sexta-feira, 5 de maio de 2017

FÁTIMA: "SUSPENSÃO" de Joana Vasconcelos


«Todos percebemos o enorme impacto que esta peça tem no conjunto edificado deste santuário, o que pretendemos é que precisamente esta celebração do centenário seja marcada festivamente e que possa estar também marcada por uma obra de arte desta natureza, que nos ajuda a perceber aquilo que é o fundamental deste lugar»

Padre Cabecinhas, 
Reitor do Santuário de Fátima

«É com muito gosto que estou aqui alguns anos depois, para poder fazer parte deste centenário, para fazer parte deste momento tão importante para Portugal e para os portugueses e para poder colaborar nesta mensagem de paz»

Joana Vasconcelos, 
Artista Plástica
Ler mais aqui 

Escutar Jesus que me chama pelo nome

Reflexão de Georgino Rocha


A cura do cego de nascença provoca uma subida de tensão entre os fariseus e Jesus. A oposição é clara. O povo inclina-se para dar razão ao proceder de Jesus e distanciar-se dos mestres da Lei. A polémica sobe de tom e a linguagem também. O confronto avizinha-se e estala na Festa das Tendas. Jesus pronuncia o seu último discurso em público, o discurso do Bom Pastor, que João, o narrador do episódio, recompõe e relata de modo admirável. Discurso em que Jesus recorre a metáforas de sabor bíblico e reafirma a sua identidade. “Eu sou a porta”; “Eu sou o bom pastor”. Afirmações repetidas duas vezes. Em contraposição, os outros ficam excluídos e desautorizados. Que sentimentos terão assaltado o coração dos ouvintes e, sobretudo, o dos fariseus!

A narrativa destaca a diferença de atitudes entre os protagonistas da parábola. Jesus, o bom pastor, que conhece e chama pelo nome cada ovelha do rebanho; que entra no redil e faz sair as que são suas, as conduz nos caminhos da liberdade e da esperança aos campos de pastos verdejantes; que vela por cada uma e está pronto a ir em busca de alguma que se tenha tresmalhado; que enfrenta as adversidades e defende, especialmente as mais débeis, na sua integridade; que vive com elas uma relação intensa de doação plena pois quer que tenham vida em abundância. Jo 10, 1-10. O Papa Francisco comenta com rara sabedoria esta parábola, realçando a saída missionária da Igreja para ser uma espécie de hospital de campanha num mundo destroçado por tantas guerras.

A propósito da celebração do 54º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, que hoje ocorre, afirma o Santo Padre: “Gostaria de me deter na dimensão missionária da vocação cristã. Quem se deixou atrair pela voz de Deus e começou a seguir Jesus, rapidamente descobre dentro de si mesmo o desejo irreprimível de levar a Boa Nova aos irmãos, através da evangelização e do serviço na caridade. Todos os cristãos são constituídos missionários do Evangelho. Com efeito, o discípulo não recebe o dom do amor de Deus para sua consolação privada; não é chamado a ocupar-se de si mesmo nem a cuidar dos interesses duma empresa; simplesmente é tocado e transformado pela alegria de se sentir amado por Deus e não pode guardar esta experiência apenas para si mesmo: «a alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma alegria missionária». EG 21.

Quem não alimenta estas atitudes – os fariseus e outros grupos – é ladrão e salteador, aproveita-se do rebenho para se apascentar, abandona-o em caso de perigo, deixando-o exposto à ferocidade dos atacantes que destroçam, afugentam e matam. Os visados, ao serem tratados como bandidos, devem ter sentido uma reacção de furor que vai germinando no seu coração. A sequência dos factos mostra que a decisão de eliminarem o Bom Pastor está a consolidar-se.

Escutar a voz de Deus que chama. É preciso seguir a Cristo, o Bom Pastor e acompanhá-lo na sua paixão pelo bem da humanidade. “Tenho ainda outras ovelhas”; “Tenho de as conduzir; elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor”. Grande certeza de Jesus que é desejo e oração. E, desde então, uma bela história de amor se vai escrevendo com nomes conhecidos e outros nem tanto, na simplicidade da vida diária e em momentos de excepcional importância. Homens e mulheres, santos e pecadores perdoados. Padres e freiras, pais de família e filhos abençoados.

Hoje, ocorre a celebração do dia da Mãe. Que feliz coincidência com a festa do Bom Pastor. “O primeiro amor” que toda a pessoa experimenta é o dos pais, mas é “sobretudo no sorriso materno” que a criança encontra a primeira e feliz mensagem de acolhimento, a “afirmação de que existir é um bem”, a confiança tranquila e serena numa “verdadeira relação de amor” que sustenta, que dá “sentido à existência e forma, humana e espiritualmente”, afirma a Comissão Episcopal Portuguesa do Laicado e da Família. E prossegue: “É nosso desejo destacar o valor fundamental das mães na família, na sociedade e na Igreja, e lembrar que o seu estatuto e missão bem merecem a melhor atenção a nível político, legislativo, laboral e social, para que se sintam mais apoiadas e dignificadas na sua tarefa insubstituível de humanização da sociedade”.

Uma sociedade sem as mães “seria uma sociedade desumana” porque as mães testemunham sempre, “mesmo nos piores momentos, a ternura, a dedicação, a força moral”. Na escola do Bom Pastor, aprende-se o amor de doação incondicional para que a vida seja feliz e abundante para todos.

