sábado, 25 de abril de 2015

O futuro com quatro bombas

Crónica de Anselmo Borges 

Anselmo Borges


Haverá alguém que duvide de que vivemos num mundo, por um lado, exaltante, mas, por outro, sobretudo um mundo perigoso, ameaçador?
Numa conferência recente, o filósofo e teólogo Xabier Pikaza alertava para os perigos e as ameaças e enumerava as quatro bombas que pesam sobre a humanidade e o seu futuro.
Chamava a atenção, em primeiro lugar, para a possibilidade da guerra universal, com armamento nuclear: a bomba atómica. O Big Bang foi há 13 700 milhões de anos, e nós, Homo sapiens sapiens - acrescente-se sempre, e demens demens: homem sapiente sapiente e demente demente -, aparecemos recentemente, quando se considera todo o processo de 13 700 milhões: há uns 150 mil anos. Mas, se até aos meados do século passado, vivíamos ainda separados uns dos outros e, sobretudo, a capacidade de destruição era limitada, com a bomba atómica a humanidade pode destruir-se e acabar. O processo que permitiu o nosso aparecimento tem milhares de milhões de anos, mas agora temos a possibilidade de nos matar e destruir em poucos dias ou mesmo poucas horas. Podemos optar por uma morte global. Quem pode garantir, por exemplo, que grupos terroristas não venham a ter acesso ao armamento atómico?

25 de Abril de 1974

Onde estava no 25 de Abril?

Acordei cedo na manhã da revolução. Tinha de estar em Sever do Vouga por volta das 9 horas. Nessa altura não havia sinais de autoestradas por estas bandas. O caminho até Sever era sinuoso e moroso. Nesse dia tinha de visitar escolas e cursos de adultos, enquanto procuraria dinamizar algumas bibliotecas populares. 
A rádio, quando a liguei no carro, anunciou abruptamente que estava em curso um movimento para derrubar o governo de Marcelo Caetano. Aconselhava que seria prudente as pessoas ficarem em casa. Não me lembro se esses primeiros avisos se destinavam a todos os portugueses ou apenas aos de Lisboa. Mas avancei para o meu destino. Paradela do Vouga foi a primeira escola, cuja diretora era esposa de um militar. De nada sabia nem conseguiu entrar em contacto com o marido. Ficou preocupada, como seria de esperar. Tranquilizei-a, até porque estava grávida.
O dia já não rodou como era normal. No bar de uma pensão de Sever (julgo que pensão Avenida) todos estavam com olhos fixos no televisor que nada dizia de concreto. Palavras soltas e frases inconclusivas. Liga e desliga. Volta a ligar e a ficar silenciado. Nem uns militares que andavam na serra em serviço se mostravam informados. De vez em quando telefonavam, mas sabiam tanto como nós. 
À noite, em Rocas do Vouga, os alunos do curso não compareceram e regressei a casa. Em casa, houve serão e a alegria generalizou-se na companhia de vizinhos. A longa noite do regime do chamado Estado Novo ruíra. Fez-se luz e a democracia nasceu. 

Ler mais evocação do 25 de Abril aqui

Seguir Cristo, o Bom Pastor

Reflexão de Georgino Rocha

Georgino Rocha
“Eu sou o Bom Pastor” – afirma Jesus, fazendo o seu autorretrato com os traços mais marcantes da sua identidade. Recorre a uma metáfora muito conhecida dos ouvintes, sobretudo a partir do profeta Ezequiel, em que se espelha a relação de Deus com o seu povo. Aproveita a oportunidade surgida com a tensão provocada pelos fariseus durante a cura do cego de nascença. Repete várias vezes esta declaração que contrasta fortemente com o proceder dos pastores mercenários, que usam o nome e assumem a função, mas não a desempenham com honradez, sobretudo quando o perigo ameaça.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

(In)tolerância

Crónica de Maria Donzília Almeida


“O sucesso torna as pessoas modestas, 
amigáveis e tolerantes; 
é o fracasso que as faz ásperas e ruins.“

