quinta-feira, 19 de julho de 2007

Os meus contos

MARIA DO CÉU


Com os anos a pesarem, a varredora arrasta-se no seu labor mecanizado na busca das folhas caídas do arvoredo. Empregada da empresa encarregada do asseio citadino, vejo-a com frequência da esplanada do bar onde matinalmente costumo saborear o café, de mistura com o ar puro que o parque me oferece. 
A mulher deambula de um lado para o outro indiferente aos olhares de quem está ou passa. Baixa-se com dificuldade, puxa com as poucas forças que lhe restam o saco preto de plástico semicheio de lixo, ergue-o a custo para o despejar no carro de mão e volta à cata de mais folhas, mas também de papéis atirados para o chão por gente graúda e miúda que corre apressada, sem cuidar de saber das recomendações que periodicamente se badalam para haver respeito pelo ambiente, que é propriedade de todos. De quando em vez, o capataz lá aparece para dar as suas ordens: 
– Olhe ali; quero isto limpinho como um brinco; não quero queixas de quem paga! 
Maria do Céu, assim se chama a mulher que me prende a atenção e me desperta os sentimentos nascidos à sombra de quem sofre e luta, obedece apressada sem mostrar enfado, num gesto maquinal de quem está habituada a cumprir ordens. 
De rosto cansado por vida agreste, os seus olhos claros e expressivos não escondem uma beleza que teima em se manter viva. Já reformada da indústria conserveira, continua a trabalhar porque tem de ser. Porque a sua reforma e a do marido, incapacitado por doença degenerativa, não dão para sobreviver. 
A renda de casa, a alimentação modesta e os medicamentos do dia-a-dia levam todo o dinheiro que chega no fim de cada mês. Os dois filhos, casados e com encargos familiares, não descobrem hipóteses de os ajudar, embora sintam ser sua obrigação olhar por quem lhes deu o ser e a educação.
Maria do Céu sabe disso e até já tem conversado com o marido, o Zé Morgado, lamentando a sina de quem nasce pobre. Com fracos ordenados, pouco puderam dar aos filhos para singrarem na vida, para além da arte da pesca costeira, que ambos assumem com alguma vaidade. Não são eles lobos-do-mar? O que ganham, porém, mal dá para educar os rebentos que vão crescendo e para o dia-a-dia, sem grandes aventuras. 
A meio da manhã, sol forte de Verão a convidar ao descanso, apenas por uns minutos, a varredora senta-se à sombra de uma árvore enorme, com décadas de existência a enfrentar as ventanias que assolam a região, em qualquer época do ano. 
De um saco de plástico com asas, dos que são oferecidos nas compras, sejam ricas ou triviais, tira uma sandes de qualquer coisa, que a distância não deixa perceber, e come, mastigando serenamente, como quem deseja perpetuar o tempo ali sentada. 
Maria do Céu não consegue esquecer o seu Zé. Agora lembra-se de como seria bom estar junto dele, apesar de a doença o levar a ficar cada vez mais rezingão. Protesta por isto ou por aquilo, mas logo a seguir dirige olhares de ternura para quem o acompanha, com muito amor, há mais de 40 anos. 
Os dois são um casal feliz, apesar das agruras da vida, desde o dia inesquecível do seu casamento na igreja matriz, onde juraram amor e fidelidade até à morte. Jovens, olharam para o futuro com esperança, alimentando sonhos que se foram multiplicando, ao mesmo tempo que muitos deles se esboroaram. Sem angústia, aceitam a pouca sorte que os acompanha, habituando-se a viver com o pouco que vão tendo. Ao bater do meio-dia, apressa-se a arrumar as alfaias do seu trabalho e vai apressada a casa, para ajudar o marido no que for preciso. 
O almoço, feito de véspera, é coisa simples, desde há muito: uma sopinha e fruta. Pouca porque é cara. Mas neste dia o seu José não quer comer. Diz-se cansado e sem apetite. Não resmunga e ao ralhete da mulher, para que coma, responde com um silêncio que a inquieta. Nem por isso, contudo, pensa que seja algo de grave. 
– Queres ir ao Centro de Saúde? – pergunta Maria do Céu. 
A resposta, lacónica, é um não ciciado. Nessa tarde, a varredora está ausente das suas obrigações profissionais. Os seus pensamentos voam para casa, para junto do homem que é a razão do seu viver. No parque, os trabalhos rotineiros sucedem-se, sem grande esforço mental. Mas o desejo que a domina diz-lhe para deixar tudo e para correr para junto do seu Zé. Correr como quem busca uma certeza: a de que ele está bem, que aquilo não passa de um incómodo passageiro. 
Ao bater das seis da tarde, larga tudo e parte apressada e ansiosa. José está prostrado, indiferente à vida. Maria do Céu olha-o, assustada, e grita pela vizinha. A ambulância leva-o, já a desligar-se do mundo, para o hospital. Não há nada a fazer. 
A varredora volta ao quotidiano, depois do luto estipulado por lei. Recusa o convite dos filhos para morar com eles, um mês em casa de cada um, para não se sentir abandonada. Não há quarto para a mãe, mas tudo se arranja. Não aceita. Nem quer pensar em deixar o lar modesto em que sempre vivera com o seu José. Ali vai continuar até Deus querer. Com as suas recordações, com sonhos realizados e por realizar, pisando o chão que foi de ambos, ouvindo os risos dos filhos pequenos, sentindo as palavras, as gargalhadas e a teimosia rezingona do homem que ama e a faz feliz. Aos fins-de-semana recebe a visita dos filhos e netos. Nos primeiros tempos de viuvez, com regularidade. Depois tudo volta a ser como dantes. 
Maria do Céu começa a sentir-se mais só. O trabalho regressa à normalidade. De manhã cedo, no parque verdejante e cheio de arvoredo, aprecia o ambiente de forma diferente, enquanto recolhe a natureza morta. Por lá ciranda muita gente. De quando em vez, há crianças que brincam, correm e jogam, perante os olhares atentos dos professores e educadoras. A varredora olha-as enternecida e regressa à infância dos seus filhos. Reconhece que está a rejuvenescer. 
Agora, todas as manhãs acorda com pressa de ir para o parque. O desejo de ver as crianças com tanta vida dá-lhe mais ânimo. E consegue trabalhar com um olho no lixo e outro na ingenuidade amorosa de quem começa o jogo da vida. Maria do Céu sente-se mulher para continuar a lutar. Até parece que não a afecta o peso dos anos. Nem sequer dá pelas dores nos ossos e músculos. E à noite, quando se deita, os seus pensamentos não conseguem sair do parque. 
De manhã, lá estará no meio de tudo e de todos, sem que ninguém a note e sem perturbar quem está. Há dias, numa tarde amena, contra o que era costume, não tem vontade de regressar a casa. Por ali está bem, presa a gestos e a sorrisos cantantes que lhe não saem do ouvido. À tardinha, as crianças deixam o parque com os seus acompanhantes e Maria do Céu resolve descansar um pouco. Sentada, junto da árvore que adoptou como sua, fecha os olhos e recorda o que a vida lhe havia dado de bom com seu Zé e seus filhos. Como tantas vezes havia feito ao longo da existência. Adormece tranquilamente, com a cabeça a cair-lhe sobre o peito. O capataz, ao vê-la assim, aproxima-se e pergunta: 
– Maria do Céu, então o trabalho? A varredora não responde. Foi encontrar-se com o seu Zé. 

 Fernando Martins

Ares do Verão




BUGAS

Quem chega a Aveiro tem uma boa prenda da cidade. Boa prenda, porque é um convite à descoberta da cidade, sem precisar de gastar dinheiro. Só necessita de tempo e de boa disposição. A prenda, afinal, é a possibilidade de utilizar a BUGA (Bicicleta de Utilização Gratuita de Aveiro), posta à disposição de todos, sem qualquer custo. O visitante salta para o selim, carrega nos pedais e aí vai ele por ruas e ruelas, passeios e largos, ao lado dos canais da ria ou deles afastado, à cata do que Aveiro tem para ver: Edifícios da Arte Nova, bairros populares, palacetes e barcos moliceiros, salinas (quase só para turista ou estudiosos verem) e monumentos diversos, de tudo um pouco. Depois, pode parar em qualquer canto para saborear os ovos-moles e continuar a pedalada.
As Bugas, diga-se de passagem, estão em qualquer canto. É só olhar.
Boas férias para todos.

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 33

COM OS DE FAFE NINGUÉM FANFE
Caríssima/o:
Muitos de nós se lembrarão do Ti João Bola, o Regedor. Gostaria de o trazer para a nossa companhia por breves minutos já que foi figura marcante na minha vida. Moço, cheio de vida e de ilusões, regressei à Gafanha para dar aulas na Escola da Marinha Velha. Quantas vivências com o Regedor! Homem bom, amigo do seu amigo, mas representante da lei, ele era a autoridade. Uma vez estivemos em campos opostos: foi na altura de passagem de ano e nas lendárias “comemorações” que programámos e realizámos. E justiça se lhe faça: o senhor Regedor nunca aceitou sequer que lhe dissessem que o professor... Isso tudo já lá vai. Mas foi pela sua mão que me vi envolvido no Censo de 1960. Experiência que interpela qualquer um que se lhe dedique. A mim abriu-me os olhos e o coração para as Gentes da nossa Terra. Encontrar no mesmo pátio pessoas oriundas das mais diversas regiões do nosso Portugal, unidas pelos mesmos anseios e cruzando as suas vidas ao ponto de fazerem nascer novas famílias, foi algo que fez renascer a esperança numa nova Gafanha. Afinal qual o alvor desta Terra que ouve sussurrar a Ria e trovejar o Mar? O grupo que se impunha era o de Fafe. E será que a lenda nos ajuda a compreender o clima de tricas e zaragatas que se viveu? Ei-la:
«Com Fafe ninguém fanfe, diz a voz popular. E há vinte e poucos anos que, como amostra, pode dar uma cotovelada no parceiro que quiser fanfar, mostrando-lhe as duas toneladas de bronze que representa a Justiça de Fafe. O que decerto não se poderá explicar é a razão de tal monumento, obra do escultor Eduardo Tavares, ter sido descerrado exactamente no largo traseiro do Palácio da Justiça da cidade! Vamos à lenda, antes que se faça tarde. É voz corrente que a questão teve lugar no século XIX e como protagonista o visconde de Moreira de Rei, um político local de grande influência, com fama de homem de bem, mas avesso a levar afrontas para casa. Ora, um dia, sendo deputado às Cortes, chegou atrasado a uma sessão desse órgão, escutando uma reprimenda de um marquês qualquer, também deputado, que ainda por cima lhe terá chamado cão tinhoso. Fingindo não ter escutado o insulto, o visconde de Moreira de Rei fez tranquilamente a sessão. No final, procurou o marquês e censurou-o firmemente pela maneira grosseira como se lhe dirigira. O outro, petulantemente, não se escusou, antes lançou uma luva à cara do visconde, desafiando-o para um duelo. Ora como ofendido, nisto dos duelos é assim, coube ao Moreira de Rei escolher as armas. Geralmente eram espadas ou pistolas. Porém, o visconde apresentou-se no local da resolução do conflito com dois belos varapaus. O marquês ficou atarantado, pois não sabia utilizar tão plebeia arma. Já o visconde era exímio no jogo do pau. E aconteceu exactamente isso que calculam, desancou o marquês, pondo-lhe o lombo num feixe! E diz quem sabe a lenda que a assistência exultava dando vivas à justiça de Fafe! Mas há pelo menos mais duas versões desta lenda. E uma delas é a de um morgado de Fafe que foi a Lisboa a uma reunião de gala, onde viu como um alfacinha desfeiteava uma senhora. Pois não esteve com meias medidas e sacudiu-o, pelo que o outro o desafiou para um duelo. Aqui coincide a versão de ter sido o varapau a arma e o outro, coitado, também levou que lhe chegasse. Porém, deixa-nos um tanto perplexos a terceira versão, pois recua cronologicamente até ao tempo do Conde D. Henrique, seja à antecâmara da nacionalidade portuguesa. Existia então um cavaleiro chamado D. Fafes Talesluz, alferes-mor do pai de D. Afonso Henriques, e a quem foi doado Monte Longo – antiga designação de Fafe, como saberão – mercê esta pelos seus feitos ao serviço do conde. Pois D. Fafes era casado com uma senhora muito bondosa, amiga dos pobres e do povo em geral. Só que, em dada altura, o cavaleiro teve uma paixoneta pela aia da esposa. Ambiciosa, querendo D. Fafes só para si, ela envenenou a ama. E como o povo se apercebeu que aquela morte não havia sido natural, calculando quem matara, foi a casa de D. Fafes exigir que a aia lhe fosse entregue. Assim aconteceu a justiça de Fafe: uma carga de paulada na bela senhora, até que esta embarcou para o outro mundo. Afinal de contas, a justiça de Fafe só tem um protagonista comum em qualquer episódio, o lódão.»[V. M., pg. 94]
Isto de lendas é assim...Claro que os tempos são outros e apetece perguntar: Onde estão os de Fafe, os “Fafeiros”?
Manuel
:
NOTA: O Tecendo fica já aqui, não vá dar-se o caso de eu não poder visitar a Net no fim-de-semana.
F.M.

