terça-feira, 11 de julho de 2017

Padre Manuel Joaquim Rocha é o novo Vigário Geral da Diocese de Aveiro


«O vigário não tem agenda própria, mas a do seu bispo.» Esta terá sido a primeira reação do padre Manuel Joaquim Rocha, pároco da Vera Cruz, ao saber da sua nomeação para o cargo de Vigário Geral da Diocese, substituindo Mons. João Gaspar que ocupou tal missão durante cerca de 30 anos, e o padre Georgino Rocha, pró-vigário-geral.
A tomada de posse teve lugar no passado dia 7 de julho, sexta-feira, na Eucaristia de encerramento do retiro dos presbíteros, que se realizou na Casa Diocesana de Nossa Senhora do Socorro, em Albergaria-a-Velha. Presente parte do presbitério de Aveiro e vários amigos do padre Rocha, que quiseram associar-se ao momento da assunção de responsabilidade de um sacerdote, que passa a ser o mais próximo colaborador do Bispo de Aveiro, D. António Moiteiro. O prelado aveirense fez questão de informar que a nomeação do novo Vigário Geral da Diocese surgiu na sequência de consulta aos padres que exercem o seu múnus sacerdotal na Igreja Aveirense.
«Confio que o Deus de Jesus Cristo me vai ajudar nesta nova missão e que Nossa Senhora do Socorro ou da Apresentação me continuarão, de braços abertos, a oferecer o Filho ou a acolher o peregrino, e que os meus pais, lá do alto, continuarão a velar por mim», frisou o já Vigário Geral. E sublinhou que confia «na ajuda de todos: padres, diáconos, consagrados e leigos, mas, em especial, «na ajuda e incentivo dos meus irmãos padres». «Sois – somos – uma peça fundamental em todo este trabalho. Mais velhos ou mais novos, doentes ou com saúde, conto muito convosco», adiantou. 
Além de pároco da Vera Cruz, com todas as tarefas que lhe são inerentes, o padre Rocha é juiz do Tribunal Diocesano.


Conheço o padre Rocha há décadas e dele destaco a sua capacidade de diálogo e o dom de saber escutar. Firme na defesa da fé que o anima, é um homem de causas e corajoso na hora de decidir. Realço ainda a alegria que manifesta no dia a dia, cultivando um espírito de convivência fraterna. E é, sobretudo, um homem capaz de construir pontes, ou não tenha andado ele pelos canais da Vera Cruz, e de criar consensos, mesmo quando as alianças se partem. 
Daqui lhe envio os meus parabéns por ter acolhido, com a alma aberta,  novas missões, na certeza de que poderá contar com as orações de todos os diocesanos. 

Fernando Martins

João Gaspar — Nos 150 anos da abolição da Pena de Morte

 
Para memória futura, importa conhecer e compreender que a abolição da Pena de Morte, em Portugal, contou com a intervenção de aveirenses ilustres e determinados, autênticos paladinos da vida. João Gaspar, Monsenhor para os aveirenses, dá-nos conta de uma figura que marcou indelevelmente a cidade de Aveiro e sua região, Mendes Leite, bem retratado nesta transcrição:
«O Dr. Manuel José Mendes Leite, a quem foi prestada uma das maiores consagrações nacionais em 18 de maio de 1884, três anos antes de morrer, repousa no cemitério central de Aveiro, em túmulo de mármore, encimado por uma coluna que sustenta a chama simbólica que consumiu a sua vida inteira; o epitáfio, da pena de Marques Gomes, sintetiza o carácter de um grande aveirense: – “Combateu e sofreu pela Liberdade, nas batalhas, nas emigrações, no parlamento e na imprensa; serviu bem a Pátria como soldado, legislador e funcionário; foi seu timbre o desinteresse; viveu e morreu sem honrarias”.»


Aveirenses – Paladinos da vida 
Nos 150 anos da abolição da pena de morte


«A pena de morte, apesar de se encontrar nos costumes das mais antigas civilizações, tem sido frequentemente questionada. Uns negam a sua legitimidade, apoiando-se nas razões de Santo Agostinho (354-430): – a) a vida é um bem tão precioso que só Deus pode dispor dele; – b) uma vez executada a sentença judicial, se posteriormente se vier a concluir ter sido errada, já o mal não se pode reparar; – c) com tal pena não se alcança o bem do delinquente, que é a sua correção. Outros, pelo contrário, julgam-na como racional, fundamentando-se nos argumentos de S. Tomás de Aquino (1224-1274) e de Francisco de Vitória (1492-1546): – a) a legítima defesa do Estado e da Sociedade; b) o impedimento da prática de certos crimes.»

