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sábado, 9 de janeiro de 2016

O futuro da Igreja. 1

Crónica de Anselmo Borges 

Anselmo Borges
«Cardeais e bispos não são "príncipes" 
nem podem viver como "faraós"»

Papa Francisco

Estive com ele uma vez, em Paris, e impressionou-me muito a sua imensa cultura e simplicidade. Intelectual de enorme prestígio, ocupou a cátedra de História das Mentalidades Religiosas no Ocidente Moderno, no Collège de France. Autor de numerosas obras mundialmente conhecidas, Jean Delumeau acaba de publicar L"Avenir de Dieu (O Futuro de Deus), com o seu percurso de vida intelectual e espiritual ao longo de 60 anos. Católico de fé assumida, diz-se "humanista cristão" e interroga-se sobre as inquietações do presente e o futuro do cristianismo. Do alto da sabedoria e da autoridade dos seus 92 anos, propõe, já na conclusão, uma série de reformas urgentes para a Igreja, que, dada a sua importância, apresento hoje e no próximo Sábado.
Antes dessa conclusão, Jean Delumeau atravessa, em síntese, os grandes temas das suas investigações científicas, no quadro da história das mentalidades, como: o medo, o pecado e a culpabilização, a confissão, o perdão, o sentimento de segurança, o paraíso e as suas imagens, a Europa de hoje. E deixa pensamentos sábios, que obrigam a reflectir. Assim, no contexto da imagem terrífica de Deus, que tem de ser revista, escreve:

domingo, 27 de dezembro de 2015

Será a Bíblia blasfema?

Crónica de Frei Bento Domingues 

«O iaveísmo histórico veicula 
uma teologia nacionalista, 
por vezes, de uma extrema violência»

1. Quando se tenta explicar a violência das religiões ou contra as religiões resvala-se facilmente para a justificação do crime.
Nos últimos tempos, repetem-me: o Papa Francisco considera o terrorismo, em nome de Deus, como uma blasfémia, mas, nesse caso, o Antigo Testamento (AT) não é também ele blasfemo?
O exegeta, Armindo Vaz [1], referindo-se a Dt 20,10-18 [2], apresenta Moisés a falar a Israel deste modo:
“Quando te aproximares duma cidade para combater contra ela…, Iavé teu Deus a entregará nas tuas mãos e passarás a fio de espada todos os seus varões, as mulheres, as crianças, o gado; tudo o que houver na cidade, todos os seus despojos, o hás-de tomar como espólio…Quanto às cidades destes povos que Iavé teu Deus te dá em herança não deixarás nada com vida; consagrá-los-á ao extermínio: hititas, amorreus, cananeus, ferisitas, hivitas e jebuseus, como te mandou Iavé, teu Deus, para que não vos ensinem a imitar todas essas abominações que eles faziam em honra dos seus deuses: pecaríeis contra Iavé vosso Deus”.
As explicações históricas do autor são importantes, mas insuficientes.

domingo, 1 de novembro de 2015

Que temos nós que ver com os migrantes?

Crónica de Frei Bento Domingues 


«Quem procura entrar na Europa 
encontra muros e mares 
de sepultura»



1. Alguns leitores reagindo ao meu texto do domingo passado, disseram-me: se o panorama da família em desconstrução e reconstrução é tão caótico, como poderão as famílias agrupar-se para evangelizar, encher de alegria, antigos e novos projectos familiares?
Podem. Com diferentes configurações, existem, por todo o mundo, milhões de famílias que o amor reuniu - de avós a netos - que sem alarido, já vivem antigos e novos processos de alimentar e renovar a esperança das futuras gerações. Por outro lado, a graça do Evangelho não contraria os trabalhos escondidos da natureza e da cultura, como certa apologética pouco católica, ignorante e sectária, insiste em proclamar.

sábado, 31 de outubro de 2015

A morte: o último tabu

Crónica de Anselmo Borges no DN

«Sobre os dias 1 e 2 de Novembro, 
dias dos mortos e da pergunta essencial»

1- É bem possível que, para se perceber uma sociedade, mais importante do que saber como é que nela se vive é saber como é que nela se morre e se trata a morte. Facto é que as nossas sociedades desenvolvidas, tecnocientíficas, do primado do ter sobre o ser, da eficácia, da vertigem do poder, do tempo digital e da aceleração, são as primeiras na história a fazer da morte tabu. Mais: assentam a sua realidade no tabu; para serem o que são, têm de fazer da morte tabu.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Bem disposto... Mal disposto


