terça-feira, 7 de novembro de 2006

DROGA NAS PRISÕES

ESTADO INCAPAZ
DE RESOLVER O PROBLEMA
Há muito que se fala da circulação e consumo de droga nos estabelecimentos prisionais da responsabilidade do Estado. Sabe-se que a droga é ali consumida pelos presos como se estivessem em qualquer bairro com negócio à vista de toda a gente.
Porque o consumo e a normal compra e venda de droga é coisa do dia-a-dia nas prisões portuguesas, o Estado resolveu avançar com a ideia de "oficializar" tais comportamentos, garantindo a toda a gente um apoio descarado, para evitar o perigo de alguém trocar as seringas, causadoras da propagação da SIDA e de outras doenças contagiosas. O mesmo Estado cria, então, salas de chuto, para todos ficarem mais sossegados. Na verdade, isto tudo é ridículo e próprio de gente inconsciente e irresponsável. O Estado, em vez de promover o tratamento dos doentes, preparando-os para a vida fora das cadeias, ajuda os toxicodependentes a manterem o vício e a "doença", com a cumplicidade de alguém que permite a entrada da droga e a livre circulação da mesma. Como é possível que a droga possa entrar nas cadeias, quando é certo que nada nem ninguém entra ou sai sem autorização dos responsáveis? E como é que, uma vez lá dentro, ela chega às mãos dos reclusos? Disso o Estado não cuida. Mas devia cuidar. Fernando Martins

Um artigo de Alexandre Cruz

O aborto do bom-senso?
1. É muito interessante e óptimo demais o discurso do partido político radical. Em questão muito delicada – como o referendo ao Aborto -, assunto que exige capacidade de diálogo e confronto de ideias que sirvam a sociedade portuguesa (“para onde queremos ir?”), que considerar de um partido político com assento no parlamento quando nas suas palavras marca a agenda da seguinte forma: “A campanha (do BE) acentuará a sensatez e a decência contra a intransigência, o fanatismo e as agendas ocultas do ‘não’. Para o coordenador do BE no ‘sim’ (ao aborto) está a humanidade e a convergência.” (Jornal Público, 6 de Nov., pág. 9) A juntar a esta admirável declaração podem-se referir, no mesmo contexto de lançamento da campanha que é agora o único problema nacional, as palavras, também tão interessantes, de pessoa dirigente do mesmo partido político (com salários pagos, com tanto sacrifício, por todos os portugueses para servirem o bem comum), que sublinha que todos os que defendem o “não” ao aborto são “fanáticos e terroristas”. Mais maior qualidade de pensamentos e ideais – cada um fala do que lhe vai na alma! - pode, ainda, verificar-se e confirmar-se quando do outro partido político (com salários pagos, com tanto sacrifício, por todos os portugueses para servirem o bem comum) vem a reclamação de que este assunto nacional é propriedade do seu partido (tal como o embrião é propriedade da barriga da mãe), e que por isso todos os outros devem estar calados; leia-se opinião de Odete Santos: “Diga a RTP o que disser, a verdade é que no debate que organizou sobre um tema de inegável importância marginalizou o partido que mais se tem batido, denodadamente, pela despenalização do aborto, o PCP.” Por isso este será o partido que tem autoridade para declarar que “O debate mostrou que o “não” (ao aborto) vai continuar a utilizar a mentira, o terror e a hipocrisia”. (Jornal Público, 5 de Nov., pág. 8) Fica-nos a questão: será o aborto uma questão política? 2. São, assim, muitas, elegantes e cheias de sentido de responsabilidade e educação, as atribuições delicadas e simpáticas da campanha lançada por deputados para a sociedade portuguesa; eis-nos diante da exaltação degradante completa do resto de bom senso que, desta forma, apresenta as novas regras do jogo onde as palavras de ordem são o chamar ao “outro”, àquele que “pensa diferente”, de “fanático” e “terrorista”. Quase que dá vontade de lhes dizer: “acordem, não nos acordem!” O pior caminho desses nomeados partidos simpáticos é “atacar” sem ética os que pensam diferente; gente tão intelectual que ainda não entendeu que a sociedade no seu geral vive a “indiferença” adormecida e alienante e que esse caminho partidário radical acaba por virar o feitiço contra o feiticeiro; todo o fanatismo que critica o outro de “fanático”, espelho do vazio integrista de facções deste tempo, acaba por ser – QUANDO SE PENSA O QUE SE QUER DA VIDA E DA SOCIEDADE – mais um voto no sentido contrário. Na outra face da moeda, não se pode crer que haja futuro num indiferentismo – estratégico ou de puro descompromisso social - e num não optar em assuntos que, porventura, podem dividir a sociedade. Claro que são tantas, é natural, as temáticas que dividem a sociedade; mas quanto “silêncios” de quem não se sente livre?! Quantas vozes com ideias importantes a serem ditas para bem da sociedade que preferem o cómodo “deixa andar”?! Talvez seja oportuno e muito interessante – senão mesmo o mais importante – ler neste contexto a URGÊNCIA de um debate aberto, clarificador, diferenciador das palavras (tão caras) que estão em jogo; talvez, neste caminho cultural, seja cada vez mais importante o papel do PENSAR A VIDA e de quem nos ajude, com autenticidade e procura da Verdade, nessa tarefa indo ao fundo das questões e não lendo apenas no “apagar do fogo”, na visão utilitarista dos números ou dos casos de saúde pública. Já agora, que fazem esses senhores do abortismo político dia-a-dia no acompanhamento das pessoas, das situações, dos sofrimentos? 3. A intolerância dos partidos políticos radicais fala por si. Deputados à Assembleia da República a chamar “fanático” e “terrorista” ao outro que pensa diferente é esse sinal degradante inqualificável. É este o modelo de sociedade que se pretende? Nesta questão joga-se muito mais que o ficar pela “rama”; há uma “raiz” cultural que está a secar pois as “causas” de tudo estão quase esquecidas e investe-se de olhos tapados só nas consequências. Claro que ninguém quer ver pessoas julgadas, nunca, de maneira nenhuma numa sociedade com valores; mas claro que ninguém, primeiro de tudo pois no princípio está a vida, num estado de direito de dignidade humana poderá ver pessoas – ainda que invisíveis – mortas. Como criar pontes nesta complexidade? Esta é a questão essencial a debater. Haverá disponibilidade interior para o debate? Mas para “embelezar” mais a pintura eis que já há semanas, mudada a casaca de primeiro-ministro para líder partidário, faz-se o apelo – que distrai o país de outras questões - da modernidade civilizacional do acto de abortar; testemunho este confirmado pelos números de Portugal que (no dizer do Ministro da Saúde) faz poucos abortos. Não há palavras! Dizemos, já agora, talvez também fosse bom Portugal acompanhar a Europa nas realidades boas!... Definitivamente, se nós estivéssemos “lá” nesse século, teríamos de “ser como os outros” e seríamos absolutamente incapazes de ser diferentes. Não teríamos partido para a Índia nem seríamos capazes de abolir a escravatura (feliz novidade portuguesa em 1775). Não estava na moda! A realidade primeira que nos preocupa, pois sem ela nada feito, são as condições para o “diálogo”. A intransigência intolerância em relação ao “outro”, quando existe, é sempre o sinal de surdez e menoridade; estas impedem um crescer em dignidade humana de dia para dia.

