeito deve ser tratado por todos. Segundo S. Tomás de Aquino, a virtude da prudência política — condição para intervir de forma esclarecida nas orientações e decisões da comunidade — não é uma exigência exclusiva de legisladores e governantes. É indispensável a todos os cidadãos. Se a cultura activa das virtudes torna bons os seus praticantes e boas as suas acções, sem ela até as leis mais justas perdem vigor e eficácia na sua aplicação.
Para serem virtuosas, as opções e decisões políticas não podem dispensar o recurso a estudos adequados. Segundo o citado autor, o estudo, além de todas as experiências e dados recebidos dos investigadores, professores e educadores, exige sempre uma veemente aplicação da mente. Sem esse esforço não se consegue verdadeira autonomia pessoal. 
Não se deve confundir ética e política. Não esqueço, porém, que a política é uma ciência prática cujo objecto é o agir, algo complexo e mutável. A decisão prudencial ganha em associar a ética da convicção e a da responsabilidade, isto é, tem de saber calcular os riscos e as consequências das opções. As melhores intenções, sem políticas bem preparadas e executadas, alimentam as piores asneiras.
Tornou-se um hábito dizer mal da política e dos políticos, sobretudo dos que não são da nossa cor. Mas esquecer que nos pertence alterar rumos e métodos da prática política é uma forma de masoquismo. Um dos frequentes incitamentos do Papa Francisco aos cristãos incide, precisamente, sobre a importância da cura da intervenção política para que esta não seja guiada pelos interesses do dinheiro que geram a economia que mata crianças e adultos e provoca os criminosos negócios das guerras, desgraça dos povos.

2. Na contracapa desde livro de Miguel Oliveira da Silva está escrita a sua motivação. Perante o alargamento de direitos individuais nos extremos da vida humana, somos responsáveis pelo modo como o Estado assegura ou não a protecção dos mais vulneráveis: os jovens produtos de tecnologias genéticas e reprodutivas e as pessoas humanas em sofrimento intolerável que reclamam querer morrer.
Como ser equitativo no acesso a estas tecnologias e qual é, aqui, a relação entre o Serviço Nacional de Saúde e o sector privado? Quando e como têm os pais a obrigação de assegurar que os seus filhos possam conhecer a verdade sobre a sua história biológica: quem lhes deu o esperma ou o óvulo, qual a mulher que os gerou e pariu, quantos meios-irmãos poderá ter?
O parecer dos peritos deve servir para pôr as pessoas a pensar, debater, informar, cogitar para não ser uma perfeita trivialidade.
Um debate sobre uma questão ética nunca está completamente encerrado. Por vezes, e ainda que de outro modo, há que retomar, periódica e recorrentemente, as mesmas interrogações e dúvidas. As leis bioéticas não podem prever todos os casos, todas as situações concretas, sobretudo quando se trata de novas tecnologias reprodutivas e genéticas que podem obrigar a uma reapreciação e eventual mudança legislativa [1].

3. É absolutamente impossível tentar resumir o conteúdo dos diferentes capítulos ou temas desta obra, embora fosse a melhor maneira de apresentar as razões que me levam a chamar-lhe um livro indispensável. Indispensável não é o livro. Indispensável é conhecer a história e os debates da bioética, em Portugal e nos outros países, para que seja possível uma participação democrática em assuntos que a todos dizem respeito.
Como já escreveu Anselmo Borges, o achismo é o inimigo do conhecimento e do debate entre cidadãos. Para encher os meios de comunicação — rádios, televisões, jornais, redes sociais — não é preciso conhecimento argumentado. Basta dar a ilusão que a verdade não tem interesse, tanto mais que a época da pós-verdade é o seu reino. Silêncio imposto sobre determinados temas já o conhecemos e ainda existe em muitos países. Mas agora, procura-se o mesmo resultado falando muito. Poucos dias depois de ter chegado a Nampula (Moçambique), e não sabendo nada de macua, passei por um grupo que falava e gesticulava alegremente. Perguntei a um rapaz macua, que sabia português, o que estava aquela gente a dizer com tanto entusiasmo. Resposta rápida: não estão a dizer nada, é só falar. Hoje em dia, e entre nós, em relação a muitos programas que pretendem ser de informação e debate, tenho a impressão de que também não dizem nada. É só falar. Seriam bem dispensáveis.
O que não se pode dispensar é o conhecimento da história da bioética que — ao contrário da clássica Ética Médica até aos anos 70 do século XX — tem um outro horizonte temporal e outro alcance filosófico: a equação moral que não se esgota na imediatidade ou proximidade da relação quase sempre privada e individual médico-doente. Há um outro tempo, uma esfera pública e comum, transgeracional que pode mesmo afectar o futuro do planeta [2].