O que eu penso sobre Fátima (2)

Crónica de Anselmo Borges no DN

Deus é fonte de vida

1 - Um problema maior deste tempo são a pressa, a imediatidade, a fragmentação. Alguém pára para pensar, para verdadeiramente se informar, reflectir? Alguém lê livros? Sim, livros? Porque um livro, quando é bom, dá que pensar, e tem princípio e meio e fim e aberturas para lá dele e é preciso dialogar com ele e os seus pressupostos e os seus horizontes. Mesmo num jornal, lê-se a notícia toda ou só o título? Afinal, um dos grandes perigos de hoje é que se vive de flashes, de impressões, na vertigem de um tsunami de informações e opiniões dispersas, intoxicantes.
No passado dia 14 de Abril, o jornal Expresso titulava na primeira página: "É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima" (Anselmo Borges). E remetia para uma entrevista na página 22. É claro que quem só leu este título ficou enganado. É verdade que eu disse aquilo. Mas quem foi ler a entrevista? Quem leu encontrou o que é fundamental: a necessária distinção entre "aparição" e "visão": "Posso ser um bom católico e não acreditar em Fátima porque não é dogma. Não me repugna, contudo, que as crianças, os chamados três pastorinhos, tenham tido uma experiência religiosa, mas à maneira de crianças e dentro dos esquemas religiosos da altura. É preciso também distinguir aparições de visões. É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima. Uma aparição é algo objectivo. Uma experiência religiosa interior é outra realidade, é uma visão, o que não significa necessariamente um delírio, mas é subjectivo. É preciso fazer esta distinção."
Como já aqui expliquei, é evidente que Maria não apareceu fisicamente em Fátima, pois o crente na vida plena e eterna em Deus sabe que essa vida é uma nova criação, para lá do espaço e do tempo; não é segundo o modo da vida neste mundo. Mesmo a ressurreição de Jesus não é a reanimação do cadáver, é evidente, e, por isso, está para lá das manifestações físico-empíricas. Eu acredito na vida eterna e que Jesus está vivo em Deus. Como é? Ninguém sabe. As grandes experiências, as que decidem da vida e da morte e do sentido da existência e da história, são interiores. É neste dinamismo que estão as experiências da fé religiosa, mesmo se - a experiência nunca é pura, nua - se dão no quadro de esquemas, figuras e imagens interpretativos, segundo as situações, os tempos e os contextos. O referente - pólo objectivo - é sempre o mesmo: o Mistério, o Sagrado, Deus, Presença transcendente-imanente, que o crente - pólo subjectivo - experiencia como Fundamento e Fonte de salvação.
Percebe-se então que há experiências religiosas melhores e outras menos boas. E lá está na entrevista: "E por isso digo que é necessário evangelizar Fátima, ou seja, trazer uma notícia boa. Porque mesmo para aquelas crianças aquela não foi uma notícia boa: que mãe mostraria o inferno a uma criança?"

2 - Qual é o núcleo da mensagem de Fátima? Em primeiro lugar, a oração. É uma grande mensagem? É. Para crentes e não crentes. Quem não precisa de rezar? Não necessariamente dizendo orações, embora os cristãos tenham a oração essencial que Jesus ensinou: o pai-nosso", onde está o núcleo da vida: a ligação à Transcendência, que é Amor; que o Reino de Deus venha: o Reino da verdade, da justiça, da dignidade livre e da liberdade na dignidade para todos e que lutemos por isso; a gratidão face ao milagre exaltante da Vida; o pão para todos; o milagre do perdão; a atenção ao essencial da vida, para se não cair na tentação da desgraça, do mal que fazemos a próprios e aos outros. A oração implica parar para escutar o silêncio e o que só no silêncio se pode ouvir: a voz da consciência e da dignidade, meditar, descer ao mais fundo de si, lá onde se encontra a ligação com a Fonte, donde tudo vem e onde tudo se religa e se faz a experiência do transtempo, para se poder viver no tempo sem se afundar na dispersão e no vazio.
A outra mensagem: "Fazei sacrifício e penitência." E aquelas crianças até a pouca comida que tinham davam às ovelhas pela conversão dos pecadores.
Fátima precisa de ser evangelizada. Evangelho quer dizer notícia boa e felicitante, mas, frequentemente, como bem viu Nietzsche, o que se anunciou foi um Disangelho: uma notícia desgraçada e que arrastou consigo imensa infelicidade. No Evangelho segundo São Marcos, Jesus inicia a sua vida pública, proclamando: "Metanoiete", cuja tradução normalmente é: "Fazei penitência", mas realmente o que lá está é: mudai de mentalidade, de modo de pensar; portanto, mudai de vida, de mentalidade, de atitude, e acreditai no Evangelho. Jesus anunciava: "Ide aprender o que isto quer dizer: Deus não quer sacrifícios, mas justiça e misericórdia." O que Jesus declarava era uma boa-nova: Deus é Amor, Fonte de vida, Liberdade criadora, que quer a vossa felicidade. "Não tenhais medo", é outra palavra constante de Jesus. Mas, realmente, o que se pregou muitas vezes foi um deus da tristeza, do medo, do terror, chegando-se ao limite de pregar que Deus precisou da morte do próprio Filho para se reconciliar com a humanidade. Foi deste deus que Nietzsche proclamou a morte, porque perante um deus assim só se pode desejar que morra.
É completamente diferente o que está no Evangelho. Jesus não foi morto para aplacar a ira de Deus, Ele entregou-se à morte e morte de cruz para dar testemunho da Verdade e do Amor: o único interesse de Deus é que os homens e as mulheres, todos, sejam plenamente realizados e felizes. Esse é o sentido do sacrifício: não o sacrifício pelo sacrifício, mas o sacrifício que traz vida. O sacrifício pelo sacrifício não vale nada, mas, por outro lado, sem sacrifício, nada de grande, de verdadeiramente valioso, se realiza. "Mudai de mentalidade": batei-vos pela vida, pela justiça, pela paz, pela felicidade, pelos direitos e pela dignidade divina de cada homem e de cada mulher, de todos. Sacrificai-vos por isso. É o que Deus quer e o que vale a pena. Para sempre.

quarta-feira, 3 de maio de 2017

As areias soltas não me agradam...

