domingo, 23 de julho de 2017

A Urbanização da Quinta da Barra, na Praia da Barra, Gafanha da Nazaré, passa a designar-se por «Parque Urbano Paulo Henriques “O Paulinho”», em homenagem ao Campeão Europeu e Mundial, mas também recordista do Guiness.
Diz um comunicado da Câmara Municipal de Ílhavo que o atleta “Paulinho” conseguiu «estes feitos», os quais «são conquistas de um gigante atleta que tem a particularidade de ser portador de trissomia 21». 
Ao homenagear deste modo o "Paulinho", a autarquia ilhavense apresenta-o como exemplo a seguir por toda a nossa juventude de todas as idades. 
Os nossos sinceros parabéns.

sábado, 22 de julho de 2017

Mons. João Gaspar — Uma palavra de gratidão


Como é público, Mons. João Gonçalves Gaspar, Monsenhor apenas para os aveirenses e amigos, deixou a missão de Vigário-Geral da Diocese de Aveiro, dando lugar ao Padre Manuel Joaquim Rocha, recentemente empossado no cargo pelo nosso Bispo, D. António Moiteiro, depois de consulta ao presbitério aveirense. 
Mons. João Gaspar desempenhou o cargo cerca de 30 anos com a delicadeza e proficiência que lhe são conhecidas, só próprias de pessoas simples, de alma lúcida e competência indiscutível. Todos quantos o conhecem sabem que Monsenhor cultivou na vida a arte de saber escutar e o espírito de gerar consensos e de animar relações de proximidade com toda a gente. 
Conheço-o desde que começou a servir os Bispos da restaurada Diocese de Aveiro, sendo o braço direito e o conselheiro profícuo, ou não fosse ele um conhecedor profundo da área diocesana, cujos cantos e recantos cheios de histórias conhece como as suas próprias mãos. Vi-o ainda padre ao lado de D. João Evangelista, D. Domingos da Apresentação, D. Manuel de Almeida Trindade (altura em que foi distinguido com o título de monsenhor), D. António Marcelino, D. António Francisco e, finalmente, D. António Moiteiro. 
Monsenhor João Gaspar, no seu mundo de silêncio quanto baste, não se limitou a servir a Igreja nas tarefas próprias do seu múnus, mas foi muito mais além pela sua paixão reconhecida pela história, de Aveiro e não só, abrindo portas a estudiosos e amantes da cultura. Olhando para as publicações que editou, depois de pesquisas sem conta, pacientemente analisadas e meditadas, não podemos deixar de ficar perplexos pelas revelações que retratam o dia a dia da Igreja Aveirense e muito para além dela. 
Por estes dias, dei-me ao cuidado de compulsar diversos livros da lavra de Monsenhor, e vezes sem conta me quedei a meditar fascinado sobre a profundidade dos seus conhecimentos e a variedade dos temas abordados, o que me leva a dizer, com alguma garantia de verdade, que Monsenhor João Gaspar estará no primeiro lugar do elenco dos aveirógrafos, tão multifacetada é a sua obra. 
Em nome pessoal ou em representação do seu e nosso bispo, Monsenhor era presença assíduo, desejada e querida da grande maioria dos responsáveis por eventos realizados em Aveiro e arredores. Exposições de artistas de várias expressões, acontecimentos históricos relevantes, efemérides marcantes e lançamento de livros podiam contar com a sua presença amiga, solidária, atenta. 
A minha gratidão apoia-se na disponibilidade de Mons. João Gaspar para comigo, na hora precisa da confirmação de um ou outro estudo por mim encetado, nas novidades que normalmente me anunciava, na serenidade do seu relacionamento com todos, na humildade com que sabia e queria apenas escutar, na firmeza das suas convicções, na fé que irradiava e testemunhava, na sua capacidade extraordinária de pesquisa e escrita, na sua paixão por Santa Joana, na simplicidade da sua vida. Monsenhor é, realmente, uma pessoa que inspira confiança, amizade e amor a Jesus Cristo e à Igreja que sempre serviu e continuará a servir. 

Fernando Martins

Ler um livro...