Um artigo de D. António Marcelino

Os não nascidos
e os impedidos de nascer

A notícia, a princípio bem discreta, só vinha em poucos jornais, se comparada com o grande relevo dado, sem recriminações, à desobediência dos hospitais do Estado sobre os abortos já realizados. “ Mais de 60 abortos só num mês e ainda sem lei” era título do dia. Uma lei, como sabemos, que permite a algumas mães, muitas a custas do erário público, que mandem matar o filho que trazem no seio, se assim o pedirem de harmonia com o que está determinado. Antes da lei, já nada é ilegal. E isso não interessa aos servidores do Estado que lhe dão cobertura e retiram importância, não vão as coisas complicar-se mais.
Diz a princípio a tal notícia discreta, depois já em primeira página e devido relevo, que “A natalidade atinge em Portugal o valor mais baixo de sempre”, ou que “Nascimento de bebés em 2006 é o mais baixo desde que há estatísticas”. É o Instituto Nacional de Estatística a fonte. O índice de natalidade foi de 1,36, com tendência a descer e sem se ver saída para situação tão preocupante, para quem ainda se preocupa. 

terça-feira, 17 de julho de 2007

As Sete Maravilhas de Portugal








Fotos, de cima para baixo:
Fachada principal,
Torre vista do Claustro,
Túmulo de D. Pedro I,
Túmulo de Dona Inês de Castro




MOSTEIRO DE ALCOBAÇA


O meu roteiro de férias contempla sempre a vertente história e monumental. Por onde quer que passe, dou comigo à procura do que nos foi legado pelos nossos antepassados. Depois, aprecio, leio o que encontro à mão, fotografo e registo na memória o que tem mais interesse.
Do Mosteiro da Batalha, passei a Aljubarrota. A seguir, rumei a Alcobaça, onde repousam os restos mortais de D. Pedro I e de Dona Inês, em túmulos com as suas estátuas jacentes, perpetuando um amor até ao fim do mundo, como reza a lenda.
Mas o Mosteiro é muito anterior aos amantes que ali estão à espera dos visitantes que, logo à chegada, muitos, perguntam por eles. A Abadia cisterciense de Santa Maria de Alcobaça vem do tempo de D. Afonso Henriques, pois foi por ele fundada em 1153. Doada à Ordem de Cister pelo nosso primeiro rei, representados por Bernardo de Claraval, a abadia começou a ser construída 25 anos depois da chegada dos monges brancos, concretamente em 1178. Foi uma das mais poderosas abadias da Ordem de Cister, de raiz beneditina, apresentando uma arquitectura austera e grandiosa, bem ao espírito daquele que viria a ser S. Bernardo, tão importante para a construção e identidade da Europa.
Claro que muito do que hoje podemos apreciar sofreu grandes alterações e readaptações. Mas a parte do Mosteiro que está aberta ao público é a mais expressiva, remontando ao período medieval. Os nossos olhos não podem deixar de ficar extasiados perante a beleza sóbria e convidativa ao silêncio da Sala do Capítulo, do Parlatório, do Dormitório, da Sala dos Monges e do Refeitório, com o seu Púlpito do Leitor, uma peça arquitectónica muito bela.
A visita ao Mosteiro de Alcobaça transporta-nos até à corte do nosso rei fundador, através de um conjunto de painéis de azulejos que nos contam a história da doação de D. Afonso Henriques a Bernardo de Claraval. Mas todo o conjunto do Mosteiro nos convida a recuar ao tempo em que os monges da Ordem de Cister ali viveram, tendo por normas de vida o coro, a oração, a penitência e o trabalho manual.
A Ordem de Cister desenvolveu-se a todos os níveis, em Portugal e em toda a Europa. Também a vida monástica se foi adaptando às exigências das épocas. Com as riquezas que vinham das suas vastas propriedades, foi possível empreender grandes obras e reformas. Ali se ergue, à época, uma das maiores livrarias do reino, renovam-se os altares segundo novos gostos e o fausto da abadia atinge o máximo no século XVIII.
Em Alcobaça, tudo respira a herança cisterciense. Nem sequer faltam os doces conventuais e os licores com segredos ancestrais.
Com a extinção das Ordens Religiosas, em 1834, os monges são obrigados a abandonar o Mosteiro. Parte do seu recheio desaparece, encontrando-se muitas peças disseminadas por diversos museus. A Biblioteca é desmembrada, espalhando-se o seu espólio pela Biblioteca Nacional e pela Torre do Tombo.
Em 1985, a UNESCO classificou este Monumento Nacional como “Património Cultural de toda a Humanidade”. Recentemente, os portugueses ajudaram a classificá-lo como uma das sete Maravilhas de Portugal. Por tudo isso e por tudo o mais que não é possível sublinhar aqui, convido os meus leitores a passarem por lá durante estas férias.
Fernando Martins

Um artigo de António Rego

A OUTRA FACE Estranha, a profissão de crítico. Político, religioso, literário, cinematográfico, generalista. Observador severo, mesmo que se esqueça do bem e do bom, nunca deverá deixar passar o erro sem a análise fria, rigorosa, implacável. E a conse-quente denúncia. Caçador de vermes, diverte-se mais com as gralhas que com o texto escorreito de páginas inteiras. Dirão alguns que é questão de feitio e o mundo precisa de gente sem sorriso nem benevolência para por a humanidade na ordem. Estudioso infatigável do pecado original, pensarão outros, na convicção que não obstante todos os trechos bíblicos de esperança o homem não passa dum ser mesquinho e incurável com necessidade de muitos milhões de milénios para se notar uma ligeira curva de progresso.
A esperança é uma virtude sobrenatural, diferente da utopia ou do optimismo que não passa dum volátil estado de alma. Mas a verdade é que o todo da vida e do mundo tem uma outra face que importa observar. Não apenas em nome da tolerância mas da justiça. Da objectividade. Da lucidez. Da concepção realista da humanidade. O que exige uma serenidade que exalte a transparência do coração no olhar de todas as situações. Como da evolução do homem, da descoberta de valores, progressos, sinais duma humanidade que, marcada pelo limite, vai abrindo caminhos na direcção do infinito e não corre, como suspeitam alguns, a velocidade descontrolada para o abismo.
O desprazer mórbido também é uma forma de luxúria. E o olhar sobre o mundo depende sempre do ângulo em que nos colocamos. Complexa tarefa para as janelas da alma. Por isso a proclamação da esperança supõe sempre o ângulo de Deus em todos os momentos, em todos os factos e nos gestos e rostos das pessoas. E Jesus avisou como é arriscado colocar-se apenas como juiz de seu irmão.

Um artigo de Alexandre Cruz

Porque nos abstemos de participar? 1. Quem ganha as eleições quando quem vence, de facto, é a abstenção? Talvez esta pergunta, sintomática, seja o espelho de tantas eleições em democracia como do recente acto eleitoral para a autarquia de Lisboa. Pelas tendências estudadas da indiferença que se vai generalizando, e que leva já alguns países europeus a “obrigarem” os cidadãos a votarem sob pena de perderem direitos de cidadania, será de salientar que para uma desejada maturidade democrática não haverá nem praia, nem julho, nem sol nem chuva, nem futebol, nem credibilidades ou descredibilidades de candidatos, “nada” existirá que justifique a habitual (e pacífica, não há outro remédio!) ausência da participação eleitoral. 2. As 1001 razões justificadoras da abstenção a que nos vamos acomodando, no presente, ausente e difícil Portugal, só virão pactuar com essa ideia de passividade e conformismo com a nossa pacata forma de ser. Qualquer acto eleitoral – e é uma privilegiada conquista democrática a possibilidade de votarmos -, pelo seu absoluto secretismo e liberdade, demonstram o autêntico pensar, ser e, no fundo “agir”, sobre a realidade concreta de cada dia; e a este respeito, a conclusão generalizada será que os cidadãos estão longe da “sua” cidade. Que cidadão é aquele que não vota, não participa, não tem (nem quer ter sequer) qualquer ideia para a sua terra mas que depois está na primeira linha da reclamação dos seus direitos? 3. Quem é o “cidadão” que, não cumprindo os seus deveres mais básicos, enche-se de destemida coragem para exigir os seus direitos? Se não concordam com as políticas, então manifestem-no no voto; se sentem sintomas de descredibilidade do nosso sistema democrático, reforçadamente participem afirmando suas visões alternativas. Se a política no seu entender está desmotivante com que motivação “querem” algo de novo? Que sugerem de novo? Entre as diversas interpretações a que mais nos custa é a suave ideia de que “abstenção” será um sinal que os cidadãos dão aos partidos e aos movimentos cívicos de que não concordam com as formas de política realizadas… Quanto a nós, puro engano! Não se tratará de qualquer sinal; será precisamente um não sinal, um “nada” indiferente; nem sequer uma manifestação de desencanto. 4. A política será a “arte” do possível. Assim, diante da desmotivação ou das dificuldades da realização política o cidadão consciente, sob pena de se perder a si próprio, não poderá responder com a indiferença. Na essência, todo o cidadão é político; e em circunstâncias em que não haja identificação com qualquer programa candidato, coerentemente, a forma efectiva de demonstrar essa insatisfação não será a abstenção, pois nesta não há sequer a deslocação ao local do voto. Os cidadãos têm o poder fundante da democracia, mas deixam-no à deriva… É nesta linha de novo compromisso com a vida de todos (que terá de ser afinal a actividade política) que nas sociedades ocidentais, comodamente democráticas, vai hoje progredindo a reflexão sobre a abstenção e a indiferença. 5. Como entender o futuro da liberdade nos contextos abstencionistas? Bem sabemos, e a história assim o diz, que comunidade que seja indiferente à sua gestão e liderança abre permeabilidades a formas menos democráticas de presidir e governar. Neste contexto, hoje tornar-se-á imperativo o aprofundar o facto consumado da “não-participação” (esta que até pode dar jeito em linhas de pensamento menos saudáveis e menos servidoras da dignidade humana e do bem comum). Na actualidade, a abstenção estende-se por uma transversalidade de áreas, da cultura ao associativismo, da política à educação. Aprofundemos a “participação” como eixo estruturante da vida em sociedade; quando não, perdendo a democracia a sua própria frescura original, um certo individualismo sem valores vai alastrando, como o mais doce chocolate; é que até não dá trabalho e é cómodo. O futuro – ainda que no mundo virtual – não se poderá render a este facto, precisa da participação de todos!