Praia da Costa Nova

Esta fotografia, guardada nos meus arquivos, tem cinco anos e mostra bem o esforço feito pela autarquia para nos desafiar a caminhar até ao oceano sem o incómodo das areias soltas a fazerem-nos cócegas dos pés e a dificultarem-nos a caminhada. Está bem pensado para pessoas como eu que, sentindo a necessidade da maresia, não apreciam caminhar através do areal. Estes passadiços, contudo, também impedem a destruição das dunas.
Tenho para mim que esta fobia vem dos meus ancestrais. Também eles sentiam o incómodo de tais areias soltas que dificultavam a visita à sede do concelho, Ílhavo. Aquando da criação da freguesia, o parecer da Câmara Municipal lembra que «os povos do mesmo lugar [Gafanha ] se acham separados da sede da atual freguesia [S. Salvador] por uma grande extensão de areia solta, cuja travessia se torna bastante incómoda». E acrescenta que, por esse motivo, «o seu pároco e regedor não conhecem grande número dos seus habitantes, o que sobremaneira embaraça o serviço público». 

F.M.

‘Francisco: desafios à Igreja e ao mundo’ – Um livro de Anselmo Borges

Presidente da República na Gulbenkian (Foto da Ecclesia)

«O presidente da República Portuguesa disse que o Papa Francisco, que virá a Fátima nos dias 12 e 13 de maio, trouxe consigo uma “outra dimensão, outra visão” para a Igreja Católica, menos “eurocêntrica” e mais do “mundo”.
Na apresentação do livro ‘Francisco: desafios à Igreja e ao mundo’, esta terça-feira [ontem], na Fundação Calouste Gulbenkian, Marcelo Rebelo de Sousa definiu o Papa argentino como “o Papa das periferias”, para quem estar em Roma “é uma contingência”, pois “o essencial da sua definição vem de longe”.
(…)
O livro ‘Francisco: Desafios à Igreja e ao mundo’ é da autoria do padre Anselmo Borges, que durante a sessão de apresentação enalteceu um Papa que “por gestos e atos” tem procurado “trazer a todos ao palco da História e da dignidade” e que se tornou “um líder político-moral global respeitado e amado em todo o mundo”.»

Fonte: Agência Ecclesia 

Pode ler mais aqui e aqui 

Nota: Congratulo-me com a publicação de mais um livro de Anselmo Borges, autor que tenho o prazer de ler há bons anos. Aliás, as suas crónicas, publicadas todas as semanas no Diário de Notícias, são posteriormente editadas no meu blogue Pela Positiva, também há anos. Em Anselmo Borges aprecio a cultura, a lucidez e a oportunidade com que aborda diversos assuntos dos mais variados quadrantes. 
Anselmo Borges, padre católico, é docente da área das filosofias na Universidade de Coimbra. 

Festa de Santa Joana — 12 de maio

Programa:

09h15 – Compromisso de Cavaleiros e Aias- Investidura de novos Irmãos [Igreja de Jesus].
10h00 – Eucaristia [Sé de Aveiro], com cortejo litúrgico da Igreja de Jesus.
16h00 – Procissão, com saída da Sé e recolha na Igreja de Jesus após percurso por ruas da cidade.
org : Irmandade de Santa Joana Princesa

terça-feira, 2 de maio de 2017

Anabela Capucho


Anabela Capucho 

Neste mês de maio, em que decorre a primeira edição de iniciativa” Ilustração à Vista”, entre os dias 4 e 7, dedicamos a rubrica “A Nossa Gente” a Anabela Capucho, pintora da Fábrica Vista Alegre. 
Anabela Capucho nasceu a 20 de março de 1963, em Vale de Ílhavo, onde estudou até ao quarto ano de escolaridade. A sua ligação à Vista Alegre vem desde a frequência na Creche enquanto a mãe trabalhava na Fábrica. Aqui nasceu o gosto pelo Teatro quando começou a representar pelo então Teatro Cénico da Vista Alegre (agora Grupo de Teatro Ribalta). Em Vale de Ílhavo, e com apenas 10 anos de idade, integrou-se num grupo de jovens que cuidava de uma pequena biblioteca, um espaço contíguo à Capela de Vale de Ílhavo, e que também representava peças de teatro junto da Comunidade. O seu grande sonho era ser modista, mas quis o destino dar-lhe algo diferente, mas muito aliciante para si: aos 16 anos começou a frequentar aulas de desenho na Fábrica, tendo como professor Mário Catarino. Um ano e meio depois passou para a pintura, profissão que abraçou com entusiasmo e que desempenha com grande dedicação até aos dias de hoje. Foram já milhares as peças que pintou sobre biscuit, jarras, pratos, entre outros, passando o seu minucioso traço para cada uma delas. Neste momento, encontra-se a pintar um veado em biscuit, uma peça de série limitada que vai duas vezes ao forno, exige várias cores e implica muitas horas de rigoroso trabalho (seis dias).