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Georgino Rocha — A Alegria do Amor - Tesouro em Vasos de Barro



O amor de Deus misericórdia surge como núcleo central na vida e no agir do Papa Francisco. É um amor que se reflecte, com intensidades diversas, em cada pessoa e na humanidade, em cada criatura e na criação, em cada discípulo missionário e na Igreja em conversão pastoral. O rosto deste amor dinâmico fica “plasmado” na simplicidade do viver quotidiano e das homilias na missa celebrada na Casa de Santa Marta, nos gestos proféticos e nos documentos escritos, sobretudo a “A Alegria do Evangelho”, o “Rosto da Misericórdia”, o “Louvado Sejas” e a “A Alegria do Amor”.

O estilo e a proposta do Papa têm despertado, de modo geral, a simpatia da sociedade civil, sobretudo da comunicação social e de alguns fóruns políticos e económicos, o acolhimento entusiasta pelo conjunto da Igreja, a correspondência lógica por muitos sectores da vida missionária e a discreta anuência de minorias que chegam a manifestar-se como oposição. Estou convencido da urgência de ir avivando a memória comunitária para esta riqueza reformista e para a arte pastoral que exige a harmonia de tesouro tão sublime estar entregue a vasos de barro, sempre frágil, apesar da qualidade da moldagem e cosedura. Limito-me à “A Alegria do Amor”, recorrendo ao meu bloco de notas em que fui apontando algumas referências, após a sua publicação, a 19 de Março de 2016; notas que serão continuadas proximamente.

“O significado do matrimónio cristão e o anúncio da sua beleza pela Igreja não mudaram”, afirma o Cardeal Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida; mas “devem mudar a pastoral, o cuidado, a atenção da Igreja em relação às famílias, especialmente as mais necessitadas de ajuda, de apoio e de acompanhamento”. E aduz como razão principal a melhor compreensão do sentido de crescimento e aprofundamento destas realidades e a evolução do contexto sociocultural envolvente.

Esta observação pertinente aponta claramente o que está em causa: O evangelho do matrimónio sacramental e da família cristã, que a Igreja quer anunciar com fidelidade crescente numa sociedade plural, e o realismo das situações que não param de surpreender e de interpelar. A fragilidade reveste-se de muitos rostos e as “feridas” de muitas cicatrizes. A Igreja assume-se cada vez mais como mestra, e sobretudo como mãe e samaritana, companheira solícita nos caminhos da humanidade. E Farrel evoca a memória de João XXIII que, em relação ao Concílio Vaticano II, dizia: “Não é o Evangelho que muda; somos nós que o entendemos cada vez melhor.

“A Alegria do Amor” corre um sério risco: o de ficar reduzida ao problema do acesso à comunhão eucarística dos divorciados recasados; seria como a “A Vida Humana” de Paulo VI que, quase só, é lembrada pela questão da pílula ou da contestação surgida por um sector aguerrido. E esta encíclica do Papa Montini tem um riqueza extraordinária que o Papa Francisco cita várias vezes; riqueza complementada com a mensagem dirigida às Equipas de Nossa Senhora e por elas à Igreja, em 1970, em que desenvolve a pedagogia do acompanhamento pastoral. Sem este, não há “revolução do amor” que tenda para a sua plenitude: ser sacramento do amor de Jesus Cristo pela Igreja, pela humanidade.

As famílias “não são um problema, são principalmente uma oportunidade”, garante o Papa Francisco aquando da sua viagem apostólica a Cuba. Oportunidade de contemplar o sonho de Deus configurado na alegria do amor humano, em todo o seu esplendor e em todas as suas “noites” sofridas e amargadas. Oportunidade de reexaminar a atenção amiga, não abusiva, de quem está próximo e começa a viver tensões difíceis no relacionamento conjugal, de quem é chamado a ser mediador/conciliador (se possível), de quem, por missão apostólica, tem a incumbência de acolher, acompanhar e integrar os que desejam sinceramente apoio para o seu caminhar e sentido para as suas buscas e canseiras. Oportunidade que é compromisso em todos os níveis da organização da Igreja.

