sábado, 1 de julho de 2017

Ângelo Ribau Teixeira — A Botadela


A Câmara Municipal de Aveiro promoveu para hoje a festa da Botadela no Ecomuseu Marinha da Troncalhada. Nunca fiz essa experiência, mas a Botadela tem lugar cativo na minha memória, graças ao meu bom amigo Ângelo que, esse sim, sabia disso por vivência própria. E aqui ofereço, portanto, aos meus leitores, um dos seus textos, também em homenagem à nossa amizade que perdura para além do seu regresso ao coração de Deus. 

Cada um pega na sua canastra e toca de acartar a areia dos areeiros para os meios. Os moços mais velhos iam dizendo qual a quantidade necessária para cada meio ao mesmo tempo que, com uma pá grande (pá de arear) iam espelhando a areia, que tinha de ficar com uma espessura tanto quanto possível igual. Para que isso acontecesse usavam uma técnica especial: enchiam a pá de areia e, enquanto a espalhavam, a pá era progressivamente voltada ao contrário, de modo a que quando acabava a areia, a pá estava de pernas para o ar.
Findo este trabalho, o moço mais velho que era habilidoso a cozinhar, foi tratar da bacalhoada, enquanto eram ultimados outros serviços.
O Ti “Marendeiro” preparando a bacalhoada.
Aproximava-se o meio-dia velho, hora de mais calor, altura em que se deveria abrir o tabuleiro do meio, dando passagem à água das partes de cima para as partes de baixo, onde iria formar-se o sal.
Era um trabalho altamente especializado que ficava a cargo do marnoto. Era executado com a pá do tabuleiro (pá em forma de cunha) que abria uma pequena passagem no portal existente no tabuleiro de meio. Dessa passagem dependia que a marinha “pegasse” bem, isto é, começasse a fazer sal logo no dia seguinte, ou não. Era uma greta pequena, para permitir a passagem de uma pequena quantidade de água, que vagarosamente se ia espalhando pela areia do meio.
Este serviço tinha de ser executado em todos os meios, um a um. Era um trabalho moroso, numa marinha que tinha cerca de cerca de cento e cinquenta meios.
Quando todas as passagens estivessem abertas, era dada uma volta mais rápida pelos tabuleiros. “Abre mais um pouco este, que a parte de baixo ainda tem pouca moira!”; mais além “Aperta um pouco a passagem com a pá e vai apertando a lama com o pé, que o meio já tem quase a moira suficiente!”
Quando a água passava das partes de cima para as de baixo (depois da botadela) era-lhe dado o nome de moira.
Agora, enquanto o tabuleiro se amanhava, o pessoal aproveitava para almoçar.
A comida era despejada do panelão para uma travessa grande e todo o pessoal comia dessa travessa. Cada um pegava no seu garfo, partia um pedaço de broa e toca a comer, que a manhã tinha sido de muito trabalho e tinha puxado pelo corpo…
No final da refeição, aquele que não estivesse satisfeito, pegava num bocado do miolo da broa que tivesse sobrado e fazia migas no resto do caldo da bacalhoada. Era saboroso. Mas, azar, não tínhamos trazido colheres! Só uma colher de pau grande, que serviu para mexer a comida enquanto era cozinhada e para a provar, para saber se estava bem temperada. “Não faz mal. Come um de cada vez e anda à roda”, foi o alvitre. Assim fizemos e não constou que alguém tenha adoecido!
Tinha acabado a botadela.
Agora havia que amanhar a marinha (pôr água nas zonas que haviam ficado em seco), serviço que passaria a ter de ser feito todos os dias. Foram fechados todos os portais dos tabuleiros do meio e abertos os furos com um moiradoiro que permitiam a passagem da água das canejas para as partes de cima.
A ligeira aragem que se fazia sentir e mexia a água que ia entrando, era a indicação da quantidade de água necessária. Nestes casos a prática é tudo!
Assim, foram "amanhados" (repostos os níveis de água) nas sobre-cabeceiras, nos talhos e nos algibeses, ficando a marinha amanhada para o dia seguinte. Nestes, não eram abertos furos, pois em cada um havia uma pequena bomba que era aberta para a passagem das águas, levantando-se as palmetas.
E assim se passou o dia da botadela. Eram cinco horas da tarde, de um domingo qualquer, de um mês de Julho de um ano qualquer…
Toca a arrumar as alfaias no palheiro, o moço mais novo com a jarra da água, agora vazia, ao ombro, e bota p´ra bateira de regresso a casa. Içava-se a vela, que o norte era fresco, e aí vínhamos nós!
Chegados à seca do Egas, amarrava-se a bateira ao moirão com o cadeado. Só agora estava terminado o dia. Salta para terra…
Estava terminado o domingo, dia de trabalho. E porque era domingo, nesse dia não haveria trabalho na terra.

