domingo, 8 de abril de 2007

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS-18

Capela de Nossa Senhora da Penha, Vista Alegre:
Túmulo de D. Manuel de Moura Manuel


A CAPELA DA VISTA ALEGRE
E O ESCULTOR

Caríssima/o:

Uma tradição e costume dos habitantes da nossa terra era ir à Feira da Vista Alegre. Esta feira, mais conhecida pela “Feira dos 13”, é realizada no espaço da «quinta», nos dias 13 de cada mês. Foi devida a influências de D. Manuel de Moura Manuel, pedida pelo juiz, vereadores e povo das «vilas» da Ermida e Ílhavo, e autorizada por alvará régio de 14 de Junho de 1663.
Também eu um dia lá fui na companhia de minha Mãe em busca de um agasalho: que sobretudo quentinho se comprou em segunda mão! E como me resguardou nos primeiros anos do liceu nas viagens invernosas de bicicleta para Aveiro!...
Ora, Viale Moutinho, em “Lendas de Portugal”, edição de Diário de Notícias, 2003, a páginas 117, fala-nos daquele bispo e da capela da Vista Alegre. Vamos ler:
«Na capela da Vista Alegre, da invocação de Nossa Senhora da Penha de França, há uma notável obra de arte tumular em mármore, em que a figura não se encontra exactamente jacente mas soerguida. Como se visse algo espantoso diante dela, a visão do outro mundo. E o que não poderia ver aquele que, para além de 16.º bispo de Miranda e reitor da Universidade de Coimbra, fora sobretudo pessoa graúda na cruel Inquisição? Trata-se de D. Manuel de Moura Manuel, protagonista de uma lenda, dono da vizinha Quinta do Paço da Ermida. Pois a lenda diz que esse túmulo foi feito pelo próprio Diabo, ainda em vida do prelado. Admiram-se? Já vão saber como.
O bispo de Miranda, quando as obras do templo iam adiantadas, lembrou-se de mandar ali fazer o túmulo em que seriam guardadas as suas cinzas. Concebera o projecto e precisava de um bom artista para o executar. Cismava nisso quando lhe apareceu um jovem desconhecido, que se ofereceu para dar corpo à sua ideia. Era todo um misterioso personagem que evitava falar de si e não trazia recomendações de ninguém.
- Quem lhe disse que eu não encontrava artistas para as obras que desejo fazer?
- Adivinhei-o.
- Então, estou a falar com um adivinho?
- Sim, senhor.
- Pois deixe-me em paz.
- Mas eu nem sei com quem trato...
- Ouça-me, olhe que quem eu sou pouco importa. Precisa ou não de um bom escultor?
- Preciso.
- Então, contrate-me. Eu sou escultor e não dos piores!
O prelado começou por rejeitá-lo, por falta de confiança. Em desespero de causa, o escultor disse que faria uma peça à experiência e lha traria de amostra. Relutante, o bispo aceitou, mas só para se ver livre dele.
Dias mais tarde, o desconhecido procurou D. Manuel e exibiu-lhe uma escultura. Trabalhara nela mesmo ali, ao pé da capela, encerrado numa cabana de palha. Finalmente, acabara a obra. Era um retrato do Diabo. D. Manuel de Moura Manuel ficou deslumbrado com a perfeição e o vigor da escultura. Logo ali entregou a capela e o seu túmulo àquele misterioso desconhecido, afastando todos quantos se lhe ofereceram e por quem tantos e tão altos se interessavam. E ele não só acabou as obras da igreja e o túmulo do bispo, como também de D. Teodora, a filha do prelado.
E o mais misterioso foi que, estando as obras apontadas pela mão do indivíduo misterioso, já não se tornando necessária qualquer sua ulterior intervenção, ele desapareceu. Não faltou quem dissesse que ele tinha pactos diabólicos. Nem sequer se apresentou para receber, e não era tão pouco como isso. Os que não acreditam em lendas, alvitram que o artista poderá ter sido assassinado por ladrões, que decerto lhe roubaram alguma coisa que o bispo lhe tivesse pago. Mas até isso já é ganga da lenda...»

Uma Santa Páscoa, com bons folares.

Manuel

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Santa Páscoa

Neste início do tríduo pascal, quero desejar a todos os meus leitores e amigos uma Santa Páscoa.
Aproveito para sublinhar que tenho estado um pouco ausente deste meu espaço por razões, muito simples, de algum cansaço.
Espero retomar, em breve, a dinâmica habitual, com mais atenção ao mundo que nos cerca e que temos o dever de o tornar mais fraterno.

Mensagem pascal do Bispo de Aveiro

TESTEMUNHO DE VIDA,
A GRANDE MENSAGEM PASCAL

Em Aveiro, cidade e diocese, fui descobrindo, nestes primeiros meses de vida e ministério, através de tantas pessoas que encontro, dos movimentos apostólicos e grupos cristãos com que reúno, das comunidades cristãs que visito e das iniciativas pastorais que acompanho e incentivo, um modo peculiar e belo de celebrar a fé com alegria, de viver a Quaresma com intensidade e de preparar a Páscoa com entusiasmo.
Cada paróquia teve os seus dias de confissões, oferecendo a cada crente momentos únicos de celebração sacramental da reconciliação. Cada paróquia fez a sua caminhada quaresmal e proporcionou oportunidades próprias ou de índole arciprestal de formação teológica, espiritual e pastoral.
O testemunho de vida e de fé dos sacerdotes, diáconos, religiosos e leigos de Aveiro e a proposta de iniciativas pastorais e de acções litúrgicas das comunidades cristãs e dos movimentos apostólicos da diocese são a grande mensagem pascal que, na comunhão da Igreja que somos, acolho, assumo e transmito a todos os Aveirenses.
Importa ter presente que a Páscoa não é apenas o Domingo da Ressurreição. A Quaresma termina na manhã de Quinta-feira Santa com a Missa Crismal. Com a Celebração do Senhor inicia-se o Tríduo Pascal; na Sexta-feira Santa celebra-se a Paixão e a Morte de Jesus; no Sábado Santo vive-se um longo dia de silêncio e de meditação na expectativa do Domingo e na esperança do anúncio solene da Ressurreição. Este Domingo começa com a maior de todas as vigílias: a Vigília Pascal.
Por seu lado o tempo pascal prolonga-se até ao Pentecostes e a celebração da Páscoa tem lugar em cada Domingo, que é o dia do Senhor Ressuscitado, e em cada Eucaristia em que anunciamos a morte de Jesus, proclamamos a sua ressurreição enquanto aguardamos a sua vinda.
Na Eucaristia, sacramento de amor compreendemos que Aquele que volta à vida é Aquele que dá a vida.
Se em alguma época ou circunstância a Igreja for tentada pelo desânimo, pelo medo, ou pelo pessimismo tudo isso se deve desvanecer à luz da Páscoa. Aqui renasce em cada ano e em cada tempo o dinamismo redentor da fé, a certeza inabalável da esperança cristã e a garantia serena de que toda a vida tem sentido indeclinável e valor eterno.
É dando a vida que Jesus vence a morte. É ressuscitando que Jesus nos reconduz à vida e à graça de sermos filhos de Deus, salvos do medo, do pecado e da morte.
Este é o mais denso e santo mistério que a Páscoa nos oferece e que nos chama a viver, a celebrar e a testemunhar.
São múltiplas as manifestações de alegria, de festa, de vida e de esperança que envolvem a celebração da Páscoa nas nossas terras cristãs.
Devemos saber cultivá-las e mantê-las na medida em que são expressão pública da fé no Ressuscitado, dão colorido à vida humana, familiar e social e emprestam interioridade espiritual e beleza aos nossos ambientes. Procuremos impregnar de forma criativa estas manifestações de conteúdo doutrinal e de aprofundamento formativo para que sejam gestos evangelizadores e instrumentos de diálogo com o mundo e pontes de sadia articulação entre a fé e a cultura.
Voltada para a família como prioridade pastoral, a Igreja de Aveiro conhece a urgência que as famílias sentem de descobrir na Páscoa a força da reconciliação, o segredo da harmonia e da fidelidade, a fonte do amor santo e feliz, a alegria do acolhimento da vida e da educação religiosa dos filhos, o encanto da oração em comum, o sentido da disponibilidade para o bem e para a missão apostólica e o sabor saudável da festa e da esperança cristãs.
Dirijo esta mensagem pascal, com particular afecto pastoral, a todas as famílias da diocese para que encontrem na Páscoa de Jesus Cristo, que a Igreja renova e celebra, a fortaleza do amor e a alegria da felicidade e ajudem os que vivem em provação a manterem vivas a fé, a esperança e a fidelidade.
Santa e Feliz Páscoa.