Frei Bento Domingues, no PÚBLICO

[1] Cf. Miguel Oliveira da Silva, Eutanásia, Suicídio Ajudado, Barrigas de Aluguer, Caminho, Lisboa, pp 80-87; 114-124
[2] Cf. Obra citada, pp 63-68

sábado, 14 de outubro de 2017

Ares de Outono – Nozes


Do lugar em que me encontro, voltado para o quintal, aprecio o relvado emoldurado por árvores, arbustos e flores. Os ares do outono estão bem patentes nas folhas secas que vão caindo naturalmente ou por força de qualquer ventinho. Mas hoje distingui da minha paisagem as nozes da nogueira enorme que nos refresca em dias de canícula com a sua sombra e nos sacia a fome de frutos secos, com garantias de ausência de inseticidas e outros produtos com algum grau de toxicidade. 
As nossas nozes, depois de libertadas da proteção natural que as envolve, são lavadas em várias águas, mas nunca com lixiviados ou produtos afins, e postas ao sol para completarem a maturação. São, realmente, nozes biológicas.

AVEIRO — Diálogos na Cidade


sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Moliceiro em agonia no canal de Mira


Passei, olhei e registei a agonia de um moliceiro no canal de Mira. Abandonado como cadáver inútil, como se abandona cão danado em qualquer canto. Não conheço a história deste moliceiro, mas admito que, pelo seu porte, talvez tenha participado em alguma regata dos moliceiros em dia de festa, com bandeiras coloridas e gente feliz, cantando e dançando. Também não é difícil acreditar que tenha andado na apanha do moliço ou no transporte de produtos das nossas terras ribeirinhas. Mas agora, que o fim da vida já não lhe dava forças para enfrentar as marés, por mais bonançosas que fossem, para ali ficou sem dó nem piedade. A vida é assim. 

Filarmónica Gafanhense celebra o 181.º aniversário


Daqui endereçamos as nossas mais vivas felicitações à Filarmónica Gafanhense, ao mesmo tempo que lhe desejamos os maiores sucessos na arte de ensinar e de executar notáveis partituras na nossa região, alargando-se, afinal, a todo o país. 

David Dinis — O relatório de Pedrógão põe o Governo em xeque


«Ao fim de três meses já sabemos o que aconteceu e quem é responsável. Só falta saber quando sai a ministra e alguém pede desculpa.
(...)
Os especialistas são claríssimos nisso: em Portugal combate-se o fogo com os pés. Ignoram-se os novos conhecimentos técnicos, despreza-se o conhecimento acumulado, afastam-se os competentes — para nomear os amigos —, não se profissionaliza os bombeiros, não se coordenam os meios, muda-se permanentemente o modo de governação do sistema.»

Ler mais no PÚBLICO 

Nota: Não vale a pena acrescentar nada, nem podemos perder tempo com mais considerações. Apenas digo que urge avançar o mais depressa possível, para não chegarmos ao próximo verão com projetos muito bonitos somente no papel. E os culpados que peçam desculpa, sem mais delongas.

Anselmo Borges — Francisco sobre: 4. o diálogo ecuménico e inter-religioso




Anselmo Borges

Ainda os diálogos do Papa Francisco e de Dominique Wolton: Politique et société. Se há palavra que atravessa o livro todo é a palavra diálogo. "Como é que a Igreja poderia contribuir hoje para a mundialização?", pergunta Wolton. E Francisco: "Pelo diálogo. Penso que sem diálogo hoje não é possível. Mas um diálogo sincero, mesmo se for preciso dizer na cara coisas desagradáveis." Foi a avó que lhe abriu as portas da "diversidade ecuménica". Criança, viu umas senhoras do Exército da Salvação e perguntou: são freiras? "Não, são protestantes, mas são pessoas boas." De facto, marcou-o, pois, por exemplo, estamos a celebrar os 500 anos da Reforma e, pela primeira vez, isso acontece com católicos e protestantes, e, depois de tudo quanto na Igreja se tinha ouvido sobre Lutero - "os protestantes iam para o inferno" -, Francisco veio dizer que ele foi "um pioneiro religioso, uma testemunha do Evangelho e um mestre da fé... A intenção de Lutero foi renovar a Igreja, não dividi-la. Era um reformador. Havia corrupção na Igreja, mundanismo, obsessão pelo dinheiro, pelo poder". E encontrou--se com o patriarca de Constantinopla, pedindo-lhe a bênção, e com o de Moscovo.
O diálogo, e concretamente o diálogo inter-religioso, "não significa porem-se todos de acordo. Não. Significa caminhar juntos, cada um com a sua própria identidade". Wolton: "E, no diálogo com o islão, não seria necessário pedir um pouco de reciprocidade? Não há verdadeira liberdade para os cristãos na Arábia Saudita e nalguns países muçulmanos. É difícil para os cristãos. E os fundamentalistas islamistas assassinam em nome de Deus." Francisco: "Eles não aceitam o princípio da reciprocidade. Alguns países do Golfo também são abertos e ajudam-nos a construir igrejas. Porque é que são abertos? Porque têm trabalhadores filipinos, católicos, indianos... O problema na Arábia Saudita é uma questão de mentalidade. Todavia, com o islão, o diálogo avança bem, porque, não sei se sabe, o imã da Universidade de Al-Azhar, no Cairo, Ahmed Mohamed el-Tayeb, veio visitar-me e eu retribuí a visita. Penso que lhes faria bem a eles fazerem um estudo crítico do Alcorão, como nós fizemos com a nossa Bíblia. O método histórico e crítico de interpretação fá-los-á evoluir."