Ângelo Ribau Teixeira

Férias ao alcance de todos





As férias, à partida, estão ao alcance de todos. Não podem ser, nem são, necessariamente,  sinónimo de despesas. E podem ser gozadas, procuradas e vividas quando nós quisermos, ao sabor da maré. 
Quando falamos de férias, estamos apenas a lembrar que elas correspondem a descanso, suspensão das tarefas profissionais de acordo com as leis oficiais que as regulam, paragens profissionais ou outras para retemperarmos o corpo e o espírito, fuga ao stresse desgastante, hora de reorganização da vida, busca de novos e mais estimulantes desafios, tempo para acertarmos o passo com familiares e amigos, estando garantido que depois delas poderemos encetar no dia a dia equilíbrios que nos rejuvenesçam. 
As férias, se quisermos, podem e devem ter momentos contemplativos face à natureza que nos envolve, com os ares puros das florestas, da ria e do mar a alimentarem a nossa alegria de viver e de estar com os outros, tendo por pano de fundo familiares e amigos, mormente os mais idosos, os doentes, os que vivem sós e esquecidos. 
Olhando para nós próprios, as férias podem permitir-nos realizar o que tantas vezes adiámos: ler livros que nos enriqueçam o espírito; ouvir a música que nos embala a alma e nos eleva, quantas vezes, até ao divino; ver ou rever um bom filme, que os há para todos os gostos. E o jardim não estará à nossa espera para novos ensaios? E a rega diária não estará a fazer falta? E a recolha de flores para os enfeites sempre agradáveis? E os festivais que pululam por todo o lado não serão desafios oportunos para novos estados de alma? E uns mergulhos no mar ou na ria não agitarão a modorra que o calor nos traz? E com a nossa capacidade criativa não poderemos inventar formas e estilos de vida mais saudáveis? E não estará nas nossas mãos repudiar ódios e raivas, procurando antes cultivar a esperança e levar à prática a fraternidade? 
Boas férias para todos.

Fernando Martins

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Anselmo Borges — A cultura da moleza e do achismo


1. Só alguns exemplos, aparentemente banais. Onde eu vivo, há uma rua com uma placa bem visível a ordenar que é proibido estacionar. Pois não, senhor, essa rua está, noite e dia, com carros estacionados em fila. Acontece-me frequentemente ver por ali agentes da polícia e dá-me vontade de parar para lhes dizer que, uma vez que não fazem nada, era preferível mandar retirar a proibição, pois, na situação com a qual pactuam, dá para pensar: se aqui, na presença da polícia, se pode transgredir, porque é que não se pode transgredir sempre?
Vivo perto de um excelente passadiço junto ao mar. Que delícia andar por ali e à noite contemplar o céu estrelado ("Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior persistência delas se ocupa a reflexão: o céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim", texto do filósofo Immanuel Kant, na sua pedra tumular, em Königsberg). Nesse passadiço, há placas, bem visíveis e espalhadas por muitos sítios, a dizer que são proibidas as bicicletas e a presença de animais. Pois não, senhor, lá andam as bicicletas e cães com fartura (estes estão sujeitos às necessidades das leis da natureza e fazem, com alegria dos donos, abundante cocó; julgam que alguém limpa?; puro engano!). E já ninguém se atreve a chamar a atenção ou a avisar, porque considera inútil e também para não correr o risco de vitupérios, que poderão ir além dos meramente verbais.
É assim. Os portugueses, mal pressentem que o perigo do castigo abranda, entram no laxismo e põem-se a transgredir. É a cultura da moleza. Este tipo de cultura anda ligado à irresponsabilidade. E é assim que acontecem tragédias como esta, indizível, porque não há palavras, que nos aconteceu em Pedrógão Grande e não só. Há alguém que assuma alguma responsabilidade? Está no Evangelho uma palavra que bem se aplica a toda esta nossa situação: "Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é infiel no pouco também é infiel no muito." Aí está a razão por que o Papa Francisco acaba de denunciar esta "sociedade líquida e volátil", pedindo que os filhos sejam educados "na austeridade". E o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, fez bem ao exigir, face à tragédia, que "é tempo de apurar tudo sem limites nem medos". Porque isto não vai lá só com afectos, pois somos seres rácio-emocionais, de afectos e razões. E que se tire todas as consequências. Mas alguém acredita, lá bem no fundo, que isso vai mesmo acontecer, com todas as consequências?

2. A questão é que a cultura da moleza anda em conexão com a cultura do achismo. Houve um tempo em que as pessoas eram recatadas nos seus juízos e receosas quanto ao valor das suas opiniões. Por isso, com facilidade reconheciam não terem capacidade para se pronunciar sobre temas que não dominavam. Esse tempo passou. Agora, do alto do atrevimento da sua ignorância, praticamente toda a gente acha que... tem direito a opinar sobre tudo, sem fundamentos nem razões. "Eu acho que...", e praticamente toda a gente, sobre qualquer assunto, acha que... É o achismo. Naqueles fóruns da rádio, seja qual for o tema, há sempre alguém que acha que... Ponham inclusivamente como tema, por exemplo, a questão da mecânica quântica. Julgam que haverá falta de achistas, ficando o programa no silêncio? A situação agravou-se com as novas tecnologias, nomeadamente, com a internet, pois qualquer um poderá fazer o seu comentário, publicitando a sua ignorância supina, para não falar na estupidez e má-criação. Mas, nisto, confesso o meu desconhecimento, não frequento esses territórios, dado que, felizmente, não sou dado à coprofilia.
Os perigos do achismo são terríveis. Porquê? Já não se procura a verdade e o ambiente criado é de confusão, de lamaçal. Tudo se equivale. Tudo vale. Ora, quando vale tudo, nada vale, e o perigo é o abismo. Já Hegel se queixava dizendo que de noite todas as vacas são pardas. No primeiro livro da Bíblia, o Génesis, está escrito que no princípio, quando Deus criou, separou a luz das trevas, fez o firmamento e separou as águas que estavam sob o firmamento das que estavam por cima do firmamento, chamou terra à parte sólida e mar ao conjunto das águas, etc., e viu que era bom. A unidade no diferente. Para lá da indistinção e da confusão. No meio da indistinção e da confusão, é a noite e a desorientação, sem horizonte de transcendência. Porque não se pensa.

