domingo, 17 de setembro de 2017

Miguel Torga — Um poema


UM POEMA

Um poema, poeta!
É o que a vida te pede.
A fome diligente
Colhe
E recolhe
Os frutos e a semente
Doutros frutos.
Junta à fecundidade
Da natureza
Os frutos da beleza...
Versos grados e doces
Na festa do pomar!
Versos, como se fosses
Mais um ramo, a vergar.


Miguel Torga,
in "Poesia Completa"

Ilustração da rede global

Bento Domingues — Este Papa é uma decepção!



1. Num dos períodos de conflito armado mais ameaçador e de medo generalizado, dei aulas e fiz conferências de teologia em Bogotá e Medellin. Depois de 50 anos de horror, comoveu-me a coragem e o empenhamento do papa Francisco, no meio de muitas dificuldades locais, em intensificar e tornar irreversível o processo de paz na Colômbia.
Bergoglio não foi celebrar um país reconciliado, sem traumas nem ressentimentos. Quis contribuir para que todos desejem que o diálogo e a reconciliação se tornem o estilo de vida do país.
É difícil aceitar que o ressentimento do ex-presidente Álvaro Uribe — que se confessa um fervoroso católico — o tenha tornado alérgico à iniciativa do Papa, que declarou aos colombianos: “Foi demasiado o tempo que passaram no ódio e na violência; não queremos que mais nenhuma vida seja anulada ou restringida.” A conversão não é um acontecimento impossível.
Bergoglio não escolheu apenas o nome de Francisco de Assis. Em todo o lado, na Europa, no Oriente, em África, nas Américas, na Ásia, a sua vontade é realizar a oração que dele recebeu: “Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz; onde houver ódio, que eu leve o amor; onde houver discórdia, que eu leve a união; (...); pois é dando que se recebe; é perdoando, que se é perdoado; é morrendo que se vive para a vida eterna.”
Mas se este é o espírito e o comportamento do Papa, porque suscitará ele tanta oposição?

2. Uma revista jesuíta [1] resolveu divulgar um texto de um biblista italiano, Alberto Maggi, membro da Ordem dos Servos de Maria, intitulado Desilusão. O autor desenhou uma tipologia que alguns julgarão simplista, mas talvez seja apenas tão exacta que lhe baste ser simples.
Segundo ele, tudo começou com um murmúrio discreto, que se tornou uma queixa e se foi ampliando. Agora, a resistência já é declarada: um confronto público, por vezes uma provocação acompanhada de ameaças de um cisma.
Francisco, em pouco tempo, conseguiu decepcionar quase todos. Esta decepção de ressentimento encapotado converteu-se em algo que está à vista de quem quiser ver. Alguns dos cardeais que o elegeram estão desiludidos. Parecia o homem ideal, sem esqueletos nos armários, doutrinalmente conservador, mas aberto às novas ideias. Com ele poder-se-ia garantir um tempo de paz no meio dos escândalos da Igreja, um período sem turbulências nem divisões.
Nunca imaginaram que Bergoglio tivesse a intenção de reformar a Cúria Romana, de acabar com os seus privilégios e fustigar as vaidades do clero. A sua presença, simples e espontânea, é uma acusação constante aos prelados pomposos, faraónicos, anacrónicos, cheios de si mesmos.
Os bispos carreiristas estão decepcionados. A nomeação para uma cidade era só um passo para uma posição de maior prestígio. Estavam prontos a clonar-se com o pontífice de serviço, imitá-lo sempre em tudo, desde os gestos externos até aos doutrinais, fazer qualquer coisa para lhe agradar e obter os seus favores. Agora, vem este Papa e convida os bispos ambiciosos e vaidosos a ter o cheiro das suas ovelhas... Que horror!
Uma parte do clero também está decepcionada. Esse clero sente-se perdido. Criado no estrito cumprimento da doutrina, indiferente ao povo de Deus, já não sabe que fazer. Tem de recuperar um sentido de “humanidade” que o escrupuloso cumprimento das normas da Igreja tinha atrofiado. Pensava que estava, como “sacerdote” (presbítero), acima dos fiéis e, agora, este Papa convida-o a descer e a colocar-se ao serviço dos últimos...
Decepcionados também estão os leigos empenhados na renovação da Igreja, assim como os tradicionalistas superapegados ao passado. Para estes últimos, o Papa é um traidor, a ruína da Igreja. Para os primeiros, não está a fazer o suficiente, não muda nem as regras nem as leis que já não estão em sintonia com os tempos, não legisla, não usa a sua autoridade como “comandante” da Igreja...
Os mais entusiasmados com ele são os pobres, os marginalizados e invisíveis e também aqueles cardeais, bispos, padres e leigos que, durante décadas, estiveram afastados por causa da sua fidelidade ao Evangelho, encarados com suspeita e perseguidos por causa da sua mania louca de ligar mais à Sagrada Escritura do que à tradição.
Aquilo que só haviam esperado, sonhado ou imaginado converteu-se numa realidade com Francisco, o Papa que fez descobrir ao mundo a beleza do Evangelho.