Francisco reconhece, portanto, que para o diálogo inter-religioso é fundamental não tomar os livros sagrados à letra: é necessária uma leitura histórico-crítica. Outro princípio essencial para a liberdade religiosa e a paz entre as religiões tem que ver com a laicidade do Estado, isto é, o Estado não pode ser confessional, o Estado deve ser laico. Para garantir a liberdade religiosa de todos: ter esta religião ou aquela, nenhuma, poder mudar de religião. Francisco: "O Estado laico é uma coisa sã. Há uma sã laicidade. Jesus disse-o: é preciso dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Somos todos iguais diante de Deus." Mas laicidade não é laicismo. Neste, constrói-se "um imaginário colectivo no qual as religiões são vistas como uma subcultura". É necessário "elevar" um pouco o nível da laicidade mediante "a abertura à transcendência". Que quer dizer "um Estado laico "aberto à transcendência"? Que as religiões fazem parte da cultura, que não são subculturas. Quando se diz que não se deve colocar cruzes visíveis ao pescoço ou que as mulheres não devem levar isto ou aquilo, é uma estupidez. Porque uma e outra atitude representam uma cultura. Um leva uma cruz, outro outra coisa, o rabino a kipa, o papa o solidéu" [risos]. "Esta é a sã laicidade. Há exageros, nomeadamente quando a laicidade é colocada acima das religiões. Porventura as religiões não fazem parte da cultura? Serão subculturas?"

Wolton pergunta como é possível chegar ao diálogo com os ateus e os não crentes. Francisco responde que fazem parte da realidade. Há pontos de vista diferentes, mas "a realidade é a verdade". As pontes são o nosso diálogo. Mas deve partir-se da realidade, não da teoria, e "procurar juntos, é um caminho de busca. Procurar". Wolton insiste: "Seja como for, que fazer? Os ateus fizeram muito pela libertação social, política, pela democracia desde o século XVIII. O que é que a Igreja faz? A Igreja diz muitas vezes que "os espera". Mas se são ateus não precisam da vossa espera. Então, como dialogar? Que fazer com os ateus? Porque a Igreja matou muitos..." Francisco: "Noutras épocas, alguns diziam: "Deixai-os tranquilos, irão para o inferno."" Wolton: "Claro" [risos]. Francisco: "Mas nunca devemos falar com adjectivos. A verdadeira comunicação faz-se com substantivos. Isto é, com uma pessoa. Essa pessoa pode ser agnóstica, ateia, católica, judia..., mas isso são adjectivos. Eu, eu falo com uma pessoa. É um homem, é uma mulher, como eu. Um jovem perguntou-me na Polónia: "Que dizer a um ateu?" Respondi-lhe: "A última coisa que deverás fazer é pregar a um ateu. Tu deves viver a tua vida, tu escuta-lo, mas não deves fazer apologia". O diálogo deve fazer-se com a experiência humana. Podemos falar de muitos temas que temos em comum: problemas éticos, coisas humanas. Do que pensamos, dos problemas humanos, como comportar-se... Podemos debater sobre o desenvolvimento humano. E quando se chega ao problema de Deus, cada um diz a sua escolha. Mas escutando o outro com respeito... Podemos falar sem medo - tu és ateu, eu não... mas falemos. Ambos acabaremos no mesmo lugar. Seremos ambos comidos pelos vermes!"

Wolton: "O que é mais difícil: o diálogo ecuménico ou o diálogo inter-religioso?" Francisco: "Segundo a minha experiência, diria que o inter-religioso foi mais fácil do que o ecuménico. Tive muitos diálogos ecuménicos e gosto muito. Mas, se compararmos, o inter--religioso foi mais fácil para mim. Porque se fala mais do homem..." Wolton: "Quando se está próximo, tudo é difícil. Quando se está afastado, é mais fácil. É estranho."


Anselmo Borges no Diário de Notícias 

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Georgino Rocha — Vinde tomar parte! A festa está preparada


Jesus prossegue o anúncio da novidade de que é portador: Deus é diferente do que imaginamos, o seu agir mostra claramente quem ele é. Visualiza o que quer transmitir com a parábola do rei que pretende fazer festa pelo casamento do filho. (Mt 22, 1-14). Envia os convites, prepara com requinte a ementa, espera pela resposta livre de cada um, não desiste perante a recusa nem altera o seu projecto, dirige-se a outros que aceitam prontamente, e o banquete realiza-se na alegria dos comensais que convivem em igualdade e se alimentam com as iguarias confeccionadas com primor e dignidade. A parábola é dirigida aos sumos-sacerdotes e anciãos do povo, isto é, aos responsáveis pela situação religiosa vivida e que desfigurava o rosto de Deus.

Mateus, hábil narrador, tem como “pano de fundo” os acontecimentos ocorridos em Jerusalém, pelos anos 70, aquando da destruição do Templo pelas tropas romanas. E realça a acção generosa do rei que selecciona cuidadosamente a lista dos convidados. Segundo a praxe, o convite é dirigido a amigos e a pessoas estimadas. São estas que projectam a sua imagem social, constituem como que o espelho da sua reputação, do reconhecimento público que lhe era dispensado, da gala de ilustres figuras que o rodeiam e acompanham. Estava em jogo o bom nome, a sua honorabilidade. 