3. Estava eu neste meu pessimismo triste quando apareceu o bálsamo de uma entrevista iluminante do querido amigo Eduardo Lourenço, no Expresso. "Não sei fazer outra coisa a não ser pensar." É um homem crente? "Esta é uma questão que, uma vez posta, não pode ter uma resposta. Porque é "a" questão. Não concebo uma explicação do mundo que dispense a referência a uma acção transcendente. Nós figuramos como sendo de um ente que criou o mundo, e isso pode ser uma coisa infantilizante. Mas faz parte das nossas referências na tradição ocidental." Concebe então um mundo criado? "Só mesmo um Deus poderia explicar o que aconteceu. Que palavra foi pronunciada. Essa é a questão para a qual não tenho resposta e em que a educação que tive mais pesa. Porém, sei muito menos hoje do que quando esse ensino era para mim claro como a verdade e absolutamente essencial como referência. Não há questão mais importante do que esta: ter uma resposta para o enigma do que existe e que essa resposta contenha ou não todo o sentido que podemos dar à vida e a nós mesmos. (...) Porque a única coisa que nos distingue é sermos conscientes. Não só morremos como temos consciência disso." Gostava de pensar em si como alguém que faz pensar? "Gostava de fazer pensar era a mim mesmo. Bem preciso, nesta fase da vida em que estou. Não sei fazer outra coisa a não ser pensar."

Anselmo Borges, no DN

Georgino Rocha — Ser ou não ser por Jesus


O discurso missionário de Jesus, apresentado por Mateus, atinge o seu ponto culminante com o desafio à liberdade dos discípulos a fim de se decidirem por Ele ou não, de serem ou não dignos d'Ele, de consagrarem a vida à Sua causa. (Mt 10, 37-42). O eco do desafio lançado, de forma tão desconcertante, faz estremecer certamente o coração dos apóstolos, pois o contraste é radical entre os pontos de referência aduzidos: o amor aos pais e aos filhos, a cruz e suas circunstâncias, o perder ou ganhar a própria vida. Jesus toca as fibras mais sensíveis do ser humano e quer uma atitude definitiva. Da parte de quem livremente deseja ser discípulo missionário, cristão autêntico e não apenas de nome, por ter sido baptizado ou fazer algumas práticas religiosas. “Nem os laços familiares, nem as ameaças à própria vida, nada pode impedir o discípulo de testemunhar a justiça do Reino”, escreve Frei Raimundo de Oliveira, em comentário a esta passagem do Evangelho.

A liberdade surge em todo o seu esplendor na atitude de quem se decide por seguir Jesus, ainda que venha a correr riscos, como bem ilustra a narrativa dos Evangelhos e a história da Igreja. A comunidade eclesial constitui o seu rosto irradiante e atraente. E a família cristã a sua realização doméstica, uma vez que assenta no amor conjugal heterossexual que os esposos livremente assumem e cultivam. E o cristão fiel a testemunha nas suas atitudes e intervenções de cidadania responsável. Quanto caminho andado no rumo indicado por Jesus! E quanto não falta ainda percorrer! “É melhor, dizem os antigos, um coxo andar devagar, mas pelo caminho certo do que um corredor olímpico por atalhos desviados. O coxo sempre avança em direcção à meta; o atleta quanto mais corre, mais se afasta”. Sábia sentença que nos estimula a avançar no apreço pela liberdade iluminada pelo Evangelho.

O amor aos pais e aos filhos não é negado, apenas re-situado. Supõe uma escala de prioridades. Fazer e viver de acordo com esta escala é exigente, mas dignificante. Amar Jesus para poder definir bem as prioridades, pois com ele se aprende a amar incondicionalmente, a viver um amor de doação total e definitiva. Até dar a vida pelo outro. Que bom seria que as nossas relações familiares estivessem sempre impregnadas deste amor.

Jesus conhece bem a Lei e os Profetas onde se repete o mandamento de honrar pai e mãe ( Éx 20, 12; Lev 19, 3; Deut 5, 16). A este mandamento está ligada uma promessa de longa vida; e também uma ameaça de condenação a quem amaldiçoar o pai ou a mãe ( Éx 21, 17; Lev 20, 9; Deut 27, 10). O livro do Eclesiástico convida a cuidar dos pais na sua velhice com desvelo admirável (Ecleo 3, 1-16). Todavia, quer que os discípulos dotem este amor com uma nova dimensão: a do amor incondicional semelhante ao seu. Nas alegrias e tristezas; nos momentos de provação e nas horas de felicidade. E em caso de oposição inconciliável, façam uma opção responsável, livre. Fruto da avaliação do que está em causa. 

