sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Georgino Rocha - O valor dos bens e o sentido da vida

DOMINGO XVIII

Ganância é idolatria 
          
Jesus continua o rumo da viagem para Jerusalém e apresenta a sua mensagem em ensinamentos de vida, tirando partido das ocasiões que provoca ou surgem e aproveita. Os autores dos Evangelhos articulam, de forma literária bela, a sequência destes ensinamentos, desvendando o sentido mais profundo da viagem, enquanto escola de discipulado, estágio de acção missionária, itinerário de doação e entrega. Lc 12, 13-21.
Surge uma destas ocasiões, ao ouvir o pedido anónimo de alguém que queria que ele interviesse numa questão de partilhas de herança familiar entre irmãos. Este pedido mostra que Jesus era reconhecido como rabino e, como tal, podia solucionar legalmente tais questões (Dt 21, 15-17; Nm 27, 1-11). A resposta parece evasiva, embora afável, e tem a forma de uma interrogação: “Amigo, quem me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?” E a ilustrar a sua recusa, continua o ensinamento sobre o valor da vida que supera todos os bens. Termina com uma exortação: Guardai-vos de toda a cobiça; a vida não depende da abundância dos bens. Resposta que ressitua a sua missão em relação à gestão dos bens materiais, missão que não é de juiz ou árbitro, mas de quem afirma o valor da vida e dos bens ao seu serviço.
“Jesus recusa-se a substituir as autoridades legítimas, afirma Manicardi, a realizar acções de justiça. Ele remete para o ordenamento jurídico e para as figuras que a sociedade civil estabeleceu para dirimir questões como aquela que lhe foi submetida. Que se dirijam, disse Jesus em substância, aos órgãos estabelecidos pela comunidade civil”. Seguir a direcção apontada vai ser custoso e, por vezes, conflituoso. Nem sempre os órgãos da sociedade civil existem e funcionam com rigor, nem as instituições religiosas reconhecem o seu valor autónomo na organização da vida social. 
Outrora, como agora, a avareza tende a apoderar-se do coração humano que fica sem espaço para mais nada nem ninguém; a fazer-se centro de preocupações absorventes e de atitudes invejosas; a transformar os bens no deus da vida a quem se sacrifica tudo: amizades, família, profissão, honestidade e integridade, futuro que se reduz ao presente fugaz, consciência que se cala perante a conveniência. Na narrativa de Lucas, a erguer celeiros de prosperidade para alguns e a deixar multidões “de mãos vazias”.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

João de Barros - ALEGRIA

Para fechar o mês de Julho



Alegria! Alegria!
Ó céu do meu país
Onde as nuvens até são quase luminosas;
Ó sol de Maio a rir nos canteiros de rosas,
Ó sol alegre, ó sol vibrante, ó sol feliz,
Para quem o Inverno é um momento apenas;
Sol de ingénuas manhãs e de tardes serenas,
Ó sol quente de Julho, ó sol das romarias
Queimando e endoidecendo as multidões sadias;
Sol candente do Algarve; ó sol doce do Minho,
Florindo amendoais, ou a espumar no vinho;
Sol das searas de oiro e dos vergéis de Outono
Palpitantes de cor como um largo poente;
Sol que, ao dormir a terra o seu fecundo sono,
Lhe dás sonhos de luz, voluptuosamente;
Sol das eiras de milho e de roupa a corar,
Sol dos verdes pinhais e das praias trigueiras,
Ó sol moreno e forte a resplender no mar,
Tisnando as carnações mais as velas ligeiras;
Ó sol moreno, ó sol alegre, ó sol feliz,
Sendo ainda clarão na hora da agonia,
– Canta a glória da luz, canta a glória do dia,
Em todo o meu país!

João de Barros
In “Vida Vitoriosa”

terça-feira, 30 de julho de 2019

Adversidade e Prosperidade


"A adversidade restitui aos homens 
todas as virtudes que a prosperidade lhes tira"

Eugéne Delacroix 

(1798 -1863)

Políticos sem selo de garantia


Cada vez que abro o PC (não tem nada de política), fico incomodado. Há sempre novas das já velhas estórias da corrupção que nos últimos anos enxameiam a comunicação social. Se calhar foi sempre assim desde tempos imemoriais, só que não havia jornalistas de investigação e corajosos com capacidade para revelar verdades que escapam à maioria dos ouvintes, telespectadores e leitores. Hoje está tudo à mão de semear. Mas será tudo assim? Não haverá políticos honestos, transparentes, incorruptíveis e muito menos corruptores? Decerto que há… Mas como descobri-los? 
Como é possível que gente em cargos públicos ou fora deles não admite que a vigarice e a corrupção só vivem enquanto não forem descobertas? Não sabem que há subalternos em gabinetes ministeriais e noutras áreas capazes de denúncias quando se veem confrontados com compadrios e negócios fraudulentos dos seus superiores?
Com tudo isto que se tem passado e é publicitado, como havemos (nós, os eleitores) de proceder nas próximas eleições? Quais serão os parâmetros que teremos de ter em conta para acreditar nos que terão ou passarão a ter as chaves da governança? O problema é complicado porque teremos realmente de escolher. Mas como, se ninguém traz na lapela do casaco qualquer selo de garantia? 