Ler um livro de pensamento exigente
com um forte desejo da verdade
sem avidez em saber
sem pretensão de disputar
mas por gosto, por amor da verdade
Abrir a porta profunda
a todo o pensamento que emerge
e deixá-lo permanecer em paz
de modo que ele venha a dar o seu fruto.


Maurice Bellet
In Cahiers pour croire aujourd'hui, 
Novembro 1993

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Anselmo Borges — O ateísmo libertino


1. Marion Gräfin Dönhoff, uma prestigiada jornalista e intelectual alemã do pós-guerra, co-editora do semanário Die Zeit, escreveu, pouco tempo antes de morrer: "O fixar-se exclusivamente no aquém, que corta o Homem das suas fontes metafísicas, e o positivismo total, que se ocupa apenas com a superfície das coisas, não podem dar às pessoas um sentido duradouro e estável, e, por isso, levam à frustração."

2. Paradoxalmente, Nietzsche, o profeta do ateísmo, é testemunha disso. Aquele que, filho de um pastor protestante, fora uma criança piedosa e estudara Teologia, havia de proclamar publicamente, em 1882, através de um louco, em A Gaia Ciência, a morte de Deus: "Deus morreu! Deus está morto! E fomos nós que o matámos!" E continua: "Conta-se ainda que o louco entrou nesse mesmo dia em várias igrejas e aí cantou o seu requiem aeternam deo. Expulso dos templos e interrogado, ripostou sempre apenas isto: "Que são agora ainda estas igrejas senão os túmulos e os monumentos funerários de Deus?""
Mas, ao mesmo tempo, Nietzsche apercebe-se do afundamento que se segue. De facto, o júbilo perante o "acto mais grandioso da história", que foi a morte de Deus, é atravessado por estas perguntas terríveis: "Quem nos deu a esponja para apagar todo o horizonte? Que fizemos nós, quando soltámos a corrente que ligava esta terra ao sol? Para onde se dirige ela agora? Para onde vamos nós? Para longe de todos os sóis? Não estaremos a precipitar-nos para todo o sempre? E a precipitar-nos para trás, para os lados, para todos os lados? Será que ainda existe um em cima de um em baixo? Não andaremos errantes através de um nada infinito? Não estaremos a sentir o sopro do espaço vazio? Não estará agora a fazer mais frio? Não estará a ser noite para todo o sempre, e cada vez mais noite?"
Nietzsche anunciou a morte de Deus, mas fê-lo "sem triunfalismo nem euforia", como observa agudamente o filósofo Manuel Fraijó. De facto, percebeu que, sem Deus, soava "a hora do deserto, do vazio total, no niilismo completo". Serviu-se para isso de três metáforas: o mar esvazia-se, significando com isso que já não temos possibilidade de matar a nossa sede de transcendência e infinito; apaga-se o horizonte, e, portanto, ficamos sem o referente último de sentido; o sol separa-se da terra, isto é, o frio e a noite invadem tudo. E não é aí que estamos?
Nietzsche viverá atenazado entre o Deus que tem de morrer para ser possível o super-homem e a permanente nostalgia do Deus desconhecido. Foi ao Deus desconhecido que o jovem Nietzsche dirigiu esta oração: "Antes de prosseguir no meu caminho e lançar o meu olhar para a frente uma vez mais, elevo, só, as minhas mãos para ti na direcção de quem eu fujo. A ti, das profundezas do meu coração, tenho dedicado altares festivos para que, em cada momento, a tua voz me pudesse chamar. Sobre esses altares estão gravadas em fogo estas palavras: "Ao Deus desconhecido." Teu sou eu, embora até ao presente me tenha associado aos sacrílegos. Teu sou eu, não obstante os laços que me puxam para o abismo. Mesmo querendo fugir, sinto-me forçado a servir-te. Eu quero conhecer-te, Desconhecido. Tu, que me penetras a alma e, qual turbilhão, invades a minha vida. Tu, o incompreensível, mas meu semelhante, quero conhecer-te, só a ti quero servir."
O mesmo Nietzsche havia de confessar a Ida, a mulher do seu grande amigo F. Overbeck: "Nunca abandones a ideia de Deus. Eu abandonei-a; quero criar algo de novo, e não posso nem quero voltar atrás. Acabarei por sucumbir a esta paixão que me esfalfa constantemente. Vou-me desmoronando."