Para isso, Jesus adianta a sua mais-valia com muita clareza: Atrai, mas sem forçar. Acompanha com delicadeza; nada do que é nosso Lhe é estranho. "Cuida de nós, vela por nós, protege, ampara, envia ajuda e socorro através da Igreja e dos outros. O modo de nos ajudar, de vir até nós nem sempre é aquele que desejávamos. Mas Ele com o seu Coração amigo e atento, sabe bem o que faz e como faz. É Amigo exigente – o amor quando é sincero é exigente; neste sentido Jesus não é um “amigo fácil”; segui-Lo é aprender a saber perder para ganhar, saber morrer para viver.” (Padre Joaquim Batalha aos paroquianos da Lourinhã).

A opção por Jesus vai acompanhada de uma promessa: a do acolhimento hospitaleiro, a da preferência pelos pequeninos, a da sintonia com Deus Pai que não regateia o seu amor misericordioso a ninguém. Acolhimento tão necessário, hoje. Preferência tão apelativa, nas circunstâncias actuais. Sintonia ritmada, sempre. Ser por Jesus faz-nos mais humanos. Experimenta!

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Um olhar sobre o passado

Tenho andado a consultar jornais antigos, onde depositei, como se fossem bancos, centenas de textos. Confesso que até fico espantado com a diversidade de trabalhos jornalísticos que produzi, paralelamente às minhas ocupações profissionais, oficiais e particulares, tão absorventes. Escrevi sobre tudo e sobre todos. Uns textos estão assinados e outros não. Mas todos identifico, sem me enganar, como filhos diletos que todos são. Disso, naturalmente, darei conta daqui a uns tempos, quando estiver mais folgado.
Estas deambulações pela minha vida jornalística trazem-me à memória recordações preciosas e evocações saudosos. Tanta gente que conheci ao longo da minha vida e que já nos deixou. Tanta gente generosa com quem convivi. Tantos eventos que divulguei e tantas histórias que contei.
Até um dia destes.

FM

Publiquei aqui

NOTA: Quando reli este texto, editado já lá vão uns sete anos, admiti a hipótese de dar conta do muito que escrevi «daqui a uns tempos», quando estivesse «mais folgado». Afinal, promessa nunca cumprida, tão-só por não estar «mais folgado». E nestas circunstâncias como poderia assumir esse desafio? Acresce a ideia de que, afinal, a tarefa seria ingrata. Como poderia eu cortar o joio sem ferir o trigo? 

FM

Uma flor solta parece viva, mas está morta


«Uma flor solta parece viva, mas está morta. Uma folha viva, oculta na copa, pode parecer morta, mas está viva e dela poderá desabrochar ainda muita vida. O importante não é o movimento, nem a aparência... Às vezes, o que está oculto e quieto é mais fecundo do que aquilo que se mexe muito, parece ter muita vitalidade, mas não é mais do que uma folha morta levada pelo vento...»

José Luís Nunes Martins, na RR

Georgino Rocha: Igreja Caridade — Um olhar a partir de dentro


«A caridade política merece destaque especial pela sua relação directa com o bem comum e a qualidade ética da convivência dos cidadãos. Ninguém pode dispensar-se, como pessoa ou associação, ninguém pode alhear-se da grande política. O magistério social da Igreja, passada a fase restauracionista, não cessa de salientar a excelência desta política e de assinalar a urgência da civilização do amor, alternativa daquela que nos envolve até à medula – a do consumo sem medida, apenas limitado pelas cautelas de prevenção de grandes males»

A Igreja é caridade por participação. Só Deus é caridade e vive esta realidade do seu ser na unidade das relações entre as três pessoas divinas. São relações pautadas pelo amor de doação incondicional, autêntica fonte de vida a transbordar e a comunicar-se. Jesus, o Deus humanado, desvenda “a ponta do véu” e abre o acesso a esta fonte insondável. E deixa a Igreja como sinal e instrumento (sacramento) que vive e transmite o que Ele mesmo testemunha: Deus é amor de misericórdia compassiva que intervém na história humana de muitos modos e em todas as épocas. Vive e realiza connosco. É a caridade em dinamismo de salvação libertadora.
A Igreja caridade tem aqui a sua matriz e o seu rosto. Ouso fazer-me peregrino no seu interior e realçar alguns marcos irradiantes que assinalam o seu caminho actual “entre as tribulações do mundo e as consolações de Deus” (Santo Agostinho). Outros se poderiam facilmente apontar.
Antes de mais, surgem as formas de relacionamento entre as pessoas, em todos os âmbitos da organização eclesial, de modo a que a sua instituição faça brilhar o amor com Deus nos ama. Incluem-se nesta dimensão, pelo seu especial significado, aqueles e aquelas que desempenham uma “função” especial no povo de Deus: bispos, padres, diáconos, religiosos/as e leigos/as, designadamente os que realizam o “ministério conjugal”. É um conjunto que faz brilhar a mesma caridade à maneira de poliedro, como gosta de dizer o Papa Francisco. “Vede como eles se amam” diziam admirados os que viam o estilo de vida dos cristãos nas primeiras comunidades.
A realidade actual, iluminada por este foco de luz, evidencia o caminho andado e, ainda mais, o que falta percorrer. É “tarefa” mobilizadora de quem sente a urgência de fazer brilhar a luz acesa para que todos vejam as boas obras e dêem glória ao Pai do Céu. É proposta e apelo que, após o Vaticano II, se faz mais interpelante e o Papa Francisco impulsiona pelo estilo de vida, pelas atitudes, pelo magistério e pelas reformas implementadas. E com ele tantos outros, felizmente!
A caridade eclesial vai configurando a sua originalidade conforme as situações e o desempenho dos discípulos missionários: a social para os que assumem a cidadania responsável e estão chamados a intervir de forma positiva para a humanização da sociedade e suas múltiplas associações e instituições. É propósito deste tipo de caridade ajudar a abrir horizontes a todas as realidades temporais: cultura, política, economia, entre outras. O bem comum e a comunhão no bem e na beleza constituem o pólo de atracção desta mobilização geral.