As questões canónicas do matrimónio devem ser tratadas pela via jurídica, segundo as normas do direito canónico; e as questões de consciência por via do discernimento, diante de Deus, em oração e em diálogo de acompanhamento pastoral. Esta afirmação inspira-se na “Alegria do Amor”, n.º 300 e é da autoria de Juán Massiá, teólogo e padre jesuíta,

Felizmente alguns passos se têm dado neste sentido. Mais visíveis no campo jurídico do que no da pastoral. Mas a realidade clama por maior atenção e diligência. Sobretudo a situação dos que se encontram na situação de casados de novo civilmente e querem progredir na integração eclesial e viram declarada inconsistente a sua pretensão de nulidade sacramental.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Revista Saúda para ler todos os meses



Nas farmácias, está sempre à disposição das pessoas a Revista Saúda, editada pelas Farmácias Portuguesas. É mensal e custa dois euros, mas, pelo que tenho visto, é oferecida mês a mês a todos os clientes. Como é natural, os leitores inveterados ou os simples curiosos pelas questões da saúde aproveitam a oferta. Só fazem bem, porque, para além de muitas informações sobre medicamentos, a revista também nos brinda com textos muito bem elaborados e esclarecedores do que a todos interessa, no respeitante a uma vida saudável e feliz. 
A Revista Saúda tem excelente aspeto gráfico e dá aos seus leitores conselhos pertinentes porque, julgo eu, todos temos muito que aprender no dia a dia sobre uma educação para a saúde, pois que, o que hoje sabemos amanhã já pode estar ultrapassado. E não é verdade  que o saber, segundo o ditado, não ocupa lugar?
Além das informações próprias dos farmacêuticos, a Revista apresenta-nos, com regularidade, exemplos extraordinários de vidas exemplares, que são outros tantos motivos para nos sentirmos bem connosco próprios, mas também servem de estímulo para ultrapassarmos pessimismos que emperram as nossas caminhadas na vida, rumo à felicidade a que todos temos direito. 
Na Revista Saúda deste mês de julho, destaco, entre outras rubricas saborosas, os “Heróis Saúda”, que nos conta a história de uma médica do outro mundo. Por favor, leiam aqui. E depois digam se vale a pena ou não acreditar no futuro e ter esperança num mundo melhor. 

Fernando Martins

domingo, 9 de julho de 2017

Danças e cantares no festival da Gafanha da Nazaré






Aspeto da assistência 

Acácio Nunes e Miguel Almeida, conselheiros da FFP
«Qualquer turista que venha à cidade de Aveiro dá a sua voltinha de moliceiro e depois vem para o município de Ílhavo, em especial para as praias da Barra e Costa Nova, para apreciar o Farol mais alto de Portugal e as Casinhas às Riscas», afirmou o presidente da Câmara, Fernando Caçoilo, na abertura do XXXIV Festival de Folclore da Gafanha da Nazaré, que se realizou no sábado, 8 de julho, na “Casa Gafanhoa”, habitação de lavrador rico dos anos 20 do século passado. A atuação dos grupos aconteceu no Jardim 31 de Agosto, com desfile por volta das 21 horas, tendo por cenário a “Casa Gafanhoa”. 
A organização do Festival pertenceu, como desde a primeira hora, ao Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré, cujo presidente, Alfredo Ferreira da Silva, saudou os grupos convidados, oferecendo-lhes lembranças e votos de boa estada entre nós. 
José António Arvins, secretário da Junta de Freguesia, manifestou o desejo de que os visitantes se sintam bem na nossa terra. «Desfrutem de cada momento que vão passar entre nós, e mais logo, quando regressarem às vossas terras, levem convosco boas recordações da Gafanha da Nazaré.» Ainda felicitou o GEGN «pela sua já longa história e pela forma cuidada e fiel com que tem preservado os usos e costumes, promovendo-os e divulgando-os». 
O XXXIV Festival de Folclore contou com a participação, para além do grupo anfitrião, dos ranchos de Santa Maria da Touguinha, Vila do Conde; Folclórico de Cabeça Veada, Porto de Mós; “Os Camponeses” de Malpique, Constância; e Folclórico Rosas do Lena, da Batalha. Atuaram a partir das 22 horas  no tablado montado no Jardim 31 de Agosto para agrado dos que apreciam as tradições etnográficas de terras diversas, sobressaindo os trajes, danças e cantares apresentados por Miguel Almeida, conselheiro da Federação do Folclore Português (FFP), instituição que congrega mais de 300 grupos e ranchos. 
Na Casa Gafanhoa, o autarca ilhavense frisou a importância destes festivais que nos permitem conhecer outros usos e costumes do nosso país, desde o litoral até ao interior, mas não deixou de lembrar que o município de Ílhavo é hoje mais marítimo, com «gente que se habituou no passado à pesca do bacalhau, que teve uma importância vital». «Nesta terra, em que os homens iam para a pesca do bacalhau, as mulheres ficavam a tratar dos filhos e das terras, transformando o areal em terra de cultivo». Presentemente, sublinhou Fernando Caçoilo, «semear e plantar é coisa do passado», apresentando-se a Gafanha da Nazaré muito mais urbanizada. 
Dirigindo-se mais aos visitantes, adiantou que o GEGN «tem sido uma referência na área das nossas tradições», apesar de ser uma freguesia muito recente, com pouco mais de 100 anos».
Miguel Almeida, que apresenta o Festival de Folclore da Gafanha da Nazaré há mais de 30 anos, disse que os grupos e ranchos filiados na FFP «não têm outros remédio senão responder às exigências da federação», adiantando que «está em curso uma “vigilância” por parte dos conselheiros, os quais avaliam os grupos filiados constantemente, de forma pedagógica». Quando há desvios, os referidos conselheiros «vão chamando a atenção, no sentido de se proceder às correções devidas, porque é preciso primar pela qualidade». Contudo, afiançou que tem havido sempre diálogo até se atingir o consenso. E sobre o surgimento de novos grupos, confirmou que têm aparecido alguns, mas reconhece que «manter os que existem já é um ato heroico». 