3. Alberto Maggi não tinha de falar de tudo. Os leitores portugueses podem e devem completar os mapas locais e o mundo das suas relações cujas percepções serão, naturalmente, muito variadas.
Pelo que ouço dizer e observo, em Portugal existem movimentos e orientações paroquiais, discretamente empenhados em contrariar as consequências dos gestos, das palavras e das intervenções do Papa. Quando ele diz que a reforma litúrgica é irreversível, esses movimentos, organizações e personalidades não fazem declarações públicas de que estão contra ela. Adoptam gestos e devoções que a contrariam. Isto sem falar nos textos que escrevem para mostrar que o Papa é um homem de boa vontade, mas incompetente do ponto de vista teológico, para orientar a Igreja. O que lhe falta em teologia sobra-lhe em atrevimento e falta de respeito pelo Direito Canónico.
No meu ponto de vista, seria péssimo que os gestos e as atitudes do Papa não fossem discutidos. O uso da liberdade de expressão na Igreja é um direito e um dever. Aliás, é o que este Papa mais exerce e mais deseja para todos. O que é inaceitável é que aqueles que sempre atacaram a liberdade no passado usem todos os meios para restaurar um tempo em que só eles e os da sua tendência tinham direito de expressão. Servir-se de um tempo de liberdade para a destruir não é o caminho da ética humana e cristã mais respeitável.

P.S.: Foi no dia em que escrevi esta crónica que soube da morte do bispo do Porto, António Francisco dos Santos, o bispo português de quem mais gostava e que sempre me acolheu com muita amizade.

[1] http://www.jesuitas.co/21780.html

Frei Bento Domingues no Público 

sábado, 16 de setembro de 2017

Papa nomeia D. Manuel para Bispo de Aveiro

1962-IX-16

O Papa João XXIII nomeou bispo de Aveiro D. Manuel de Almeida Trindade, que o Santo Padre, na bula, cognominou de «sacerdote de verdadeira e sólida piedade e de invulgar talento e experiência» (Correio do Vouga, 18-9-1962 e 8-12-1962) – J.

"Calendário Histórico de Aveiro" 
de António Christo e João Gonçalves Gaspar

Bispo de Aveiro: 
D. Manuel de Almeida Trindade


Com o falecimento de D. Domingos da Apresentação Fernandes, o novo Bispo de Aveiro veio do Seminário de Coimbra, onde era Reitor conceituado desde muito novo. Embora de ascendência anadiense, estava muito ligado a Coimbra, onde se formou e onde recebeu a ordenação presbiteral e episcopal.
Conhecido pela sua serenidade, prudência e sabedoria, soube pacificar comunidades paroquiais, enquanto dinamizou as Semanas de Estudos Pastorais. Bispo dialogante e próximo, tanto junto dos sacerdotes como dos leigos, participou no Vaticano II e deste concílio soube dar testemunho, tendo participado em inúmeros encontros sobre o essencial da renovação da Igreja Católica.
Desempenhou, também, durante seis triénios, entre 1970 e 1987, os cargos de presidente e vice-presidente do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa. Teve, entre muitas outras tarefas próprias do seu múnus pastoral, um envolvimento muito significativo e corajoso, durante a Revolução do 25 de Abril, na defesa da liberdade. Nesse sentido apoiou e participou, em espírito de liderança, numa grandiosa manifestação de cristãos, em defesa das liberdades democráticas e pela dignificação das pessoas e da sociedade em geral.
Durante o seu ministério episcopal, D. Manuel promoveu a fundação do Carmelo de Cristo Redentor, a criação do CUFC — Centro Universitário Fé e Cultura, da Casa Diocesana de Nossa Senhora do Socorro e do Círculo de Cultura Católica. Ainda promoveu a formação do primeiro grupo de Diáconos Permanentes.
Escreveu diversos livros, de que destaco, entre outros, “O padre Luís Lopes de Melo”, “Pessoas e Acontecimentos”, “Memórias de um Bispo”, “Apontamentos de Retiros” e “Sinfonia — Notas biográficas sobre o Padre Arménio Alves da Costa Júnior”.

Fernando Martins,
In “Gafanha da Nazaré — 100 anos de vida”

Georgino Rocha — Legado de D. António Francisco: Bem precioso a irradiar

D. António e P. Georgino

A celebração do funeral de D. António Francisco está revestida de uma simplicidade sóbria e digna, de uma eloquência exuberante e sábia. As pessoas, em número de multidão impressionante, trouxeram à luz do dia e fizeram brilhar as sementes fecundas do seu modo de ser e de agir, do seu saber estar e comunicar, do seu rosto de bondade e do seu coração de pastor. São sementes que no silêncio de tantas consciências iam germinando e, agora, como em plena manhã de primavera, se abrem à carícia do sol irradiante, à frescura do ambiente saudável, diáfano de luz e amor. São sementes portadoras de uma seiva divina e de um vigor missionário “imparável”.