William Maugham






Descia eu a artéria principal da nossa pitoresca vila, após a missa dominical do dia de Páscoa. O tráfego automóvel era já intenso e sucedia-se em movimento contínuo. 
Ia observando, à minha volta, o aspeto matinal de uma povoação que acorda para a vida, se espreguiça e dá sinais de vitalidade nesta primavera incipiente.
A certa altura, inopinadamente, sou surpreendida, nos meus pensamentos introspetivos, por um buzinar estridente e um derrapar de pneus, ali mesmo em frente, na via pública. Ato contínuo, observo uma picardia entre dois automobilistas que se mimoseavam com palavras e gestos, frequentemente usados na gíria da condução automóvel.
Era o primeiro espetáculo da manhã, desse dia que comemorava a ressurreição de Cristo, a libertação da escravatura do povo judeu, a época, por excelência da reconciliação, do perdão, do renascimento do homem novo.

Congresso da Região de Aveiro

Nota informativa



«Por decisão do Conselho Intermunicipal da Região de Aveiro o Congresso da Região de Aveiro 2015 foi remarcado para os dias 28 e 29 de maio de 2015.
A CI Região de Aveiro pretende, à semelhança das duas edições anteriores, realizadas em 2011 e 2013, que o Congresso da Região de Aveiro seja um momento de apresentação, discussão e debate dos principais assuntos e projetos desta região.»

Fonte: CIRA

Conservação e Restauro no Museu de Aveiro

Informação cultural 


quarta-feira, 22 de abril de 2015

Dia Mundial do Livro

Concurso Literário Jovem2015

Amanhã, 23 de abril, Dia Mundial do Livro, pelas 18 horas, no Centro Cultural da Gafanha da Nazaré, vai realizar-se a sessão de entrega dos Prémios e dos Certificados de Participação no Concurso Literário Jovem2015, por iniciativa da Câmara Municipal de Ílhavo. O concurso teve por destinatários os alunos do Ensino Básico dos 1.º, 2.º e 3.º Ciclos, assim como do Ensino Secundário, tendo como principais objetivos estimular hábitos regulares de leitura e de escrita e potenciar a criatividade e a imaginação de cada um. Participaram 189 jovens com 205 trabalhos, com textos  poéticos e narrativos.
Confesso que dou muito valor a estas iniciativas, tanto mais que os livros são uma extraordinária fonte de cultura e de conhecimentos. Estimular a leitura junto de crianças e jovens é o primeiro passo para que os envolvidos descubram que os livros permitem a descoberta de novos mundos, novas ideias e outras gentes, enquanto animam a sensibilidade, o espírito criativo e a capacidade cívica e artística. 

Padre Miguel Lencastre e António Morais



Pessoa amiga teve a gentileza de me endereçar esta foto que mostra, em especial, dois bons amigos que nos deixaram fisicamente, mas que permanecem num recanto especial das minhas memórias. São eles, como decerto já notaram, o António Morais e o Padre Miguel Lencastre, que partilharam amizade e tarefas em prol da Igreja Católica, do Movimento de Schoenstatt, do Stella Maris e de outras instituições.
A acompanhar a foto vinha a informação de que  ela está relacionada com um evento de recolha de fundos na vila de Jaraguá, periferia de São Paulo, Brasil, destinados à construção de um centro para o Movimento de Schoenstatt.
Sei, por conhecimento pessoal, que ambos participaram na Gafanha da Nazaré em inúmeras iniciativas, tanto no âmbito da comunidade paroquial e humana, mas ainda do Movimento de Schoenstatt, onde levaram à prática uma colaboração estreita e dedicada em favor do nosso povo. 
Ambos mostraram a sua disponibilidade para servir, nada esperando em troca, dando-nos um exemplo nem sempre fácil de encontrar. E é por esse motivo que hoje os evoco, graças também a quem me ofereceu a fotografia. Venham outras.

Nota: Quem souber mais sobre essa colaboração no Brasil, agradeço que me ajudem a completar este texto.