+ António Francisco dos Santos
Bispo de Aveiro

terça-feira, 3 de abril de 2007

Um poema de João de Deus


CRUCIFIXO


– Minha mãe, quem é aquele
Pregado naquela cruz?
– Aquele, filho, é Jesus...
E a santa imagem dele!

– E quem é Jesus? – É Deus!
– E quem é Deus? – Quem nos cria,
Quem nos manda a luz do dia
E fez a terra e os céus;

E veio ensinar à gente
Que todos somos irmãos
E devemos dar as mãos
Uns aos outros irmãmente:

Todo amor, todo bondade!
– E morreu? – Para mostrar
Que a gente pela verdade
Se deve deixar matar.

:

Foto: Crucifixo de Salvador Dalí

Um artigo de Alexandre Cruz


Será Páscoa,
será um tempo novo!


1. Não é um simples cumprir de calendário social, nem é meramente um tempo que marca alguns dias de férias na primavera que floresce, nem é somente o assinalar da transição para um novo período lectivo. Páscoa não rima com hábito repetitivo, Páscoa quererá ser “Passagem” sempre criativa a uma vida melhor! Todos os sinais, gestos e pausas escolares vêm, precisamente, deste festejar uma nova alegria que se foi construindo ao longo do tempo da sua preparação (sim os grandes acontecimentos preparam-se!). Só assim tudo fará sentido; vendo ao contrário, esquecendo a razão de ser da festa e do encontro, tudo correrá o perigo de se esvaziar. A Páscoa (tal como o Natal) quererá marcar na história da vida pessoal e social um tempo novo, onde a esperança que se renova será o lema de ordem permanente.
2. É admirável a pedagogia dos séculos que nos precederam e que fazem chegar até nós um significado englobante de toda a realidade que nos envolve. A “tradição” que chega até nós (e as boas tradições serão sempre de continuar) dando-lhe sempre mais sentido, mostra-nos que com a irrupção da natureza primaveril, com o progressivo surgir das primeiras colheitas, haverá que dar um sentido espiritual, virtuoso, de ideal absoluto, a tudo aquilo que está a acontecer. A Páscoa (judaica da antiguidade de Moisés) aperfeiçoada existencialmente na histórica Páscoa da entrega dedicada e decisiva de Jesus Cristo, transmitiram criativamente ao longo dos séculos um sinal esperançado de que A VIDA VENCE toda a morte e de que tudo quanto existe quererá participar desse luminoso projecto de vida.
3. A autenticidade do acontecimento pascal – na sua celebração de Semana Maior – coloca diante de nós tudo quanto nos acontece e faz parte da nossa própria humanidade pessoal e social. A Páscoa não esconde o (sofrimento) que tantas vezes a sociedade da “estética” oculta; o horizonte da beleza pascal, contrariando tantas misérias e menoridades egocêntricas, quererá oferecer um sinal universalista de “ética” como caminho de (re)conciliação entre os povos; o sentido festivo pascal propõe, desmontando caminhos de individualismo asfixiante, uma sincera abertura ao outro, ao grupo, à dimensão social de festa que seja um “sinal” plural de frescura do “novo encontro” de uns com os outros. Que seria de nós sem (o Natal e) a Páscoa?! Um repetitivo contínuo, fotocopiado sem novidade, sem um sentido novíssimo a dar ao tempo e à vida!
4. A Páscoa não vem por si mesma sem um “acolhimento”; a Páscoa não se compra nem se vende; a Páscoa, no seu verdadeiro sentido de “passagem” desejará fortalecer o encontro, gerar maior proximidade, na tomada de consciência que o “tempo histórico” é sempre provisório e que o essencial da vida será a nossa abertura de espírito ao outro e ao “tempo do absoluto” divino. A Páscoa quer-nos fazer parar e pensar mais um pouco, olhar para a vida, não nos deixarmos afogar nas preocupações que ela contém (e que estão sempre garantidas!); propõe-nos que “repousemos” um pouco no sentido de nos renovarmos na nossa própria identidade de “pessoas” que somos e aí abrirmo-nos à (re)criação humilde de todas as novas possibilidades e horizontes, desejando envolver um mundo de paz em tudo o que somos e sentimos. Só um “coração do tamanho do mundo” verá a verdadeira Páscoa! Mas esse não dependerá tanto do número de “horas de religião” mas sim bem mais da autenticidade de vida, sendo um “coração puro”...
5. Será Páscoa na medida em que a preparamos! Não só o cuidar da casa para receber a festa, mas o cuidar da “paz interior” para acolher de modo mais vivo um sentido de paz espiritual. Haverá tanto mais harmonia, sentido para a vida e equilíbrio na gestão diária quanto mais aquilo que não os ritmos do sentir humano (espelhados nestes tempos fortes) forem acolhidos de modo feliz e gratificante na liberdade pessoal. São muitos os caminhos, mas… se não se colocar ao caminho, se não se ligar ao que “acontece”, tudo não passa de um clonado ficar na mesma, perdendo-se a frescura e passando ao lado do maior acontecimento do tempo da história humana que, na Páscoa, se abre ao tempo novo absoluto. E tanto que o mundo precisa de vidas com sentido pascal que dêem paz e esperança a cada momento de vida!
6. Que em algum tempo de “pausa” destes dias seja dado ao “Senhor do Tempo” mais um pouco de espaço. Será mais Páscoa, nesta identificação pessoalíssima com o ideal maior da perfeição a atingir; na Páscoa que celebramos a breve condição humana recebe o tesouro de uma dignidade (humana) que é divina, acolhendo em Jesus Cristo essa ponte da “passagem” do “tempo” para a eternidade. Grandioso mistério, acima de toda a tecnologia…, que inscreve em cada pessoa humana um desígnio e uma vontade de paz, felicidade e amor intermináveis. Que toda a Páscoa traga toda a frescura (re)criadora e livre para este tempo novo que se abre! Precisamos da Páscoa, recriemos ponte (“link”) para aceder à grandeza de tamanha (mas tão simples) oferta. Seja bem-vindo, apreciado e vivido esse tempo novo!