Vivi esta celebração pascal como o coroar de uma vida plena que só na morte manifesta a sua riqueza transbordante, como a mais bela catequese que D. António Francisco podia realizar e a que os responsáveis da organização do funeral deram o indispensável suporte comunicativo: a urna no chão sobre uma carpete, com apenas a bíblia e a mitra, a sobriedade da zona envolvente, a atenção solícita dos presentes na Sé, nos claustros e no terreiro, o desenrolar do programa celebrativo, a participação sentida da numerosa assembleia, a clareza apelativa das orientações à assembleia orante, a mensagem diáfana da homilia, a dignidade dos ritos…tudo convergiu para que D. António Francisco fizesse ouvir a voz do seu silêncio apelativo, o clarão de esperança que irradia da sua vida nova.

Seleciono três mensagens que, por esta ocasião, me chegaram e deixaram marcas indeléveis. Parecem-me muito acertadas para avivar a sua memória abençoada: a do Papa Francisco, a dos sem-abrigo e a do grupo de jovens que veio de Paris tomar parte no funeral.

A mensagem do Papa Francisco manifesta “o seu pesar e a sua solidariedade à comunidade diocesana do Porto, bem como aos seus familiares em luto”, evoca o falecido bispo do Porto como um “pastor afável, generoso”, que colocou os seus dons “ao serviço dos irmãos”, e reafirma que o Santo Padre reza pelo “incansável servidor do Evangelho e da Igreja”, associando-se à Liturgia exequial e concedendo a sua bênção apostólica. O jeito de ser pastor tem muitos traços em comum entre o bispo de Roma e o do Porto, agora defunto.

Um amigo de Viseu, que toma parte na celebração, escreve no mural do seu facebook: “Deparo com um numeroso grupo de pobres sem abrigo que estavam presentes no adro da Catedral e de sua boca só se ouvia dizer: «morreu o nosso pai, o nosso grande amigo, (que) sorria sempre para nós, falava sempre connosco, perguntava a nossa história e porque éramos sem abrigo». Além destas referências carinhosas, «muitas outras coisas proferiam sobre o santo bispo que ficará na memória de milhares de pessoas, crentes e não crentes. Porque afinal o povo ainda sabe quem são os bons pastores”. Mais tarde, diz-me que na peregrinação da diocese do Porto a Fátima realizada a 9 de Setembro corrente, participaram 50 sem abrigo por indicação de D. António Francisco.

O porta-voz do grupo de jovens parisienses desabafa nestes termos: “Estou em choque. Foi ele que me casou, que batizou o meu filho. É um irmão, um santo. Perdi um amigo mas a Igreja ganhou mais um santo”.

Nos anos 70 do século XX, o então padre António Francisco assistia a uma comunidade portuguesa de emigrantes em Paris e fazia estudos universitários. A relação criada era tão forte que se concretizava em visitas periódicas. E o grupo avisado da morte daquele que foi seu “orientador e diretor espiritual”, torna-se presente no funeral e dá à Ecclesia o seu testemunho sobre o prelado “uma das melhores pessoas” que conheceu.

“A noite não tem cancelas”, dizia de vez em quando D. António Francisco chamado a acompanhar uma equipa de casais de Aveiro, após a morte de D. António Marcelino. É verdade. Para quem ama, nem noite nem o dia, nem o relógio nem a agenda, nem a lonjura dos caminhos ou a proximidade da vizinhança, nem o ritmo do coração que sintoniza com a hora de Deus. Precioso legado. Demos-lhe a melhor sorte! 

Georgino Rocha

17.º Festival da Canção Vida


O Festival da Canção Vida vai realizar-se no dia 18 de novembro, sábado, na Casa da Cultura de Ílhavo, estando abertas as inscrições até ao dia 28 de outubro. A data dos CTT não pode ultrapassar o dia 25 do mesmo mês. Trata-se de uma organização de A Tulha da Gafanha de Aquém, freguesia de S. Salvador, Ílhavo. 
Para além dos prémios, os participantes têm a ganhar ainda a riqueza do desafio que lhes é lançado pela associação A Tulha. O regulamento pode ser lido em www.atulha.com.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Da beleza



"Depois, um poeta disse-lhe: Fala-nos da beleza.

E ele respondeu:
Onde procurareis a beleza e como a encontrareis se ela não for o vosso caminho e o vosso guia?
E como falareis dela se ela não for o artesão que tece os vossos discursos?"

Khalil Gibran
in "O Profeta"

Palmeira do Zé da Branca

Um símbolo que desaparece





Um símbolo, um ícone, um marco da nossa Terra “tombou”.   A velha palmeira do Zé da Branca, com 126 anos, sucumbiu à praga do Escaravelho da Palmeira e ao corte cirúrgico duma motosserra. Durante mais de um século a marcar um Lugar, a Cambeia, que toda a gente designava como o Sítio da Palmeira.
Abrigou muitos  Reis Magnos que, em Janeiro de cada ano, aí se encontravam, para planearem a viagem à descoberta do Menino.E quantos de nós, aproveitando a sua sombra benfazeja, desfiávamos os sonhos de meninos…
Pois um insecto conseguiu murchá-la, destruí-la… e uma serra, no dia 13 de Setembro de 2017, desceu-a do pedestal, ficando reduzida a um pequeno tronco seco, mirrado, que apenas nos recorda, com saudade, a Palmeira do Zé da Branca.

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