3. O pior do nosso tempo é o desinteresse. Já não se ergue a pergunta de abismo. E é como se Deus não existisse. Unamuno não se conformava: "Na ordem da cultura espero muito pouco daqueles que vivem desinteressados do problema religioso no seu aspecto metafísico."
Claro que o homem também vai morrendo, como escreveu Karl Rahner, o maior teólogo católico do século XX: "O homem só existe propriamente como homem quando diz "Deus", pelo menos como pergunta. A morte absoluta da palavra "Deus", uma morte que eliminasse até o seu passado, seria o sinal, já não ouvido por ninguém, de que o homem morreu."
Mas, afinal, será que Deus morreu? Não, Deus não morreu, fez-se Dinheiro, diz, com razão, o filósofo G. Agamben. E metamorfoseou-se de tal modo que agora o que há é o "ateísmo libertino", na expressão do filósofo uruguaio A. Methol Ferré, que, numa conferência em Lima em 1992 - cito a partir da reflexão de N. Tenaillon, em Dans la Tête du Papa François -, perguntava se tínhamos entrado num "interregno global" marcado por uma profundíssima crise dos valores, e respondia que a queda de um dos pólos da diarquia mundial, a União Soviética, e a sua difusão do ateísmo messiânico, tiveram como consequência "fazer ganhar o outro pólo, esse empenhado num empreendimento devastador, o da chegada de uma sociedade niilista". O novo ateísmo "mudou radicalmente de aspecto. Não é messiânico, mas libertino. Não é revolucionário no sentido social, mas cúmplice do statu quo. Não se interessa com a justiça, mas com tudo o que permite cultivar um hedonismo radical. Não é aristocrático, transformou-se num fenómeno de massa". Ao recusar toda a metafísica e, num gesto antiplatónico, ao cair num esteticismo desligado do Verdadeiro e do Bem, favorece um individualismo narcisista sem moral, em que o outro não conta como "pessoa", comenta Tenaillon.
As consequências deste ateísmo libertino na vida pessoal, moral, económico-financeira, procriadora, social, eclesial, militar, política, podem ser devastadoras. Como está à vista de quem quiser ver.

Padre e professor de Filosofia

Georgino Rocha — Diz Jesus: Deixai-os crescer juntos até à ceifa


Jesus quer mostrar à multidão os segredos do Reino que anda a anunciar. E aproveita para dar aos discípulos explicações complementares em ordem a consolidar a sua formação. As parábolas são um recurso pedagógico frequente entre os mestres dos judeus. Oferecem oportunidades únicas que Jesus sabiamente aproveita. O campo onde, juntos, crescem até à ceifa o trigo e o joio, a sementeira de um e de outro, a relação que se estabelece entre ambos, a reacção sensata e oportuna dos servos contrariada pela atitude paciente do dono constituem elementos preciosos que dão rosto à mensagem a transmitir. E pelo rosto se vai ao coração dos segredos de Deus.

O final das parábolas é, normalmente, surpreendente. O desfecho é provocante. A novidade aparece interpelante. A narração vai deixando elementos que despertam os ouvintes para o inesperado e provocador. E surge a pergunta desestabilizadora: O Deus em quem acreditamos é realmente o Deus de Jesus, o verdadeiro “Abbá”, como Lhe chamava? Aquele que manifesta traços de pai ingénuo como no caso do filho pródigo, de proprietário injusto que paga por igual a trabalhadores com horários diferenciados, de pastor com critérios tão estranhos que abandona noventa e nove ovelhas para ir em busca da que se perdeu?
A compreensão das parábolas exige a conversão do coração, sede da sabedoria que vem do Espírito e se manifesta na sintonia de atitudes com as de Jesus de Nazaré. Talvez, por isso, haja muita gente que ouve e não entende ou procura “dar-lhe a volta” para não alterar nada na sua vida e ficar de consciência tranquila. Não estaremos nós também nesta hipótese?