O Papa Francisco ao comentar esta parábola afirma: “Pobre Rei que tinha bem presente cada um dos que desejava ver no seu palácio. Desejava com o seu coração abrir os braços e receber o seu hóspede esperado, mas este não quis vir, simplesmente assim: não quis, não soube, ou nem quis saber”. Pobre rei que, apesar da insistência, se vê recusado sem qualquer explicação e pelas mais diversas razões. Não lhe dão a menor atenção. Indiferentes, uns; violentos e agressivos, outros. Todos recusam entrar em comunhão fraterna com ele. Dir-se-ia que estavam bem na situação em que se encontravam. “Os que se negam a ir à boda, explica J. M. Castillo (La religión de Jesús, ciclo A, p. 422) são gente de alta posição social e de muito dinheiro. Têm terras e negócios. Os que entram na boda são gente que não tem nada, os vagabundos dos caminhos”. Aqueles estão satisfeitos, acomodados, com seus privilégios e distinções. Deus não os suporta mais. Os outros acabam por ser os preferidos. Isto os fariseus não aguentam e maquinam a trama final da vida de Jesus.

O retrato dos chefes interlocutores saía em relevo. Mas a narrativa continua com novos requintes. “A festa de casamento está pronta, mas os convidados não a mereceram. Portanto, ide à encruzilhada dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes”. E a sala ficou cheia. Quem imaginaria o palácio real ocupado por esta gente tão diversa e desprezada: os marginalizados e excluídos sociais e religiosos, os maltrapilhos e deformados, os esfomeados e sedentos, os sem-abrigo nem protecção. A sala coloriu-se com todos eles, que simbolizam os membros do novo povo de Deus. Os primeiros, os responsáveis religiosos dos Judeus recusam e vêem-se preteridos; os segundos aceitam e são contemplados com os bens messiânicos, os do banquete oferecido.

A parábola contém outros elementos de grande significado. Faz, como que em antecipação, o relato do que vai acontecer. O filho é Jesus que celebra a ceia de despedida com os discípulos antes da paixão e da morte que o elimina e abre a porta à sua ressurreição. Os enviados foram os profetas e agora são os cristãos animados pelo Espírito Santo congregados em Igreja e prontos para a missão. O rei é Deus que persiste em levar por diante o projecto de salvação, respeitando a liberdade humana, mas exigindo comportamentos responsáveis. O tempo coincide com a história que, em género de livro da vida, regista o percurso de cada um de nós. No fim será consumada a festa do banquete em que todos participam, uma vez que se apresentam com o traje do bem feito em obras de justiça, misericórdia e perdão, de graça e benevolência, sobretudo em favor dos que estavam nas encruzilhadas dos caminhos e nas bermas da sociedade e das religiões. (Apoc. 19, 8).

A festa está pronta. Vinde tomar parte. Ouvimos na celebração da Eucaristia: “Felizes os convidados para a ceia do Senhor”. Aceita o convite e prepara-te para comungar dignamente.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Ares de Outono — Um poema de Miguel Torga



Outono

Outono.
(A palavra é cansada…)
Tudo a cair de sono,
Como se a vida fosse assim, parada!

Nem o verde inquieto duma folha!
O próprio sol, sem força e sem altura,
Olha
Dum céu sem luz e levedura.

Fria,
A cor sem nome duma vinha morta
Vem carregada de melancolia
Bater-me à porta.

Miguel Torga


Leiria, 11 de outubro de 1940,
em “Poesia Completa”

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Georgino Rocha - A Alegria do Amor dá novo impulso à Família



O apelo chega de Boston, Estados Unidos, onde o cardeal de Chicago, Blase Cupich, e o teólog jesuíta, James Keenan, promovem um Congresso sobre o novo impulso que a exortação do Papa Francisco “A Alegria do Amor” quer dar à Igreja e à sociedade. É mais uma iniciativa feliz que vem juntar-se a tantas outras que visam renovar as práticas pastorais em relação às famílias. E realiza-se num momento em que parece ser necessário fazer “o ponto da situação” à recepção deste documento pós-sinodal pelas dioceses e seus serviços, designadamente pelas paróquias, âmbitos eclesiais mais próximos às pessoas.

"Quando Amoris Laetitia foi divulgada, foi discutida brevemente... mas não houve um interesse geral da paróquia em ler o documento na íntegra", confessa um leigo participante no referido congresso. Confissão que, certamente, muitos outros podem subscrever. 

"É triste dizer que a maioria dos que responderam (a um inquérito lançado para auscultar a realidade) diz que houve pouco impacto", revelou Vanessa White, leiga teóloga da União Teológica Católica, dos Estados Unidos. Revelação que constata o que estará a acontecer, ainda agora, em outras comunidades.

