Crónica de Frei Bento Domingues
no PÚBLICO de domingo
«A devoção que retém as pessoas nas igrejas, nas sacristias,
está a opor-se a um Jesus em viagem para as periferias sociais e culturais.
Foi isto que o papa Francisco veio lembrar: só vale uma Igreja de saída!»
1. Por causa do texto do passado domingo, recebi um telefonema longo, tentando mostrar-me que já não existem deuses, homens ou mulheres que nos possam salvar. O mundo está irremediavelmente perdido. Os cristãos são os mais culpados pela enganosa ideia de salvação. Depois da derrota de Jesus de Nazaré, inventaram a fé na impossível ressurreição. Não havendo remédio contra a morte, só ela nos pode livrar do mal de existir.
Depois desta metafísica veio uma sumária lição sobre a responsabilidade europeia no actual desconcerto do mundo. No séc. XIX, a filha da civilização das Luzes cegou-se com o alargamento das suas zonas de dominação. Duas guerras mundiais, de horrorosos extermínios, tornaram a memória do século XX numa vergonha sem nome.
Das ruínas surgiu a ideia de construir uma Europa como nunca tinha existido. Num momento de lucidez, alguns dirigentes de partidos democratas-cristãos e sociais-democratas consentiram em criar as condições para a sua união. Não previram que os sucessores iriam desprezar as boas regras da cooperação e do funcionamento democrático das instituições. Com desníveis económicos tão acentuados e sem o desenvolvimento de uma cultura de diálogo intercultural — a partir da família, da escola e das relações de trabalho — os velhos demónios do nacionalismo populista voltaram a agitar-se.
Os eurocépticos passaram a queixar-se do casamento e a calcular as vantagens e inconvenientes de um divórcio. O outro europeu está a tornar-se um adversário e os acossados pela guerra e pela fome que lhe batem à porta são seleccionados conforme o contributo que possam representar para os seus interesses e necessidades.