segunda-feira, 1 de maio de 2017

1.º de Maio de 2017 – um desafio à nossa coragem

O descanso do guerreio

Não vou hoje à procura do que escrevi sobre o 1.º de maio durante anos, nem desejo escrever sobre as lutas encetadas que levaram à festa dos trabalhadores, celebrada, tanto quanto sei, apenas nos países de regimes democráticos. Escrevo tão-só na qualidade de aposentado e de trabalhador que continuo a ser, não remunerado, mas feliz por isso. E agradeço o dom da vida que me permite sentir que a dignidade humana passa, indubitavelmente, pela alegria do trabalho, seja a que nível for.
Hoje acordei cedo. A presença de filhos no almoço e na tarde luminosa, com cenário de relvado para o neto mais novo, o Dinis, jogar e traquinar à vontade, despertou-me para ajudar na festa. Não para suster os seus remates indefensáveis, com os meus músculos já incapazes de reações bruscas no momento próprio, mas para ao menos preparar uma sopa. Foi o que fiz, para além de sair às compras inevitáveis.
Nestas andanças, de preocupações leves e gostosas, ainda me lembrei de passar, um momento curto que fosse, pelas festas do 1.º de Maio que de há bons anos a esta parte se realizam à sombra da Senhora dos Campos, na zona da antiga Colónia Agrícola da Gafanha, mas o receio de não suportar a caminhada impediu-me de sair. 
Fiquei então por aqui a pensar no mundo do trabalho com tanta gente sem o ter. Mundo com imensas áreas onde homens e mulheres, novos e velhos, dão o seu melhor, nem sempre remunerados com justiça e garantias de emprego, mas ainda sem certezas de uma velhice digna. O futuro incerto é o pior cenário de quem trabalha nesta sociedade de horizontes sombrios. Haverá outras melhores? Esse é o grande dilema que me assalta frequentemente. 
Apesar de tudo, a festa é sempre uma excelente oportunidade de cultivar amizades, de rever amigos, de partilhar saberes e… sabores. A festa pode aliviar as dores, afugentar temores, despertar para novos caminhos de esperanças sadias e fraternas. A festa… a festa… a festa … pode ser motivo de libertação, de motivação, de abertura a novas partidas, a novos desafios, que parar é morrer.
Gosto muito de ver jovens corajosos e empreendedores que se abalançam a construir projetos jamais imaginados. Que não se quedam à espera que lhes caia do céu um emprego bem remunerado. Não há milagres desses. O milagre é inerente ao nosso esforço determinado para saltar da modorra que conduz ao desânimo. 
Até para o ano… Com um 1.º de Maio mais feliz.

Fernando Martins

domingo, 30 de abril de 2017

Um poema de Sophia para este domingo




NAVIO NAUFRAGADO

Vinha de um mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.

É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.

Em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.

E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves de cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos de videntes.

Sophia de Mello Breyner Andresen

In “Dia do Mar”

Nota: Por sugestão do Caderno Economia do EXPRESSO

Infernos não faltam


Crónica de Frei Bento Domingues no PÚBLICO


Fátima dá uma imagem do catolicismo português que não corresponde à reforma desencadeada pelo Papa Francisco. Falta-lhe ser o centro da nossa evangelização.

1. Pesadelos do Inferno, evidências do Purgatório e tristezas do Limbo faziam parte da paisagem religiosa da minha infância. As Alminhas do Purgatório habitavam em dois nichos na minha aldeia. Suscitavam devoção e reciprocidade: “Vós, que ides passando, lembrai-vos de nós que estamos penando.” As pessoas lembravam-se e, para tudo o que precisavam, a elas recorriam, sabendo que aliviavam as suas penas. Em favor delas não podiam fazer nada, mas, quando invocadas com promessas cumpridas, eram uma fonte de graças para todas as ocasiões. Não desempregavam Santo António ou S. Bento da Porta Aberta, mas estavam mais à mão. As esmolas que recolhiam serviam para mandar dizer missas pelas mais abandonadas.
Eram Alminhas pintadas. Um dos nichos ficou muito estragado e foi pedido a um habilidoso de muitas artes, que periodicamente passava por lá, para o repintar. Perguntou: querem ver as Alminhas a irem para o céu ou a continuarem no Purgatório? É claro, a irem para o céu. Veio um Inverno rigoroso e a pintura desapareceu. O pintor não aceitou a queixa acerca da má qualidade das tintas. Tinham ido todas para o céu.
O Inferno era outra história. Por tudo e por nada, uma mãe zangada com os filhos (ou até com o gado), juntamente com um palavrão, exclamava: metes-me a alma no Inferno! Não era grave. Grave, muito grave, eram os sermões de preparação para o “confesso”: quem não confessasse, com todas as circunstâncias, os pecados mortais e morresse nessa situação, ia direitinho para o Inferno. A alma caía num lago de fogo, atiçado por uma multidão de diabos feios e maus e nunca mais de lá saía. O relógio infernal repetia “sempre, nunca”: aqui entraste, aqui ficas e daqui nunca sairás!
O Inferno era eterno, mais eterno que o infinito amor de Deus que nada podia fazer contra essa Instituição. O diabo tinha vencido o Anjo da Guarda e o próprio Deus.
Para as pessoas de bom senso, não havia lenha para tanta eternidade nem alma que aguentasse tanto fogo! Um bom caminho para a descrença: um deus que fabrica tais enormidades é inacreditável.
O Limbo, nem triste nem alegre, para onde iam as crianças que morriam sem baptismo, era o além mais povoado, não passava de um eterno aborrecimento. Bento XVI encerrou-o sem protestos.

2. Voltei a ler as Memórias da Lúcia de Jesus. O que diz acerca do Inferno não excede o que também eu ouvi em criança: “Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Mergulhados em esse fogo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronzeadas com forma humana, que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas que delas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faúlhas em os grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros.” [1] Como sugestão para um filme de terror, não está nada mal. Diz a Lúcia que a Jacinta perguntava: “Porque é que Nossa Senhora não mostra o inferno aos pecadores? […] Às vezes perguntava ainda. Que pecados são os que essa gente faz para ir para o inferno? Não sei, talvez o pecado de não ir à Missa ao Domingo, de roubar, de dizer palavras feias, rogar pragas, jurar. E só assim por uma palavra vão para o inferno? Pois! É pecado. Que lhes custava estar calados e ir à Missa? Que pena que eu tenho dos pecadores, se eu pudesse mostrar-lhes o inferno!” [2]
Passando da Terceira para a Quarta memória, há revelações curiosas. “Então Nossa Senhora disse-nos: não tenhais medo, eu não vos faço mal. De onde é vossemecê? Sou do Céu. E que é que vossemecê me quer?, lhe perguntei. Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13 a esta mesma hora, depois direi quem sou e o que quero. Depois voltarei aqui uma sétima vez. E eu, também vou para o Céu? Sim, vais. E a Jacinta? Também. E o Francisco? Também, mas tem que rezar muitos terços.
“Lembrei-me então de perguntar por duas raparigas que tinham morrido há pouco, eram minhas amigas e estavam em minha casa a aprender a tecedeiras com minha Irmã mais velha. A Maria das Neves já está no Céu? Sim, está. Parece-me que devia ter uns 16 anos. E a Amélia? Estará no Purgatório até ao fim do mundo. Parece-me que devia ter 18 a 20 anos. Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores? Sim, queremos. Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.” [3]