Imagens de Aveiro


ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL REQUER
ENQUADRAMENTO MAIS ASSEADO
:
A ideia de preservar uma marca da nossa arqueologia industrial foi muitíssi-mo boa. Por isso, é de louvar que, da fábrica demolida, tenha ficado, ali a caminho do Centro de Congressos, para memória futura, a chaminé que foi familiar a tantos aveirenses. Penso, no entanto, que ela bem merecia um enquadramento mais arejado, mais bonito, mais limpo, mais adequado. Que os responsáveis pensem nisso, são os meus votos.

João Paulo II


A HUMANIDADE
JÁ O CANONIZOU HÁ MUITO

O Papa que porventura mais impressionou o mundo no século XX morreu fez ontem dois anos. Impressionou o mundo porque o seu entusiasmo apostólico chegou a toda a gente, numa ânsia de a todos levar a Boa Nova de Jesus Cristo, percorrendo os caminhos dos homens, crentes ou não crentes. Cristãos e de outras religiões. Mas o seu sorriso inefável e fraterno, esse foi mesmo, ainda, para os indiferentes à força do divino e sobretudo para os perseguidos, marginalizados e feridos da vida.
Bateu-se pelos valores da fé que o animava, mas também foi um incansável arauto dos valores da justiça, da verdade, da liberdade, da paz e do amor. Encantava jovens e menos jovens, indicava metas do bem e do belo, recebia gente dos mais diversos quadrantes políticos, patrocinava encontros ecuménicos e inter-religiosos, estava atenta à vida do mundo, rezava e ensinava a rezar, deixou-nos inúmeros documentos que continuam a ser um apelo à reflexão e ao diálogo entre todos, homens, mulheres, culturas e religiões. Está a caminho da beatificação, exigindo a Igreja um milagre para isso. Depois mais um milagre para a canonização.
Para mim, contudo, os seus milagres são bem conhecidos de todos nós, católicos, de outras confissões religiosas, ateus ou agnósticos. Os seus milagres estão no exemplo de vida, nos testemunhos e na acção apostólica que marcaram o seu extraordinário pontificado. Tudo o mais que buscarem para a sua beatificação e canonização será sempre secundário. A Humanidade já o canonizou há muito.

Fernando Martins

Um artigo de António Rego


O itinerário da paz

Foi salutar ouvir Jean-Yves Calvez falar sobre a "Populorum Progressio". Uma espécie de ressonância da esperança há quarenta anos enunciada por Paulo VI na senda das grandes encíclicas sociais que alimentaram a vida apostólica de muitos cristãos. Veio ao de cima o sentido da espiritualidade no plural, ligada ela própria à existência concreta dos povos de todo o mundo, no abraço que o Concílio Vaticano II já propusera, ao anunciar a presença do Espírito nos grandes pólos da Igreja e do mundo contemporâneo.
Daí para cá muitos novos sinais surgiram. Mas também alguns se perderam, diluídos em tantos movimentos estreitos, voltados apenas para a zona etérea do abstracto e do individual, com ligeiros tons em acções isoladas e sem perspectiva de mudança estrutural. Dizendo por outras palavras: consentindo que alguns se salvem, dentro do pecado organizado pela injustiça e desigualdade do próprio mundo.
Com a presença, na mesa, do Cardeal Patriarca de Lisboa e do Dr. José Carlos Sousa - um dos grandes peritos em Doutrina Social da Igreja - Calvez recapitulou o essencial do texto e contexto, o espírito que o Papa Montini tão bem expressou sobre a palavra chave do momento: o desenvolvimento, como desiderato de todos, possibilidade para todos, obrigação de todos. De tal forma, disse Paulo VI, que "o desenvolvimento é o novo nome da Paz... E um apelo ao progresso do homem todo e de todos os homens."
O Patriarca de Lisboa chamaria à encíclica "intuição profética" na abordagem das grandes questões que, quarenta anos, depois nos atingem. E concluiu: "aos cristãos compete mergulhar permanentemente nos sinais dos tempos e aí descobrir sinais de esperança".
Não foi um acontecimento revivalista mas de integração dum passado recente com um presente que lança à Igreja novas questões no seu compromisso social. E relembra algumas já esquecidas.

domingo, 1 de abril de 2007

Um artigo de Anselmo Borges, no DN


O sacramento do amor


"Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como o bronze que ressoa ou como o címbalo que tine. Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que possua a fé em plenitude, a ponto de mover montanhas, se não tiver amor, nada sou. O amor é paciente, o amor é prestável, não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, não procura o seu interesse, não se irrita nem guarda ressentimento. O amor nunca acabará." Esta é uma breve citação do hino célebre ao amor, de São Paulo aos Coríntios.
Este amor corresponde à única tentativa de definir Deus no Novo Testamento: "Deus é amor", escreveu São João. Na companhia de Jesus, os discípulos perceberam que a essência de Deus é amar, e foi esse Evangelho que eles foram anunciar, dando dele testemunho até à morte. Foi essa notícia boa e inaudita que levou à conversão.
Um ano depois da publicação da sua primeira Encíclica Deus é amor, Bento XVI publicou, com a data de 22 de Fevereiro, uma Exortação Apostólica sobre a Eucaristia enquanto "sacramento do amor", que deveria ser eco da XI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que decorreu em Outubro de 2005 no Vaticano.
:
Leia mais em DN

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS-17


A LÂMPADA DE ÍLHAVO

Caríssima/o:

A primeira saída oficial da nossa terra era à sede do concelho, onde fomos pelo bilhete de identidade e, poucos dias depois, para o exame da 4.ª classe. É verdade, parece que ainda foi ontem! Como o tempo corre e quantas mudanças! Vejam só que para ir a tão importante acto, ou íamos a pé, ou apanhávamos boleia de bicicleta ou então táxi. Pela lógica, este era proibido e, no nosso caso, fomos algumas vezes no quadro da bicicleta puxada pelo Hortêncio e o Oliveiros no porta-bagagem! Mas isto era um luxo: o vulgar era calcorrear correndo pelos caminhos que atravessavam a floresta.
Diniz Gomes empresta-nos a sua escrita de «Costumes e Gentes de Ílhavo», p. 57 ss., de 1941, para nos elucidar sobre a tal estória da lâmpada:

“Poucas serão as terras do nosso país, de grande ou pequena categoria, a quem a lenda popular não tenha atribuído uma anedota ou história ridículas, de que muitos se servem, por graça, para arreliarem os naturais das localidades atingidas.
Ílhavo, está bem de ver, não podia deixar de ter, também, a sua historieta jocosa, direi mesmo, um pouco vexatória para os brios do seu povo, bastante cioso do seu bom nome e honrosas tradições.
O leitor, estou certo disso, conhece-a de sobra, tanto ela se popularizou e correu mundo.
Trata-se do pretenso roubo de uma lâmpada de prata que se diz ter existido na matriz da vila, e que, em certo dia, foi levada para limpar por um espertalhão de marca maior que por aqui abordou, e que teve artes de praticar a audaciosa façanha sem ser incomodado, e, precisamente na ocasião em que ali se rezava missa, estando o templo repleto de fiéis. [...]
Ora as coisas, segundo me contaram quando eu era menino e moço, passaram-se assim:
Era domingo de festa na terra. [...]
Iria a missa em meio quando, por uma das portas laterais da igreja, entrou um indivíduo de boa aparência mas desconhecido na terra, que se dirigiu vagarosamente para junto da Capela do Santíssimo, em cujo limiar se encontrava suspensa do tecto, uma aparatosa lâmpada de prata lavrada com o peso dalguns arráteis, que ao tempo ainda não havia gramas nem quilos.
O homem, depois de ajoelhar e de se benzer, levantou-se e foi poisar, sobre um dos degraus de pedra do púlpito, um grande saco de linhagem de que vinha munido. E, olhando, com certa curiosidade a soberba lâmpada, murmurou desalentado:
- Quem te há-de limpar por semelhante preço?! O negócio que eu fui fazer!...
Todos os que o rodeavam, e ouviam a missa, inquiriram, em voz baixa entre si, se era realmente verdade a lâmpada ir ser limpa desta vez, como há muito era mister, tão suja e azebrada ela se encontrava.
E a boa nova correu ligeira de boca em boca, procurando todos ver de perto o artista encarregado pela Senhora Junta da Paróquia de executar o trabalho.
Mas o homem é que não manifestava interesse algum por isso, visto permanecer ali parado e indeciso, sem querer tomar qualquer resolução, repetindo a miúdo:
- Mas quem te há-de limpar por semelhante preço?!...
E o melhor da passagem é que o seu aspecto triste e acabrunhado chegou a inspirar relativa compaixão entre os assistentes.
Mas, a certa altura, pareceu encher-se de coragem, dizendo resoluto:
- Pois se justei, está justo! Venha a lâmpada abaixo!
E logo a corda que a segurava correu na roldana, fazendo descer vagarosamente a lâmpada que o desconhecido guardou dentro do saco que trouxera. Em seguida, saiu lentamente da igreja pela mesma porta por onde tinha entrado.

Findara a missa. Pouco a pouco os fiéis vão abandonando a igreja[...].
Arrumados, à pressa, os paramentos nos pesados armários da sacristia, e apagada as discretamente as velas de cera dos altares, o solícito sacristão foi, pressuroso, à residência paroquial, saber do senhor prior porquanto fora justa a limpeza da lâmpada do Santíssimo, e quem era o artista encarregado desse serviço.
Esta curiosidade, que sempre foi atributo de todos os sacristães havidos e por haver, causou surpresa e alvoroço no bom do padre, que de nada sabia nem se apercebera enquanto rezava a sua missa. E logo previu que a igreja fora sacrilegamente roubada pelo que mandou, imediatamente, tocar os sinos a rebate, ordenando a saída de homens resolutos em perseguição do audacioso larápio. Infelizmente, este, já não foi possível ser apanhado. [...]
Este estranho e nunca visto acontecimento causou, está bem de ver, profunda consternação na nossa terra. Por esse motivo, os sinos da igreja dobraram em sinal de luto durante três dias e fizeram-se orações de resgate e desagravo. Realmente o caso não era para menos.
E aqui tem o leitor, contada como eu a sei, a história do roubo ardiloso da lâmpada da igreja de Ílhavo. O facto, pela sua originalidade, tornou-se notório, popularizando-se. A ponto tal que ainda hoje nos surge, às vezes, um gracioso que maliciosamente nos diz:
- Ah! Você é da terra da lâmpada?»

Afinal, esta brincadeira da lâmpada algumas vezes serviu quando a rapaziada de Ílhavo nos atacava:
- Vai cavar batatinhas para a Gafanha!
Ai, sim, diz então onde puseram a lâmpada?
E funcionava...

Manuel

sábado, 31 de março de 2007

O mais velho realizador do mundo


Manoel de Oliveira, o mais velho realizador do mundo, em plena actividade, recebeu do Estado, da RTP e das empresas cinematográficas Lusomundo e Tóbis um subsídio, da ordem dos 700 mil euros, para mais dois filmes. Com quase um século de vida, a completar no próximo ano, mostra que, afinal, é ainda um jovem, que sabe aproveitar o tempo que Deus lhe deu para viver.
Na assinatura do protocolo, a ministra da cultura, Isabel Pires de Lima, sublinhou que esta era "a melhor forma para lançar as comemorações do próximo ano do centenário de Manoel de Oliveira, que está com grande vitalidade e grande actividade profissional e artística".
O mais velho realizador do mundo não é, afinal, um realizador velho, mas é, seguramente, um ser humano único, um mestre autêntico da juventude plena e responsável, que não abdica de viver, ensinando toda a gente que parar é morrer.
Na cerimónia de assinatura do protocolo, o cineasta confessou-se um homem feliz, mas acrescentou "não querer sobrepor-se aos outros". Disse que não há "uns realizadores melhores que outros" porque “todos somos grandes", anotou, sendo ele "apenas o mais velho realizador do mundo".
"Sinto-me feliz - acrescentou - porque o cinema é o mais importante para mim e nada mais me importa que realizar os meus projectos e encontrar pessoas que me auxiliem".
Os velhos são livros abertos que nos ensinam permanentemente, sobretudo se forem pessoas com amor à vida e à humanidade. Se forem artistas, cientistas ou santos, muito mais terão para nos dar. Só é preciso estarmos atentos ao que dizem e fazem. E seguir os seus bons exemplos.,