A caridade política merece destaque especial pela sua relação directa com o bem comum e a qualidade ética da convivência dos cidadãos. Ninguém pode dispensar-se, como pessoa ou associação, ninguém pode alhear-se da grande política. O magistério social da Igreja, passada a fase restauracionista, não cessa de salientar a excelência desta política e de assinalar a urgência da civilização do amor, alternativa daquela que nos envolve até à medula – a do consumo sem medida, apenas limitado pelas cautelas de prevenção de grandes males. E, a céu descoberto, fica a legião dos esfomeados, desnutridos, descartados. Sem a educação política para o bem comum, prevalece sempre a visão partidária, ideológica, sectária.

A caridade pastoral é aquela que dá ânimo profético ao testemunho do povo de Deus e às suas múltiplas esperanças, canseiras e lutas. Recebe um impulso muito grande do estilo de vida dos seus “pastores” ou de quem recebe a missão de o servir em nome de Jesus e por delegação da Igreja, na pessoa do Bispo diocesano. São notas típicas desta caridade: o amor solícito e misericordioso, a disponibilidade apostólica, a promoção de iniciativas que ajudem a descobrir o que de melhor existe em cada pessoa e a que ela mesma queira oferecer como dom aos outros, à comunidade. Até lá, prevalece o cultivo provisório do assistencialismo.

A caridade de Cristo lança em nós impulsos de conversão pessoal, de reforma da Igreja, de humanização da sociedade e de cuidado por toda a criação e suas criaturas; impulsos do Espírito que renova a face da terra.

Regata dos Moliceiros na Ria de Aveiro


No sábado, dia 1 de julho, a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro, mantendo a tradição, promove a edição de 2017 da Grande Regata dos Moliceiros da Ria de Aveiro.
A partida da etapa competitiva será às 13h do Porto de Abrigo da Torreira, rumo ao Canal das Pirâmides, em Aveiro, com chegada prevista por volta das 14h30.
No dia seguinte, 2 de julho, domingo, no Cais da Fonte Nova, no centro da cidade de Aveiro, haverá o Concurso de  de Painéis, pelas  11h; entrega de prémios da regata e do concurso de painéis, às 12h30; seguindo-se o regresso das embarcações, pelas 14h.
A iniciativa conta com a parceria da Câmara Municipal da Murtosa, a organização do Rancho Folclórico “Os Camponeses da Beira-Ria” e a colaboração do Sporting Club de Aveiro.

Festa da Vista Alegre com programa variado


«É uma festa religiosa diferente do habitual na medida em que inclui uma panóplia de atividades associadas à comunidade operária residente e às suas vivências culturais e lúdicas, visitas ao bairro e aos seus equipamentos, jogos tradicionais e ainda a “venda de oportunidades”, que muita gente atrai a esta festa, a par das celebrações religiosas, que incluem a missa campal, a procissão, e os concertos musicais», lê-se no site da CMI.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Passeio rápido pelos canais


Esta foto não é recente. Pelas bandeirinhas, estaríamos em dia de festa. Há uns tempos também fiz a experiência. A viagem foi rápida e monótona. Não havia cicerone que  explicasse fosse o que fosse. Fiquei com a impressão de que o que era preciso era chegar depressa ao fim da viagem. Não sei se agora será diferente, mas se não é algo está mal. Os de Aveiro e região já sabem umas coisas sobre a Ria e Aveiro. Os que vêm de longe talvez fiquem um pouco desiludidos. Sendo assim, tenho pena que não se aproveito este filão turístico que é a nossa Ria.  

Daqui a uns anos, os drones vão às compras

A notícia que li hoje no DN não me surpreendeu. A evolução tecnológica, que emerge dia a dia a uma velocidade louca, não deixa de nos espantar. Usar um drone com a mesma facilidade com que usamos um telemóvel abre-nos a expetativas inimagináveis. Estou em casa e se me apetecer adquirir um qualquer produto com urgência, pode tornar-se prático com os tais drones. Envia-se um ao supermercado e pronto. Telefona-se ou envia-se um SMS e a empresa resolve o assunto em três tempos. É isto? Parece que sim.