3. Nossa Senhora mostrou que era uma pessoa muito organizada e pouco supersticiosa com o dia 13. Estou um bocado desapontado com a pouca originalidade das suas revelações e pedidos. Por tudo o que li, parece-me que os Pastorinhos levaram para os locais do seu pastoreio o que rezavam em família, o que aprendiam no catecismo e nas pregações. Deviam ser crianças bastante impressionáveis. A revelação mais extraordinária é, também, a mais incrível: não bastando à Amélia ter sido violada, vir de Nossa Senhora a afirmação de que ficaria no Purgatório “até ao fim do mundo”, é de mais. Isso não se faz!
A edição crítica das Memórias de Lúcia de Jesus, as investigações históricas já realizadas e em curso, vão oferecer um panorama da vida e religiosidade da freguesia de Fátima que irão atenuando os delírios acerca destes fenómenos nomeados como aparições ou como visões.
O que mais falta não é só a revisão crítica da pastoral católica da época. Muitas das suas concepções alojaram-se na história de Fátima. Desamparada, em Portugal, de uma prática crítica de reflexão teológica até ao Vaticano II, e até muito depois, Fátima dá uma imagem do catolicismo português que não corresponde à reforma desencadeada pelo Papa Francisco.
Falta-lhe ser o centro da nossa evangelização, como veremos.

[1] Lúcia de Jesus, Memórias, Edição crítica de Cristina Sobral, Fátima 2016, pp.186-187.
[2] Ib., pp. 188-189.
[3] Ib., pp.230.

sábado, 29 de abril de 2017

Freitas do Amaral: Um relance sobre a história de Portugal






Somos o país europeu com as fronteiras definidas há mais tempo

«Estou convencido que a entrega pura e simples de Olivença a Portugal não vai acontecer, mas se tivermos habilidade e engenho nós poderemos conseguir, a exemplo de outras situações, aquilo que se chama um condomínio internacional, isto é, um condomínio entre Portugal e Espanha», afirmou Freitas do Amaral na conferência que proferiu na quinta feira, 27 de abril, no salão anexo à igreja matriz da Gafanha da Nazaré. A iniciativa partiu da Universidade Sénior do Centro Social Paroquial Nossa da Nazaré, com coordenação de Disciplina História e Comunicação.
Freitas do Amaral, conhecido político e catedrático de áreas ligadas ao Direito, apresentou um relance sobre a História de Portugal, partindo das fronteiras terrestres que nos separam do país vizinho, que saíram do tratado de Alcanizes, celebrado entre Portugal e Castela, em 1297, sendo rei D. Dinis. E sublinhou que «somos o país europeu com as fronteiras definidas há mais tempo». 
Recuando séculos, o orador frisou que já os romanos haviam registado fronteiras semelhantes, com base em critérios naturais, designadamente rios e outros acidentes geográficos.
Evocou a entrada do povo nas cortes, pela primeira vez, no tempo de D. Afonso III, «um grande rei de Portugal», participando nessa assembleia «os homens bons dos concelhos». Isto prova que Portugal foi «o primeiro país europeu, e provavelmente o primeiro país do mundo, que teve o povo a participar nas cortes, o parlamento medieval». «A Inglaterra seguiu essa linha 15 anos depois e França 60 anos depois de nós». E frisou que os homens bons não estavam nas cortes a título meramente consultivo, mas deliberativo, nomeadamente em «matérias financeiras». E a título de curiosidade, informou que no nosso país nunca mais o povo deixou de participar «até vir o absolutismo, com D. Pedro II, D. João V, D. José e D. Maria. Mas voltou na Revolução Liberal e nunca mais deixou de marcar presença nas cortes», disse.
Salientou a crise de 1383–1385 e o papel do povo na escolha de um Rei que iniciou uma nova dinastia, D. João I, que não estaria na linha da sucessão, o que terá acontecido pela primeira vez na Europa. Foi uma dinastia brilhante, pois foi nela que aconteceu o período áureo da nossa história, com os descobrimentos, adiantou o orador. Aliás, o mesmo aconteceu aquando da restauração, em 1640, em que vencemos o poderoso vizinho, com quem lutámos durante 28 anos, estando o povo na linha da frente e na escolha de um rei «que não tinha direito ao trono». 
Não negando a componente comercial e científica dos descobrimentos, Freitas do Amaral salientou a importância da missão espiritual e cultural, com marcas indeléveis nas igrejas, casas, palácios e fortalezas, que perpetuam a presença dos portugueses nos quatro cantos do mundo. Valorizou, naturalmente, a nossa língua que ficou como testemunho do encontro de portugueses com povos sem conta e referiu a presença de inúmeros sacerdotes que foram arquitetos, missionários, professores e médicos em todos os quadrantes.
Freitas do Amaral, que passo a passo evocou a intervenção das populações em tantas circunstâncias, terminou a sua conferência com a escolha dos políticos que mais apreciou, desde o início da nacionalidade. D, Afonso Henriques, o fundador, e D. João II, a figura que mais admira da monarquia, «justamente por ter tido uma visão planetária» e por «tocar com as suas mãos em todas as partes do mundo». 
Da primeira república distinguiu Afonso Costa, seguindo na sua linha de pensamento Oliveira Salazar e Mário Soares. O primeiro e o último, democratas e Salazar, o ditador. Em Salazar viu um estadista no tempo da Guerra Civil de Espanha e na II Grande Guerra. De Mário Soares disse ter sido o melhor político depois do 25 de Abril, pois «ajudou a construir uma democracia estável, já com 43 anos. E se Afonso Costa perseguiu a Igreja, Mário Soares sempre teve em consideração os princípios religiosos do povo português, marca que deixou dentro do seu próprio partido. De tal modo que hoje, um governo de esquerda, apoiado por partidos de esquerda, respeita as convicções do povo. E até concedeu tolerância de ponto no dia 12 de maio para os funcionários públicos poderem participar, se o desejarem, nas cerimónias de Fátima, com o Papa Francisco. 