Gosto mesmo do cronista Miguel Esteves Cardoso. Leio as suas crónicas quase diariamente no PÚBLICO. Aprecio o estilo próximo que estabelece com os seus leitores, refletindo uma erudição carregada de experiências de vida. E para fazer dessa patilha,  dia após dia, a sua profissão, é preciso mesmo dominar muitas áreas do saber. 

domingo, 25 de outubro de 2015

Sínodo das Famílias ou dos Bispos? (2)

Crónica de Bento Domingues 


«O amor humano, dos seres humanos, 
precisa de sabedoria e de prudência 
para ser fiel a si mesmo»

1. Perguntaram-me, com razão, na sequência do texto do Domingo passado: O Sínodo das Famílias até pode ser uma boa ideia, mas que se entende, hoje, por Família?
O documento de trabalho para a preparação do Sínodo (2014) apresentou as situações inéditas que teriam estilhaçado, nas últimas décadas, a significação mais óbvia de família ou assim considerada.
O texto de O. Bonnewijn, reprodução de uma sua conferência em Cracóvia, tenta descrever e avaliar as chamadas famílias pós-modernas [1].
Estas seriam o resultado de uma desconstrução crítica e de uma reconstrução livre, com as peças desconjuntadas das concepções tradicionais dos agregados familiares.
Como é que isso foi acontecendo? Procurando, por um lado, reinventar - ao sabor e à medida de projectos individuais e sociais - a constituição e a articulação de laços, papéis, sexos e gerações; por outro, promovendo, ao máximo, os valores de autonomia criativa e optando - no sentido ultraliberal do termo – pelo desenvolvimento pessoal, pela qualidade relacional, pelo desabrochamento afectivo e sexual.

sábado, 24 de outubro de 2015

Cisma e debandada na Igreja

Crónica de Anselmo Borges 
no DN

"Pode haver mais amor cristão 
numa união canonicamente irregular 
do que num casal casado pela Igreja."

1. O Sínodo sobre a família termina amanhã em Roma, dividido, vindo talvez a propor uma comissão para estudos ulteriores e deixando ao Papa a última palavra. Há quem fale em cisma no sentido estrito da palavra, portanto, a separação de alguns, rompendo a unidade da Igreja. Não é impossível, mas não penso que isso venha a suceder. Porque Francisco é sábio e saberá lidar com as dificuldades, isto é, com o "cisma prático" na Igreja - a expressão é do cardeal Walter Kasper -, na medida em que grande maioria dos católicos vive separada da doutrina oficial, concretamente no domínio da sexualidade. Há, pois, expectativas legítimas neste campo.

domingo, 13 de setembro de 2015

Um novo discurso do método teológico?

Crónica de Frei Bento Domingues 
«Que fazer, na Europa e nos EUA,
 para vencer a persistente cegueira 
que prepara sempre novas asneiras?»

Frei Bento Domingues



1. O regresso a este espaço pede-me alguns parágrafos de introdução. Começo por destacar o trabalho exemplar de reconstrução de uma muito original, eficaz e clandestina “devoção”, a dos Terceiros Sábados, lançada pelo casal Natália Duarte Silva – Nuno Teotónio Pereira, nos anos 70 do séc. XX.
Ignorada nas investigações sobre a relação dos grupos católicos com o Estado Novo e com a guerra colonial, foi agora tirada do limbo da memória de muitos participantes pelo esforço de António Marujo [1].
A pertinência do texto Dói-me Portugal, de Pacheco Pereira, não se vai esgotar na presente conjuntura política [2]. Clara Ferreira Alves, com As lágrimas de crocodilo [3], não permite esquecer que os EUA e a Europa foram e são parceiros na sementeira e na teia das loucuras cujas consequências, só em parte, estão à vista de todos, na tragédia dos fluxos migratórios. Se ninguém se lembra de perguntar aos países ricos do Golfo, irmãos da mesma fé, quantos refugiados sírios receberam, é porque os negócios sujos exigem silêncio. Em 2014, a Alemanha e os Estados Unidos bateram recordes na venda de armas no Golfo.

sábado, 12 de setembro de 2015

Teólogos e recasados

Crónica de Anselmo Borges 

«O Evangelho manda, 
segundo os Actos dos Apóstolos, 
"não impor um jugo que nem os nossos pais 
nem nós somos capazes de suportar"»