Catalunha em espera para ser independente


Se a moda pega, tenho para mim que haverá hipóteses de outras nações lutarem pela independência. Um povo com caraterísticas próprias, com um linguajar típico, com tradições que pretendem preservar, com economia sustentável, entre outros requisitos, também terá direito a seguir uma vida independente. Para já, não estou a pensar em nada de concreto, mas a hipótese mantém-se. No entanto...
Imaginem que a Galiza também sonha como a Catalunha, desejando unir-se a Portugal com quem tem tantas afinidades? E o País Basco que tanta guerra fez, há anos, para se libertar da Espanha? E a nossa Madeira também não navegou por essas águas? E os Açores? E fico-me por aqui, embora me apetecesse falar de outros casos. Estou a brincar... mas quantas vezes a brincar se dizem coisas certas. Cá para nós, para longe vá o agoiro, mas se o povo quiser... Não é o povo quem mais ordena?


segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Georgino Rocha — João Almiro de Melo Meneses e Castro



João Almiro de Melo Meneses e Castro (de agora em diante João Almiro) nasce no seio de uma família cristã, a 24 de Junho de 1926, em Canas de Santa Maria, Tondela. Tem vários irmãos. O pai era médico e exercia uma grande influência no filho João que pretendia seguir-lhe os passos. Mas foi dissuadido por ele, pois já havia na família “médicos suficientes”. Em Coimbra especializa-se em farmácia, exercendo a profissão de farmacêutico durante muitos anos com entusiasmo e competência. Casa catolicamente e tem sete filhos. Na relação com eles, aprende a ser pai e, levado pelo coração, alarga o amor a quem a vida não bafeja nem sorri, aos excluídos sociais, por tendências desviantes, por influências negativas ou por pressão de condições desumanas envolventes.

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domingo, 8 de outubro de 2017

Bento Domingues — Tranquilizar ou desassossegar Fátima? (2)



1. Um amigo, depois de ler o meu texto do domingo passado, pediu-me para deixar Fátima em paz. Depois da intoxicação mediática em torno do centenário, é saudável deixar arrefecer essas alucinações. Lembrei-lhe que ainda não se fez uma avaliação deste ano, pois ainda estão em curso preparações de novos congressos. A avaliação que já deveria ter sido feita é a da vinda do Papa Francisco a Fátima.
Paulo VI foi o primeiro Papa que veio a Fátima em circunstâncias que já foram analisadas de diversos pontos de vista. João Paulo II foi à Cova da Iria mais do que uma vez. Bento XVI presidiu à peregrinação de 12 e 13 de Maio de 2010. Como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé já tinha serenado, do ponto de vista teológico, o empirismo que dominava a discussão sobre as aparições/visões.
O Papa Francisco veio como peregrino, a 12 e 13 de Maio 2017. Não trouxe uma rosa de ouro, não foi agredido nem miraculado em Fátima, não se ocupou com as narrativas sobre o inferno, o purgatório, a Rússia e a devoção dos primeiros sábados. Não teve de fazer nenhuma das consagrações pedidas à Lúcia por N. Senhora. As consagrações que Ela exigiu, tantas vezes ensaiadas, já estavam finalmente aprovadas. Também não havia mais nenhum segredo a revelar. A devoção ao rosário, em 1917, já tinha séculos. A canonização da Jacinta e do Francisco tanto poderiam ter sido feitas na Cova da Iria como na Praça de S. Pedro. Então não veio cá fazer nada?
Em duas breves homilias virou tudo do avesso. Em Fátima, a grande preocupação eram os sofrimentos de Deus, dos corações de Jesus e de Maria por causa dos nossos pecados. Era preciso multiplicar os sacrifícios para reparar o Céu ofendido. O Papa conhecia esse mundo que não é o dele. De que se lembrou? Escolheu, das várias narrativas locais, uma que lhe permitiu introduzir um novo horizonte. “Não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente, a chorar com fome, e não tem nada para comer? E o Santo Padre numa Igreja, diante do Imaculado Coração de Maria, a rezar? E tanta gente a rezar com ele?”
Voltou-se, então, para os seus companheiros de peregrinação: “Irmãos e irmãs, obrigado por me terem acompanhado! Não podia deixar de vir aqui venerar a Virgem Mãe e confiar-lhe os seus filhos e filhas. Sob o seu manto, não se perdem; dos seus braços, virá a esperança e a paz que necessitam e que suplico para todos os meus irmãos no Baptismo e em humanidade, de modo especial para os doentes e pessoas com deficiência, os presos e desempregados, os pobres e abandonados.”
Não se pode confundir esta passagem com mais uma beatice mariana. Bergoglio desvia o olhar dos peregrinos para a terra de todos os irmãos no Baptismo que envolve católicos, protestantes, membros das Igrejas Orientais e todos os que se reconhecem no Espírito de Jesus Cristo. Não são apenas os que vão a Fátima! Mas não fica por aí. Quem reconhecesse como irmãos apenas os que se dizem cristãos era um traidor ao Evangelho, um anti-ecuménico. Por isso, o Papa acrescenta: e de todos os irmãos em humanidade! Este universalismo podia ficar numa abstracção. Mas ele concretiza: os nossos irmãos em humanidade que mais precisam de cuidados especiais são os doentes e pessoas com deficiência, os presos e desempregados, os pobres e abandonados.
Importa meditar nesta redobrada tentativa de evangelizar a chamada espiritualidade de Fátima. Muito se repetiu que Fátima não era mais do que o Evangelho. Essa repetição servia, precisamente, para o esquecer. A peregrinação do Papa Francisco foi intencionalmente missionária: procurar evangelizar Fátima, para que ela se transforme num foco de evangelização. Repare-se neste texto de antologia:
“Queridos irmãos, rezamos a Deus com a esperança de que nos escutem os homens e dirigimo-nos aos homens com a certeza de que é Deus quem nos vale. Pois Ele criou-nos como uma esperança para os outros, uma esperança real e realizável segundo o estado de vida de cada um. Ao ‘pedir’ e ‘exigir’ o cumprimento dos nossos deveres de estado (carta da Irmã Lúcia, 28/II/1943), o Céu desencadeia aqui uma verdadeira mobilização geral contra esta indiferença que nos gela o coração e agrava a miopia do olhar. Não queiramos ser uma esperança abortada! A vida só pode sobreviver graças à generosidade de outra vida [...]”.
“Sob a protecção de Maria, sejamos, no mundo, sentinelas da madrugada que sabem contemplar o verdadeiro rosto de Jesus Salvador, aquele que brilha na Páscoa, e descobrir novamente o rosto jovem e belo da Igreja, que brilha quando é missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica no amor.”