Júlio Cirino: Ilha Terceira — Monte Brasil





O Monte Brasil é outro lugar histórico da Ilha Terceira. Por lá encontramos a ermida de Santo António, vários miradouros de onde se vislumbram paisagens deslumbrantes, a cratera de um vulcão, trilhos bem arranjados para as pessoas passearem, um pequeno jardim zoológico com aves multicores e alguns animais, o Pico das Cruzinhas e veados que, habituados às pessoas, nos saem ao caminho corricando com graça. Porém, o monumento mais importante do Monte Brasil é a Fortaleza de São João Batista, mandada edificar por Filipe II, de Espanha, em 1567. Servia para defender a cidade e o porto de Angra dos assaltos dos piratas que por aqui apareciam para pilhar.
Mais tarde, já no século XIX, Gungunhana veio deportado para esta Fortaleza. Ganhando a confiança das autoridades militares, e também da população, com o decorrer do tempo as medidas de segurança foram-se amenizando até Gungunhana poder passear livremente no Monte Brasil e depois na cidade. 
Em 1899, Gungunhana seria baptizado e crismado na Sé de Angra, apadrinhado pela alta sociedade angrense.

Angra do Heroísmo, 25 de Junho de 2017

Júlio Cirino


Fotos:

- Vista aérea de Angra, tendo por pano de fundo o Monte Brasil onde se vislumbram as casernas e a Igreja de S. João Baptista.

- Igreja de S. João Baptista, implantada no Regimento de Guarnição n.º1 dos Açores.

- Pico das Cruzinhas.

- Casa onde Gungunhana viveu.



terça-feira, 27 de junho de 2017

Álvaro Teixeira Lopes — Ensinar piano com criatividade e rigor


«Formou várias gerações de músicos e grande parte dos professores de piano do país. Por isso, é muito provável que as obras, os aplausos ou os prémios conquistados pelos intérpretes nacionais tenham sementes cultivadas por Álvaro Teixeira Lopes. Professor de Piano e Música de Câmara no Departamento de Comunicação e Arte (DeCA) da Universidade de Aveiro (UA), quando se emociona ao ouvir a música dos alunos sabe exatamente que está a cumprir a missão de fazer crescer asas em cada um deles.»

Li e ouvi aqui


segunda-feira, 26 de junho de 2017

Espaço do Cidadão na Gafanha da Nazaré todas as segundas-feiras


O segundo Espaço do Cidadão do município de Ílhavo abriu portas hoje, 26 de junho, na Gafanha da Nazaré, disponibilizando à população mais de 70 serviços. Fernando Caçoilo, presidente da CMI, considerou esta iniciativa da autarquia de «importância vital para a comunidade da Gafanha da Nazaré», tendo  resultado do acordo estabelecido entre a autarquia ilhavense e a AMA (Agência para a Modernização Administrativa). Não está previsto instalar qualquer outro na área concelhia.
O autarca adiantou que a abertura deste balcão foi fruto da avaliação feita a partir do sucesso alcançado pelo Espaço do Cidadão na sede do concelho, que conseguiu atender, durante o primeiro ano de serviço, em 2016, mas de mil utentes. 
A partir desta data, aquele espaço vai funcionar na sede da Junta de Freguesia por «razões óbvias», ligadas à sua localização, inicialmente apenas às segundas-feiras, ficando garantido que, «se o balcão tiver sucesso», o tempo de atendimento terá de ser alargado, prometeu Fernando Caçoilo. 
Entre as dezenas de serviços, destacamos a revalidação da Carta de Condução, 2.ª via e substituição, a alteração de morada no Cartão de Cidadão, Cartão Europeu de Seguro de Doença, ADSE, do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), da CGA (Caixa Geral de Aposentações), do IMT (Instituto de Mobilidade e de Transportes) e da AMA (Agência para a Modernização Administrativa).
O Espaço do Cidadão vai funcionar às segundas-feiras, das 9  às 16 horas, com interrupção para almoço.
O presidente da Junta de Freguesia, Carlos Rocha, mostrou a sua satisfação pela abertura deste serviço público destinado às populações, tendo frisado o bom entendimento existente entre a Junta e a CMI, sempre aberta ao acolhimento de «propostas importantes para a nossa freguesia». Ainda formulou votos no sentido de que «este espaço possa começar, a partir de agora, a «ser utilizado pelo maior número possível de pessoas». O alargamento do número de dias de atendimento dependerá do sucesso do balcão ora inaugurado. 

Parque Infante D. Pedro: 26 de junho de 1927


“Foram inauguradas as obras da construção do Parque do Infante D. Pedro, levadas a efeito pela Câmara Municipal de Aveiro, da presidência do Dr. Lourenço Simões Peixinho (O Democrata, 2-7-1927) – J.”

