sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

O Menino estava deitado na manjedoira

 

«Mal os anjos partiram para o céu, os pastores disseram uns para os outros: “Vamos a Belém para vermos o que o Senhor nos deu a conhecer." Foram a toda a pressa e lá encontraram Maria e José e o Menino, que estava deitado na manjedoira. Depois de verem tudo isto, puseram-se a contar a toda a gente o que lhes fora dito a respeito daquele Menino. Todos os que ouviram o que os pastores diziam ficavam muito admirados.»

Lucas 2, 15-18

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Velha Mesa


 Postal dos CTT, 1959, de Raquel Roque Gameiro 

NATAL DA ESPERANÇA

A  NATIVIDADE 


 Vitral criado por Hans Acker (séc. XV), 
catedral de Ulm, Bade-Wurtemberg, Alemanha.

Desejamos  a todos os nossos amigos e leitores dos meus blogues um Santo Natal, que vai ficar na história como o Natal da Esperança, porque a pandemia vai ser vencida pela determinação dos cientistas, pelos redobrados cuidados de todos  e, ainda, pela nossa atenção aos feridos da vida. 

Lita e Fernando 

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Os Velhos

Declaração de interesses: Nós somos velhos. Estamos na casa dos 80. Declaro isto por querer alinhavar umas notas sobre os velhos que, resistindo ao tempo, nos dão o prazer de existirem, mesmo que encostados a um canto de um qualquer lar, por mais estrelas que tiver,  ou da sua própria residência, cujos cantos e recantos exibem filmes de vidas decerto muito felizes. Mas os velhos precisam que olhem para eles, forma muito especial de se sentirem pessoas, com direitos e obrigações. Olhar, neste caso, significa falar, ouvindo e perguntando  mais do que ditando conselhos e decretando sentenças. Sem pressas e com paciência. 





É indiscutível que os velhos já foram jovens e pessoas de meia idade, ativos e atuantes na sociedade. Foram pessoas responsáveis, interventivas na comunidade, capazes de pensar o seu presente e o futuro dos seus familiares e amigos. Trabalhadores incansáveis em prol da suas famílias e da sociedade em geral. O peso dos anos talvez explique um certo cansaço, um real afastamento do dia a dia das comunidades que serviram com denodo e das famílias que construíram ao lado de vizinhos que se saudavam diariamente e com quem cavaqueavam quando se cruzavam. 
Se é certo que os anos vividos serviram de suporte a novas famílias, os velhos não perderam o seu lugar no mundo ao qual pertencem por direito e por justiça. Muitos, contudo, vão ficando sozinhos e entregues às suas memórias e aos seus futuros, sem futuro agradável e partilhado com familiares e amigos. 
Vem estas considerações a propósito dos velhos internados nos lares e nos hospitais, isolados nas suas casas, dias e dias sem terem com quem desabafar, com quem conversar com gente capaz de escutar. Haverá, contudo, lugar para os que ainda podem deslocar-se por seu pé, falar mesmo que não convidados para isso, apreciando o ambiente que tanto ajudaram a erguer. 
O Natal, que muitos apregoam que é quando o homem quiser, e não apenas na quadra tradicional, 25 de Dezembro, não passa de miragem para muitos velhos. Todavia, ainda poderá ser uma das raras possibilidades que alguns velhos terão de sentir afeto, atenção e carinho sem lamechices, deles ouvindo histórias imensas vezes repetidas que são estímulos para se manterem vivos. 
Felizmente, a nossa velhice (minha e da Lita) ainda está ativa e com capacidade para acolher, para ouvir projetos lindos dos mais novos, para trocar ideias, para discutir princípios de vida e de futuro, para concordar e discordar do que fazem, dizem e projetam, para aplaudir o bom e belo que fazem. Também nos sentimos felizes quando apreciamos o sol regenerador e a lua sonhadora, as pessoas que passam e nos saúdam, a beleza da natureza florida, o cair das folhas outonais e até a chuva benfazeja quando vem com regra. 
Os velhos, afinal, contentam-se com pouco, mas não toleram a indiferença dos que, por serem mais novos ou mais envolvidos nas canseiras da vida, não descobrem uns minutos para olhar ou conversar com os que carregam o peso dos anos e de trabalhos desgastantes. 
Bom Natal para todos

Fernando Martins

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Natal de Jesus, Luz do Mundo