O trigo bom surge na parábola para realçar o papel do joio que simboliza o mal no mundo e as perturbações que desencadeia com o seu cortejo daninho e destruidor. O mal é uma realidade tremenda que perpassa em toda a humanidade. Constitui o maior acicate para a reflexão inquieta do espírito humano. Reveste muitas formas, algumas muito refinadas, e belisca a liberdade de quem busca sinceramente a verdade.
Jesus constata o facto e na parábola introduz o tema dizendo apenas: Um inimigo, enquanto todos dormiam, veio de noite, semeou o joio no campo e foi-se embora. Resumo feliz com os ingredientes principais que nos ajudam a ter uma primeira resposta: O joio/mal é inimigo do homem; a sementeira faz-se de noite enquanto a sonolência adormece os sentidos e sobretudo a lucidez responsável; o campo proporciona-lhe o húmus indispensável ao crescimento, tal como ao trigo; o ir-se embora não significa ausência, mas ocultamento, pois continua muito activo no joio daninho que pretende asfixiar o bom trigo, a seara farta que se deseja para bem de todos e de cada um, que se pressente no pão da família, no dom levado ao altar para ser eucaristia do Senhor.

O joio anda por todo o lado; também no teu coração. E Deus não te arranca o coração, mas perdoa sempre para que possas arrepender-te e tentar reorientar a tua vida. Confia em ti e espera que cresças e amadureças, que abras os olhos e descubras o que não queres ver: a trave que te cega, enquanto vês bem o cisco que limita o olhar do teu vizinho.
O joio anda por todo o lado; também na família e na Igreja, no mundo e  na sociedade, na política e na cultura. Deus não intervém directamente, não inutiliza a liberdade humana, nem a responsabilidade de quem tem funções especiais, seja na área da educação ou da comunicação social, seja na rede virtual ou nos cartazes publicitários.
Crescem juntos até à ceifa. O mal não tem a última palavra. Esta será dada na avaliação final, com a sentença de eliminação radical. “Apanhai primeiro o joio e atai-o em molhos para queimar”, diz o dono do campo, o Senhor da seara. Só ele faz o julgamento definitivo. O trigo bom será recolhido no celeiro de Deus, onde são guardadas as provisões para a sua família. Então ecoará por toda a parte a alegre notícia: “Felizes os que morrem no Senhor, pois as suas obras os acompanham”.

Entretanto, há que combater o mal com o bem e anunciar o valor dos pequenos passos. A agressividade multiplica a violência. E os novos ditadores espreitam constantemente. Os discípulos missionários têm de aprender a arte divina da não-violência activa, o domínio de si e não a cobardia, o diálogo e não a confrontação, a objecção de consciência, a resistência civil, a tolerância ética. Não te deixes vencer pelo mal, vence o mal com o bem porque Deus é assim. Diz o livro da Sabedoria na primeira leitura de hoje: “Agindo deste modo ensinastes ao vosso povo que o justo deve ser humano e aos vossos filhos destes a esperança feliz de que, após o pecado, dais lugar ao arrependimento.”

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Um conto de Valdemar Aveiro — Heróis que o tempo não apaga