Os "banha da cobra"




De vez em quando, o saco das minhas memórias, talvez por demasiado cheio, abre brechas e algumas recordações saltam cá para fora. É curioso que, pensando bem, não brotam por dá cá aquela palha, porque, sem eu me dar conta, haverá razões que me fazem reviver cenas da minha infância. 
Hoje, por exemplo, lembrei-me dos "banha da cobra" que montavam banca às portas das igrejas, aos domingos, depois da missa, mas também nas feiras e arraiais. Chegavam com uma ajudante, subiam para um palanque, mala em cima de uma mesa improvisada, e mal o povo começava a sair da missa, punham-se a apregoar os seus produtos, em especial a "banha da cobra", que curava todas as maleitas, num esfregar de olhos. 
A pomada, afiançavam, exibindo atestados dos mais eminentes cientistas de Portugal e arredores, curava mesmo tudo. Dores de cabeça e de dentes, urticária, nervos e artroses, diarreias e sarampo, reumatismo e cólicas de qualquer espécie, queda do cabelo e impingens, torcicolos e trasorelho, mau-olhado e invejas, entorses e ventre descaído, unhas encravadas e tumores... Era tão milagrosa que até nem se podia vender nas farmácias, porque dispensava todos os outros fármacos, o que se traduziria em prejuízo para o negócio dos farmacêuticos e das indústrias que lhe estavam ligadas.
A conversa do vendedor, com paleio para dar e vender, com ou sem megafone, era de tal modo convincente que o povo, antevendo a cura dos seus males, queria doses dobradas, para si e família e até para vizinhos. E como especialistas em técnicas de vendas, com a ajuda da colaboradora, começava a distribuição, clamando alto e bom som que, quem pagar duas bisnagas leva três. Três para esta senhora, seis para aquele cavalheiro, e mais para esta aqui, que anda um pouco amarela, mas que vai ficar rosadinha, com a pomada santa.
O negócio evoluiu e do megafone os “banha da cobra” saltaram para a aparelhagem sonora, que guinchava que se fartava. E chegou aos nossos dias, com honras da rádio e da televisão. Bem-falantes, bem engravatados, com história que não muda. Leve duas embalagens e pague uma. O elixir da longa vida e da eterna juventude está na conversa fiada de gente que promete mundos e fundos para a nossa desejada felicidade… É só ouvir e seguir os seus conselhos. Ou fugir deles…

terça-feira, 21 de abril de 2015

Humildade

"A humildade é a base e o fundamento de todas as virtudes
 e sem ela não há nenhuma que o seja". 

Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616)

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Grandes veleiros



Tenho saudades dos grandes veleiros. São espetáculo raro entre nós, mas quando chegam ou zarpam, rumo a outras paragens, deixam saudades. Multidões, de perto e de longe, sabem apreciá-los e a romaria estende-se a todos os que se abrem aos olhares de curiosos e entendidos. O porte e o colorido são desafios para a nossa imaginação. Neles, seriam viagens de sonhos ímpares que guardaríamos vaidosos. Que haja motivos fortes para que demandem a barra de Aveiro e ancorem nos cais do nosso porto. São os meus votos.

Naufrágios e mortes no Mediterrâneo



Somos bombardeados frequentemente pelas notícias de naufrágios e mortes no Mediterrâneo. Tristeza, revolta, hipocrisia, crime, desespero, fome, desemprego, miséria, tráfico de pessoas, clandestinos, guerras, perseguições e políticas desumanas são palavras que me ocorrem. 
O Papa Francisco bem protesta, bem diz que a palavra que lhe ocorre é vergonha, mas tudo continua na mesma. Há leis e políticas de imigração e de emigração, há reportagens e mobilização de algumas instituições humanitárias para acudir aos sobreviventes e decerto para enterrar os mortos. Mas os desastres continuam e os políticos europeus permanecem atentos ao seu umbigo. Agora parece que vão reunir-se numa cimeira de emergência para tentar encontrar uma saída. Pode ser que daqui nasça uma comissão para estudar o assunto.