Reflexão de Georgino Rocha
para este Natal de Jesus



A narrativa do nascimento de Jesus em Belém possui uma densidade simbólica singular, além de elementos históricos consistentes. Constitui um foco irradiante que se projecta sobre toda a humanidade e realça a dignidade de quem vive situações semelhantes e necessita de satisfazer necessidades fundamentais. 
José e Maria, com parcos recursos, chegam de uma longa viagem por obediência à lei do recenseamento. Tentam um lugar de abrigo, a casa de algum parente, a hospedaria dos passantes. Tudo se fecha. Têm de se abrigar num curral de gado. E aqui, ocorre o parto de Maria que nos dá o Menino Jesus, sob o olhar solícito de José, 
O Papa Francisco, referindo-se a este facto, salientou há dias,: “Este ano esperamos restrições e desconfortos; mas pensemos no Natal da Virgem Maria e de São José: não eram rosas e flores! Quantas dificuldades! Quantas preocupações! No entanto, a fé, a esperança e o amor guiaram-nos e sustentaram-nos. Que seja assim para nós também”. 
Rosa e flores, poesia e música, enfeites e consoadas vieram depois para expressar a vibração do coração humano perante tal maravilha. Mas sem esta, o Natal é folclore, o Menino é um boneco de loja, José, um venerável ancião e Maria a mãe aflita prostrada. A maravilha do Natal é esta: Deus faz-se humano e vive como humano para nos comunicar o seu ser divino e nos tratarmos como irmãos. Maravilha que nos alegra e faz exultar. 

O Inverno já chegou



No dia aprazado pelos astros, chegou o Inverno, que se prolongará até Março. Nesta quadra, a chuva, o vento e o frio são reis. Reis que abusam da nossa paciência, embora a natureza precise deles, se vierem comedidos. Não é verdade que noutras estações do ano o tempo tantas vezes não agride gente e natureza? 
Com o Inverno estou mais por casa e como eu muitos outros da minha idade. Será um tempo de opções voltadas mais para dentro e para os que nos estão mais próximos. O crepitar do lume na salamandra ou no salão de sala, que aquece a alma e o corpo, dá um certo prazer à vida, suscitando conversas que a dispersão dos dias quentes e luminosos nem sempre nos permitem estar, falar e ouvir. No fundo, será uma compensação natural que devemos aproveitar. 
Estar dentro de casa no sossego dos dias invernosos tem o seu quê de poético que nos alimenta o dia a dia e nos faz sonhar com a Primavera que já está a fazer as malas para se pôr a caminho. 
Um dos meus passatempos preferidos assenta na leitura, que, sendo hábito diário, se torna mais apetecida em dias desagradáveis. E como tenho tanto que ler, posso estar tranquilo. Nem saídas nem despesas estão nas minhas preocupações neste momento escuro e chuvoso. 
Bom Inverno para todos, isto é, que chova quanto baste, que haja frio com moderação e até que o vento zuna para nos dizer que existe, afastando a pandemia que espreita a hora de nos atacar.

Fernando Martins

Natal de Esperança


Este ano, temos pela frente um enorme desafio: Viver um Natal de Esperança imposto por um confinamento carregado de ameaças, temores, dores e angústias. O Covid-19 surpreendeu tudo e todos com o seu insidioso e camuflado ataque em todo o mundo, não respeitando rico ou pobre, poderoso ou débil, culto ou inculto, sábio ou ignorante. Sem olhar a fronteiras, até parece que tem predileção especial pelos homens e mulheres do nosso tempo, novos e velhos, estando todos nos seus horizontes de destruição e morte. E os cientistas, cuja missão e trabalhos não podemos deixar de louvar, empenham-se desde que o vírus surgiu e foi identificado, dando-lhe luta, tenaz e sem tréguas, no sentido de o dominar e aniquilar, já lá vão uns dez meses. 
Do mesmo modo, louvamos todos os profissionais de saúde que diariamente defendem os atingidos com os meios de que dispõem, sabendo que estão na linha da frente dos que podem vir a ser contaminados. E é neste ambiente de pânico, luto e dor, que chegamos ao Natal, a festa do nascimento do Menino-Deus que veio para nossa salvação, à consoada das famílias que procuram a paz, ao encontro sempre ansiado para quem vive um ano de trabalho a todos os níveis, ao convívio entre gerações nem sempre possível durante meses e meses, à partilha de lembranças, por mais simples e simbólicas que sejam, à troca de sorrisos gratificantes. Condicionados pelas máscaras que nos roubam a identidade mas nos protegem do contágio, pelos confinamentos e distanciamentos que a pandemia impõe, o Natal deste ano não tem paralelo no mundo das últimas gerações. 
As cerimónias natalícias foram limitadas ao mínimo, preservando o essencial litúrgico, mas o povo, que espontaneamente vibra com a chegada do Menino, desta feita não poderá dar asas espontaneamente à sua alegria em ambiente de partilha comunitária e familiar. Tudo tem de ser comedido, mantendo distanciamentos, sem beijos nem abraços, sem mesas cheias de convivas e com proximidades bloqueadas. Ninguém sabe quem está infetado ou quem está livre desse perigo, que o vírus pode estar à espreita. 
Como cristãos, que alimentamos no dia a dia o sentimento da esperança, vamos viver o Natal e a Consoada dentro das normas estabelecidos pelas leis gerais do nosso país e pela prudência bem medida pelas nossas consciências. No próximo ano será diferente. Deus será a razão da nossa esperança. 