2. O que nunca se poderia esperar que um dia viesse a ser proclamado em Fátima, por um Papa, aconteceu numa homilia de completo desassossego das untuosas orações e invocações do costume. Maria, a subversiva do Magnificat, que Maurras agradecia que fosse cantado em latim para que ninguém o pudesse entender, apareceu, finalmente, em Fátima:
“Peregrinos com Maria... Qual Maria? Uma ‘Mestra de vida espiritual’, a primeira que seguiu Cristo pelo caminho ‘estreito’ da cruz dando-nos o exemplo, ou então uma Senhora ‘inatingível’ e, consequentemente, inimitável? A ‘Bendita por ter acreditado’ (cf. Lc 1, 42.45) sempre e em todas as circunstâncias nas palavras divinas, ou então uma ‘Santinha’ a quem se recorre para obter favores a baixo preço? A Virgem Maria do Evangelho, venerada pela Igreja orante, ou uma esboçada por sensibilidades subjectivas que A vêem segurando o braço justiceiro de Deus pronto a castigar: uma Maria melhor do que Cristo, visto como Juiz impiedoso; mais misericordiosa que o Cordeiro imolado por nós? Grande injustiça fazemos a Deus e à sua graça, quando se afirma, em primeiro lugar, que os pecados são punidos pelo seu julgamento, sem antepor — como mostra o Evangelho — que são perdoados pela sua misericórdia! Devemos antepor a misericórdia ao julgamento e, em todo o caso, o julgamento de Deus será sempre feito à luz da sua misericórdia”.

3. Como essas homilias do Papa são textos e proclamações de desassossego, o método para que fique tudo como dantes, na tranquilidade de quem desvia os olhos da terra, é preciso não as ler, não as meditar, não as propor. Fazer de conta que foram desabafos de um simples peregrino habituado a ter os olhos abertos para todas as periferias existenciais.
Este Papa é um pouco estranho. Parece não acreditar que as viagens de uma imagem peregrina de N. Senhora possam substituir uma Igreja de saída. Para ele tem de ser um hospital de campanha, pronto a socorrer os que a indiferença deixou abandonados nas valetas da vida. E para nós?

Frei Bento Domingues, no Público 

A nossa gente: Mestre Vareta


Neste mês de outubro, em que se assinala o 16.º Aniversário da Ampliação e Remodelação do Museu Marítimo de Ílhavo, dedicamos a rubrica “A Nossa Gente” a José Rodrigues Vareta, também conhecido por “Mestre Vareta”.
Nascido na Gafanha da Nazaré, a 24 de outubro de 1930, o Mestre Vareta estudou na Escola Primária da Chave, onde estudou até à 4.ª classe. Com apenas 14 anos de idade, começou a trabalhar como ajudante de Carpinteiro Naval nos antigos Estaleiros Mónica, empresa de referência na construção de navios da frota bacalhoeira nacional.
Tornou-se, depois, Carpinteiro Oficial passando pelas suas mãos navios como o “Condestável”, o “Lutador” ou o “Inácio Cunha”, destacando o “Celeste Maria” e o “Ilhavense” como muito especiais. Tempos bons aqueles em que via partir os navios para a Faina Maior, a pesca do bacalhau à linha praticada por homens e navios portugueses durante os séculos XIX e XX, regressando meses mais tarde, abastecidos de bacalhau, ao Cais dos Bacalhoeiros, na Gafanha da Nazaré, onde, sempre que podia, os ia apreciar.
Reformado desde os 65 anos, passou a dedicar-se à construção de miniaturas de barcos e outros apetrechos de madeira, autênticas réplicas de navios bacalhoeiros, dos seus dóris e de diversos utensílios usados pelos pescadores, como o foquim ou a bilha
O Mestre Vareta estará para sempre ligado à Sala da Faina Maior Capitão Francisco Marques do Museu Marítimo de Ílhavo: fez parte do grupo que construiu, em tamanho real, o belo iate da pesca do bacalhau que se encontra no centro daquela sala, representando um navio típico das primeiras décadas do século XX.
Talhado a meia água ou pelo limite inferior do convés, permite aos visitantes ir a bordo e tocar todos os elementos materiais que faziam parte da grande faina. Foi um desafio lançado pelo Capitão Francisco Marques que José Vareta aceitou com muito orgulho, recordando o antigo Diretor do Museu Marítimo de Ílhavo como “um homem com muitos conhecimentos, muito saber e muito simples”.
Com quase 87 anos de uma vida preenchida, o Mestre Vareta continua a fazer aquilo que mais gosta, laborar minuciosamente a madeira, imprimindo arte e amor nas suas peças e recordando, com saudade, histórias da sua vida profissional, tendo sempre como premissa manter-se ativo e útil.