Fernando Martins

Frei Bento Domingues — O desemprego eclesial dos cristãos

José Augusto Mourão


1. No passado dia 29 de Junho, foi apresentada, no Convento de S. Domingos (Lisboa), a Obra Seleta do dominicano José Augusto Mourão — O Vento e o Fogo; A Palavra e o Sopro; O Espelho e o Eco [1] —, coordenada por J. Eduardo Franco. Desta selecção resultou um volume de 1590 páginas, primorosamente editado pela Imprensa Nacional, que mostra a abrangência polifacetada e original da sua escrita.
Trata-se de uma realização singular da interacção do trabalho académico e da intervenção cultural, fora dos espaços confessionais, em ligação com a tarefa de alterar as rotinas instaladas, em nome de uma falsa ortodoxia, no campo litúrgico e teológico. O seu empreendimento, na adaptação e criação de expressões poéticas e musicais para as celebrações da fé cristã, resulta de um profundo conhecimento das respectivas tradições orientais e ocidentais. Não se confunde com a ignorância atrevida, nem com o falso respeito do que sempre assim foi e porque sim! Nele, a tradição provocava constantes inovações. A fé era recebida como “alteração alterante”. Confessa num poema musicado da juventude: “Creio em Ti porque isso mudou a minha vida.” Fez, numa entrevista, a sua apresentação: “Sou dominicano, antes de mais. Sou professor universitário, a seguir. Ensino Semiótica e Hiperficção e Cultura, na Universidade Nova de Lisboa. Sou também presidente do Instituto S. Tomás de Aquino. Mas sou fundamentalmente um leitor que ensina, que investiga e que escreve.”
Ao responder à pergunta sobre o que o levou a escrever livros, foi muito directo: “A Academia avalia, e um dos critérios da avaliação é o que se produz em termos de ensaios, conferências, participação em congressos. Escrever, neste caso, é uma obrigação profissional. Escrever textos sobre Deus decorre do meu próprio estatuto de ‘teólogo’. Tenho uma licenciatura canónica em teologia, antes de mais. Escrevi textos sobre ‘A enunciação poética de Deus’, por exemplo, mas muitos outros sobre ‘Liturgia e estética’, ‘O espaço dos mosteiros’, por exemplo.” Como dizia António Machado, a alma do poeta orienta-se para o mistério.
J. A. Mourão escrevia em resposta “a um sopro, a um Dito, a um apelo. Distingue poesia (em absoluto) e ‘textos para rezar’, que são textos de circunstância, utilizados em ambiente litúrgico”.
Sobre o papel da Sagrada Escritura no seu trabalho, como escritor, é luminoso: “A Palavra de Deus é primeira em relação à palavra que trocamos entre nós: não dispomos dela. Não há cristão que não obedeça à Palavra. Não como enunciado morto, mas como provocação, interacção. A Palavra não é monolítica, mas multidiversa: é cada um que, ao recebê-la, a ‘aplica’ a si e ao mundo em que vive. Não escrevo a partir da ‘angústia da influência’, mas da liberdade dos filhos que entre si partilham o que lhes é comum. A Palavra dissemina-se em nós como um campo que Deus trabalha.”
A poesia não procura efeitos práticos: “O poeta escreve por escrever. Como a rosa é sem porquê. Não sou um escritor militantemente cristão. Testemunho no dom que recebi de dar à Palavra um lugar alto, não rotineiro, não vulgar. Nem romano. No caso dos textos para rezar, se os escrevo é para os rezar com. Não é viver, viver com?” [2]
Conheci este poeta em Vila Real, onde fui pregar, em 1962, durante oito dias, na Sé, Igreja de um antigo convento da Ordem dos Pregadores. Ainda seminarista, convidou-me para uma palestra na Academia Missionária. Passou depois pelo Seminário do Porto. Incómodo para o Bispo de Vila Real, foi convidado como missionário leigo pelo Bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto. Passados dois anos foi recambiado para Portugal pela PIDE, ao ver que ele não se resignava à situação maltratada da população africana.
No Porto, sentiu-se reconhecido por frei Bernardo Domingues e por Frei Mateus Peres. Foi estudar para Toulouse, Lyon e Paris. Fui pregar à sua Missa Nova. Morreu em 2011.