1. A pensar no confronto do Sínodo de Outubro, 18 teólogos espanhóis de renome, como Torres Queiruga, González Faus, J.A. Pagola, escreveram uma carta de petição ao Papa querendo "completar, pelo outro lado, o escrito de meio milhão de fiéis no qual te pedem com afinco que "reafirmes categoricamente os ensinamentos da Igreja de que os católicos divorciados e que voltam a casar pelo civil não podem receber a sagrada comunhão". Dei conta aqui desse escrito no sábado passado. Na carta, a assinar por quem achar bem (já assinei), dão razões a justificar que "a prudência pastoral não só permite como reclama hoje uma mudança de posição" quanto à comunhão para os recasados.
A primeira é que as palavras de Jesus "Não separe o homem o que Deus uniu" têm de ser lidas no seu contexto. Elas dizem directamente respeito ao marido, que podia abandonar a mulher por qualquer motivo, até porque viu outra mais bonita. São, pois, palavras dirigidas primariamente à "defesa da mulher".

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Alegria de viver

Crónica de Maria Donzília Almeida



“La joi de vivre est un produit de beauté!”

(A alegria de viver é um produto de beleza!)

A frase saltou-me à vista, quando peguei no saco para depositar os produtos de cosmética que adquirira ali na Body Shop. Tirei-o da carteira pois prescindi da embalagem, vendida pela loja. Está ali sempre à mão, para uma potencial necessidade, a lembrar-me uma mensagem tão preciosa. 
E, já que a beleza é um tema tão caro à mulher moderna…e ao homem da atualidade, que se preza, resolvi discorrer sobre este particular produto de cosmética, ao alcance de todas as bolsas. 
Confrange-me o aspeto crispado de tantos rostos com me cruzo no meu labor diário, que mais parecem carregar a dívida conjunta de Portugal e da Grécia! Como não tenho pretensões de endireitar o mundo, partilho apenas a minha quota parte com dez milhões de portugueses.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Reencontro

Crónica de Maria Donzília Almeida

ANGE

Foi ali, na marina da ANGE (Associação Náutica da Gafanha da Encarnação), que nos encontrámos. Estava eu a tomar um drink com uma amiga, numa pausa do trabalho.
Lugar acolhedor de encontros, desencontros e também de reencontros. Com a mansidão da ria a estender-se à nossa frente, de braço dado com a Mota, é o ex-libris da nossa pitoresca vila. A zona da Mota foi outrora ancoradouro de moliceiros, designados de “barcas” que movidas a energia eólica faziam o transporte destas gentes para a Costa Nova. A ponte da Barra no prolongamento da A25, aberta ao público em 1975, no fervor da revolução de abril, veio dar um novo incremento a esta zona ribeirinha.
No meu imaginário feminino, estamos na zona, por mim batizada de Marina/Mota!
Foi neste cenário de paz, emoldurado pela ria e pintado pelo colorido dos patinhos que se abeiraram de nós na procura do pãozinho para o bico, que fui surpreendida por aquela visita.
Foi introduzida por um barman que ali trabalha, nosso ex-aluno, que inquiriu se eu ainda reconhecia aquela elegante jovem. Aí, recuei no tempo e trouxe, à tona da memória, a figura cândida de uma antiga aluna. Era uma menina bonita, duma serenidade que deixava transparecer já, uma maturidade anacrónica.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Um desabafo: gente aos berros

Não sei se é da idade se de outra coisa. Talvez da necessidade que sinto de uma vida mais serena. Não gosto de pessoas aos berros. Miguel Esteves Cardoso falou há dias de gente aos gritos. Concordo com o que disse e como disse, num estilo que eu jamais conseguiria imitar. Nesse aspeto, o escritor, cronista e homem culto, é um caso raro. Outros, com nível, não serão tão sintéticos como ele é para dizer muito em poucas palavras.
Lá que os políticos de carreira usem a gritaria para excitar as massas, ainda vá, porque sem entusiasmo nada feito. Agora, que as pessoas, nos cafés e restaurantes, nas esplanadas ou à mesa da confraternização, gritem a plenos pulmões para que todos, em círculo alargado, as oiçam, não me parece bem. E não é que a gritaria de uns estimula quem também quer dar a sua opinião? O problema está aí. O melhor, já cheguei a essa conclusão há bons tempos, é deixá-los berrar. Hão de calar-se com o nosso silêncio.

domingo, 19 de abril de 2015

A ressurreição não pode ser adiada (2)