Ares do Verão

Gdynia, na Polónia

FLORES EM GDYNIA - POLÓNIA
:
Joaquim Simões, habitual leitor do meu blogue, teve a amabilidade de me enviar, há dias, uma foto de Gdynia, na Polónia, para a rubrica "Ares do Verão", gesto que agradeço, sobretudo porque a capacidade de partilhar é muito bonita.
Com esta foto, aqui está a prova de que as flores, em qualquer parte do mundo, são sempre motivo de boas e expressivas recordações. Quando viajamos, por mais monumentos que visitemos, por mais paisagens por que passemos, as flores que vemos ficam sempre na nossa memória.
Para saber o que andou por lá a fazer, pode consultar o Correio do Vouga.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Padeira de Aljubarrota



BRITES DE ALMEIDA,
ERA OSSUDA E MUITO FEIA


"Chamava-se Brites de Almeida. Era ossuda e muito feia e trazia seis dedos em cada mão.
Em Aljubarrota no dia 14 de Agosto de 1385 pegou na primeira arma que achou e juntou-se às destemidas hostes portuguesas. Entre outros, matou sete castelhanos com a pá do seu ofício, que no forno se haviam todos escondidos."

Assim se lê junto do monumento que lhe foi erguido em Aljubarrota.
:
Nota: Por detrás do monumento, está o edifício, chamado Celeiro dos Frades, que ostenta alguns azulejos, alusivos à padeira, do século XIV, e a épocas posteriores.
Não é edifício de interesse histórico, tanto quanto averiguei no local.
A batalha de Aljubarrota, em que os portugueses defenderam a independência nacional, lutando contra o rei de Castela, casado com D. Beatriz, filha do nosso rei D. Fernando e pretendente ao trono de Portugal, travou-se em São Jorge, localidade perto de Aljubarrota e bem assinalada, com capela, museu e o espaço definido onde se travou luta sangrenta.

Estado laico tem de respeitar toda a gente

GOVERNO SÓ AGE
SOB AMEAÇA DE PROTESTOS A comunicação social informou há dias que o Conselho Permanente da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) iria reunir-se em Fátima para elaborar críticas ao Governo, já que, tendo requerido um encontro com o primeiro-ministro, há bastante tempo, este nem sequer teria respondido à solicitação dos Bispos Portugueses. Claro que, perante esta ameaça legítima embora delicada, José Sócrates apressou-se a marcar a audiência, logo para o dia seguinte. A CEP, representada pelo seu presidente, D. Jorge Ortiga (Arcebispo de Braga), D. Carlos Azevedo, secretário (Bispo Auxiliar de Lisboa), e D. José Policarpo (Cardeal-Patriarca de Lisboa), reuniu-se ontem com o primeiro-ministro, tendo saído do encontro satisfeita. Afinal, José Sócrates, tido como pessoa que está por dentro de todos os assuntos da governação, desconhecia as razões de queixa da CEP. Os bispos portugueses queriam, tão-só, que fosse respeitada e implementada a Concordata, revista e aprovada em 2004 pela Santa Sé e pelo Governo Português. Queriam, também, que o Governo tivesse em conta as acções da Igreja e das comunidades religiosas, enquanto serviços à sociedade em geral, quer no domínio social (IPSS, Misericórdias, Centros Pastorais Paroquiais e outras instituições), quer cultural e educacional, quer patrimonial. Mais ainda: no âmbito da comunicação social, das capelanias hospitalares e prisionais, entre outras. José Sócrates ouviu as preocupações da CEP e garantiu que os diversos ministérios iriam acelerar os diálogos, com vista a ultrapassar as dificuldades existentes, o mais depressa possível. Qualquer pessoa, por mais cega que queira ser, percebe que tem havido um certo mal-estar entre Governo e Igreja, alegando os mais radicais que o Estado é laico e que nada tem a ver com as religiões, que devem, segundo eles, viver nas igrejas e, quando muito, nos adros. Estes radicais não fazem ideia nenhuma do que é uma democracia, que deve ter em conta as pessoas e os seus projectos de vida, alicerçados no respeito pelas ideias de cada um. A pluralidade, apanágio das democracias autênticas, é sempre enriquecedora e o Estado tem a obrigação de apoiar todas as organizações que brotem do povo e possam contribuir para a valorização da sociedade. Aí, até os aspectos espirituais e religiosos podem ser positivos, como expressão íntima de cada pessoa que crê no transcendente. Se os portugueses, na sua grande maioria, se afirmam cristãos, é absurdo aceitar-se que o Estado ignore essa realidade, sobretudo em áreas que nada têm a ver com o culto propriamente dito. Não apoia ele o desporto, o futebol profissional, o cinema, o teatro e tantas outras iniciativas, algumas das quais sem qualquer relevância na comunidade nacional? Então, por que razão não há-de apoiar as mais variadas actividades patrocinadas ou implementadas pelas Igrejas, se elas promoverem a pessoa em todas as suas vertentes?
Fernando Martins

Políticos mal habituados

GOVERNO SÓ AGE SOB PROTESTO
E NEM SEMPRE PROCURA O BOM SENSO É sabido que os políticos portugueses só agem sob pressão. Não vale a pena propor o diálogo, não vale a pena pedir o diálogo, não vale a pena requerer uma audiência, não vale a pena enviar requerimentos ou sugerir um comportamento político mais consentâneo com as realidades das pessoas e das instituições. Os políticos no poder não ouvem ninguém, não atendem ninguém. Fazem o que lhes dá na real gana, embora de acordo com os seus projectos governativos e propostas eleitorais, sem qualquer preocupação em analisar até que ponto estão a ferir os interesses concretos das pessoas. Isto obriga, naturalmente, a que as instituições, inclusive os sindicatos, e as pessoas se vejam compelidas a protestar muitas vezes na rua, com manifestações e mais manifestações, greves e mais greves, protestos e mais protestos. Só depois, se forem humildes e sensíveis à contestação, é que os políticos no poder prestam alguma atenção aos desesperos dos que estão na mó de baixo. Só agem, afinal, sob pressão e nem sempre procuram o bom senso. Vem isto a propósito das atitudes frias e desumanas de algumas Juntas Médicas, que obrigaram a voltar ao serviço profissionais em sofrimento. Depois do que se passou com a nossa conterrânea Manuela Estanqueiro, professora recentemente falecida com leucemia e que ficou sem poder gozar algum tempo de reforma, e de outros casos semelhantes, vindos a lume depois, é que o primeiro-ministro, José Sócrates, "chocado" com o que aconteceu, resolveu decretar, de imediato, a alteração à lei que permitia tal desumanidade. A morte de Manuela Estanqueiro e o tratamento indecoroso que sofreu por parte de uma Junta Médica, bem denunciadas pela família e pela comunicação social, estarão, decerto, na base desta decisão do Governo. Mas tudo isto poderia ter sido evitado se o Governo estivesse minimamente atento. Quantos não terão ou estarão ainda a sofrer por leis sem alma, tantas delas denunciadas todos os dias? Fernando Martins

Terra Nova celebra aniversário

MAIS DE DUAS DÉCADA
AO SERVIÇO DA COMUNIDADE


A Rádio Terra Nova, com sede na Gafanha da Nazaré, concelho de Ílhavo, celebrou ontem o seu 21º aniversário. Como desde a primeira hora, mantém-se ao serviço da comunidade, alargando a sua intervenção muito para além do concelho de Ílhavo, numa perspectiva de contribuir para uma sociedade mais justa e mais solidária. 
Acompanhei de perto a vida da Terra Nova, desde os primeiros momentos alicerçada nas “rádios piratas”, assim chamadas por estarem a infringir a lei, que só permitia as licenciadas, ao jeito de monopólios que existiam na comunicação social radiofónica. Nessa linha, somente os grandes centros poderiam acolher rádios ou suas delegações, o que fechava as portas à grande maioria dos concelhos e freguesias deste País, que ficavam isolados e sem voz, para reivindicarem os seus interesses e divulgarem as suas riquezas culturais e sociais. 
Com a teimosia e ousadia das “rádios piratas”, foi possível abrir as portas a rádios um pouco por todo o lado, obrigando o Estado a regulamentar a existência das que oferecessem capacidade técnica e garantias de subsistência. Assim nasceu a Rádio Terra Nova, no seio da Cooperativa Cultural da Gafanha da Nazaré, sucessora da Cooperativa Eléctrica, sendo hoje muito respeitada em toda a região, pela forma digna como se tem mantido, apesar das múltiplas dificuldades que tem de enfrentar, uma característica, afinal, de toda a comunicação social. 
Daqui, deste meu recanto e como colaborador eventual, quero deixar os meus parabéns a todos quantos a mantêm dinâmica no dia-a-dia, nomeadamente, dirigentes, jornalistas, colaboradores, técnicos, administrativos, publicitários, anunciantes e ouvintes, com votos de longa vida, para bem das comunidades onde a sua voz se faz ouvir. 