Fernando Martins

Dia do Trabalhador na Senhora dos Campos



Como reza a tradição, o Município de Ílhavo vai celebrar o 1.º de Maio, Dia do Trabalhador, na Senhora dos Campos. Trata-se de uma organização da CMI, ADCR Senhora dos Campos, Rancho Regional da Casa do Povo de Ílhavo e Junta de Freguesia de São Salvador. Do programa constam diversas iniciativas de âmbito cultural, desportivo e lúdico, de que destacamos o Festival de Folclore Primavera.
Também, como diz a tradição, a nossa gente vive esta festa com alegria a rodos, não  faltando uns bons petiscos bem regados, o convívio franco,  a cultura da partilha e as festas espontâneas. É mesmo um dia para manter viva a chama da amizade. 
Bom feriado para todos. 

Espelho d´Água vai mostrar a nossa região

Nova telenovela da SIC tem como cenário principal o Município de Ílhavo

Atores num cenário da nossa terra

A nova telenovela da SIC vai ter como cenário principal o Município de Ílhavo, como anuncia a Câmara Municipal e já foi tornado público por aquela estação televisiva. Não conheço a história, mas deve ser mais uma telenovela que prende à televisão imensa gente por Portugal inteiro, agora ainda mais, certamente, na região ilhavense e arredores. Começa na segunda feira, 1 de maio, no horário nobre.
Como é que a nossa terra entrou neste mundo das telenovelas? É simples de compreender, tanto quanto julgo saber. Trata-se, obviamente, segundo informa a autarquia, de uma aposta na «promoção e valorização do património cultural, etnográfico e artístico do município, nomeadamente no que diz respeito à pesca do bacalhau». 
Também já se sabe que no elenco de Espelho d'Água há atores conhecidos, em especial Mariana Pacheco, Luísa Cruz, João Ricardo, Luciana Abreu, Ricardo Carriço, João Mota, Inês Curado, Vítor Silva Costa e Mariana Mota. 

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Rostos da Solidão na Fábrica das Ideias


Amanhã, 29, pelas 15h30, na Fábrica das Ideias (ex-Centro Cultural da Gafanha da Nazaré), vai abrir ao público uma exposição com tema inédito: “Rostos da Solidão”. Em nota da Câmara Municipal de Ílhavo, lê-se que esta mostra tem em consideração «o facto de o processo de envelhecimento e a solidão infelizmente se encontrarem muitas vezes associados». 
O fotógrafo convidado, Ricardo Lima, registou «momentos e sentimentos de solidão no mais íntimo reduto da vida das pessoas mais velhas do Município de Ílhavo», pelo que ouso alertar o nosso povo, ílhavos e gafanhões, para uma visita atenta. Estou certo de que ali há motivos mais do que suficientes para uma reflexão que nos leve à ação. É que, se é verdade que há solidões desejadas, também as haverá forçadas.

 Fonte: CMI
Foto: CMI

O que eu penso sobre Fátima (1)

Crónica de Anselmo Borges  no DN



Antes de entrar no tema propriamente dito, quero deixar três notas prévias, que devo ao leitor. A primeira, para dizer que, a pedido da revista internacional Concilium, escrevi, de modo mais organizado, um texto sobre Fátima, a publicar no mês de Junho. A segunda, mais importante, para esclarecer que fui ordenado padre em Fátima pelo cardeal Cerejeira e que, sempre que lá vou para fazer conferências, passo pela Capelinha das Aparições e ali rezo como tantos outros. Depois, à pergunta se vou a Fátima por causa da vinda do Papa respondo que não, porque não gosto de confusões e penso que os responsáveis da Igreja deveriam prevenir as pessoas, pois correm o risco de uma imensa desilusão, já que muitas dificilmente verão o Papa. Prestado este preâmbulo, o tema.

O Ressuscitado caminha connosco ao ritmo da vida

Reflexão de Georgino Rocha



Jesus persiste em recorrer a mediações humanas para mostrar a novidade da sua vida de ressuscitado, após a morte. Lucas, o narrador do episódio de Emaús, apresenta-o como caminhante junto de dois discípulos que rumavam àquela povoação. Esmorecidos e frustrados. Ao cair da tarde. Ao terminar do dia. Ao chegar a noite. Símbolos expressivos da agonia da esperança que lhes ia roendo o coração. Símbolos da disposição de tantos corações surpreendidos perante o insucesso provisório das suas opções de vida. Lc 24, 13-35.

O Papa Francisco, na audiência geral do passado dia 26, reconhece-o e afirma que: “A nossa existência é uma peregrinação, temos uma alma migrante. Somos um povo de caminhantes, tendo Jesus por companheiro de viagem: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos». Assim quis Ele assegurar-nos de que não Se limita a esperar-nos lá no fim da nossa viagem, mas já nos acompanha em cada um dos nossos dias”. Grande certeza que nos consola.