Calendário Histórico de Aveiro”, 
de António Christo e João Gonçalves Gaspar

Nota: Enquanto as atuais gerações deambulam, em horas de folga das suas escolas e universidade de Aveiro pelo Fórum, grandes superfícies, cafés e bares, a minha geração passeava pelo Parque Infante D. Pedro, com o seu lago, arvoredo e jardim superior. Não havia trânsito que incomodasse e por ali se circulava à vontade. Na altura da Feira de Março, era ela com os seus desafios que concentrava todas as atenções da juventude escolar. 
Guardo mais recordações do parque, onde de vez em quando até remávamos em barquinhos fáceis de governar. Um dia, medi mal a distância quando quis pôr pé em terra, e molhei-me um pouco. Tempo quente secou-me as calças e os sapatos, num já. A minha saudosa mãe nem deu por ela. 
Há dias visitei-o.  Acho que passei por todos os recantos para matar saudades. Vi pouca gente, é certo, mas eu, nesse dia, fiz a desejada viagem no tempo para recordar amigos de há uns sessenta e tal anos.                                  

domingo, 25 de junho de 2017

Ampliação do molhe norte — 25 de junho de 1981


“Na sede da Junta Autónoma do Porto de Aveiro, foi assinado o contrato das obras do porto de Aveiro – 1.ª fase – em que se incluiu o prolongamento do molhe norte, a construção de um novo cais comercial e a regularização hidráulica do canal de navegação (Correio do Vouga, 3-7-1981) – J.”

"Calendário Histórico de Aveiro” 
de António Christo e João Gonçalves Gaspar

NOTA: Depois da abertura da Barra, em 3 de abril de 1808, sempre houve necessidade de a melhorar para facilitar, com segurança máxima, a entrada e saída de navios, sobretudo de grande porte. O assoreamento tornou-se uma constante e as correntes marítimas atacavam, em especial nas marés vivas do inverno, as praias do Farol e as demais que se prolongam a caminho da Vagueira, para as proteger. Em 1981 iniciou-se o prolongamento do molhe norte, 1.ª fase, lado de S. Jacinto. Depois prosseguiu.. 

Maria Teresa Horta — Ninguém me castra a poesia


 Ninguém me castra a poesia
se debruça e me põe vendas
censura aquilo que escrevo
nem me assombra os poemas

Ninguém me paga os versos
nem amordaça as palavras
na invenção de voar
por entre o sonho e as letras

Ninguém me cala na sombra
deitando fogo aos meus livros
me ameaça no medo
ou me destrói e algema

Ninguém me aquieta a escrita
na criação de si mesma
nem assassina a musa
que dentro de mim se inventa

Maria Teresa Horta,
“Resistência”,
in “Poesis”, D. Quixote, 2017

Por sugestão do Caderno Economia do EXPRESSO

Bento Domingues — Francolino Gonçalves, Um investigador original

Frei Francolino Gonçalves
1. Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851-1925) diz que, no período medieval, “a literatura portuguesa, em matéria de traduções bíblicas, é de uma pobreza desesperada”. Esta afirmação tem sido repetida, mas nunca desmentida. A primeira tradução da Bíblia, a partir de hebraico e do grego, foi realizada por João Ferreira d’Almeida, que tinha passado, aos 14 anos, do catolicismo ao protestantismo (Igreja Reformada Holandesa). A sua tradução foi publicada e corrigida entre os séculos XVII e XVIII.
José Nunes Carreira sintetizou a história da Exegese Bíblica em Portugal [1] nos seus momentos altos e baixos. Frei Francolino Gonçalves foi um dos seus momentos mais importantes. Fez parte dos grandes investigadores da famosa Escola Bíblica de Jerusalém (EBJ), a responsável, desde os finais do séc. XIX, pelo estudo científico da Bíblia, no campo católico. Para dar a conhecer as dificuldades desse grande salto, aconselhou que fosse editada, em Portugal, uma obra incontornável do seu fundador, Marie-Joseph Lagrange, O.P. [2]
Frei Francolino morreu, em Jerusalém, no dia 15 de Junho. Nasceu em Curujas, Macedo de Cavaleiros, a 28 de Março de 1943. Professou na Ordem Dominicana em 1960.
Nunca procurou fazer carreira. Seguiu o caminho de preparação para ser uma testemunha lúcida do Evangelho. Depois dos estudos curriculares, em filosofia e teologia, em Portugal e no Canadá, foi enviado para a EBJ. Aí e durante 43 anos, trabalhou como investigador e professor. Considerou-se, até ao fim, como um estudante. Foi solicitado para fazer cursos e conferências em Paris, Berlim, Salamanca, Roma, Portugal, Tóquio, Quebec, Cusco, Lima, Santiago do Chile, México, mas as suas responsabilidades de investigador, de preparação de novos investigadores e de publicações científicas estiveram sempre ligadas à EBJ. Era a sua casa, de vida e trabalho, num contexto de atentados permanentes contra os direitos humanos.
Reconhecido nos meios da investigação bíblica como uma das suas grandes figuras, de alcance internacional. Ao ser convidado para Membro da Comissão Bíblica Pontifícia, e reconduzido pelo Papa Francisco, alguns meios de comunicação católica portuguesa acordaram para uma realidade que ignoravam.
Em Portugal, foi premiado, em 2011, pela Academia Pedro Hispano, é membro da Academia Portuguesa de História, do conselho científico de CADMO, da Revista Lusófona Ciências das Religiões, do ISTA e da Associação Bíblica Portuguesa.
Quem desejar conhecer a sua bibliografia pode recorrer ao site Bibliothèque St Étienne de Jérusalem – École Biblique et Archéologique Française [3]. Em Portugal foi, sobretudo, nos Cadernos ISTA que publicou alguns dos seus estudos mais significativos [4].
Espero que, em breve, sejam publicados em livros. Todas as vezes que tentei que isso acontecesse, dizia-me sempre que gostaria ainda de rever o conjunto, como obra unificada. A sua insatisfação nada pôde contra a morte.
2. Frei José Nunes, O.P., na celebração da Eucaristia de evocação de Frei Francolino, referiu-se a um dos seus estudos decisivos e inovadores sobre as representações de Deus nas duas religiões iaveístas do Antigo Testamento (AT) [5], isto é, a existência de dois iaveísmos diferentes. Esse estudo é muito extenso e muito analítico. A eleição de Israel, a sua libertação do Egipto e a aliança que Iavé fez com ele são os artigos fundamentais da fé iaveísta.
Esta era a opinião comum que fazia das relações entre Iavé e Israel a matriz do iaveísmo. Tornou-se, para vários autores, uma posição insustentável. Era contestada a opinião corrente liderada por uma grande figura da exegese, von Rad. A própria constituição dogmática Dei Verbum, do Vaticano II, deve muito à teologia desse teólogo luterano. Mas, na sequência de outros investigadores, Frei Francolino mostrou, pelo contrário, que o AT contém duas representações diferentes de Iavé. Segundo uma, ele é o Deus criador que abençoa todos os seres vivos; segundo a outra, ele é o Deus que está ligado a Israel, o seu povo, a quem protege e salva.
Segundo o Fr. Francolino, os exegetas não prestaram a atenção que mereciam estas vozes discordantes. A esmagadora maioria parece nem as ter ouvido. Por isso, ficaram sem eco, não tendo chegado ao conhecimento dos teólogos, dos pastores nem, por maioria de razão, do público cristão. “As minhas pesquisas, nesta matéria, confirmaram, essencialmente, os resultados dos estudos que referi e, além disso, levaram-me a propor uma hipótese de interpretação do conjunto dos fenómenos religiosos do AT, que é nova. A meu ver, o AT documenta a existência de dois sistemas iaveístas diferentes: um fundamenta-se no mito da criação e o outro, na história da relação de Iavé com Israel. Simplificando, poderia chamar-se iaveísmo cósmico ao primeiro e iaveísmo histórico ao segundo. Contrariamente à opinião comum, a fé na criação não é um elemento recente, mas constitui a vaga de fundo do universo religioso do AT.”