2. O acontecimento marcante na reforma da Cúria Romana foi a não recondução do Cardeal Müller, como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Quem andar alheado das movimentações vaticanas reagirá de forma muito displicente: rei morto, rei posto. Desaparece um, vem outro. Não há vazio de poder. Isto significa que ainda não se compreendeu o desígnio do Papa Francisco.
Não tenho de pôr as mãos no lume pelo novo Prefeito, o bispo Ladaria, com uma carreira que tem todas as marcas de um homem do sistema.
O Papa Francisco nunca atribuiu qualquer infabilidade às suas opções. Se as faz, é para realizar um programa que apresentou, de forma clara, a toda a Igreja. Manter, como Prefeito, o cardeal G. Müller — nomeado por Bento XVI — seria mostrar que, para não ferir susceptibilidades, renunciava às reformas que prometeu. Não esperem isso de Bergoglio. Era inteiramente inaceitável que o Prefeito se servisse do seu cargo para desautorizar, sistematicamente, de forma directa ou enviesada, os caminhos do Papa Francisco. Mostrou-se, no mínimo, um funcionário sem ética profissional. A decisão só peca por tardia. É lamentável que não tivesse tido a hombridade de se demitir.

3. Confesso que não acredito nessa Congregação, herdeira do Santo Ofício. Durante o longo mandato do Cardeal Ratzinger, manifestou-se, em nome de Deus, uma instituição esterilizante do pensamento livre na Igreja. Terá de ser substituída por uma instância que estimule a criatividade cultural da fé cristã, em diálogo com as expressões do pensamento laico e inter-religioso. A fé católica dá muito que pensar e realizar como liturgia, estética e ética no respeito e apreço pela investigação científica. Tem de ser uma fé em processo permanente de inculturação. Isto não significa que vale tudo. Significa que os cristãos têm de desenvolver uma atitude de mútua escuta e mútua interpelação. A Igreja, hoje, conta, a nível local e global, com competências em todos os ramos de vida humana e de inteligência da fé, que precisam de ser activadas.
É lamentável o desemprego eclesial dos cristãos, mulheres e homens.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO 


[1] Direcção e coordenação de José Eduardo Franco, Imprensa Nacional, 2017
[2] Ib., p.1589-1590. O sublinhado é meu. Numa entrevista a Maria João Seixas, que também figura neste volume, explicita as opções do seu itinerário, como cidadão, como investigador e professor, como dominicano com responsabilidades no interior da Ordem dos Pregadores, sem confundir ou anular nenhuma destas dimensões, potenciavam-se umas às outras (cf. pp.1577-1587)

sábado, 8 de julho de 2017

Georgino Rocha — Facto Marcante, Hora de Esperança


A Cúria diocesana vive uma hora marcante na sua missão pastoral. A nomeação do novo Vigário Geral, P. Manuel Joaquim Estêvão da Rocha, pelo nosso Bispo, Dom António Moiteiro, constitui o seu rosto mais visível e, ao mesmo tempo, o pulsar do seu novo ritmo. Tudo acontece num instante: leitura do decreto de nomeação, profissão de fé, assinatura. E o selo do abraço a confirmar o assumir das novas funções.
Para este instante se encaminha o processo de auscultação ao presbitério que o Senhor Bispo decidiu tornar indicativa. Para este instante se polariza a oração de tantos amigos da Igreja diocesana, uma vez aberto o caminho de escolha pelo pedido de cessação de funções do senhor Vigário Geral, Monsenhor João Gaspar e do Pró-Vigário Geral, P. Georgino Rocha.
Este facto marcante faz-me revisitar o tempo em que exerci esta e outras funções como cooperador próximo dos Bispos da Diocese. Pude reencontrar a memória agradecida de rostos amigos em tantas paróquias e comunidades religiosas, movimentos e secretariados, instâncias diocesanas e nacionais. Pude rever gestos de atenção solícita de Dom Manuel de Almeida Trindade, de Dom António Marcelino, de Dom António Francisco e de Dom António Moiteiro. Pude sentir, mais uma vez, o sorriso brilhante de tantos colegas que, do seio de Deus, me acenam e iluminam. Pude acolher de novo, como em súplica insistente, a voz de quem sofre e não vê saída airosa para a sua situação, de quem quer caminhar na vida, mas anda à procura de sentido que valha a pena, de quem não pactua com uma sociedade “líquida” e não dispõe de um ponto firme nem de apoio inabalável para a sua fé, as suas lutas e canseiras, de quem sonha com uma família estável, mas a realidade “fala” mais alto e não cessa de surpreender.
A nomeação do novo Vigário Geral ocorre ainda no ano pastoral dedicado à esperança, integrado no triénio da misericórdia que nos propusemos viver com alegria. É o momento de reganhar a esperança que nos é proposta, tendo já como horizonte próximo a caridade operativa. Esta feliz coincidência não será certamente fortuita, mas providencial, pois como reza o lema original da nossa Diocese: “Amar a Deus é servir”. E servir por amor é certamente a melhor expressão do culto a Deus, da liturgia do Senhor e da acção do Espírito Santo que, por meio da Igreja, incessantemente nos renova e cuida da casa comum da nossa humanidade.
Que Maria, a Senhora da Misericórdia, e Santa Joana, a amiga dos pobres e a defensora da liberdade de consciência, velem com solicitude pela nossa Igreja diocesana em saída missionária e alcancem de Deus uma especial bênção para o novo Vigário Geral no desempenho das suas funções.