A distância geográfica de Jerusalém a Emaús é relativamente curta, mas simboliza um itinerário enorme de iniciação que, normalmente, os candidatos à vida cristã e inserção eclesial estão chamados a percorrer. Outrora, os discípulos eram Cléofas (que significa celebração) e o seu inominado companheiro (talvez para sermos nós a dar-lhe nome). Regressam à aldeia, após o fracasso das suas expectativas provocado pelo desfecho trágico da vida do seu mestre, Jesus de Nazaré. Dão largas a este estado de espírito, lamentam o sucedido e “sonham” retomar um passado que não volta. Alimentam e ampliam a amargura da frustração, “curtida” em conversas e atitudes. Sem horizontes de futuro onde brilhe qualquer “semáforo” de esperança. Amarrados a um presente marcado pelas chagas ainda em ferida viva e sangrante, carregam as gratas recordações de um tempo feliz e vivem à procura de sentido para a etapa que se avizinha.

O diálogo com o desconhecido, que se faz companheiro, mostra a dolorosa situação em que se encontram e a novidade de rumores incríveis que começavam a surgir. Constitui uma excelente amostra do sentir de tantos contemporâneos, uma boa referência para lançar pontes de contacto e iniciar uma viagem comum, com o ritmo cadenciado dos passos de cada um e com a franqueza do coração aberto de todos. Agora somos nós os peregrinos de Emaús.

O novo companheiro escuta, com delicada atenção, a resposta à pergunta que lhes fizera. E após uma breve censura, toma a palavra e faz--lhes a explicação do sucedido, situando-o no contexto das Escrituras. À medida que fala, o coração dos caminhantes vibra com novos ritmos que surgem progressivamente: coração sem esperança e incapaz de ver as luzes que começam a despontar; coração acolhedor do estranho que se faz companheiro e dialoga, sem reservas; coração aberto à intervenção de Jesus que narra tudo o que nas Escrituras lhe diz respeito; coração transformado que deseja permanecer com o desconhecido a quem oferece hospedagem e convida para uma refeição; coração agradecido que reconhece a nova forma de presença de Jesus nos sinais do pão e do vinho (eucaristia); coração entusiasmado no amor e pressionado pela novidade da experiência feita que quer contar aos discípulos; coração enternecido que recebe a alegre notícia dada pela comunidade reunida: “O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão”.

O Santo Padre na mensagem para a 54ª semana de Oração pelas Vocações, que hoje começa, faz-se eco desta novidade e diz-nos: “Amados irmãos e irmãs, é possível ainda hoje voltar a encontrar o ardor do anúncio e propor, sobretudo aos jovens, o seguimento de Cristo. Face à generalizada sensação duma fé cansada ou reduzida a meros «deveres a cumprir», os nossos jovens têm o desejo de descobrir o fascínio sempre atual da figura de Jesus, de deixar-se interpelar e provocar pelas suas palavras e gestos e, enfim, sonhar – graças a Ele – com uma vida plenamente humana, feliz de gastar-se no amor”.

O Ressuscitado vive connosco e marca o ritmo que o coração humano deseja e procura assumir. Felizmente!

terça-feira, 25 de abril de 2017

25 de Abril de 1974 — O Grito da Liberdade

Salgueiro Maia na linha da frente da liberdade
 Ao contrário do que alguns pensam, é sempre oportuno e necessário evocar a revolução dos cravos, que permitiu, com natural heroísmo, mas também com alegrias incontidas, oferecer a liberdade aos portugueses, muitos deles sem nunca a terem sentido e experimentado. E é oportuno e necessário, porque a liberdade pode correr o risco de se perder, levada pela nossa incúria e pela voracidade de ditadores em potência, que pululam por aí. 
Não falta quem vista a camisola contra o 25 de abril, contra as amplas liberdades, contra o atraso económico, contra as injustiças sociais, contra a corrupção e contra a fome que grassa em cada canto deste país “à beira mar plantado”. São protestos com razão, é certo, porque 43 anos são tempo que baste para erradicar as injustiças, mas também é verdade que na sociedade que eu respirei na meninice e na juventude o atraso económico e social era notório. Hoje, apesar de tudo, contrariando os céticos, a sociedade está muito melhor do que antes da revolução.
Antes do grito da liberdade, o analfabetismo tolhia os horizontes do nosso povo, obrigando-o a fugir, pela calada da noite, para sobreviver longe desta Pátria que muito pouco lhe dava. Muitos portugueses desapareciam a salto, calcorreando caminhos nunca vistos, serras e montes inóspitos, traídos muitas vezes por passadores desumanos, deixando para trás a família à espera de pão. E instalavam-se clandestinamente em bairros de lata nos subúrbios de Paris. Anos depois, as casas novas das Gafanhas e de outras terras portugueses ostentavam sinais evidentes das cores e formas que os impressionaram à chegada a França.
A guerra colonial, incompreensível já no mundo civilizado de então, massacrou sonhos e vidas de muitos compatriotas. A cegueira de uns tantos políticos da época anterior ao 25 de Abril espezinhou quem se opôs à utópica bandeira do proclamado Império Português idealizado por lunáticos do chamado Estado Novo. Com o 25 de Abril, finalmente, Portugal descobriu que o mundo não se confinava aos curtos horizontes que bloqueavam os olhos do entendimento do povo luso. De olhos abertos, soube e pôde gritar bem alto… Viva a Liberdade! Viva o 25 de Abril!

Fernando Martins

Rosto de misericórdia – DIÁCONO AUGUSTO SEMEDO



Na página da Comissão Diocesana da Cultura da Diocese de Aveiro, na rubrica Rostos de Misericórdia, é apresentado um amigo que muito estimo, Diácono Augusto Semedo, pela sua ação na sociedade humana e eclesial a vários níveis. O texto é da autoria de Georgino Rocha, presbítero da Igreja aveirense, que me apraz aplaudir pela oportunidade de que se reveste. 
Augusto Semedo está em fase de demorada recuperação de um AVC que sofreu. Todos os seus amigos, que muitos são, sabem que o Diácono Semedo é um homem corajoso, paciente e determinado, o que nos garante que voltará à vida normal, com destaque para a sua intervenção junto dos feridos da vida. Foi sempre essa a sua grande paixão, social e eclesial. E há de continuar a ser, porventura agora pela oração, pelo testemunho consciente e pela palavra sempre pronta para o conselho oportuno e fraterno.

