sábado, 4 de dezembro de 2021

O enigma do tempo e a eternidade no instante

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias



1- Uma característica essencial do ser humano é que conjugamos os verbos no passado, no presente e no futuro.
Há quem julgue que a salvação está no passado. Há sempre os saudosistas do passado: antigamente é que era bom. É a saudade do Paraíso perdido. Também há aqueles que não querem preocupar-se nem com o passado nem com o futuro. O que há é o presente, o aqui e agora, o agora a que se segue outro agora: a salvação consiste no amor e fruição do presente. Depois, há os sonhadores e os ascetas. Fogem do agora, para refugiar-se no amanhã. Nunca estão no presente, pois a sua morada é só o futuro...
Ora, pensando bem, se, por um lado, não podemos instalar-nos no passado, por outro, ninguém pode abandonar o passado, como se fosse sempre e só o ultrapassado. De facto, quando damos por nós, já lá estamos, o que significa que vimos de um passado que nem sequer dominamos. E temos de aprender com o passado, para, a partir dele, nos decidirmos no presente.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Por um novo estilo de vida. O Senhor virá

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo II do Advento - Lc 3, 1-6

Rio Jordão 

Chega-nos, vindo das margens do Jordão, um apelo forte a um novo estilo de vida para ver a salvação de Deus. É seu arauto João Baptista, o profeta precursor de Jesus. A sua voz surge como um grito de alarme, um convite à mudança de modos de vida, um apelo a transformações radicais. E, junto ao rio, vai clamando em linguagem telúrica e metafórica: Endireitai o que está torto, alteai vales, abatei montes e colinas, aplanai arestas escarpadas, alinhai veredas e preparai o caminho do Senhor.
Esta mensagem interpelante recebe-a João, de Isaías e serve de pórtico de entrada à missão de Jesus. É mensagem de urgência inadiável. “Está em jogo” a salvação que Deus oferece a quem a receber e for coerente, salvação que será vista por toda a criatura. Jesus confirma o alcance da pregação de João e abre-lhe horizontes inovadores. A comunidade cristã credibiliza o seu testemunho na medida em que lhe for fiel. Cada um de nós será autêntico discípulo se adoptar o estilo de vida correspondente.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Estudo dos abusos de menores na Igreja vai avançar

Pedro Strecht coordena Comissão Independente
para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) informou que Pedro Strecht vai ser o coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja. No dia 2 de dezembro, o médico de psiquiatria da infância e adolescência vai apresentar a Comissão por si constituída, bem como os princípios orientadores do trabalho a desenvolver a partir do início de janeiro de 2022. O Presidente da CEP, D. José Ornelas (Bispo de Setúbal), estará na sessão para fazer a apresentação do Coordenador. A decisão de criar uma comissão independente foi tomada pela Conferência Episcopal Portuguesa na última Assembleia Plenária, que decorreu entre os dias 8 e 11 de novembro, em Fátima.

Deus criou-nos livres

Só há liberdade humana neste pressuposto: o pressuposto de que podemos negar Deus. Ele não nos criou para sermos servos acríticos e geneticamente impossibilitados de negar Deus, não. Ele não nos criou como robôs incapazes de negar o dono. É esta a dimensão do seu imenso amor por nós: criou-nos livres e, por isso, Ele submete-se, desde o início, à possibilidade de ser negado pelas suas criaturas.

Henrique Raposo
Rádio Renascença,
26-11-2021

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

1.º de Dezembro - versão do meu professor da escola da Cambeia



Será que os nossos jovens sabem o que se celebra hoje? Nas escolas de vários graus de ensino ainda se fala desta data marcante da nossa identidade e do sentido de portugalidade para os tempos que correm? Ou o 1.º de Dezembro não passa de um dia como outro qualquer, neste caso sem aulas e sem trabalho?

Permitam-me que apenas sublinhe o que aconteceu neste dia do ano de 1640, segundo a versão do meu professor primário. Portugal estava há 60 anos (1580-1640) sem rei português. Por questões dinásticas, o Rei de Castela também era o soberano do nosso país. Tinha em Portugal uma senhora, duquesa de Mântua, que o representava. E à volta dela uns tantos que a bajulavam, nomeadamente, Miguel de Vasconcelos, tido, na altura, por traidor à Pátria Portuguesa. O descontentamento era geral. Então um grupo que ficou para a história como os Conjurados, estudou uma estratégia para, num golpe rápido, acabarem com a farsa. Quando lhes perguntaram o que é que se passava, terão dito que iam ao paço tirar um rei e pôr outro no seu lugar.
Assaltaram o paço, cortaram o pescoço ao traidor e atiraram os seus restos mortais pela janela. A duquesa, boquiaberta, terá perguntado: — O que é isto, portugueses? E a resposta também terá sido esta: — Cale-se e saia por aquela porta, se não o fizer vai já pela janela, como foi o traidor Vasconcelos.
Entretanto, um arauto foi a Vila Viçosa anunciar ao Duque de Bragança que era o novo rei de Portugal. O Duque, que estava a ouvir missa, ficou atarantado e saiu apressado. E o povo que na mesma missa estava, vendo a sua pressa, saiu para saber o que se passava. E, pelos vistos, logo ali o aclamou como rei de Portugal. Veio a ser D. João IV.

Nota: Esta  história, mais ou menos, foi-me contada na minha Escola Primária, a escola da Ti Zefa, cujo edifício virou garagem de bicicletas. O meu saudoso professor, Manuel Joaquim Ribau, vivia esta história como poucos.

Um poema de Tolentino Mendonça


O  QUE TE PEÇO, SENHOR, É A GRAÇA DE SER 

Não te peço mapas, peço-te caminhos.
O gosto dos caminhos recomeçados,
com suas surpresas, suas mudanças, sua beleza.
Não te peço coisas para segurar,
mas que as minhas mãos vazias
se entusiasmem na construção da vida.
Não te peço que pares o tempo na minha imagem predilecta,
mas que ensines meus olhos a encarar cada tempo
como uma nova oportunidade.
Afasta de mim as palavras
que servem apenas para evocar cansaços, desânimos, distâncias.
Que eu não pense saber já tudo acerca de mim e dos outros.
Mesmo quando eu não posso ou quando não tenho,
sei que posso ser, ser simplesmente.
É isso que te peço, Senhor:
a graça de ser nova.

Texto: José Tolentino Mendonça
Imagem: Rui Aleixo


Sem rumo




Será que da pandemia poderemos colher ideias novas? Tenho para mim que sim. Para já, admito que aprendi a importância de andar por aí ao deus-dará. Sem rumo definido, sem norte, como se dizia noutros tempos, sem pressas de regressar a casa, sem objetivos definidos, mas andar. Há dias fizemos isso. Porque era preciso caminhar, porque era importante desentorpecer os membros perros.   
Saímos sem metas à vista. Parávamos onde calhava para desfrutar o silêncio. Olhávamos o horizonte sem olhar o relógio. Estávamos por ali. Conversávamos por vezes para não estarmos calados. A Lita reparava nos que nem dos carros saíam. Nós fomos os únicos que enfrentámos a aragem húmida e fresca da maresia, que apreciámos os pescadores solitários da ria e que assistimos à chegada com partida logo depois do ferry-boat “Cale de Aveiro” que faz regularmente a ligação  a São Jacinto. Naquela viagem de poucos carros e pouca gente, o ritual da atracação e partida foi feito com serenidade e saber.  Ontem como sempre, naturalmente.