Maria Donzília Almeida — Dia do Amigo


Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo»
é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

Alexandre O'Neill

“Possuir um amigo é ser dono de um tesouro! “ Esta parece ser, para o senso comum, quase uma verdade do Sr lapalisse, dada a evidência do significante. Na realidade, este conceito reveste-se de tal importância e significado, que a língua portuguesa dispõe de várias expressões para o designar. Assim, temos:

amigo do peito,
amigo do coração, 
amigo de Peniche,
amigo da onça,
amigo presente,
amigo ausente...

Há também os amigos do alheio, que proliferam, na era moderna, como ratazanas em tubos de esgoto, et cetera!
Como “A língua é um processo dinâmico que acompanha o evoluir do homem...!” Cf “Língua e Costumes da Nossa gente”, vai-se adaptando à evolução social e incorpora, no seu léxico, novos termos que traduzem essas mesmas alterações. A semântica também acompanhou a mudança e, a palavra amigo adquiriu outras nuances, outras tonalidades – amigo colorido! Este veste-se de qualquer roupagem e satisfaz o desejo de requinte de qualquer freguês(a)! Tal como o Ambrósio, do ferrero rocher!
É uma invenção desta era e já remonta aos finais do século XX, sem data precisa da sua “inauguração”! A estrutura social evoluiu e assim, a amizade se revestiu de novas nuances, para se manter, sempre, up-to-date!
É uma espécie de amigo polivalente, um pau para toda a colher. Está sempre ali, disponível para o que der e vier, mas sem compromisso algum, para além da amizade, claro! Que é já, um grande vínculo!
Foi esta a explicação que me foi dada, mas não sei se percebi muito bem! Aqui, sou como os alunos, que, às vezes, têm dificuldade em perceber a matéria nova! Nem sei por que razão me exaspero com eles, se, em situação idêntica, também revelo dificuldades de compreensão! Precisarei de APA? Terei de ser submetida a um Plano de Recuperação, para  vencer as dificuldades de aprendizagem? Ou será um Plano de Acompanhamento, agora no final do ano? Ou ainda...um Plano de Tutoria? Aqui, os meios determinam o fim, ou seja, a transição de ano, que é o cumular do sucesso educativo! Aquilo que é mais grato para a tutela!
Bem, é melhor deixar o assunto para o próximo ano letivo, já que os professores têm direito às suas merecidas férias! Deixemo-los desanuviar, que bem merecem!
Acho que, se compreendi...e dada a dificuldade em encontrar mão-de-obra (!?)
especializada...toda a gente deveria gostar de ter um Amigo Colorido!?
Passo a refletir sobre a verdadeira amizade:
Muitos são os amigos que fazemos ao longo da vida, mas só ficam os verdadeiros. Os outros são colegas, de profissão, de trabalho, de equipa.

Ser um amigo:

• É mais que abraçar. É passar num abraço todo o amor e carinho.
• Não é estar presente em todos os momentos, mas fazer-se presente quando
necessário.
• Mais do que ser otimista, é ser convincente.
• É chorar quando eu choro e rir quando eu rio, não o contrário.
• Não é perdoar tudo. É saber relevar e compreender, quando possível, as falhas dos outros.
• É mais que olhar juntos na mesma direção. É olhar um para o outro e aceitar-se mutuamente, com defeitos e virtudes.
• É preocupar-se com o outro e não se importar de ouvir, quando está pronto para sair, um telefonema a pedir ajuda. E ir mesmo com vontade de ficar, sem se arrepender.
• Ser amigo é ser a esperança de alguém, ser a luz, ser o guia, o protetor.
• Ser amigo é esquecer-se de si e doar-se ao outro, por inteiro.