Fernando Martins

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS – 32

A LENDA DOS CORVOS DE LEIRIA
Caríssima/o:
Ir a Fátima obrigava-nos a passar por Leiria; lá bem em cima, eis o castelo. E a imaginação depressa nos fazia percorrer corredores infindos que nos levavam a saraus da corte, onde a El-Rei prestávamos as nossas homenagens. E em tal dia como hoje em que escrevo, de sol quente e calmaria luminosa, as cantigas de amor e de amigo transportam-nos àquela Amizade que nos faz acreditar na Vida. De facto, Amigos houve que ocupam lugar especial guardado pelo selo da eternidade. Abraço o Fernando Cascais, ali do Bunheiro e que chegou a ser Presidente da Câmara da Murtosa. Quantos outros poderia alinhar... Porém, gostaria de deixar um aceno especial aos irmãos filhos da ti Madalena e do ti Manel Elviro: o Manuel, o Ângelo, o Plínio, o Diamantino e a Maria. Para além da mítica eira prolonga-se a sombra da meda ao luar, que a serenata nos levava para o país dos sonhos... Mas voltemos a Leiria que nos veria, mais tarde, tantas e tantas noites-madrugadas a caminho da tropa...
«Breve explicação das Armas do Município
Tal como aparecem na colecção da “Casa Real – CARTÓRIO DA NOBREZA”, datada de 1849, também Inácio Vilhena Barbosa, em “AS CIDADES E VILLAS DA MONARCHIA PORTUGUESA QUE TEEM BRASÃO D’ARMAS”, de 1865, nos mostra as armas de Leiria onde figura um castelo acompanhado de dois pinheiros, tudo sainte de um terrado. Sobre cada pinheiro um corvo e em chefe duas estrelas, dá-nos assim conta do significado destas armas:
“Refere a lenda, que achando-se campado o exercito christão sobre uma eminencia visinha, à qual hoje chamam o Cabeço d’el-rei, apparecera em cima de um grande pinheiro, que se erguia entre o arrayal e o castello, um corvo, que não cessava de bater as azas e grasnar. Ordenado o assalto, redobrou por tal modo o corvo os seus movimentos e gritos, que os portuguezes, tomando isto por um feliz agoiro, investiram a fortaleza com tão incrivel valor e confiança, que apezar de bem defendida, assenhorearam-se d’ella em breves momentos. E em memória d’este successo veiu a tomar Leiria por brasão d’armas em escudo de prata coroado um castello sobre campo verde, collocado entre dois pinheiros, cada um com o seu corvo em cima; e na parte superior do escudo duas estrellas de oiro. A descrição deste brasão é como se acha na Torre do Tombo; entretanto há outra versão que dá só um pinheiro com um corvo em cima”. (in “Heráldica Leiriense”, de Alda Sales Machado Gonçalves, edição da Câmara Municipal de Leiria, página 170) Em «O Mensageiro, de 28/9/89, Lendas de Leiria, Os Corvos», a lenda é ligeiramente diferente, mas para nós o encantamento fascina-nos e ... boas férias!
Manuel

Um artigo de D. António Marcelino

AGILIZAR O PROCESSO,
ROMPER O TECIDO, DESTRUIR OS NÓS Que desgraça nos havia de acontecer, esta de uma destruição da família, programada ou inconsciente e do casamento que lhe dá origem e a enraíza no coração das pessoas, bem como do divórcio com despacho imediato Coisa tão grande, a família, que ultrapassa uma dimensão puramente legal e não se pode entender ao sabor de gostos pessoais, passou a ser talhada à medida de gente que não a sabe nem estimar, nem respeitar. Quem no casamento é incapaz de ver um projecto de vida, sério e responsável, para ver apenas uma experiência pessoal, fugaz e anódina, não devia, por honestidade, entrar em decisões que desvirtuam e prejudicam socialmente esta instituição. Não faltam governantes, da primeira e da segunda fila, que vão no segundo e nem sei se alguns mesmo já no terceiro casamento ou união facto, por esta ser agora processo mais rápido, vantajoso e menos consequente. Como não faltam deputados em igual situação. São estes que fazem os decretos e aprovam as leis. Quem nestes ofícios parece andar, por força de cargos e encargos, a aproveitar-se para justificar a sua vida e agradar a grupos e opiniões de rua, faz-me lembrar uma onda de gente pouco consciente e responsável. Para ganharem alguma coisa, cedem a tudo. Está-se a deslizar aceleradamente. Dos tribunais passou-se às conservatórias, destas à loja do cidadão… Tudo aponta, dado que em cada dia se promete mais, a que o processo vá terminar em barraca de feira, uma vez que se anuncia e pretende que tudo seja rápido e mais barato. Uma vergonha! O que interessa é agilizar o processo e quanto mais depressa melhor, porque não se pode perder tempo a casar e a descasar, coisas que valem e significam cada vez menos. É lógico que quem não dispõe de tempo para estudar a história e ler a vida, para reflectir, dialogar, recordar momentos felizes, perdoar e aceitar o perdão, olhar com serenidade e amor os filhos gerados e criados e perceber neles o sentimento mais profundo que é de não quererem os pais divididos, não tem estofo humano e, também, não quer perder tempo em processos inúteis e morosos. De facto, se o casamento nada tem a ver com constituir uma família, nascida do amor, esse dom que nunca e por nenhuma razão se dispensa, se ele não passa de uma simples experiência, descartável e renovável, porque perder tempo a fazê-lo e a desfazê-lo? Se falarmos de dinheiro, prestígio, projectos a dar nas vistas, níveis da Europa avançada, a gente de cima isso entende-o bem. Mas se falarmos de dignidade das pessoas, respeito profundo por elas, condições indispensáveis a criar e a fomentar em ordem a um bem-estar justo e sólido, a conversa já interessa menos. Há que resistir, quanto antes, a este vendaval destruidor de pessoas concretas e dos laços mais profundos que as unem, das famílias que o querem ser de verdade e de uma sociedade humana, que vale para além dos números e das sondagens encomendadas. Em Portugal, há cada vez mais pessoas a valerem bem pouco. Está à vista. Às invasões dos bárbaros resistiram forças humanizantes, organizadas e motivadas, dispostas a ir até à morte para evitar a destruição total. A “terra queimada”, trinta anos depois da revolução, é agora o deserto dos valores éticos e o desprezo pelas pessoas e seus direitos mais legítimos e pelas instituições sociais básicas. Em democracia, diga-se. As forças morais, que não faltam em Portugal, são capazes de uma nova revolução que quebre grilhões que escravizam. Unidas num mesmo projecto, estas forças têm de vir para a rua e gritar, sem medo, e de modo a que o seu grito possa acordar e escandalizar, ao perto e ao longe, porque ao longe incomoda mais: Basta! Basta!
António Marcelino

quinta-feira, 12 de julho de 2007

As sete maravilhas de Portugal




MOSTEIRO DA BATALHA

A escolha das Sete Maravilhas de Portugal, que alertou os portugueses para o património histórico do nosso País, veio mostrar que entre nós há muito que ver, com olhos de ver. Foi e é também um desafio para cada um de nós, no sentido de visitarmos e apreciarmos o que Portugal tem de bom, quer quanto ao património histórico, quer natural, quer turístico. Oxalá saibamos todos corresponder a esse desafio, aproveitando as férias ou os tempos livres, que decerto acabaremos por ter neste Verão ou mesmo para além dele.
Eu já comecei. Por estes dias, saí de casa com o propósito de rever terras e monumentos que foram lembrados nessa escolha. Visitei os Mosteiros da Batalha e de Alcobaça, seguindo uma rota que passou por Leiria e Aljubarrota. Foi muito agradável.
Durante alguns dias, aqui recordarei os momentos do reencontro.
O Mosteiro de Santa Maria da Vitória, mais conhecido por Mosteiro da Batalha, é, de facto, obra notável, levada a cabo pelo Mestre de Avis, aquele que viria a ser o nosso rei D. João I, no cumprimento de um voto à Virgem, caso vencesse os castelhanos na célebre batalha de 14 de Agosto de 1385, em Aljubarrota, o que veio a acontecer, como todos sabemos.
A construção deste Mosteiro, que se estendeu de 1386 a 1517, respeitando diversas fases do Estilo Gótico, simboliza, de alguma forma, o poder da nova dinastia, iniciada pelo Mestre de Avis. Mobilizou recursos materiais e humanos avultados e permitiu colocar Portugal na linha dos estilos artísticos já em curso na Europa, mas desconhecidos dos portugueses.
Todo o Monumento precisa de ser apreciado com calma, tal é a beleza de cada pedra, de cada recanto, de cada sala, de cada fachada, de cada torre, da igreja e das diversas capelas. Ler legendas, seguir o guia que tem de ser comprado, tanto o mais simples como o mais elaborado, saber que ali está sepultado, desde D. João I e sua esposa, a grande rainha D. Filipa de Lencastre, a tal que educou a “Ínclita Geração, Altos Infantes”, como ficaram conhecidos os seus filhos (D. Duarte, D. Pedro, D. Henrique, D. Fernando, D. João e Dona Isabel), até D. Duarte e sua esposa, a rainha D. Leonor, os primeiros na capela do Fundador, presentemente em obras, e os segundos, nas Capelas Imperfeitas, assim chamadas porque nunca foram concluídas.
Claustros, túmulos de gente que fez história, naves e portais sumptuosos, abóbadas, janelões, estátuas e estatuetas, colunas e pilares, jardins e vitrais que nos atraem e fixam os nossos olhares. 
O Túmulo do Soldado Desconhecido, lembrando a participação de Portugal na Guerra de 1914 – 1918, está na Sala do Capítulo. Tem junto o lampadário monumental, onde arde permanentemente a “Chama da Pátria”, sob a guarda de dois militares portugueses, na posição de sentido. O lampadário é alimentado com azeite virgem das oliveiras portuguesas. 
Estes símbolos da Pátria podem ser apreciados na referida Sala do Capítulo, em que se destaca a sua famosa abóbada, em estrela de oito pontas. Sob ela, segundo a lenda, dormiu a primeira noite, depois da conclusão, mestre Afonso Domingues, para provar que a abóbada, sem qualquer suporte, não cairia.
Não é por acaso que o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, o famoso Mosteiro da Batalha, passou a ser integrado, em 1983, na lista da UNESCO do Património Mundial.
Se puder, e pode certamente, se quiser, não deixe de visitar esta Maravilha de Portugal.

Fernando Martins



AS SETE MARAVILHAS DE PORTUGAL 







Palácio da Pena
Palácio do século XIX, atrai a Sintra muitos visitantes.

Torre de Belém
Construída no século XVI em homenagem a S. Vicente, padroeiro da Sé de Lisboa.

Castelo de Guimarães
Edificado no século X. No século seguinte foi residência da corte. Presume-se que D. Afonso Henriques nasceu lá e que lá viveu.

Castelo de Óbidos
Mostra a importância da povoação na Baixa Idade Média, mantendo intacto o Castelo agora distinguido, ruas e ruelas, casas antigas e outros motivos de interesse histórico.