F. M.

Texto de D. António Marcelino


DIVORCIADOS RECASADOS

O tema dos divorciados recasados foi tratado de modo específico na Exortação Apostólica "A Família Cristã" (FC), que João Paulo II nos deu na sequência do Sínodo dos Bispos sobre a família (1980). A Igreja manteve-se sempre fiel às orientações então dadas, reagindo serenamente às pressões contínuas, vindas de diversos quadrantes da sociedade e, até, de um ou outro sector da Igreja. Nas críticas feitas tudo se reduz, praticamente, ao problema da passagem a um novo casamento canónico dos divorciados e à sua possibilidade de comungar o Corpo do Senhor. Como, na Exortação Apostólica de Bento XVI "Sacramento da Caridade" sobre a Eucaristia, voltaram a não ser contempladas as possibilidades referidas, sobejam as críticas ao Papa e os ataques à Igreja, por "marginalizarem", assim se diz, os membros da comunidade cristã que se encontram numa tal situação matrimonial.
Nesta Exortação, agora publicada e que recolhe a reflexão do último Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia, Bento XVI insiste (n.29) na necessidade de uma acção pastoral adequada em relação aos divorciados recasados, dado que continuam a pertencer à Igreja, afirmando tratar-se de "um problema pastoral espinhoso e complexo, que vai corroendo progressivamente os ambientes católicos". Recomenda, em seguida, um cuidadoso discernimento das diversas situações, a fim de que os divorciados recasados possam ser ajudados eficazmente.
Mantém-se a não permissão de outro casamento canónico, por exigência da indissolubilidade do primeiro matrimónio, e da não admissão aos sacramentos, porque o "seu estado e condição e vida", uma vez que são baptizados, "contradizem objectivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja que é significada e realizada na Eucaristia". Porém, afirma o Papa, continuam a pertencer à Igreja, que tem o dever de os acompanhar com solicitude, "na esperança de que cultivem, quanto possível, um estilo cristão de vida". Têm para isso ao seu alcance "a participação na Santa Missa, mesmo sem comunhão eucarística, a escuta da Palavra de Deus, a adoração eucarística, a oração, a cooperação na vida comunitária, o diálogo franco com um sacerdote ou um mestre na vida espiritual, a dedicação ao serviço da caridade, as obras de penitência, a educação cristã dos filhos".
:
Leia mais em Ecclesia

sexta-feira, 30 de março de 2007

CUFC

Festa no CUFC. Foto do meu arquivo


VINTE ANOS DE FÉ E CULTURA



1. Parece que foi ontem, mas já são duas intensas décadas de vida e esperança que o Centro Universitário Fé e Cultura transporta na sua breve mas significativa história. O CUFC, no seu desígnio de uma Cultura (humilde e por isso mais nobre) que se deixe iluminar pela Fé, está onde estão os que, ao longo destes vinte anos, foram e vão passando, estando, debatendo e formando, crescendo em grupos e movimentos e celebrando a fé cristã no mundo plural.Nesta ordem de ideias, o espírito do CUFC está presente em Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné, Timor, Brasil, onde a língua portuguesa e a cooperação entre instituições proporciona o acolhimento em Aveiro de jovens vindos destes países da CPLP.São diversas as mensagens de parabéns que nos chegam de alguns destes países, de jovens universitários que sentiram esta casa como sua e agora estão em seus países na vida profissional a lutar por um futuro melhor. De norte a sul, do litoral ao interior de Portugal, dos programas de mobilidade académica de universidades europeias (Erasmus), e de outros programas que trazem até nós estudantes da Ásia ou das Américas, nem que tenha sido numa simples Ceia de Natal (a 24 de Dezembro, em co-organização com os Serviços de Acção Social da UA, com cerca de oitenta/noventa estudantes de todo o mundo), o calor humano e o aconchego proporcionado é lembrado como sinal de esperança numa humanidade nova, fazendo do Centro uma plataforma contínua de “vai e vem”, de enriquecimento entre todos. Lembramo-nos de há três ou quatro anos termos pedido a estudantes de Línguas e Relações Empresariais da UA (que estudam chinês), que nos escrevessem em chinês “Feliz Natal”, a par de outras línguas com a mesma mensagem. Quanta emoção, até às lágrimas (do grupo de estudantes chineses), nestas duas simples palavras, para quem está a milhares de quilómetros de casa!
:
Texto de Alexandre Cruz
:
Para ler mais, clique aqui

Um artigo de D. António Marcelino



IRONIAS DA HISTÓRIA

A história do passado e a que vier a construir-se no futuro não se altera nem determina, rasgando páginas, exorcizando alguns dos seus figurantes, nem, muito menos, predeterminando o seu rumo por força de grupos e ideologias de pressão.
Há que prestar atenção a como se reage a factos vividos, pelo que isso contém de elementos que ajudam a pensar, a decidir e a perceber as ironias da história.
Noticiaram os jornais que um cidadão iraquiano de nome e dos mais influentes na queda de Sadam Hussein, desabafava agora perante a anarquia do seu país, que mais desejava voltar a viver no tempo do ditador…
No muito discutível jogo televisivo sobre o português mais importante da história pátria, a votação em Salazar é impressionante, não obstante a memória colectiva ter ainda marcas salientes, que, em muitos aspectos, não o favorecem por aí além.
Temos, ante os olhos, um facto nacional merecedor de atenção. Trazem-no, as sondagens referentes ao estado da governação. Por um lado, críticas fortes a ministros que, com as suas decisões, tocam em aspectos fundamentais da vida das pessoas, vendo, por isso a sua cotação baixar na opinião pública. Por outro, o chefe do governo, que é o mais responsável das decisões políticas criticadas, vai subindo nas sondagens. Ou o povo não tem critérios, ou é ignorante dos mecanismos governamentais, ou as sondagens são prefabricadas e, por isso mesmo, poucos fiáveis.
Ainda outro caso. As escolas particulares, também elas ensino público, são, frequentemente, denegridas, sobretudo por alguns sindicatos de professores, não obstante os resultados positivos que apresentam, tanto no aproveitamento escolar, como no processo educativo global. Vemos agora, sem que ninguém lhes encomendasse o recado, gente que pensa apontando este modelo, em aspectos concretos, para ajudar a ultrapassar a crise de muitas escolas estatais e a política que as sustenta…
É assim. Vivemos num mundo de contradições, desilusões e emoções.
Analistas lúcidos e cultos vão abrindo caminho à leitura destas ironias. Outros que lêem e interpretam apenas a partir das suas opções ideológicas e dos seus projectos pessoais multiplicam as sombras e desencadeiam tensões, inúteis e evitáveis. O que se passou em Santa Comba Dão, com grupos radicais e, no mesmo sentido, com o manifesto dos eruditos, vai mostrando que há gente que prefere mais conviver com fantasmas do que reflectir a realidade e as suas causas.
A história é mestra, mas não se repete, nem sequer com semelhanças, se os seus protagonistas forem lúcidos e interiormente livres.
O povo tem uma cultura própria, que não se traduz sempre por ignorância ou má fé. Também é capaz de gestos de denúncia, protestos de injustiça, clamor pelos seus direitos, e dizer, com coragem, que nem tudo o que dizem os políticos é verdade.
Os governantes menos capazes a todos os níveis usam, por vezes, com o povo, a pedagogia do rebuçado, como se faz com as crianças, e da promessa fácil, julgando que o povo não tem memória.
É urgente parar para pensar com dados seguros, para que os raciocínios levem a conclusões acertadas e a compromissos irrevogáveis. Não valem decisões unilaterais, nem encobrimento de dados. Problemas mal resolvidos afectam-nos a todos e, muito especialmente, aos mais pobres, mais débeis e inseguros. Neste momento estes são multidão, com mais dúvidas e preocupações, que certezas e direitos reconhecidos.
A história, com as suas ironias, mesmo registando as boas decisões e êxitos, não cala as contradições, arbitrariedades e omissões, mormente se afectam a evolução correcta do exercício da cidadania e as exigências da convivência democrática.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Universidade de Aveiro