domingo, 19 de abril de 2015

Miguel Torga para refletir


Uma carta à Diretora do PÚBLICO


Miguel Torga actual

Partilho um pedaço da boa prosa de Miguel Torga, escrita em Chaves e publicada no seu Diário XIII. Escrita em 12 de Setembro de 1978? Não será gralha? Parece que Torga ressuscitou - para ver, com olhos tristes e cansados, os meninos a brincarem, chamando-se nomes e mais nomes feios, a candidato a candidato a Presidente da Res Publica (?) - e escreveu isto ontem... "com oitocentos anos de História, parecemos crianças sociais. Jogamos às escondidas nos corredores das instituições." Senhora directora, caros jornalistas, amigos leitores, leiam e reflictam, por favor, sobre este texto tão actual porque vos fará bem, ainda hoje, ainda hoje! “Bem quero, mas não consigo alhear-me da comédia democrática que substituiu a tragédia autocrática no palco do país. Só nós! Dá vontade de chorar, ver tanta irreflexão. Não aprendemos nenhuma lição política, por mais eloquente que seja. Cinquenta anos a suspirar sem glória pelo fim de um jugo humilhante, e quando temos a oportunidade de ser verdadeiramente livres escravizamo-nos às nossas obsessões. Ninguém aqui entende outra voz que não seja a dos seus humores. É humoralmente que elegemos, que legislamos, que governamos. E somos uma comunidade de solidões impulsivas a todos os níveis da cidadania. Com oitocentos anos de História, parecemos crianças sociais. Jogamos às escondidas nos corredores das instituições.”

Nelson Bandeira, Porto

A ressurreição não pode ser adiada (2)

Crónica de Frei Bento Domingues 

Frei Bento Domingues

1. Creio que a nossa ressurreição depois da morte é tarefa exclusiva do Deus dos vivos. Está bem entregue.
É a ressurreição dos mortos-vivos, dos sem rosto, dos mais pobres, dos mais desfavorecidos, dos não rentáveis, dos ejectados do círculo virtuoso do liberalismo económico, que constitui o desafio lançado a todas as pessoas de boa vontade. A peça de teatro de Jean-Pierre Sarrazac, O Fim das Possibilidades - uma Fábula Satânica –, encenada por Nuno Carinhas e apresentada nos TNSJ e TNDII [1], mede-se precisamente com o que há de mais arcaico e persistente no livro de Job, confrontado com as características da crise actual, aprofundando, em parábola, o seu conhecimento, a partir de muitos afluentes. 
Temos de enfrentar a desesperança, mas sem recorrer à publicidade enganosa: “o futuro está de volta”. José Silva Lopes era considerado um dos maiores economistas do país, mas não confundia a esperança com ilusões. Recebeu o Expresso [2] para uma entrevista, dois meses antes de morrer. Temos, agora, acesso à sua opinião sobre algumas questões incontornáveis da nossa actualidade.

Hoje apeteceu-me silêncio

Dunas na Praia da Barra

Há dias assim. Hoje apeteceu-me silêncio. Porta fechada às saídas, descoberta de um  recanto mais tranquilo, leituras sem pressas que me conduzissem para longe da minha rua que, também ela, não alimenta grande trânsito nem ruídos. 
Rentes de Carvalho, um escritor de quem lera uns textos apenas no seu blogue Tempo Contado e em publicações periódicas, guiou-me boa parte do dia por Trás-os-Montes, com o seu livro "Ernestina", um romance autobiográfico com boa dose de ficção a enriquecê-lo. Que delícia. Depois, para descomprimir, a leitura da entrevista de fundo da revista E do Expresso com Umberto Eco, feita pelo jornalista Luciana Leiderfarb. Umberto Eco, com os seus 83 anos, senhor duma cultura impressionante, é uma referência a ter em conta. Lê-lo é um prazer. De permeio, umas conversas com filhos e neta. A minha Lita sempre presente, mesmo que ausente.
A agenda registava tarefas programadas há dias. Tive mesmo de evitar segui-la. 
A chuva, de vez em quando, carregava o ar e a nostalgia aconchegava a minha desejada serenidade. Sem preocupações, sem tarefas escravizantes, sem barulhos exasperantes, sem horários que me manietassem. Todo eu e as minhas leituras. Agora  já é outro dia. Um bom domingo à medida de cada um.