Mosteiro de Alcobaça
Um dos mais significativos mosteiros cistercenses medievais, doado aos monges de Cister por D. Afonso Henrfiques.
Ali repousam os restos mortais de D. Pedro I e D. Inês, como símbolo de um amor "até ao fim do mundo", como se pode ler num monumento. Dele falarei aqui um dia destes.

Mosteiro da Batalha
Também conhecido por Mosteiro de Santa Maria da Vitória, é o mais importante símbolo da dinastia de Avis. Voltarei ao assunto, nem que seja, apenas, para publicar mais algumas fotos.

Mosteiro dos Jerónimos
Também conhecido por Mosteiro de Santa Maria de Belém, é representativo do Estilo Manuelino, construído para comemorar os feitos dos nossos navegadores.

Ares do Verão


VERÃO MAIS ALEGRE
:
Penso e sinto que o Verão é, de facto, uma estação de alegria. A natureza está com toda a sua pujança, iniciada na Primavera, e as pessoas, com sol e calor, até se sentem outras. Mais abertas, mais livres, mais simples, mais comunicativas. Há autarquias que têm o bom gosto de enfeitar as ruas. Acho bem, pois as decorações, quando bem feitas, estimulam a alegria e a boa disposição. Sei, como todos sabemos, que a crise nos obriga a apertos e que há outras prioridades. Mas se for possível enfeitar uma ou outra rua, mesmo com simplicidade, isso será muito bom.
Boas férias, com muita alegria, para todos.

Um poema de Manuela Azevedo

Serra da Boa Viagem - Figueira da Foz

SUBINDO A SERRA

Subir a serra
é sentir lá no cimo
a presença divina,
ter asas e ser pequenino.
Ver as minúsculas casas
ponteadas na paisagem,
sentir o vento a fustigar o corpo
e só querer chegar sempre mais alto,
o coração a soltar-se na aragem,
qual papagaio a que se solta o fio.

Manuela Azevedo
.

In O Canto das Fragas,
a ser lançado no dia 13 de Julho,
pelas 21.30 horas,
no Auditório Municipal
da Figueira da Foz.

Um artigo de Alexandre Cruz

EUropa?
1. Cabe-nos este semestre a presidência da União Europeia. Não só a Europa no seu processo de consolidação institucional de um Tratado (com este ou outro nome), mas uma visão de Europa de Nações que não se anulam mas que saibam acolher, em pluralismo, a riqueza da diversidade cultural. Este processo europeu, algo de único na história, apresenta-se como uma dinâmica de aprendizagem contínua, lendo-se nas entrelinhas dos seus solavancos (de avanços e recuos) uma “ideia” de comum-unidade que, todavia, nunca se poderá render ao pragmatismo das coisas diárias. Talvez a maior crise de todas seja mesmo essa, a de a generalidade dos cidadãos estarem ainda longe da “ideia” de Europa que lhes preside (e quando dela falam é para queixar dos bens perdidos em vez se apreciarem os bens de estabilidade e paz ganhos); ou talvez também a própria configuração institucional necessite de uma reforma situada, pois não se poderá governar eficientemente uma comunidade de 27 países com o modelo de 12. No fundo, o implacável mundo global (o qual a Europa antecipou), propõe a interrogação hoje decisiva sobre “o que os cidadãos querem da Europa?” Se, pela generalizada e cómoda indiferença europeia (temos pão e água garantidos, todos os dias), existirem dificuldades em responder a esta pergunta sobre o que se quer da Europa, então voltemo-nos para as próprias nações que a constituem e perguntemos “o que querem os cidadãos do seu país?” Nesse momento apercebemo-nos de que a mesma dificuldade em responder é sintoma generalizado de uma certa passividade indiferente, em que as perguntas sobre o colectivo bem comum vão-se esbatendo, generalizando-se mais a preocupação do EU individual que do NÓS comunidade. Sem nações abertas e participativas a Europa só pode ser fechada… 2. A Europa, apesar de toda a sua complexidade sempre em construção, precisará de se abrir mais ao mundo, se sair de si. Refere, em recente entrevista (Público, 9 Julho) o Alto-Comissário nas Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, que “há uma enorme falta de Europa no mundo”. Diríamos que nas questões decisivas da humanidade a Europa tem-se alheado, desconsensualizando-se no essencial, perdendo a sua própria ideia / afirmação estimulante e negando as suas rasgadas raízes de identidade plural (onde estão Atenas e Roma?); talvez, na Europa vinda da Razão (da científica à de estado) tenhamos amado irracionalmente a própria liberdade esquecendo-nos de colocar nela as fronteiras do razoável e da inalienável dignidade humana; talvez, ainda, tenhamos desapreciado progressivamente os benefícios de paz e desenvolvimento que a União Europeia neste 50 anos tem concedido ao próprio continente. Todos somos beneficiários, e todos apreciam? Teremos, mais, de desenvolver a cultura do apreciar a história construída. Não para ficar nela, mas para, apreciando o caminho apostado, não deitemos a perder todo o esforço de gerações que nos precederem; nesta tarefa, uma nova opinião pública europeia esperançosa torna-se um imperativo. Mas onde vamos buscar a esperança, o ânimo? Que temos e promovemos na Europa além de tecnologias? Quais os lugares do “ser” e da cultura? Talvez tenhamos de nos conhecermos mais, no nosso património, dos monumentos às ideias que nos conduziram, sendo certo que sabendo donde vimos melhor saberemos para onde queremos ir. 3. Neste ideário que terá Portugal a dizer? Primeiro de tudo, faz-nos bem sairmos das nossas portas para ser possível entrar o ar fresco do pluralismo em liberdade, de expressão e de vivência, e não nos fecharmos num unanimismo fictício ou à força; todos somos filhos da diversidade. Se a Europa precisa de sair do seu EU talvez seja a “hora”, apesar de termos vivido (como fuga, como estratégia?) de costas voltas para a Europa, de Portugal dar o seu contributo universalista para uma Europa que se abra mais ao mundo. Um dos factos neste contexto é precisamente a realização da segunda Cimeira Europa - África (sublinhe-se que a primeira foi também com a presidência portuguesa, tendo a Europa, entretanto, esquecido o continente do sul…). Como refere Manuel Antunes (Repensar Portugal, Multinova 2006: 61-62), neste contexto mundial os povos mediadores – de preferência mais os pequenos que os grandes – serão decisivos para o crescimento harmónico da Humanidade. Assim este entendimento plural (multiétnico, intercultural e inter-religioso) seja assumido, pois tanto lá fora como cá dentro, esse diálogo edificante anda pelas ruas da... Precisamos, só nele haverá futuro com futuro!...

sexta-feira, 6 de julho de 2007

A nossa gente - João Catraio

Os velhos são livros abertos


O TIO JOÃO CATRAIO

Há mais de 60 anos, o tio João Catraio era um dos patriarcas da Gafanha da Nazaré. Vivia no lugar da Cambeia e desde cedo me habituei a escutá-lo com enlevo. Falava sempre com um sorriso nos lábios e nunca o ouvi nem vi aborrecido. Deixava transparecer um optimismo contagiante e uma serenidade que impressionava. Apesar da idade avançada, mostrava um ar de catraio, que atraía pela sua candura e simpatia.
Gostava de conversar com ele, mais para ouvir do que para falar, já que é ouvindo os mais velhos que se aprende. Foi um ídolo da minha infância e juventude, e mais tarde, já homem feito, nunca deixei de o olhar com muito respeito e admiração, qual livro aberto cheio de estórias de encantar, para legar às gerações futuras.
Quando nos víamos, de mim e dele saíam saudações amigas, comentários de circunstância e divagações que nos levavam a perder a noção do tempo. Ficávamos, por vezes, por ali, no seu quintal, entre o chilrear da passarada que fazia ninhos nas árvores, nos beirais de sua casa e no verde milheiral que dominava tudo em redor, ou não fosse o milho o cereal que mais merecia a atenção e a preferência dos gafanhões.
Quem passava tinha sempre uma palavra de cumprimento, ao jeito de “Boa tarde lhe dê Deus”, a que se respondia “Boa tarde; vá com Deus”. Eram expressões que denotavam a fé dos gafanhões daquele tempo, e que ainda hoje se ouvem entre as pessoas mais idosos, sem qualquer complexo.
Há umas quatro décadas, numa tarde de Verão, à hora da sesta, o tio João descansava sentado junto ao monte de palha e junco, bem perto dos currais dos animais. A frescura das árvores de fruto amenizava o ar abafado que à volta tudo dominava. Àquela hora, o trabalho na sua pequena quinta, onde de tudo um pouco se criava, era impossível.
Nem vivalma pela rua, sinal de que os outros agricultores esperavam por uma temperatura mais fresca, para recomeçarem a labuta nos campos. Ao vê-lo assim tão bem encaixado na palha e à sombra reparadora do monte, senti vontade de o ouvir, como diversas vezes tinha feito.
Nessa tarde, o tio João falou-me da estória da sardinha que era repartida por três pessoas da família, no momento da janta. Estranhei tanta poupança, mas ele logo me confirmou que era uma realidade desde os seus tempos de menino, ainda nos finais do século XIX. Antes e depois, segundo ele, as pessoas da Gafanha alimentavam-se parcamente. Não haveria fome, mas as dificuldades económicas eram muitas. Comia-se do que se cultivava e pouco se comprava.
Também não havia o hábito de pescar, já que os gafanhões eram essencialmente agricultores e não queriam nada com a ria nem com o mar, segundo ele me confessou. Só mais tarde, nos finais do século XIX e princípios do século XX, se aventuraram na apanha do moliço, do berbigão e do mexilhão, sem se afastarem muito da borda. A pesca veio lentamente para os hábitos desta gente que deixou os areais das aldeias de Vagos e de Mira, para se estabelecer nos areais semelhantes da península da Gafanha. A isso foram obrigados pela falta de terra para cultivar. As famílias, por norma muito numerosas – recordava-me o tio João – viam as suas propriedades serem repartidas sucessivamente nos momentos das heranças. Se era necessário procurar mais terrenos para cultivar, o mais fácil seria deslocarem-se para terras vizinhas, onde havia espaço para todos. Umas terras recebidas por aforamento e outras por ocupação, simplesmente. Eram terrenos muito iguais, resultantes das areias esbranquiçadas que o mar depositava nas margens, dando origem, durante séculos, à restinga que se foi formando, de Ovar a Mira.
E a areia foi tanta, que em 1888 se iniciou a sementeira do penisco, que deu origem à Mata da Gafanha. Esses trabalhos, que envolveram muitos gafanhões, terminaram em 1910, ano da criação da freguesia da Gafanha da Nazaré. A Mata serviria para fixar as dunas e para proteger as sementeiras dos ventos marinhos e das areias que os mesmos arrastavam, prejudicando as culturas, assim me dizia o tio João Catraio, qual livro aberto que tanto me ensinou, com a sua sabedoria de experiência feita.
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Fotos: Tio João Catraio, com esposa Carolina

Fernando Martins

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 31

Os beatos Jacinta e Francisco

FÁTIMA

Caríssima/o:

Hoje, se me permitis, vou dar três saltos no tempo:

1- 23 de Julho de 1958, dia em que realizei o Exame de Estado, na Quinta da Rainha. Estamos a entrar no início das bodas de ouro. E quantas estórias por aí andarão?
Que é dos nossos Professores? E dos “funcionários” da Escola?
E vós, companheiros/as, onde e como estais?
Lembro-me que a nossa última saída, enquanto alunos da escola, foi a Fátima, a consagração do nosso Curso. Os rapazes, e logo também eu, levámos o andor na procissão de velas. Lá estavam connosco o Director, os Professores e o padre Eurico Dias Nogueira, nos nossos dias, arcebispo emérito de Braga.