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segunda-feira, 24 de abril de 2017

“Gafanha… Crianças de antanho e suas vivências”

Autógrafos para crianças que colaboraram na festa
A mesa convidados da autora

Crianças bem ensaiadas pela Cláudia 

Autógrafo para Domingos Cardoso

“Gafanha… Crianças de antanho e suas vivências” é o mais recente trabalho de Maria Teresa Filipe Reigota, natural da Gafanha da Nazaré e residente na Gafanha da Boavista. É uma obra que vem na sequência de “Gafanha… O que ainda vi, ouvi e recordo” (2009) e “Gafanha… retalhos do passado” (2013). Todos para memória futura, com retratos, tradições, saberes e sabores que a autora soube recolher e partilhar, despertando os nossos sentidos para a descoberta do povo que somos com as marcas indeléveis do passado, rumo ao futuro.
«Este livro é uma lufada de ar fresco que nos faz recuar no tempo, um tempo que já foi e que pode voltar a ser se os pais e as mães de hoje o quiserem», afirmou Miguel Almeida, da Federação do Folclore Português, na apresentação deste trabalho da Teresa Reigota, no sábado, 22 de abril, no teatro da Vista Alegre, num ambiente emoldurado por crianças que brincaram, ao jeito de outras eras, bem ensaiadas por Cláudia Reigota, filha da autora.
Miguel Almeida considerou esta obra «um autêntico manual da criança», mas ainda um «convite a uma viagem no tempo cujo caminho é de sentido único» tendo em conta «paragens obrigatórias em alegres apeadeiros de lugares e sítios onde os versos saltar, inventar, escutar, correr, adivinhar, esconder, jogar, tocar, cantar e dançar são entremeados por risos alegres e cristalinos». 
Paulo Costa, vereador do pelouro da cultura da Câmara Municipal de Ílhavo, agradeceu à Cláudia, aos alunos e seus pais, a oferta a todos os presentes de jogos e brincadeiras do passado, «divertindo-nos também a nós». Adiantou que, «se há coisa que é comum às crianças do mundo inteiro,  é o brincar; algo de que o ser humano precisa». Felicitou, por isso, Teresa Reigota  pelo seu empenho na área da cultura.
João Campolargo, presidente da Junta de Freguesia de São Salvador, disse que não há palavras que possam medir o tamanho das expressões que a autora apresenta nos seus livros, agradecendo o contributo que a Teresa Reigota tem dado no âmbito do Rancho Regional da Casa do Povo de Ílhavo, de que foi fundadora com seu marido, João Fernando Reigota. 
Em Nota da Autora, a investigadora, professora do agora Ensino Básico durante bons anos, garantiu que as crianças dos nossos dias «quase nem têm tempo de o ser». E frisou: «usam o computador, vão para a escolinha já de telemóvel na bolsa, jogam playstation entre outras dádivas do progresso.»
Lembrou o passado que não volta, confessando que sente «saudades da pureza e da simplicidade» da sua meninice feliz, «quando corria, pulava e chapinhava nas poças da rua, formadas pela água da chuva — as “labacheiras”, palavra usada pelo povo». 
Teresa Reigota dedicou este trabalho aos seus filhos, Cláudia e Joel, «gafanhões de gema e que amam de verdade a Gafanha, seu torrão natal». E informou que o produto da venda do livro reverterá para o Rancho Regional, afinal «um outro filho».
Dos três capítulos destacamos a localização das suas pesquisas e recolhas, as crianças desde o nascimento, canções de embalar, dias festivos, tarefas familiares e escolares, o que vestiam e comiam, mas ainda como se divertiam e brincavam.
“Gafanha… Crianças de antanho e suas vivências” vem enriquecido com um CD que reproduz cantares e modinhas de há décadas. Trata-se, realmente, de um livro que é uma viagem retrospetiva para os mais velhos, mas muito útil também para os mais novos ficarem a conhecer os alicerces da sociedade atual. 

Fernando Martins

domingo, 23 de abril de 2017

O Padre Américo


Ontem fui ao Hospital Padre Américo, em Penafiel, para visitar um amigo ali internado há umas semanas. Confirmei que a sua saúde está a torná-lo num guerreiro na luta para voltar à vida do dia a dia. Digo guerreiro pela coragem com que enfrentou a situação difícil por que passou. De sorriso permanente, apesar decerto de algum sofrimento, senti o carinho com que os familiares, filhos e netos, o mimoseavam. A forma terna como o beijavam, as palavras doces que lhe dirigiam e a ternura com que o acariciavam estarão naturalmente a encher-lhe a alma e a reforçar-lhe o corpo para um dia destes regressar a casa. Assim espero.

À entrada do Hospital que tem o nome de Padre Américo, não pude deixar de recordar um homem que muito apreciei desde a minha juventude. Américo de Aguiar, já adulto, resolveu um dia ser padre. Alguns não acreditaram que viesse a ser o que foi: Um homem que se deu, de corpo e alma inteiros, sem preconceitos nem desânimos, aos mais pobres dos pobres. Uma vida inteira e cheia de amor. A Casa do Gaiato acolheu os rapazes da rua, mas o Padre Américo não se ficou por aí. Olhou à volta e viu homens e mulheres com doenças incuráveis e sem quem deles tratasse. Mas ele não lhes virou as costas. 

A sua passagem por este nosso mundo tão belo, mas também com tanto sofrimento e amarguras, deixou marcas de amor para partilhar. Não haverá amor sem partilha. E o processo do conhecimento canónico para a sua beatificação, aberto em 1986, estará perdido em alguma gaveta da Cúria Romana. Se este homem não merece as honras dos altares… quem as merecerá? 

Fernando Martins