Equipa europeia avalia UA



Uma equipa de avaliadores da EUA – Associação das Universidades Europeias, esteve durante a passada semana na Universidade de Aveiro (UA), para proceder à primeira fase do processo de avaliação da UA. Dentro de cerca de dois meses, haverá uma segunda visita de avaliação, após o que se seguirá a apresentação do relatório final da avaliação externa da responsabilidade desta equipa internacional.
A avaliação visa contribuir para a melhoria da qualidade da acção da UA, reforçando, ao mesmo tempo, a capacidade de planeamento estratégico. O processo implicou já a elaboração de um relatório de auto-avaliação, que contou com o envolvimento de diversos intervenientes da comunidade universitária (docentes, discentes e funcionários não docentes) e outros interlocutores externos (onde se destacam antigos alunos).
Nesta primeira visita, a equipa de avaliação teve contactos directos com o meio académico e sua contextualização, tendo reunido com a equipa reitoral, com a comissão responsável pelo relatório de auto-avaliação, com professores e alunos, com parceiros externos (empresários, autarcas e outros). A equipa visitou ainda diversos Departamentos da Universidade de Aveiro, incluindo a Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda e o Laboratório Associado CICECO. A equipa de avaliação foi constituída por investigadores e antigos reitores de grandes universidades europeias.
:
Fonte: CV

Barra de Aveiro


200 anos da Barra de Aveiro


No dia 3 de Abril, com a conferência ibérica subordinada ao tema “Qualidade global dos portos”, têm início as comemorações do bicentenário da abertura da Barra de Aveiro (1808 – 2008), cujo programa se prolonga até Setembro de 2008.
:
Leia mais em CV

Um artigo de António Rego


Juntar os inimigos


Não é possível. Europa e Cristianismo não podem estar de costas voltadas, como se em ambos caísse um arrufo irremediável. Sobram razões para se não entenderem separados. A roda do tempo abriu trilhos em muitas direcções. Por isso se tornam possíveis desencontros e novos encontros. O momento que vivemos parece de distanciamento ou mesmo de relações cortadas. Aquilo a que se chama laicismo revela-se cansado e impaciente do que lhe parece ter sido o clericalismo, com intromissões indiscretas do Cristianismo, das Igrejas em concreto, no curso da história e da cultura. As Igrejas, em particular a Católica, ficam perplexas com os receios do mundo laico, temeroso que os sinos das catedrais lhes perturbem as marchas da liberdade.
Possivelmente, de parte a parte, há razões subterrâneas ou ressentimentos acumulados que originaram fantasmas. E turvaram, primeiro os discursos, depois o olhar que, obviamente tem um alvo comum: o homem do nosso tempo. Da Europa. Que, quer se queira ou não, é um motor da civilização e cultura, um gerador único de história e fé no complexo xadrez, cada vez mais desmultiplicado, da humanidade.
As correntes espiritualistas do Oriente, os compactos raciais das Américas, as etnias de África, os novos sinais do mundo árabe, as perspectivas de Deus e do homem na filosofia actual – na teórica, mas sobretudo na prática – relançaram as grandes interrogações ao homem de hoje que os novos sinais emitidos pela economia, técnica, comunicações, valores, exaltações e perdas, exprimem de forma muitas vezes contraditória. E tornam, por isso, o homem carente de referências profundas de identidade.
Conhecer a Europa é um fascínio. Mas, no Norte ou no Sul, no Oriente como no Ocidente, não se entende o velho Continente sem o traço luminoso da fé cristã que desde o início o construiu, atravessou e o teve por companheiro numa marca inapagável para o resto do mundo. Seria bom que nestes cinquenta anos do Tratado de Roma, Cristianismo e Europa fizessem uma festa. Sem esquecer afinações que sempre se exigem num percurso longo, onde o humano e o divino se cruzam com naturais tensões.
Um dos grandes feitos da Europa nos pós-guerra foi juntar os inimigos. Um ponto que é a própria essência do cristianismo. E um princípio básico de entendimento. A partir daqui todos os passos de aproximação são possíveis.

Um artigo de Alexandre Cruz


União
(na diversidade)
Europeia
::