Termino com as sábias palavras do grande poeta, António Aleixo:

Contigo em contradição,
Pode estar um grande Amigo.
Duvida mais dos que estão
Sempre de acordo contigo!

 08.07.2017

 Mª Donzília Almeida

“Itinerários de A a Z” — Um livro de Manuel Olívio Rocha


“Itinerários de A a Z” é o mais recente livro do nosso conterrâneo e amigo, Manuel Olívio da Rocha, radicado no Porto desde há décadas com a família, O livro, de edição familiar, apresenta-se com inúmeras fotos a preto e branco sobre todos os temas abordados, completando assim uma ronda exaustiva por nações, terras e lugares relacionados com todos os membros dos agregados familiares que tiveram por base a Virgínia Costeia e o Manuel Olívio, ela da Murtosa e ele da Gafanha da Nazaré.
O título diz claramente que a caminhada da Família Costeia da Rocha oferece aos leitores, circunscritos aos avós, filhos, netos e amigos, uma multifacetada e riquíssima mostra ao nível de dados pessoais e referências históricas abrangentes, dignas de nota. Lê-se, pois, com muito agrado e até com curiosidade, por todos  e especialmente por quem, como nós, conhece desde sempre a família, que faz parte do nosso ADN, por banda dos Rochas. 
Este seu trabalho, que vem na senda de outros, anualmente editados, traduz, de forma concreta, a capacidade de trabalho e a rica imaginação do autor, que ano a ano nos surpreende com assuntos interessantíssimos, merecedores, em minha opinião, de divulgação mais ampla, numa perspetiva de estimular obras semelhantes, que a vida de gerações passa, indubitavelmente,  por livros deste tipo. 
A abrir, na rubrica que tem por título PRONTOS?!..., o autor deixa como aperitivo algumas ideias, ao jeito de informação preliminar, para aguçar o apetite. Assim:

À guisa de Escuteiro: SEMPRE PRONTO!
Percorrer “Seca e Meca” 
onde nos levará?
Alguns pontos ficaram perdidos…
Cada um lá voltará.
Todo o material que se expõe 
vem do baú da memória 
e algum encontrado no rabusco.
Que a todos traga boa diversão 
e avive recordações!

E agora é preciso ler e reler, como fizemos, de A a Z, com a garantia de que, em cada letra do alfabeto, há inúmeras curiosidades e informações, algumas das quais tivemos o grato prazer de partilhar, que nos enriquecem, fazendo-nos recuar no tempo e reviver um passado que está em nós como tesouro imorredoiro.
Este é o 28.º caderno de Família. Capa de Domingas Vasconcelos. São 353 páginas A5 com muito para ler. 
Os meus parabéns ao autor e família.

Fernando Martins

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Anselmo Borges — António Nobre e Francisco


António Nobre escreveu um poema. Dedicado ao Papa Leão XIII. É comovente e foi seleccionado por Eugénio de Andrade para a sua Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa. Diz assim:

"Ó Padre Santo! Meu Irmão! Ó meu amigo/Do velho mundo antigo/- Dá-me consolação, e prova-me que há Deus;/Resolve-me a equação estrelada dos céus;/Admite-me ao Conselho amigo dos Cardeais;/Deixa-me ler, também, na letra dos missais!/Muito que te contar! Não conheces o mundo?/Nunca desceste, Padre!, a esse poço profundo?/Metido nessa cela ideal do Vaticano,/Há quanto tempo tu não vês o Oceano?/Nunca viste um bordel! Sabes o que é a desgraça?/Ouviste acaso o "pschut"! delas, a quem passa?/Sabes que existem, dize, as casas de penhores?/No teu palácio, há, porventura, amores?/Viste passar, acaso, um bêbado na rua?/Já viste o efeito que na lama imprime a lua?/Ouve: tiveste já torturas de dinheiro?/Já viste um brigue no mar? Já viste um marinheiro?/Que ideia fazes das crenças dos rapazes?/Já viste alguém novo, Padre? Que ideia fazes,/Santo Leão, do Boulevard dos Italianos?/Recordas com saudade os teus vinte e três anos?/Ó Leão XIII! Ó Poeta, essa é a minha idade!,/Como tu vês, estou na flor da mocidade!,/Ainda não contei metade de cinquenta./Começa-me a nascer a barba, o mundo tenta/A minha alma: ah, como é lindo esse Demónio!/Nasci em Portugal, chamo-me António;/(...) Em pequenino, Padre, ajoelhado na cama,/A erguer as mãos a Deus, ensinou-me a minha ama:/Sabia de cor mil e trezentas orações,/Mas tudo esqueci no mundo aos trambolhões.../Nossa Senhora te dirá se isto é assim!/ - O que há-de ser de mim?"