Fonte: Agenda "Viver em..." da CMI, mês de outubro.

Nota: Congratulo-me com a distinção atribuída a Mestre Vareta, que conheço desde sempre. Era eu jovem, quando o mestre veio residir para bem perto da minha família. Sempre o vi e apreciei como um homem sereno, trabalhar e respeitado por toda a gente. O  mesmo fazia ele em relação a todos. 
A vida dá sempre muitas voltas e o Mestre José Vareta mudou-se para o lugar da Chave, onde ainda vive. E reformado, não descurou a seu gosto pela carpintaria naval, construindo agora miniaturas, como refere a agenda "Viver em..." da CMI. Entrevistei-o há meses e gostei de o ver como sempre o vi: feliz com a vida que Deus lhe tem dado. Ele merece. Um abraço de parabéns.

Ler a entrevista que ele me concedeu aqui 

Fernando Martins

sábado, 7 de outubro de 2017

Liga Portuguesa Contra o Cancro anuncia peditório anual


Como tem sido costume, a Liga Portuguesa contra o Cancro – organização não-governamental, declarada de utilidade pública e sem fins lucrativos – vai realizar o seu tradicional peditório público, nos próximos dias 01, 02, 03, 04 e 05 31 de novembro, para prosseguir a sua ação beneficente. O seu principal objetivo é o apoio aos doentes oncológicos e às suas famílias, mas também a promoção da saúde, a prevenção do cancro e o estímulo à formação e investigação em oncologia. Trata-se de uma iniciativa que a todos deve dizer respeito, já que todos, também, direta ou indiretamente, estamos ligados a esta terrível doença, cuja cura tarda em aparecer.

Ares do Outono - folhas secas



O outono da minha infância pouco ou nada me diz. O verão tinha deixado marcas  de calor  que perduravam no corpo e no espírito. Só o inverno nos acordava para a tristeza da vida. Mas hoje já não é assim. Com as folhas caídas e árvores despidas  vem a certeza da finitude  dos seres vivos. 
Hoje pisei a relva com marcas de decadência, mas foram as folhas secas da nogueira que me convidaram registar esta mensagem. Outras se seguirão em Ares do Outono

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

MaDonA — O Dia Mundial do Sorriso


A cada passo, nos cruzamos com pessoas de rosto crispado, que parecem estar de mal com Deus e com o mundo. São incapazes de esboçar um sorriso, ao seu semelhante, (Será que paga imposto?) como se vissem em cada pessoa, um adversário, um inimigo. Por isso, resolvi debruçar-me sobre o tema.  
O Dia Mundial do Sorriso, conhecido como World Smile Day foi criado em 1999, sendo celebrado, na primeira sexta-feira de outubro. Deve-se a Harvey Ball, um artista de Worcester, Massachussets, sendo esta imagem do smiley, reconhecida internacionalmente. Um ícone, profusamente, usado por todos. 
Já que rir é a melhor terapia, a mais económica, ao alcance de todos, o sorriso abre-lhe a porta, de par em par. 
Pode ter múltiplos sentidos: desde o sorriso acompanhado de um piscar de olhos, como o do JRS no Telejornal, ao sorriso de cumplicidade, num aceno/intenção de conquista, ao sorriso amarelo de ironia, desdém, conveniência, até ao sorriso genuíno e cândido de uma criança que cativa e cria, imediatamente, empatia nas pessoas. 

Anselmo Borges — Francisco sobre: 3. a Igreja e a alegria



Continuo com os diálogos do Papa Francisco e de Dominique Wolton: Politique et société. Quando se fala da Igreja, pensa-se logo na instituição e nos dirigentes: papa, bispos, padres... Ora, acentua Francisco, "a Igreja somos nós todos." "Há os pecados dos dirigentes da Igreja, com falta de inteligência ou que se deixam manipular. Mas a Igreja não são os bispos, os papas e os padres. A Igreja é o povo. O Vaticano II disse: "O povo de Deus, no seu conjunto, não se engana." Se quiser conhecer a Igreja, vá a uma aldeia onde se vive a vida da Igreja. Vá a um hospital onde há tantos cristãos que vêm ajudar, leigos, irmãs... Vá a África, onde se encontram tantos missionários. Não para converter - era noutros tempos que se falava de conversão -, mas para servir."