“Heróis que o tempo não apaga — Um conto real de vida” é mais um trabalho de Valdemar Aveiro, em edição da Fundação Gil Eanes, com apoio da Jerónimo Martins. Trata-se de uma publicação bilingue (Português e Inglês) destinada, decerto, a leitores e estudiosos da saga dos bacalhaus, de que foram protagonistas muitos dos nossos antepassados, os tais heróis que não podem cair no saco do esquecimento porque o autor, como outros, não deixa que tal aconteça.
A edição, capa dura, papel de luxo e muito ilustrada é um regalo para os olhos e lenitivo para quem ainda transporta na alma as dores da solidão, do trabalho sem horário e sem descanso, da ausência da família, da impossibilidade ao menos de um simples contacto.
José Maria Costa, presidente da Fundação Gil Eanes, na Apresentação, diz que o autor nos descreve «a angústia destes bravos pescadores que, para além de viverem em condições desumanas, com enormes carências, experimentaram a fragilidade dos dóris, rezando para que o número de homens embarcados fosse o mesmo à chegada da campanha». 
No Prefácio, Artur Aguiar, sublinha que, «Conhecer o capitão Valdemar é perceber que existe uma pessoa com diversos talentos» em que sobressai «um dom que é o de saber falar, saber sentir e expor, escrevendo, a alma que invade o espírito de todos, desde o mais nobre ao mais plebeu». 
O capitão Valdemar Aveiro, ilhavense de raiz, mas gafanhão de coração, ou não tivesse ele brincado com crianças da Gafanha da Nazaré, que evoca com frequência e com sentimento, é um artista na arte e escrever, sobretudo quando ao correr da pena nos brinda com cenas dos seus quotidianos, mesclados, quantas vezes!, de ficção saborosa.
Contudo, refere o autor de “Heróis que o tempo não apaga — Um conto real de vida” que «Este conto não tem nada de fantasioso», afiançando que, «apesar de terem já passado sessenta e cinco anos», continua «a ver e a sentir a dureza crua que aqueles homens enfrentaram, todos os dias, na luta estóica que travavam com espírito de missão». E aproveita a ocasião para lembrar que, na sua opinião, «a “Solidão” e o “Isolamento Trágico” não são necessariamente realidades exclusivas de regiões desérticas. Elas encontram-se facilmente no meio de multidões». 
É pertinente destacar a dedicatória que antecede o conto. Diz assim:

«Este pequeno conto de vida, real e não ficcionado, é dedicado com muito respeito e admiração a todas as mulheres que pelos mais diversos motivos, passaram a vida na condição de “viúvas de homens vivos”.»

Nota: Arquivo fotográfico de diversas pessoas e entidades; seleção, edição e composição de fotografia de Rui Bela; tradução de Tim Oswald; Design de Rui Carvalho Design; 

Fernando Martins

Júlio Cirino — Ilha Terceira: Touradas

Toca a fugir

Tourada

Estátua aos Touros

Paixão pelas touradas

Praça de Touros



            Há coisas que se fossem combinadas não correriam tão bem. O tema que escolhi para esta semana foi a “tourada à corda”. O Prof. Fernando Martins pensou no mesmo, por o seu filho Pedro estar de visita aos Açores. Ainda bem, pois um trabalho complementa o outro. Assim sendo, passo a dar a conhecer o que já tinha escrito a este respeito.

Touradas

A ilha Terceira é terra de touros e touradas. Em Angra do Heroísmo existe uma praça de touros frequentada por muitos aficionados. Os irmãos Pamplona, a cavalo, e os “Forcados Amadores da Tertúlia Tauromáquica” (de Angra) e os “Forcados Amadores do Ramo Grande (da Praia da Vitória)” são dos nomes mais sonantes na ilha.
Mas a verdadeira paixão dos terceirenses são as “touradas à corda”, realizadas nas ruas da ilha entre 1 de Maio e 15 de Outubro de cada ano. Durante este período realizam-se mais de 400 touradas que atraem milhares de aficionados à “festa brava”.

O primeiro registo de um evento desta natureza ocorreu em 1622, ano em que a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo organizou a primeira “tourada à corda” enquadrada nas celebrações da canonização de S. Francisco Xavier e de Santo Inácio de Loyola.
Numa tourada de rua participam quatro touros, num percurso que ronda os 500 metros. O animal é controlado por uma corda comprida, com cerca de 100 metros, puxada, quando necessário, por sete a doze “pastores” que trajam blusa branca, chapéu preto e calça acinzentada.
A festa arranca logo pela manhã, na pastagem, para escolher os touros para a festa. Segue-se um almoço ao ar livre, muitas vezes acompanhado por música.
Algumas horas antes da tourada, os quatro touros separados são colocados em gaiolas de madeira, sendo o transporte para o local da corrida seguido por uma caravana de carros enfeitados com hortênsias.