Se fosse agora, com o Papa Francisco, António Nobre não se queixaria tanto. Porque Francisco não é o Papa da distância, mas da proximidade. Ele não é prisioneiro dentro do Vaticano: ele vai à rua, fala com os sem-abrigo, abraça os doentes e que "se não deve ter medo da ternura", ele sabe de bordéis e ainda recentemente visitou uma casa de antigas prostitutas, já viu bêbados e amparou-os, tem experiência do que é ter torturas de dinheiro e, por isso, ergue-se contra o cancro da corrupção e prega contra a injustiça e o ídolo do dinheiro, sabe das crenças dos rapazes e das raparigas e das suas lutas e demónios e tem e pede aos padres e bispos compreensão para eles e que a confissão não seja "uma câmara de tortura", vê oceanos nas suas viagens pelo mundo em busca do diálogo e da paz entre os povos...

Francisco também sabe das dificuldades da fé. Porque a Igreja anda, como dizia o cardeal Carlo Martini, com duzentos anos de atraso, e a teologia tem sido marginalizada, calada e perseguida. Ele conhece concretamente o que o seu companheiro jesuíta José María Castillo escreveu recentemente sobre o tema: de como as ciências e as tecnologias avançam com novos conhecimentos enquanto a teologia fica entregue ao desalento, tolhida, cada vez com menos interesse, incapaz de responder às novas perguntas, empenhada como está em manter, como intocáveis, alegadas "verdades" que não sabe como é possível continuar a defender. E dá exemplos: "Como podemos continuar a falar de Deus, com a segurança com que dizemos o que Ele pensa e quer, sabendo que Deus é o Transcendente, não estando portanto ao nosso alcance? Como é possível falar de Deus sem saber exactamente o que dizemos? Como se pode assegurar que "por um homem entrou o pecado no mundo"? Vamos continuar a apresentar como verdades centrais da nossa fé o que na realidade são mitos que têm mais de quatro mil anos? Com que argumentos se pode assegurar que o pecado de Adão e a redenção desse pecado são verdades centrais da nossa fé? Como é possível defender que a morte de Cristo foi um "sacrifício ritual" de que Deus precisou para nos perdoar as nossas faltas e salvar-nos? Como se pode dizer que o sofrimento, a desgraça, a dor e a morte são "bênçãos" que Deus nos manda? Porque continuamos a manter rituais litúrgicos que têm mais de 1500 anos e que ninguém entende nem sabe por que razão se continua a impor às pessoas? É mesmo verdade que acreditamos no que nos é dito em alguns sermões sobre a morte, o purgatório e o inferno?" E a lista de perguntas sobre doutrinas estranhas e contraditórias poderia continuar. E as igrejas esvaziam-se. E uma das razões é uma teologia paupérrima, tolhida pelo medo.

Aí está uma das razões por que Francisco tem tantos adversários e mesmo inimigos. E ele o que faz? Para abrir o caminho de uma teologia aberta, depôs o cardeal G. Müller de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e substituiu-o pelo jesuíta L. Ladaria. Continua a ir em frente, procurando pôr em marcha o Evangelho a favor da humanidade. E socorre-se também do bom humor, e todos os dias reza a oração do bom humor, oração de São Thomas More, o autor de A Utopia, que não se esqueceu de levar a gorjeta para o carrasco que ia decapitá-lo. Francisco recomendou-a também aos membros da Cúria Romana, sobretudo aos díscolos:

"Dá-me, Senhor, uma boa digestão e também algo para digerir./ Dá-me um corpo saudável e o bom humor necessário para mantê-lo./Dá-me uma alma simples que sabe valorizar tudo o que é bom/e que não se amedronta facilmente diante do mal,/mas, pelo contrário, encontra os meios para voltar a colocar as coisas no seu lugar./Concede-me, Senhor, uma alma/que não conhece o tédio, /os resmungos,/os suspiros/ e as lamentações,/nem o excesso de stress por causa desse estorvo chamado "Eu"./Dá-me, Senhor, o sentido do bom humor./Concede-me a graça de ser capaz de uma boa piada, uma boa piada para descobrir na vida um pouco de alegria /e poder partilhá-la com os outros./Ámen."

Anselmo Borges no Diário de Notícias de hoje