O que é que mais o toca? "Há tanta santidade. É uma palavra que quero utilizar na Igreja hoje, mas no sentido da santidade quotidiana, nas famílias... Quando falo desta santidade ordinária, que já designei como a "classe média" da santidade..., sabe qual é a imagem que me vem ao espírito? O Angelus, de Millet. A simplicidade desses dois camponeses que rezam. Um povo que reza, um povo que peca e depois se arrepende dos seus pecados. Há uma forma de santidade oculta na Igreja. Há heróis que partem em missão. Alguns sacrificaram a sua vida. É isso que me toca mais na Igreja: a sua santidade fecunda, ordinária. Essa capacidade de tornar-se santo sem se fazer notar."

Por isso, Francisco tem medo da rigidez. "Por detrás de cada rigidez há uma incapacidade de comunicar. Pense nesses padres rígidos que têm medo da comunicação, pense nos políticos rígidos... É uma forma de fundamentalismo. Quando me aparece uma pessoa rígida, e sobretudo um jovem, digo imediatamente a mim próprio que está doente. O perigo é que procuram a segurança... Não sabem, sentem-no. Vão, portanto, procurar estruturas fortes que os defendam na vida." Temos então o tradicionalismo, o medo da novidade, do diálogo. Ignoram que a tradição, para ser viva, tem de estar em movimento. "Como cresce a tradição? Cresce como uma pessoa: pelo diálogo, que é como a amamentação para a criança. O diálogo com o mundo que nos rodeia. Se não se dialoga, não se pode crescer, fica-se fechado, pequeno, um anão. Não posso contentar-me com caminhar com palas, devo olhar e dialogar. Dialogando e escutando outra opinião, posso, como no caso da pena de morte, da tortura, da escravatura, mudar o meu ponto de vista. Sem mudar a doutrina. A doutrina cresceu com a compreensão. Isso é a base da tradição. Ao contrário, a ideologia tradicionalista tem uma fé como isto [faz o gesto das palas]: na missa, a bênção deve dar-se desta maneira, os dedos devem colocar-se deste modo, como se fazia antes... O que o Vaticano II fez com a liturgia foi algo enormíssimo. Porque abriu o culto de Deus ao povo. Agora, o povo participa." Aqui, digo eu: o cardeal Robert Sarah que não pense que vai pôr outra vez a missa em latim, com o padre de costas para o povo...

Neste contexto, põe-se a pergunta: os divorciados recasados podem comungar? "Há o que eu fiz, depois de dois sínodos: a exortação "A Alegria do Amor"... É algo claro e positivo, que alguns com tendências ultratradicionalistas combatem, dizendo que não é a verdadeira doutrina. Quanto às famílias feridas, eu digo lá que há quatro critérios: acolher, acompanhar, discernir as situações e integrar. Abre-se um caminho de comunicação. Perguntam-me: "Mas pode dar-se a comunhão aos divorciados?" Respondo: "Falai com o divorciado, falai com a divorciada, acolhei, acompanhai, integrai, discerni!" Infelizmente, nós os padres estamos habituados a normas congeladas, fixas. E ouve-se dizer: "Não podem receber a comunhão." Que não, não e não. Este tipo de proibições é o que encontramos no drama de Jesus com os fariseus. A mesma coisa!"

Neste enquadramento, porque "a misericórdia é um dos nomes de Deus - se eu não aceito que Deus é misericordioso não sou crente" -, todos os padres, incluindo os lefebvrianos, podem agora absolver o pecado do aborto. "Atenção! Isto não significa banalizar o aborto. O aborto é grave, um pecado grave. É o assassínio de um inocente. Mas se há pecado é necessário facilitar o perdão."

O cristianismo "não é uma ciência, uma moral, uma ideologia, uma ONG: o cristianismo é um encontro com uma pessoa. É a experiência da estupefacção, da maravilha espantosa de ter encontrado Deus, Jesus Cristo, é isso que me deixa estupefacto". Por isso, "não se pode ensinar a moral com preceitos como: "Não podes fazer isto, deves fazer isto, tu deves, tu não deves, tu podes, tu não podes." A moral é uma consequência do encontro com Jesus Cristo, uma consequência da fé, para nós os católicos. E para os outros a moral é uma consequência do encontro com um ideal, ou com Deus, ou consigo mesmo, mas com a melhor parte de si mesmo. A moral é sempre uma consequência". Assim, é inconcebível uma Igreja afastada das pessoas. "A Igreja de Jesus Cristo tem de estar ligada ao povo. O contrário seria fazer como alguns políticos que se interessam pelas pessoas durante as campanhas eleitorais e depois as esquecem. Para mim, a proximidade, mesmo na vida pastoral, é a chave da evangelização... Quando quero transmitir algo a alguém, devo esforçar-me por pensar que estou diante do mistério de uma outra pessoa."

Wolton: "Que palavras do seu pontificado quereria ver retidas?" Francisco: "A palavra que mais utilizo é a "alegria". Uso muitas vezes a "ternura", a "proximidade". Aos padres digo: "Por favor, sede próximos das pessoas." Aos bispos digo: "Não sejais príncipes, senhores, sede próximos das pessoas, dos padres." Também a "oração", rezar no sentido de estar diante de Deus" e fazer silêncio e meditar, no meio de uma sociedade do ruído, do "rapidão".

Anselmo Borges, no Diário de Notícias