Fernando Martins 

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Festival do Bacalhau está a chegar


O Festival do Bacalhau está mesmo a chegar. No dia 7 de Agosto, vamos ter a abertura de uma festa que se prolonga até 11 do mesmo mês. Estando garantido que o Rei vai ser o fiel amigo, com as suas múltiplas formas de se apresentar nas mesas para servir de repasto a todos os gostos, a verdade é que a animação, multifacetada, atrairá também  milhares de pessoas. Festa rija, portanto. 
Ontem passei por lá e pude confirmar que as tendas já estão a ser erguidas para instituições do concelho mostrarem à saciedade as suas habilidades, sabores e saberes, tendo por base, e sempre, o bacalhau que na nossa terra era tratado, nas secas, segunda a tradição de séculos. 
Como está garantido, os espetáculos para todas as idades e sensibilidades não faltarão.
Como a entrada é livre, estamos todos convidados. 

F.M. 

domingo, 28 de julho de 2019

Bento Domingues - Meditar em qualquer lugar



"Somos nós, que andamos distraídos e muito enganados acerca do sentido da vida, que precisamos, com insistência, de rezar pela nossa conversão"

1. Ao chegar esta altura do ano, várias pessoas, na linha destas crónicas, pediam-me sugestões de leitura para férias. Não esperava muito das minhas indicações. Quem está habituado a ler ao longo do ano não precisa de recomendações. Quem, por razões profissionais, passa o ano a fazer leituras obrigatórias julga que, nas férias, poderá recuperar outro género de obras sempre adiadas. Para quem não adquiriu a paixão dos livros, não vai ser nas férias que a vai ganhar.
Observo que, nas viagens de comboio e de metro, as mãos não estão ocupadas com livros e raramente com jornais. O metro até abandonou a experiência do jornal gratuito. Sei que esta observação é de um velho. Desconhece as múltiplas aplicações culturais da revolução tecnológica dos meios comunicação: um pequeno objecto pode ser usado para acesso à Internet, visualização de fotos, vídeos, leitura de livros, jornais, revistas e ainda com jogos para entretenimento.
Dizem-me, por isso, que os hábitos de leitura, não só não se perderam como até se intensificaram e aumentaram os “escritores”. As mãos estão sempre ocupadas a receber e a enviar mensagens. A Internet e as suas redes possibilitam contacto permanente e as últimas informações, mas também o acesso a bibliotecas inteiras.
Os jornais em papel estão a desaparecer e a serem substituídos por jornais online. Já existem padres a rezar o breviário e a celebrar a missa pelo telemóvel, mais ou menos sofisticado.

Anselmo Borges - Marta e Maria, Eco e Narciso

Aldeia de Betânia - Jerusalém 

1. É um passo extraordinário do Evangelho segundo São Lucas.
Numa aldeia a caminho de Jerusalém, Betânia, Marta, a dona da casa, convidou Jesus, e, claro, querendo receber bem, como é próprio de uma dona de casa que convida um hóspede ilustre, afadigava-se a trabalhar. Entretanto, a sua irmã, Maria, sentada aos pés de Jesus, na posição própria do discípulo que escuta um rabi, um mestre, pôs-se a ouvir a palavra d'Ele. O trabalho era tanto que Marta veio ao encontro de Jesus e, compreensivelmente, quase em termos de repreensão, atirou-lhe: "Senhor, não te importas que a minha irmã me tenha deixado sozinha a servir? Diz-lhe que venha ajudar-me." Jesus respondeu: "Marta, Marta, andas inquieta e agitada com muita coisa, quando uma só é necessária! Na verdade, Maria escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada."

2. Ao longo dos tempos, sobre este texto sucederam-se os comentários. Que Marta representa a acção e Maria a contemplação. Mestre Eckardt, paradoxalmente, chamou a atenção para o facto de a verdadeira mística ser, afinal, Marta, no contexto do que se chamou "a mística de olhos abertos", dirigida à acção a favor dos outros. A contemplação sem acção, sem compaixão, pode não passar de pura ilusão. De qualquer modo, é essencial sublinhar o que raramente ou mesmo nunca se diz: Jesus está a afirmar que as mulheres também podem e devem ser discípulas. Não é por acaso que Maria está precisamente na posição do discípulo: aos pés de Jesus, escutando a sua palavra. Contradizendo o que estava determinado, Jesus teve discípulos e discípulas; as mulheres não podem estar confinadas ao serviço da casa.

3. Numa leitura abrangente e essencial, o que o texto propugna é uma Igreja das duas irmãs e a vida de todos, de cada um e de cada uma, tem de ser a sínteses das duas irmãs. Também na política.

Concretizando.