2- «A 13 de Maio de 1917, três crianças apascentavam um pequeno rebanho na Cova da Iria, freguesia de Fátima, concelho de Vila Nova de Ourém, hoje diocese de Leiria-Fátima. Chamavam-se Lúcia de Jesus, de 10 anos, e Francisco e Jacinta Marto, seus primos, de 9 e 7 anos. Por volta do meio-dia, depois de rezarem o terço, como habitualmente faziam, entretinham-se a construir uma pequena casa de pedras soltas, no local onde hoje se encontra a Basílica. De repente, viram uma luz brilhante; julgando ser um relâmpago, decidiram ir-se embora, mas, logo abaixo, outro clarão iluminou o espaço, e viram em cima de uma pequena azinheira (onde agora se encontra a Capelinha das Aparições), uma "Senhora mais brilhante que o sol", de cujas mãos pendia um terço branco. A Senhora disse aos três pastorinhos que era necessário rezar muito e convidou-os a voltarem à Cova da Iria durante mais cinco meses consecutivos, no dia 13 e àquela hora.»

3 - A fada Oureana

«Fátima , jovem e bela Princesa moura , era filha única do emir, que a guardava dos olhos dos homens numa torre ricamente mobilada , tendo por companhia apenas as aias e , entre elas , a sua preferida e confidente Cadija .
Apesar de estar prometida a seu primo Abu, o destino quis que Fátima se apaixonasse pelo cristão que seu pai mais odiava, Gonçalo Hermingues, o "Traga-Mouros" , o cavaleiro poeta que nas suas cavalgadas pelos campos via a bela princesa à janela da torre.
Rapidamente o coração do cavaleiro cristão se encheu daquela imagem e sabendo que a princesa iria participar no cortejo da Festa das Luzes , na noite que mais tarde seria a de S.João , preparou uma cilada de amor.
No impressionante cortejo de Mouras e Mouros , montando corcéis lindamente ajaezados , Fátima era vigiada de perto por Abu . De repente os cristãos liderados pelo Traga-Mouros saíram ao caminho e Fátima viu-se raptada por Gonçalo .
Mas Abu depressa se organizou e partiu com os seus homens em perseguição dos cristãos e a luta que se seguiu revelou-se fatal para o rico e poderoso Abu .Como recompensa pelos prisioneiros mouros, Gonçalo Hermingues pediu a D. Henriques licença para se casar com a princesa Fátima , a que o rei acedeu com a condição que esta se convertesse .
A região que primeiro acolheu os jovens viria a chamar-se Fátima , mas a princesa, já com o nome cristão de Oureana, deu também seu nome ao lugar onde se instalaram definitivamente , a Vila de Ourém.»
[in Escola 1º C.E.B. - Matas N.2 – Sobral - Agrupamento de Escolas - IV Conde de Ourém]

Recuados no tempo, poderíamos perguntar onde começa e termina a lenda.

Manuel
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Nota: Por motivo de férias, o TECENDO... aqui fica, mesmo antes de domingo, dia que lhe está destinado. Boas Férias para todos.
F.M.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Um artigo de D. António Marcelino


HUMOR,
POESIA E VALORES
DO ESPÍRITO

Diz o povo, com a sua proverbial sabedoria, que “quem se pica não é ouro de lei”. O ouro verdadeiro resiste a riscos e encontrões e não se amolga com facilidade. Não é assim com o ouro fingido, que não passa de quinquilharia e que, facilmente, perde o brilho, denunciando a sua fingida aparência.
Está a acontecer entre nós algo de estranho e de preocupante. O primeiro- ministro leva a tribunal, como cidadão ofendido, um outro cidadão que a ele se referiu num vulgar blogue da Internet. Os ministros da Educação e da Saúde demitem funcionários dos seus ministérios por os julgarem menos respeitadores das suas pessoas e dos actos do seu Governo. Mas, se procuram nos ministérios, informações necessárias e legítimas, ou ninguém atende ou fica-se dependurado no telefone à espera de quem nunca aparece. Tudo isto denuncia intolerância, menosprezo, indiferença, sobranceria. Porém, não deixamos de sentir que está montada uma rede de videirinhos e denunciadores atentos, com acesso fácil ao senhor ministro, gente que alimenta a intolerância, de quem devia dar exemplo diário de tolerância…
Quem não respeita, acaba por não ser respeitado. Isto é mau e não acaba bem.
Não é menos preocupante ver hoje, muito mais do que antes se via, como se reprime o humor e a anedota de sabor político. Num ambiente pesado, o sol escurecerá, os poetas vão calar-se e tudo quanto tem raízes no espírito vai estiolar e fenecer.
O humor, a poesia, as vozes defensoras de valores espirituais, são um tónico indispensável para que se possa viver em sociedade, de modo livre e sadio. Não se pode correr o risco de termos de falar, nas conversas e nos meios de comunicação, e mesmo assim com cuidado porque há ouvidos suspeitos e pouco limpos, apenas de futebol, orçamento, mercado, impostos, desemprego, greves, escândalos, festa de gente fina, brigas de mau humor de milionários, telemóveis de topo de gama, assaltos e raptos, milhões por transferências de jogadores e por aí adiante em coisas de igual teor.
Quem quiser falar de processos mais a guardar prescrição que sentença; de leis que não respeitam o bem comum e destroem o tecido social; de pobres de vária ordem, que a sociedade torna cada vez mais pobres e menos atendidos e defendidos; de desvalorização premeditada da pessoa humana e das pessoas em geral; do ensino, mais dependente das estatísticas, gerador de incultura e que parece só olhar para um futuro de competição; de portas escancaradas à entrada de todo o lixo que a Europa exporta; de favores partidários que menosprezam a justiça e roçam o escândalo, então há que ter cuidado, porque, ao nosso lado, a intolerância aumenta, os governantes não suportam críticas e se generaliza cada vez mais um clima de desconfiança. Nunca se sabe quem se senta ao nosso lado, no café ou no restaurante, no comboio, no autocarro ou na sala de espectáculo.
Dê-se lugar ao humor e às anedotas sadias que fazem rir, antes que tudo se transforme numa anedota, sem gosto nem sal. Apareçam poetas que falem da beleza das pessoas e das coisas, de um modo livre, que só eles sabem. Dê-se voz e atenção a quem defende e promove valores espirituais e morais, para que o ambiente social seja respirável e apetecível. Olhemo-nos uns para os outros, sem que mutuamente ponhamos rótulos na testa. Tenhamos coragem para aplaudir o bem, denunciar o mal, respeitar as pessoas e viver sem medo em qualquer lugar. Não nos deixemos envinagrar nem envenenar, com coisas que passam e que passam depressa. Não permitamos que apaguem o sol ou o queiram só para alguns, porque “o sol quando nasce é para todos”, nem que Portugal se extinga e se empobreça. O remédio para os nossos males não tem que vir de fora. Está em nós. A menos que quem manda nos impeça de sermos nós próprios e de agirmos com a liberdade que nos assiste.
Se o povo não se dividir mais, nem for abafado no seu bom senso e natural sabedoria, ele servirá de corrector normal dos vícios e dos desvios enganadores.

António Marcelino

Fundações


FUNDAÇÕES:
UMA RIQUEZA NACIONAL

Ninguém no nosso País pode ficar indiferente à existência de Fundações que assumem fazer o bem bem feito. Cumprem a missão de fazer o que o Estado não faz, dinamizando iniciativas que envolvem as pessoas e as comunidades, quantas vezes avançando com projectos que são respostas concretas a necessidades gerais da sociedade.
Hoje, por exemplo, li que o escritor e Prémio Nobel da Literatura José Saramago criou uma Fundação com o objectivo de estudar e preservar o seu espólio, mas também com a missão de acompanhar os problemas do meio ambiente e do aquecimento global. Mais ainda: o escritor quer, por esta forma, apoiar a difusão da Língua Portuguesa, a divulgação dos novos autores e o intercâmbio com as restantes literaturas de expressão portuguesa. Trata-se, portanto, de uma Fundação que abrange um amplo leque de intervenções, de que todos os portugueses poderão vir a beneficiar.
Ainda há dias a Fundação criada pelo empresário António Champalimaud concedeu a uma clínica indiana o maior prémio do mundo, de um milhão de euros, para apoiar pesquisas que levem à cura da cegueira, enquanto por todo o País outras Fundações desenvolvem acções meritórias na linha de várias vertentes, tanto sociais como culturais, tanto religiosas como científicas, tanto desportivas como recreativas e artísticas. Em Portugal cresce dia a dia o número de Fundações, tornando-se, na sua globalidade, uma das grandes riquezas do País. Ainda bem que há quem não fique preso, egoisticamente, às suas riquezas, apostando em as partilhar com quem mais precisa.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Um artigo de António Rego


POBRES
- OS GRANDES
ANÓNIMOS


Que melhor notícia nos podia chegar (via ONU) do que a descida de pobres no mundo de hoje em 270 milhões? Logo a seguir pensamos que esse número nada nos entusiasma perante os 980 milhões que ainda restam.
Sabemos que a felicidade não se mede aos palmos nem a pobreza se coloca na balança electrónica que os ricos controlam. O que é um rico e um pobre? No Primeiro, como no Terceiro mundo? (As palavras e os números estão cada vez mais esfarelados pelos conceitos e preconceitos que se sucedem na óptica do bem estar, do ter, dos bens primordiais, do essencial e do supérfluo).
Para a economia é bom poupar, esbanjar, diminuir o consumo, ou apenas importa produzir mais, duma forma competitiva, capaz de fazer frente a outros que fazem o mesmo? Como se configura uma doutrina humanizada (e cristianizada, no caso da Doutrina Social da Igreja) com as regras de mercado livre e duma economia dobrada à libertinagem comercial, que estabelece as próprias regras no direito que todos têm a comprar ou vender, poupar ou esbanjar, fazer do pão de cada dia uma guerra sujeita às regras de compra e venda? Como se harmoniza a rentabilidade com a justiça social e distributiva? Como se sabe que o produto interno bruto, em vez de gerar um benefício para a comunidade, não vai parar aos cofres dos mesmos, já recheados de meios, oportunidades, prestígio, credibilidade nos mercados? Como é possível que o simples faro para o negócio gere milhões da noite para o dia, sem nada ter a ver com o bem comum? Como se questiona, nas regras vigentes, a riqueza acumulada sem um toque de escrúpulo com os que objectivamente vivem sem o pão de cada dia? Como se pode pedir aos grandes criadores de riqueza que, na sua agenda mental, tenham em conta os que vivem no estertor da miséria, sem casa, saúde, alimentação, conforto, acesso ao novo essencial que os tempos de hoje facultam? Que calma é esta que suscita alegria quando desce o número dos pobres, sem o escândalo pelos que ainda permanecem na margem da vida e rondam os cerca de mil milhões de seres humanos? Como se liga o alarme aos que andam distraídos sobre uma parte do mundo que ainda morre de fome?