3. Qual é a importância da descoberta de dois iaveísmos? Julgo-a de grande alcance para todos os leitores do AT e considero-a uma das raízes do universalismo cristão. É a diferença entre um Deus universalista, Deus de todos os seres humanos e da criação, casa comum de todos, e a representação de um Deus nacionalista que confunde o Mundo com os interesses de um povo, capaz não só de o defender, mas de se tornar inimigo dos outros povos, podendo até mandá-los exterminar.
É esta distinção que nos pode ajudar a compreender o sentido e o absurdo da violência de muitas páginas da biblioteca do povo de Israel. Colocou-se na boca de Deus os interesses de um povo contra os outros povos. Não pode ter sido o Deus do Universo a escrever essas blasfémias.
Quando tropeçamos nessas passagens, devemos perguntar: que causas e interesses defendem?

Frei Bento Domingues, O. P.
no PÚBLICO deste domingo

NOTA: Poderá encontrar mais referências a Frei Fracolino e à sua obra no Google

[1] Exegese Bíblica, Dicionário de História Religiosa de Portugal, C-I, Círculo de Leitores, 2000, pp 221-229
[2] Recordações pessoais. O Padre Lagrange ao serviço da Bíblia, Biblioteca Dominicana, Tenacitas, 2017
[3] http://biblio.ebaf.info/cgi-bin/koha/opac-search.pl?q=au:Gon%C3%A7alves%20Francolino%20J
[4] http://www.ista.pt/1/upload/ista_25_2012.pdf, pp 92-136; Artigos Fr. Francolino, p117
[5] Iavé, Deus de justiça e de bênção, Deus de amor e salvação, ISTA, n.º 22, 2009, pp 107-152, ver, sobretudo, pp 114-115

sábado, 24 de junho de 2017

A UA explica... como podem as florestas resistir aos incêndios?


A história repete-se todos os anos. Sobem as temperaturas e o tema dos incêndios regressa às capas dos jornais e às aberturas dos noticiários. Desaparece o verde que dá colorido às nossas paisagens e as cinzas tomam conta das nossas matas. A pergunta fica a pairar no ar. Pode a nossa floresta resistir a tantos incêndios? Pode. Como? O professor Jan Jacob Keizer, no Departamento de Ambiente e Ordenamento, avança com algumas pistas para podermos contornar este flagelo.


Deixa-me dar-te o verão


O verão é feito de coisas
que não precisam de nome
um passeio de automóvel pela costa
o tempo incalculável de uma presença
o sofrimento que nos faz contar
um por um os peixes do tanque
e abandoná-los depressa
às suas voltas escuras.

José Tolentino Mendonça
In "A Noite Abre Meus Olhos"