Crónica de Frei Bento Domingues 

Frei Bento Domingues

1. Creio que a nossa ressurreição depois da morte é tarefa exclusiva do Deus dos vivos. Está bem entregue.
É a ressurreição dos mortos-vivos, dos sem rosto, dos mais pobres, dos mais desfavorecidos, dos não rentáveis, dos ejectados do círculo virtuoso do liberalismo económico, que constitui o desafio lançado a todas as pessoas de boa vontade. A peça de teatro de Jean-Pierre Sarrazac, O Fim das Possibilidades - uma Fábula Satânica –, encenada por Nuno Carinhas e apresentada nos TNSJ e TNDII [1], mede-se precisamente com o que há de mais arcaico e persistente no livro de Job, confrontado com as características da crise actual, aprofundando, em parábola, o seu conhecimento, a partir de muitos afluentes. 
Temos de enfrentar a desesperança, mas sem recorrer à publicidade enganosa: “o futuro está de volta”. José Silva Lopes era considerado um dos maiores economistas do país, mas não confundia a esperança com ilusões. Recebeu o Expresso [2] para uma entrevista, dois meses antes de morrer. Temos, agora, acesso à sua opinião sobre algumas questões incontornáveis da nossa actualidade.

domingo, 5 de abril de 2015

Páscoa de muitas Páscoas

Crónica de Frei Bento Domingues 
no PÚBLICO de hoje
Frei Bento Domingues



1. No domingo passado, imediatamente depois da missa, na exígua sacristia, com uma fila de pessoas para atender, um amigo atirou-me a pergunta:haverá mesmo ressurreição? Respondi-lhe que o melhor seria ficarmos os dois a ler, a pensar, a escrever e a rezar essa interrogação durante toda a Semana Santa e não apenas a da liturgia oficial.
Entretanto, a morte de amigos ou de amigos de amigos, uns muito novos, outros mais idosos — umas vezes de modo fulminante, outras, depois de longo tempo de sofrimento — não descansou. Em muitas situações não é, em primeiro lugar, a chamada “ressurreição dos mortos” que mais nos interroga. Essa é, segundo a confiança cristã, cuidado de Deus. Mas a ressurreição de mulheres ou maridos vivos, com a morte na alma, sós, com crianças muito pequenas para criar, é nosso encargo.
Quando se mata para sempre o emprego de adultos na força da vida e se deixam os jovens, anos a fio, à espera de nada; quando se cortam nas pensões dos reformados e os idosos são reduzidos a sobrantes, a descartáveis, que fazer? Sem uma política de insurreição das comunidades católicas e das suas hierarquias eclesiásticas, pode ser alienante falar de ressurreição. Sem um levantamento cristão contra a injustiça, expulsámo-nos do amor transformante, da caridade teologal, como nos recorda o Papa Francisco. 

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Mudar radicalmente a religião (1)

Crónica de Frei Bento Domingues 
no PÚBLICO



Os caminhos de Deus não se podem 
confundir com os de uma só religião



1. Não tive condições para seguir as cerimónias que envolveram a nomeação dos novos “príncipes da Igreja”. Um amigo, pouco dado a críticas à hierarquia eclesiástica, manifestou-me, no entanto, o seu desapontamento. Daquilo tudo, só as palavras do Papa estavam ajustadas a um programa de reforma da cúria e da Igreja.
Seria arcaico exigir dos novos cardeais vestes parecidas com as do carpinteiro de Nazaré. Mas aquele espectáculo era a reprodução de sempre do mau gosto purpurado. As delegações portuguesas, ao convidar o Papa para vir a Fátima, revelaram pouca imaginação e, até parece, uma oposição ao seu programa.
Seja como for, importa redescobrir o papel das religiões no mundo, na Europa e em Portugal. O que as terá anestesiado para que, durante estes anos todos de miserável humilhação dos povos do Sul da Europa e de transformação do Mediterrâneo num cemitério medonho, não tenham suscitado um imenso movimento de resistência não violenta?
Sobre o papel das religiões existem as posições mais desencontradas. Comecemos por uma das mais negativas:

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Púrpura e periferias

Crónica de Anselmo Borges 
no DN

Anselmo Borges

1. Como tinha anunciado, o Papa celebra hoje e amanhã no Vaticano a cerimónia de criação de vinte novos cardeais, dos quais, porque têm menos de 80 anos, quinze são eleitores do novo Papa, num eventual conclave. Anteontem e ontem, Francisco examinou com o Colégio Cardinalício, uma espécie de Senado da Igreja, que agora representa 73 países de todo o mundo, a reforma da Cúria Romana, desafio fundamental. De facto, sem uma reforma radical, consistente e duradoura, "constitucional", da Cúria, não se cumprirá uma tarefa essencial para Francisco.
Como já tinha acontecido na primeira nomeação de novos purpurados, há um ano, Francisco fez questão de abandonar critérios tradicionais de escolha. Assim, ficaram sem cardeal grandes cidades como Veneza e Bruxelas e só um membro da Cúria ascendeu ao cardinalato. Mas o arcebispo de Santiago, Arlindo Gomes Furtado, tornou-se o primeiro cardeal de Cabo Verde na história, o arcebispo de Rangun, o primeiro cardeal birmanês, como o bispo de Tonga é o primeiro proveniente do arquipélago de Tonga e também, com 53 anos, o mais jovem do Colégio. A América Latina fica representada por mais três cardeais, e a Ásia também com mais três.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