António Rego

ADERAV



Direcção da ADERAV tomou posse



Os corpos sociais da ADERAV – Associação para o Estudo e Defesa do Património Natural e Cultural da Região de Aveiro, para o biénio 2007 / 2009, tomaram posse, no dia 29 de Junho, na Capela de S. Francisco, com um alerta para o estado de degradação daquele monumento nacional.A sessão de posse dos novos órgãos sociais da ADERAV incluiu uma visita à Capela de S. Francisco, templo que, juntamente com a Igreja e Convento de Santo António, forma um conjunto classificado, em 14 de Outubro de 1999, como monumento nacional. Em 1677 foi lançada a primeira pedra da actual capela de S. Francisco, templo concluído dois anos mais tarde. A visita teve por objectivo dar a conhecer e alertar para o estado de degradação da capela.Delfim Bismarck preside à assembleia-geral, tendo por secretários Sérgio Azevedo e Graciano Pinto. A direcção é constituída por Luís Souto (presidente), Oliveira Cardoso e Paulo Morgado (vice-presidentes), Ana Leite (secretária), João Paulo Baeta (tesoureiro), Fátima Alves e Patrícia Sarrico (vogais). O conselho fiscal é presidido por Maria da Luz Nolasco, sendo os cargos de secretário e relator ocupados, respectivamente, por Carlos Fonseca e Andreia Leite.A ADEARV irá explorar “todas as formas que considere eficazes no sentido de ter um papel activo nas questões que directa ou indirectamente afectem a preservação do património”. Para isso, a associação “terá especial cuidado na fundamentação das suas posições públicas, recorrendo por exemplo a pareceres de especialistas, sem no entanto transformar a associação num fórum académico”.
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Fonte: Correio do Vouga
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NOTA: Aqui está uma associação que merece todo o apoio possível, para bem de todos nós. Vocacionada para defender o nosso património cultural, nas mais variadas vertentes, a ADERAV tem desenvolvido, desde a primeira hora, concretamente desde 1979, uma acção profícua na zona de Aveiro, que pode alargar-se muito mais se mais for ajudada pelos amantes da cultura, que os há, em grande número, na região.


terça-feira, 3 de julho de 2007

Ares do Verão


ARTESANATO NO VERÃO
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Com o Verão vêm as feiras, um pouco por todo o lado. Gosto de passar por elas, não tanto para comprar, mas para ver o artesanato autêntico, genuíno, fiel às tradições, usos e costumes do povo. Numa dessas feiras, apreciei o senhor Adelino, mestre oleiro dos arredores de Aveiro, que ensina sempre a sua arte a quem estiver interessado em aprender. Vejam a atenção e a serenidade com que molda o barro. Disse-me um dia que a juventude está mais virada para outros interesses, embora haja um ou outro jovem que aposta na olaria. Ouvi o entusiasmo com que conta histórias ligadas à arte de trabalhar o barro. O seu bom humor, a sua alegria e a sua saudável memória fazem passar o tempo a correr.
Tudo isto que estou a dizer poderá servir para entusiasmar os meus leitores a falarem com os artesãos nas feiras do Verão que estão a chegar.

Comunicação social na Igreja

OS TRÊS NÍVEIS
DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
DA IGREJA

"Quanto à relação da Igreja com outros órgãos de informação, ela não pode deixar de passar pela profissionalização da comunicação. É impossível ignorar-se que todo o conteúdo tem forma: não há mensagem que nos chegue sem forma (palavras, sintaxe, retórica, fotos, imagens em movimento, cenário, iluminação, etc.). O conteúdo tem de ser adequado aos destinatários, a começar pelos jornalistas que serão os intermediários. O risco de adulteração da mensagem é maior quando a adaptação ao destinatário não é feita pela própria entidade que a pretende comunicar. Fazem parte da profissionalização: primeiro, as técnicas do marketing (a palavra não deve assustar, é apenas uma palavra; se se quiser, podemos inventar outra: audiencing, isto é, adaptar a mensagem à audiência concreta com a máxima eficácia); segundo, a reflexão sobre qual o registo em que os representantes da Igreja, por ser Igreja, devem comunicar com os media para que a comunicação seja adequada e profícua."
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Eduardo Cintra Torres, conhecido crítico de televisão, que colabora habitualmente no PÚBLICO, escreveu um texto que pode ser lido na íntegra, na ECCLESIA, sobre a comunicação social da Igreja. Penso que se trata de uma reflexão que todos devíamos ter em conta, sobretudo os católicos.

Efeméride


IGREJA DAS CARMELITAS
E PRAÇA MARQUÊS DE POMBAL


1905

No dia 3 de Julho de 1905, por iniciativa da Câmara Municipal de Aveiro e após viva controvérsia, começou o corte e demolição de parte do Convento das Carmelitas, para a abertura de uma praça, que veio a ser baptizada, à margem da Igreja, diga-se de passagem, com o pomposo nome de Marquês de Pombal, que, acrescente-se ainda, não gostava nada de Aveiro. O duque de Aveiro, não terá, em sua opinião, colaborado no atentado ao Rei D. José?
Ao recordar este facto, relatado, sucintamente, no Calendário Histórico de Aveiro, de António Christo e João Gonçalves Gaspar, ocorre-me perguntar se não seria altura de a igreja das Carmelitas e anexos voltarem à posse da Igreja Católica, para lhes ser dado um uso mais adequado. Penso que sim.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Energias Renováveis em Acção

ESCOLA SECUNDÁRIA
DA GAFANHA DA NAZARÉ
E PORTO DE AVEIRO DE MÃOS DADAS
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A Administração do Porto de Aveiro decidiu associar-se como financiadora do projecto “Energias Renováveis em Acção”. Com esta iniciativa, a cargo da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico da Gafanha da Nazaré, e inserida no Programa de Apoio a Projectos Educativos, pretende-se, numa primeira fase, dotar a Escola dos meios necessários a produzir e armazenar energias renováveis, eólicas e solares, para abastecer o consumo energético de um laboratório de informática constituído por 12 computadores pessoais. É ambição do estabelecimento de ensino aumentar, em fases posteriores, os instrumentos de captação e acumulação de energias renováveis, com o intuito de dotar a escola de maior autonomia quanto ao consumo de energia. A missão pedagógica e de formação do “saber ser” e “saber estar” da escola, incutindo e sensibilizando os alunos e a comunidade de uma forma geral para a importância do aproveitamento e utilização das energias renováveis, aspectos que assumem cada vez mais relevância na nossa sociedade, dada a sua dependência em termos energéticos; a exploração dos recursos naturais relevantes da zona (vento e sol), rentabilizando-os na produção de energias limpas e renováveis; e a diminuição da factura de energia eléctrica, são os objectivos elencados pelo projecto “Energias Renováveis em Acção”.
: Fonte: Porto de Aveiro

A nossa gente


Armando Oliveira Pimentel


Neste mês das festas da Vista Alegre em Honra de N. Sra. da Penha de França, dedicarmos a rubrica “A Nossa Gente” ao Mestre Armando Pimentel, pintor artístico da Vista Alegre.
Armando Oliveira Pimentel nasceu em Vagos a 17 de Janeiro de 1930, mas desde os seus 20 anos, ano em que casou, reside em Ílhavo.
Descende de uma família profundamente enraizada na Vista Alegre. Foi seu pai, o primeiro pintor da família, que certamente influenciou a vocação do filho para abraçar a profissão que faria dele o último Mestre de pintura da Vista Alegre. Esta vocação revelou-se muito precocemente pois Armando Pimentel recorda-se, de ainda menino gostar de desenhar “as caras dos Reis de Portugal, mas só dos que tivessem barba e bigode…”
O seu pai tentou a sua entrada para o seminário a qual não se realizou por motivos financeiros. Abandonada a ideia do seminário, e porque era necessário ajudar os pais e os irmãos, começou a trabalhar num talho à espera de ter idade para poder ingressar na Vista Alegre.
Foi no dia 22 de Março de 1942, com 12 anos de idade, que começou a aventura do futuro Mestre da Vista Alegre, ingressando na Aula de Desenho tendo como professor o João Cazaux. Cedo se revelaram os seus invulgares dotes artísticos, e passado um ano ingressou como aprendiz na oficina de Pintura onde foi acompanhado pelo Mestre Ângelo Chuva. Aos 18 anos foi oficialmente considerado “Aprendiz menor do 1º ano de pintor” e começou a trabalhar com o seu grande Mestre Palmiro Peixe.
Foi meteórica a sua carreira como pintor da Vista Alegre. Contrariamente ao que era habitual começou a ter um vencimento de 5$00 por dia, logo que iniciou a aprendizagem de pintura e aos 14 anos recebeu, no Natal, a sua primeira gratificação, que naquela altura, só era concedida a 6 pintores!
Foi Armando Pimentel que iniciou a técnica da pintura sobre biscuit, em 1970, que tornou possível uma autêntica revolução artística da pintura, pelo realismo que tal técnica permitia dar às peças.
De 1970 a 1999 todos os lançamentos de séries especiais ou limitadas da Vista Alegre lhe passaram, directa ou indirectamente, pelas mãos e lhe mereceram a mais dedicada atenção e o maior empenho na qualidade da sua execução.
Armando Pimentel esteve ao serviço da Vista Alegre 65 anos, representando-a em vários pontos do globo, desde a fábrica alemã Hutschenreuther, em 1969, participou num Congresso de Design na Suécia e na Finlândia, esteve presente nas Feiras de Versalhes, Frankfurt e Hannover, e fez demonstrações de pintura ao vivo em Londres, Dallas, Bóston, New York, Haway e Rio de Janeiro. Também em Portugal teve a oportunidade de revelar o seu talento como pintor na FIL, em Lisboa, em exposições realizadas na Póvoa de Varzim e Espinho e por ocasião da inauguração da nova Loja da V.A. no Chiado, em Lisboa.
Armando Pimentel pintou centenas de peças, todas motivo de orgulho, algumas com marcas históricas. É o caso do serviço oferecido como presente à Rainha Isabel II, quando o Presidente da República visitou a Grã-Bretanha. Bem como outro pedido executado a pedido da Câmara Municipal de Lisboa para servir no banquete oficial que o Presidente da República ofereceu à Rainha Isabel II.
Mestre Armando Pimentel foi um grande Embaixador da Vista Alegre, deixando, por onde passou, o rasto da sua inconfundível arte numa capacidade rara de criar beleza.