1. A Europa festeja os seus 50 anos! Foi a 25 de Março de 1957 que no Tratado de Roma seis países assinaram a (parceria do carvão e do aço como) fundação da Comunidade Económica Europeia. Cinquenta anos depois, foi em Berlim que os chefes de Estado e de governo, do Ocidente e do Leste, do norte e do sul da Europa, representando 500 milhões de cidadãos do continente azul, assinaram o registo histórico da efeméride. Um pouco por toda a Europa, nuns países mais que noutros, dependendo do entusiasmo europeu, a lembrança cinquentenária do Tratado de Roma foi oportunidade de reflexões históricas, avaliações do difícil presente e, essencialmente pois “é dia de festa”, de celebrações do meio século de um projecto agora bem mais alargado e (que se quer) de horizontes sociais amplos.
2. Nem ilusões, nem desilusões! Não poderão os momentos de impasse actual que a Europa atravessa na sua própria identidade ofuscar toda uma imensa realidade de sucessos no caminho assumido e vivido neste meio século histórico, os primeiros 50 anos sem guerras no continente e o tempo de ousadas parcerias quer continentais quer sectoriais. Sendo certo a mudança dos tempos e a realidade de que os políticos presentes, na generalidade, não “viveram” a origem da Europa, será um exercício fundamental, para que não se perca a memória, o entender em que bases começou esta inédita caminhada, em que património de valores assentou a coragem de avançar, o compreender como foi possível dar-se início a um processo desta grandeza que, qual semente, vai germinando sendo imparável a sua viagem. Lembre-se que a cidade das comemorações destes 50 anos foi Berlim, uma cidade dividida há cinquenta anos em plena frente da guerra-fria; esta progressiva consciência de uma comunidade europeia, com inícios de base económica (é certo), foi alastrando um espírito aberto, social, até à festa que nestes dias vestiu a cidade berlinense outrora dividida pelo “frio” europeu.
3. Sem facilitismos nem ingenuidades! Nestes dias muito se acentuou a “farsa” esforçada da Declaração de Berlim. Sublinhe-se que o que se fez na Europa em 50 anos foi algo de absolutamente histórico; ter a ilusão de que “de um dia para o outro” todas as pontes se criam será não ter a noção de consciência das profundas fracturas das guerras de séculos, ora por questões religiosas em intolerâncias, oras as guerras provocadas pelas ideologias totalitárias do século XX. O fosso entre muitos países europeus era tremendo há cinquenta anos, o que, a par dos imparáveis tempos de globalização, ergue como caso único no mundo esta construção da União Europeia. Unidade que não poderá querer dizer unanimismo, seria pura ingenuidade. Só na diversidade, acolhendo a riquíssima história de cada nação e criando “pontes” de cooperação inclusiva naquilo que poderá ser enriquecimento para todos, só numa base de união na diversidade haverá Europa. Querer que todos assinem tudo, quando se trata de matérias acessórias, será querer colocar o mundo na mão. O processo europeu é mesmo isso, “processo”.
4. Sem mendigar nem esquecer! Em certas matérias parece que vivemos o pagamento da factura histórica agravada com um certo diálogo de surdos. Enquanto a questão de se colocar ou não a referência ao Cristianismo estiver posta da forma como está, com o próprio Papa a solicitar esse reconhecimento e alguns chefes de estado a alinharem por um lado e outros por outro, … assim a coisa não vai lá. Primeiro porque em termos históricos algumas vezes essa solidificação do cristianismo como elemento de unidade foi instaurada na base da “força” (o que de todo não interessa lembrar pois acentua a separação de exclusão entre “nós” e os “outros”, o que não é nada bem vindo em tempos globais); depois, porque na consideração patrimonial das presenças no “espaço europeu” será necessário colocar não só o Cristianismo mas também (primeiramente) todas as outras religiões, filosofias, culturas, o que antes e durante fez (e faz) parte da história europeia (este terá de ser um pedido de honestidade intelectual também a ser apresentado; o “venha a nós” resulta ao contrário!). É que só na base desta abertura a toda a realidade sócio-religioso-cultural haverá o terreno capaz (porque afastador dos laicismos vazios) para se apreciar e reconhecer aquelas forças vivas que nortearam uma “identidade de unidade europeia”, esta sempre em construção. Só em reconhecido pluralismo cultural a beleza da diversidade será apreciada e dará contributo para a construção identitária.
5. Que futuro? Os discursos diplomáticos foram e são sempre de esperança (mas damos lugar a ela na re-ligação do essencial e na noção de dignidade da vida humana?), de liberdade (que liberdade – a da revolução das luzes que exclui o “outro”? - e que lugar na sensível responsabilidade altruísta da sua vivência na Europa?), da solidariedade (quanto menos a Europa se reencontrar nos valores humanos que quer para si neste tempo, menos a solidariedade será ensinada e apreendida). Uma Europa sem alma de generosidade, como os pais europeus nos ensinaram, será um “espaço do Euro”, vazio e frio, que perderá as suas tradições e as suas praças comuns… e que, na ausência de população, daqui a 50 anos povoará as suas freguesias com o calor das múltiplas comunidades de imigração entre nós. O futuro começa sempre ao nascer; nesta ordem de ideias (estatísticas) a rica Europa, como a conhecemos, está em vias de extinção; nada de novo nem de alarmante, viverá mais uma das suas transformações, mas desta vez perdendo milénios de memória. Certamente tal não ocorrerá pois a frescura dos valores humanos, culturais e religiosos, reafirmará as linhas fundamentais de uma dignidade humana assumida e reconhecida, dadora de sentido acolhedor e culturalmente caloroso! É esta a nossa esperança, liberdade e solidariedade. Ainda, claro: a Europa eurocêntrica e tecnocrática não tem soluções para o essencial! (Pois não “produz” os valores fundamentais que estão na base europeia e na origem dos laços que permitem unidade em diversidade!...)

segunda-feira, 26 de março de 2007

Futuro da mulher no seio da Igreja




“Deus é uma palavra difícil”


Em forma de testemunho e de relato de experiências pessoais, a jornalista Laurinda Alves falou, aos partici-pantes nas Jornadas de Teologia, da Mulher e da Igreja, apresentando-as como um “binómio (difícil) na Comunicação Social”. Afirmando que “Deus é uma palavra difícil de usar nos jornais e na televisão, porque não está na moda”, explicou também que falar de religião é complicado num mundo cheio de referências ditas jornalísticas que quase determinam ser errado falar de Deus.
Dando a conhecer um percurso espiritual e profissional, a antiga directora da revista XIS, disse, no entanto, que a coerência de vida, de gestos e de discursos, pode ser um meio para se aprender a assumir Deus, inclusive, enquanto jornalista. Criticando um mundo em que só as más notícias são notícia, afirmou estar convicta da importância de ser diferente, de trabalhar “em contra corrente”, dando a conhecer lados humanos e mostrando a Igreja como, de facto, é.
Laurinda Alves disse ainda acreditar que “a Igreja católica tem dificuldade na comunicação”, sendo importante que pense “no Deus de que quer falar e de que forma” para chegar às pessoas da melhor forma.
:
Foto: Laurinda Alves
:

Ares da Primavera

Praia da Barra: A paciência do pescador desportivo

O MAIOR PORTUGUÊS DE SEMPRE

SALAZAR VENCEU O CONCURSO DA RTP


O concurso realizado pela RTP, para eleger o maior português da História de Portugal, teve um resultado que raia o insólito. Venceu um ditador – Salazar – por larga maioria. Em segundo lugar ficou outro político, que lidava mal com a democracia representativa – Álvaro Cunhal –, e que foi defensor de um regime opressor, o da URSS. 
Por estranho que pareça, pese embora alguns méritos de ambos, que os tiveram, ocuparam lugares cimeiros aqueles dois políticos, relegando, para planos secundários, artistas, cientistas, navegados e conquistadores, entre outros. Nem o fundador da nacionalidade, D. Afonso Henriques, mereceu ganhar. Mulheres também não houve nos lugares de honra, entre os dez primeiros que chegaram à final. 

domingo, 25 de março de 2007

Ares da Primavera


PALHEIRO DE SALINA
::
Os Palheiros das salinas, ou marinhas de sal, estão a desaparecer dos horizontes habituais e dos lugares próprios. A autarquia aveirense, porém, quer preservar este património cultural. Vai daí, montou um Palheiro no jardim que ladeia o IP5 e o canal da Ria, lugar aprazível para um passeio de família.