Fernando Martins

domingo, 20 de dezembro de 2020

Natal da amizade

O Menino, quando passamos, fixa-nos com ternura

NATAL 

Lá na gruta de Belém
onde nasceu o Redentor
houve falta de agasalho
que sobrou em Paz e Amor
Apoio humano e divino
prendas singulares do mundo
foram presença marcante
nesse Presépio fecundo
cuja pobreza na grandeza
e desamparo era bondade
e que simplesmente deu
rumo à Humanidade.
Que nesta época de Natal
de já rara fraternidade
que ao menos, depois da festa,
Possa celebrar-se a Amizade.

M. Cerveira Pinto

(Um poeta de banca meu companheiro)

Deus não precisa de um templo

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO



Não se procura um templo para Deus, mas uma casa que reúna a comunidade cristã aberta ao mundo, para que não se esqueça do verdadeiro Natal, Deus-connosco, Deus com os pobres e abandonados pelo nosso egoísmo, pelas desigualdades aberrantes entre os seres humanos, nossos irmãos.

1. Calcula-se que o turismo religioso movimenta por ano, a nível mundial, entre 300 a 330 milhões de pessoas à procura de locais considerados sagrados e, sobretudo, daqueles que se tornaram mais significativos para a religião que cada um professa. São os templos monumentais ou santuários que nasceram de visões ou acontecimentos ditos milagrosos que atraem mais peregrinos.
Paulo Mendes Pinto deu a conhecer uma nova versão do fenómeno inter-religioso muito original e, ao que parece, único no mundo. Excede a pura curiosidade turística, mas com virtualidades que importa conhecer e estudar.
No dia 11 de Setembro de 2016, quando passavam 15 anos sobre os atentados de 2001, a Fundação ADFP, de Miranda do Corvo, inaugurou um equipamento que procura ser uma peça dinâmica e significativa na criação de pontes entre as religiões e na difusão de uma cultura de paz, um lugar onde todos são acolhidos, tratados como iguais, num ambiente onde o conhecimento e a quebra e abandono de todos os preconceitos é a única regra. É o Templo Ecuménico Universalista.
No Google, existe uma reportagem pormenorizada e muito ilustrada da significação das construções minimalistas dessa realização, no cume da serra da Lousã.
É uma bela ideia. Reunir pessoas de culturas e religiões diferentes, convocadas para viverem e exprimirem umas às outras as misteriosas fontes de paz, pode tornar-se mais um caminho de esperança, num mundo mergulhado em violências e guerras de todo o género.

sábado, 19 de dezembro de 2020

Natal: Deus sem máscara

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias



1. Ia eu na rua e uma jovem interpelou-me: “Já não se lembra de mim? Até me baptizou...”. E eu: “Puxa um pouquinho a máscara”, e ela puxou. “Continuas linda, Susana!...”. 
Se eu algum dia imaginei que havíamos todos de andar de máscara! Antes também havia muita gente mascarada, mas as máscaras eram outras... Agora, impomo-nos o uso da máscara a nós próprios, por causa de nós e dos outros: para nos protegermos a todos, ao mesmo tempo que nos desprotegemos, porque ficamos sem a presença dos outros. Como faz falta vermo-nos cara a cara, falar cara a cara, tocarmo-nos, sorrir, rir, colocar os sentidos todos alerta na presença viva dos outros. Passámos a vida a dizer às crianças: “Dá um beijo ao avô, um beijo à avó, um beijo à tia...”. Agora, de repente, é tudo ao contrário, como se os outros fossem inimigos, pois até viramos as costas... Apertávamos as mãos, porque apertar as mãos é um gesto de encontro na paz: as mãos livres de armas vão ao encontro do outro, sem medo. Abraçávamo-nos de alegria pelo reencontro ou chorando pelo luto ou antecipando a saudade pela despedida. Agora, não há proximidade, até nos mandam, e bem, manter a distância (e até se dizia: “a distância social”, mas eu espero que seja só a distância física, espero que a outra — a espiritual, a afectiva — se mantenha e aprofunde). 
Foi precisa a pandemia para que se nos tornasse inválida a afirmação de Sartre: “O inferno são os outros”. Afinal, é o contrário: a falta dos outros é que é o inferno, a solidão é um inferno.