Fonte: “Viver em…” da CMI

A nossa saúde




DIETAS

A moda das dietas, para tudo e mais alguma coisa, reaparece, com mais força, no Verão. Nesta altura, mais por motivos de estética e para não parecer mal na praia. Não vejo nenhum mal nisso. Mas como a saúde sofre com uma alimentação errada, as dietas também fazem parte, hoje e durante todo o ano, das recomendações médicas. Só que, às vezes, ficamos baralhados, com certas contradições. O que uns recomendam, outros condenam.
Há tempos, três especialistas colaboraram com uma revista, cada um deles explicando, grosso modo, o seu método. E os três tentaram explicar as razões das suas opções, que não coincidiam em vários pontos. O que um condenava o outro considerava normal ou importante.
No final, cheguei à conclusão de que o problema está em cada um nós e que se resume em comer pouco e várias vezes por dia, não abusando daquilo que toda a gente diz que faz mal, controlando o apetite e optando por alimentos variados e o mais naturais possível.
No PÚBICO de hoje, a jornalista de serviço e especialistas em questões científicas, Ana Gerschenfeld, recomenda uma “Dieta da idade da pedra”, como a mais saudável.
Diz assim:




Dieta da idade da pedra



“Toda a gente sabe: um dos flagelos do mundo ocidental, num futuro que já é presente, serão as doenças ligadas à alimentação - a diabetes e o seu cortejo de complicações graves. Mas afinal qual é a dieta mais saudável? Não é bem a mediterrânica, respondem cientistas da Universidade de Lund, na Suécia; é a dos homens e mulheres da Idade da Pedra. No primeiro estudo deste género no ser humano, pediram a 14 pessoas para adoptarem uma dieta "paleolítica": fruta, legumes, nozes, carne magra, peixe, evitando o sal. A outros 15, aconselharam uma dieta de tipo "mediterrânica prudente" - à base de flocos integrais, lacticínios com baixo teor de gordura, fruta, legumes e gorduras saudáveis como o azeite. Mediram os picos de açúcar no sangue após a ingestão de hidratos de carbono, que quando são acentuados indicam uma "intolerância à glucose", sintoma precursor da diabetes. Passados três meses, o principal resultado, refere um comunicado, foi que esses picos tinham diminuído marcadamente no grupo Paleolítico, mas não no Mediterrânico. Ou seja: mesmo os cereais e os lacticínios deveriam fazer parte dos alimentos a evitar.”

domingo, 1 de julho de 2007

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 30


O CASTELO DA LOUSÃ E A RIBEIRA


Caríssima/o:


Lá voltámos passados quarenta anos e só então me apercebi do peso do grupo dos lousanenses: é que o passeio anual do nosso Curso foi ao Castelo da Lousã. Isso mesmo: de Coimbra à Lousã, e isto contando com a ajuda imprescindível desse tal grupo. [Esta coisa de viagens de fim de curso a Espanha e outras paragens, bem, temos dito!]
Permiti que regresse à Lousã para um abraço muito especial ao António Maio e à Olga que, na sua Casa do Pinheiro, experimentam profunda vivência matrimonial, salmodiando a promessa um dia feita para os bons momentos e para os menos bons ...
E então diz a lenda:

«Há muitas centenas de páginas em torno da lenda do castelo de Arouce ou, se quisermos, do castelo da Lousã. As mais delas são páginas eruditas tentando aproximar-se de uma narrativa popular. No Arquivo Nacional da Torre do Tombo, por exemplo há um documento que contém a lenda da fundação deste castelo. Ligeiramente modernizado o texto antigo de Frei António Brandão, sigamo-lo:
Dizem que el-rei Arouce determinado em ir pessoalmente, e passar a África pedir socorro (ou fosse a Cartago com quem teria aliança e amizade, ou outro reino) contra seus inimigos, que via estar de assento, e cobrar seu reino, que fortificou e proveu o melhor que pôde o castelo que tinha edificado quase nas entranhas e coração de umas serras, entre vastíssimos e cerrados arvoredos, e que com muito segredo meteu nele a Princesa Peralta, sua filha, com outra gente escolhida de sua casa, e com muita parte de seus tesouros, lançando fama de seu caminho, fingindo levar consigo sua filha, parecendo-lhe ficava nele bem segura, visto que os inimigos não procuravam entrar pela terra dentro, e contentarem-se com o do mar, assim por no castelo ser forte, respeito daqueles tempos, e metido no mais escondido da serra, e fechado com tantos bosques, como também por estar quase feito ilha, cercado de uma ribeira muito fresca, a qual também como o dito castelo do nome do dito Rei se chamou depois a ribeira de Arunce, e agora de Arouce. E querem dizer que para maior segurança de seus receios e temores de deixar assim ali sua filha e tesouros e com eles o coração, fez encantar o dito castelo com todos os tesouros que nele deixou, fora do que deixou à Princesa, sua filha para seu gasto, e dos que devia de levar, os quais algum dia os achará quem tiver essa dita. E com isso se partiu el-rei Arunce em demanda de sua pretensão; e bem se pode cuidar qual iria. Mas dele não tratarei por ora, por vos contar da Princesa sua filha, a qual ficou com tantas saudades, e com tantas lágrimas, e com muitos roncos com o íntimo da sua desconsolação...
Não há muito tempo, um historiador local explicava ter sido o velho Miguel Leitão de Andrade o primeiro a contar a embrulhada (também esta!) lenda envolvendo o rei Arouce, saindo derrotado de Conímbriga – que hoje é Condeixa-a-Velha -, e veio meter nesta pequena fortaleza sua filha, a bela Peralta e os seus haveres. E, despachado isto, regressou às batalhas. Ora em Évora vivia Sertório que projectava dar o golpe do baú à princesa Peralta. Nesse sentido mandou um homem chamado Estela a Arouce. E este, em vez disso, terá namorado a princesa...
E reza a lenda, esta ou outra que com ela se cruza, que a princesa Peralta acabou por abandonar aquele seguro castelo, transformando-se “em ribeiro de muito caudal e de muita água, pelo que, como princesa, o ficasse sendo também das outras ribeiras”...
[V.M., pg. 129]

Creio também que não ficará mal lembrar os «azeiteiros», muitos oriundos dessa região e que durante muitos e muitos anos percorreram as nossas estradas e os nossos caminhos. Quem se lembrará hoje desses homens que vendiam os azeites e vinagres ao quartilho? E dos seus carros adaptados para essa função?... Figuras quase lendárias!...

Manuel

Um artigo de Anselmo Borges, no DN


O HOMEM:
CRIADO À IMAGEM DE DEUS?


Parece estender-se cada vez mais a tentação de pensar que o Homem é um animal entre outros. Se diferença houvesse, não seria essencial e qualitativa, mas apenas de grau.
Mas quem anda atento reconhecerá com certeza que a diferença entre o Homem e os outros animais não é apenas de grau, mas essencial e qualitativa. Pelo menos, é preciso manter a pergunta
Também o Homem é corpo, mas um corpo que fala e que diz eu. Ora, um corpo que produz sons duplamente articulados, portanto, transportando sentido, é um corpo que transcende a animalidade.
Que o Homem não fica submerso na instintividade da vida prova-o o facto de, por exemplo, ao contrário do animal, no domínio da sexualidade, ser capaz de pesar razões, abster- -se, pensar no que é melhor para si e para o parceiro, ter inventado o erotismo e também a pornografia, procurar técnicas anticonceptivas. Aí está a liberdade, a moralidade e, consequentemente, a responsabilidade. Pelo menos até certo ponto, o Homem é senhor de si e dos seus actos.
O Homem é capaz de renunciar à satisfação imediata dos seus impulsos: é "o asceta da vida", escreveu Max Scheler. Por isso, é capaz de jejuar e ergueu, por exemplo, um edifício jurídico-penal, para evitar a vingança cega, dirimir diferendos, não fazer justiça pelas próprias mãos.
Quando vemos um animal sentado, de olhos fechados, com a cabeça entre as mãos ou encostada à mão direita, estamos em presença de um Homem que medita. Está ensimesmado, entrou dentro de si próprio, desceu à sua intimidade, submerso na sua subjectividade pessoal.
Não vivo longe de um aeroporto, e reparo, quando passeio pela praia, como os cães vadios da zona se põem a correr na areia, atrás das sombras dos aviões que se apressam para a pista. Cá está: o animal vive da imediatidade dos instintos e o mundo para ele é fundamentalmente um conjunto de estímulos, que atraem ou repelem. O Homem, ao contrário, dada a sua capacidade de distanciação, vive no real: é um "animal de realidades", repetia Zubiri.
O Homem "começou a ser Homem intentando criar beleza", escreveu o filósofo Pedro Laín Entralgo. O Homem não vive amarrado e encerrado na satisfação das suas necessidades vitais. Ele transcende o simplesmente biológico, criando cultura. E vive do gratuito: cria e contempla a beleza, pois é o ser "criativamente possuído pelo fascinante esplendor do inútil" (G. Steiner). Para sobreviver, não precisava de investigar na mecânica quântica. O que ganha no tempo dedicado aos mortos? No entanto, o tempo que gastamos inutilmente com os mortos!...
Os animais também comunicam. Mas nunca um animal fez perguntas. O Homem é o animal que pergunta. E perguntar coloca-nos na perplexidade, pois implica ao mesmo tempo saber e não saber. Se perguntamos é porque não sabemos, mas sobre aquilo de que nada sabemos não perguntamos. Afinal, o que sabemos, quando perguntamos? Na pergunta, o que se mostra é o imostrável. No perguntar, o Homem revela que é o ser do intervalo - entre o finito e o infinito - e que está ligado ao Transcendente, pelo menos como questão.
O Homem é um ser paradoxal. Somos bípedes sanguinários, capazes de sadismo feroz. Inventamos máquinas de guerra brutal e instrumentos de tortura indizível. Pilhamos, massacramos, somos de uma ganância ilimitada, de uma vulgaridade ridícula, de um materialismo rasteiro. No entanto, como escreveu o agnóstico George Steiner, "este mamífero desgraçado e perigoso gerou três ocupações, vícios ou jogos de uma dignidade completamente transcendente. São eles a música, a matemática e o pensamento especulativo (no qual incluo a poesia, cuja melhor definição será música do pensamento). Radiantemente inúteis, estas três actividades são exclusivas dos homens e das mulheres e aproximam-se tanto quanto algo se pode aproximar da intuição metafórica de que fomos realmente criados à imagem de Deus".
É por isso que, apesar dos avanços das ciências humanas, da genética, das neurociências, que devem ser maximamente promovidos, permanecerá, íntegra, a pergunta: o que é o Homem?