Um artigo de Anselmo Borges, no DN


A Filosofia e os filósofos



A Filosofia anda desvalida, não se sabendo muito bem qual o destino a dar-lhe concretamente no ensino secundário.
Este desvalimento é uma das manifestações maiores da nossa crise presente. A essa crise se referiu já o filósofo E. Husserl, em 1935, ao declarar que "as nações europeias estão doentes" e que "o maior perigo da Europa é o cansaço". Por isso, fazia apelo a uma filosofia capaz de uma "crítica universal de toda a vida e de todas as formações e sistemas culturais surgidos a partir da própria vida da Humanidade". E não se trataria de uma tarefa apenas de filósofos profissionais, pois o que se exigia era um "movimento comunitário de formação", com influência na cultura e na educação, em ordem a favorecer uma "atitude crítica, uma atitude que parte da recusa em assumir, sem questioná-las, opiniões e tradições previamente dadas e, ao mesmo tempo, sobre todo o universo tradicionalmente dado de antemão coloca a questão do verdadeiro". A Filosofia deveria transformar--se num "movimento educacional e cultural", fomentando a racionalidade e o diálogo crítico, na procura da verdade.
A Europa tem duas raízes fundamentais: a herança judaico-cristã e a herança helénica. Da primeira provém essencialmente a ideia de História. Da segunda veio-lhe o Logos, a capacidade de indagação radical da realidade e da existência. Frente ao mito, ergueu-se o pensamento racional autónomo e crítico, que não pergunta apenas por isto ou aquilo, mas pela realidade toda na sua raiz e verdade.
A interrogação permanentemente crítica é incómoda, de tal modo que Sócrates, que achava que a vida sem indagação racional não era digna de seres humanos, foi condenado a beber a cicuta. Platão e Aristóteles ensinaram que a origem da Filosofia é o espanto. Mas há o espanto positivo, na raiz do deslumbramento, que nos leva a exclamar: como é bom existir!, e o espanto negativo, na raiz do horror, por exemplo, perante Auschwitz, que nos faz gritar: como é possível? Precisamente da confluência do espanto nesta sua dupla face, frente à ambiguidade do mundo, nasce a pergunta filosófica por excelência: o que é o ser?, porque há algo e não nada?
:
Leia mais em DN

Imagens da Ria


Pôr do sol na Ria. Foto de Ângelo Ribau

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS-16


O ARRAIS GABRIEL ANÇÃ

Caríssima/o:

Já que andamos pelos Paços Reais, faço o convite para me acompanhar agora para irmos com o Arrais Gabriel Ançã. Perpetuado na Costa Nova, foi, desde sempre, uma referência e uma interrogação nas nossas idas aos areais do outro lado. Mesmo nas noites do fogo da Senhora da Saúde e, para além do presépio em cascata das luzes das suas casas e ruas que de longe contemplávamos, a sua imagem de pedra impunha-se no céu.
Pela pena do dr. Amadeu Cachim, que muitos de nós conhecemos, espreitemos respeitosamente a cena:

«[...]

O homem de quem vos falo,
que era diferente dos mais,
chamava-se Gabriel
e dum barco era arrais
e, como era valente,
quando saía a pescar,
só se sentia contente
roubando vidas ao março
e bebendo aguardente,
para seu bicho matar,
o que o fazia andar,
quando já velho e doente,
por vezes, a balouçar,
como se andasse no mar.

Por seus actos d'heroísmo,
recebeu muitas medalhas
e mais outros galardões;
mas foi com grande altruísmo,
sem pensar em virtualhas
ou em condecorações,
que este famoso gigante,
em várias ocasiões,
salvou o seu semelhante.

Quando chegava o Inverno
e o mar, aqui, era inferno,
juntamente com os mais,
ia p'ra Lisboa, a pé,
para pescar em Cascais
ou na Costa da Galé
e, em tempo favorável,
entrando pelo Tejo dentro,
fazia a safra do sável.

Foi aí que o Patrão Lopes,
sabendo-o bom nadador,
em palavras, bem sentidas,
lhe foi pedir o favor
d'embarcar no salva-vidas,
p'ra socorrer um navio
que naufragou no Bugio.

Ele correu, sem tardança,
e salvaram toda a gente,
que já perdia a esp'rança.

Um dia, na Capital,
foi ao Palácio Real
solicitar a pensão
a que ele tinha direito
pela sua abnegação;
mas, foi tal a confusão
por não conhecer a lei
que ali devia seguir,
que ficou quase a cair,
com uma grande aflição.

Sentindo um garrote, então,
a apertar-lhe o gasganete
que o deixou engasgado,
para não cuspir no chão,
cuspiu dentro do barrete
e ficou aliviado.

E depois, disse admirado:
Andando sempre no mar,
nunca fiquei enjoado
como nesta ocasião
em que o Rei, muito aprumado,
me estendeu a sua mão
e me disse, com agrado,
que me ia dar a pensão.

Com uma forte emoção,
disse-lhe: muito obrigado!
Nessa tão boa maré,
e já muito atrapalhado
por me ver ali à toa,
em vez d'ir de cia a ré
saí p'rà rua de proa.
Mas o Homem Poderoso
perdoou os erros meus
e, como era generoso,
com o seu olhar bondoso
veio-me dizer adeus.

Ao fitar os olhos seus
ergui meus olhos aos céus
p'ra agradecer o favor
de ver meu Rei e Senhor,
na rua, a dizer adeus
a um pobre pescador.

E, já cheio de pudor
em frente dos que me viam,
tendo a minh'alma apertada,
senti a cara molhada,
pois dos meus olhos corriam
gotinhas d'água salgada.

Mas, depois da debandada,
já safo daquele mar
que não esqueço jamais,
pus-me logo a magicar,
não sei se bem, ou se mal,
que tínhamos Grande Arrais
neste nosso Portugal.»

Curvo-me respeitosamente diante deste e de tantos lobos do mar que na sua humildade e no seu silêncio foram capazes de nos indicar caminhos de Vida.


Manuel