Às 18H30 é lançado um foguete anunciando o início dos festejos, altura em que o primeiro touro sai da gaiola. Até ao pôr-do-sol sairão os restantes. Cada animal anda na rua perto de 20 minutos.
Entre a lide de cada touro existe um intervalo, que ronda um quarto de hora, aproveitado para dar escoamento ao trânsito e para os homens petiscarem nas “tasquinhas” ambulantes mesmo ali à mão. Por ali também andam vendedores de batatas fritas, pevides, amendoins, pipocas e donuts, para além de outras guloseimas. As touradas são uma excelente fonte de receita para as gentes da região. Basta dizer que os negócios ligados aos touros movimentam quase 40 milhões de euros por ano! Uma particularidade: os que moram na zona do arraial preparam mesas fartas para familiares e amigos e mesmo para alguns forasteiros que são convidados a associarem-se ao repasto.
Qualquer pessoa pode arriscar enfrentar o touro e ninguém paga bilhete para assistir ao espectáculo. É tradição as mulheres ficarem nas varandas, ou nos terraços, enquanto os homens se divertem no arraial. São considerados os mais destemidos aqueles que não se afastam muito do bicho.”
Alguns dos que por ali andam ainda não compreenderam que o peso dos anos já lhes roubou a agilidade de outrora e, por mais voltas que dêem, acabam quase sempre por se ensarilhar nos chifres do touro. Quando chega a hora, os que tiverem pernas para fugir correm até se sentirem seguros. Não havendo tempo, trepam muros, portões, árvores, postes de iluminação ou àquilo que estiver mais a jeito.
Outros, menos ágeis, ao verem as coisas mal paradas, atiram-se para o chão, protegendo a cabeça com as mãos, na esperança de não serem colhidos. Muitas vezes safam-se! Mas, mais cedo ou mais tarde, o touro acaba por atirar alguém contra um muro ou, pegando-lhe pelos fundilhos das calças, lança o desgraçado ao ar provocando-lhe uma queda aparatosa.
Mas nem só os que andam na estrada podem sofrer com a passagem do touro. Há pessoas sentadas nos muros que atiçam o bicho. Ora os muros, às vezes, são de construção frágil, compostos por calhaus soltos, uns por cima dos outros, rematados por uma camada de cimento. O bicho investe com tal ferocidade que esfrangalha aquilo tudo, pondo em perigo quem se julgava a salvo dentro do pátio. Se isto acontecer o pânico é geral, com toda a gente a esquivar-se, esbaforida, para a rua.
Se por um lado há pessoas que saem muito combalidas da refrega, outras há que são verdadeiros artistas na arte de escapar às investidas do touro. São os “capinhas” que, com ares de diestro, toureiam com capas improvisadas, guarda-chuvas abertos, uma peça de roupa, etc.
Há também quem enfrente o bicho completamente desarmado. Homem contra o touro. No campo das “touradas à corda”, luta mais leal não há! A única safa que têm, para não serem colhidos, é correr com passo miudinho, em círculos muito apertados, para vergar o touro, cortando-lhe a investida. Chegam a andar tão perto que roçam com a mão, durante alguns segundos, a testa do bicho.
Após a lide, os animais voltam aos campos para voltarem a ser utilizados quando necessário, mas nunca num período de tempo inferior a uma semana. Nas pastagens os touros têm alimentação saudável. São vacinados pelo médico veterinário que também os assiste em caso de doença.

A realização de corridas de “touros à corda” foi adquirindo um conjunto de regras de cariz popular respeitadas por todos. Estas normas definem, através dos riscos brancos pintados na via pública, até onde o touro pode ir, o lançamento de foguetes que anunciam o início e o fim de cada lide, para além de haver o cuidado de os touros terem as pontas dos chifres cobertas por algo que proporcione alguma protecção dos espectadores. Também as casas, muros, varandas e janelas, são tapados com protecções de madeira para evitar prejuízos quando o animal investe contra as coisas.
As touradas podem realizar-se mesmo em dias de condições atmosféricas desfavoráveis.

No final da tourada, a festa continua com “comes e bebes” ao qual os terceirenses chamam o “quinto touro”, que dizem “pegar mais” do que os touros verdadeiros.

Quem estiver interessado em conhecer melhor o que é uma “tourada à corda”, basta digitar, por exemplo: Imagens da Tourada à corda CAJAF na Feteira de 21 de Agosto de 2014.

Obs.- Fotos extraídas da rede social.