As vantagens de não se julgar infalível (1)

Crónica de Frei Bento Domingues 
Bento Domingues

1. Dizem-me que estou a ficar viciado no Papa argentino. É possível. Seja como for, o seu pontificado retomou, de forma original e surpreendente, o impulso meticulosamente abafado de João XXIII (1881-1963). Este filho de camponeses pobres, de Sotto il Monte (Bergamo), foi uma bênção inesperada para um mundo dividido e ameaçado por um confronto nuclear. Já muito idoso teve a ousadia de provocar um abalo sísmico numa Igreja obsessionada com dogmas e anátemas, ao convocar o Vaticano II, o concílio do acolhimento universal e do diálogo irrestrito. Consta que este bispo pobre, piedoso e cheio de humor sempre se sentiu bem na companhia de hereges, cismáticos e não-católicos. Destruiu barreias e construiu pontes, em todas as direcções, sem nunca se julgar infalível.
Não esqueço que já passaram várias gerações e que, hoje, é difícil imaginar o que se passou, na Igreja, entre 1958 e 1962. Além disso, em Portugal, esse concílio não foi nem preparado, nem acompanhado, nem recebido.

sábado, 29 de novembro de 2014

O lamaçal: ética e política

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

1.Tenho aqui escrito muitas vezes que, ao contrário do que se pensa, fé e acreditar não são em primeiro lugar categorias religiosas. Trata-se do fundamental da existência, no sentido de que, sem fé, crédito, confiança, ninguém pode viver bem. O que mais falta faz no país não é precisamente a confiança e o crédito? A nossa vida está baseada, em todos os domínios, na confiança (vem de fides, fé) e no crédito (vem de credere, crer, acreditar) que damos aos outros e à vida e que eles nos dão a nós, de tal modo que podemos crer e confiar em nós próprios, abrindo futuro pessoal e colectivo.
Assim, a crise em que o país está mergulhado é a pior, porque minou a confiança. No meio deste lamaçal, em quem se pode confiar?

Nota: Transcrito do DN online. Texto completo na segunda-feira

sábado, 27 de setembro de 2014

A CIÊNCIA E O DIVINO.3

Crónica de Anselmo Borges
no DN

Como vimos, Einstein afirmava-se como pessoa religiosa, mas acreditando no "Deus de Espinosa que se revela na ordem harmoniosa daquilo que existe e não num Deus que se interesse pelo destino e pelos actos dos seres humanos."
Há o mistério último da realidade, que se impõe. A pergunta é se se opta pela Natureza impessoal ou pelo Deus transcendente, pessoal e criador.
Compreende-se o fascínio da afirmação da Natureza como força geradora divina de tudo. Esta concepção é bem resumida pelo filósofo Marcel Conche, ao escrever que Deus é inútil, pois a Natureza cria seres que podem ter ideias de todas as coisas, inclusive da própria Natureza. Está a referir-se não à natureza "oposta ao espírito ou à história ou à cultura ou à liberdade", mas à "Natureza omnienglobante, a physis grega, que inclui nela o Homem. Essa é a Causa dos seres pensantes no seu efeito."

domingo, 21 de setembro de 2014

CONVIDADOS PARA JANTAR, PROIBIDOS DE COMER (1)

Crónica de Frei Bento Domingues 

1. No contexto da preparação do Sínodo dos Bispos, convocado para o Vaticano pelo Papa Francisco, a realizar de 5 a 9 de Outubro, sobre os desafios pastorais da família no contexto da evangelização, é normal que se tenham intensificado, nos diferentes continentes, os confrontos de tendências pastorais e teológicas sobre os antigos e novos modelos de família.

Na realidade, desde o Vaticano II, não houve pausa nas controvérsias sobre as implicações da celebração católica do casamento. Não serão extintas no próximo Sínodo dos Bispos. O Papa Francisco não pode nem deve fazer tudo sozinho e tem de contar com os pedregulhos que os adversários da sua orientação lhe colocaram e colocam no caminho.