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

UM LIVRO PARA A AMI

“CARTAS A DEUS”
COM RECADOS
PARA CADA UM DE NÓS
Com edição de “Publicações Pena Perfeita”, acaba de ver a luz do dia um livro interessante que se lê em poucas horas e que oferece, a cada um de nós, alguns recados oportunos. Com este desafio, figuras públicas, crentes e descrentes, homens e mulheres ligados a diferentes áreas da cultura, escreveram cartas a Deus, revertendo os direitos de autor para a AMI – Assistência Médica Internacional. Para além do mérito que representa a iniciativa, conta imenso, também, o contributo de cada um dos compradores e eventuais leitores para aquela organização que, nos campos de guerra e de catástrofes, apoia vítimas da violência dos homens e da natureza. Rui Zink, António Sala, Gilberto Madaíl, Marcelo Rebelo de Sousa, Clara Pinto Correia, Sofia Alves, J. Pinto da Costa, Mário Cláudio, Jacinto Lucas Pires, Pedro Sena-Lino, Fernando Nobre, Ângela Leite, Manuel Rui, António Rego, Joel Neto, Paulo Fragoso, Maria Filomena Mónica, Valter Hugo Mãe, Carlos Pinto Coelho, Carlos Vaz Marques, Maria João Cantinho, Pedro Mexia, Mafalda Arnauth, Maria João Seixas, João César das Neves, José Carlos Bomtempo, Fernando Pinto do Amaral, Mísia, Luís Norton de Matos, Maria de Belém Roseira, Urbano Tavares Rodrigues e José Augusto Mourão aceitaram o desafio, dando-nos contributos simples mas necessários para a reflexão que se impõe, rumo a um mundo muito melhor. As certezas dos crentes, as dúvidas dos agnósticos, as questões dos ateus e as inquietações de todos aqui estão, de maneira despretensiosa, para nos ajudarem no esforço de construir o sonho que acalentamos de ver a sociedade global mais fraterna, que não pode deixar de passar por cada um de nós. Fernando Martins

domingo, 5 de novembro de 2006

UM ARTIGO DE ANSELMO BORGES, NO DN

O enigma do tempo:
o instante vivido
Há quem olhe para o tempo como se ele fosse um corredor que vamos atravessando. Mas, se se pensar bem, realmente não é assim.
Experienciamos o tempo, porque nos lembramos de quando éramos pequenos e de como fomos crescendo e de como damos connosco adultos e mudamos e envelhecemos e sabemos que morreremos. Haveria tempo, se não houvesse morte e consciência da mortalidade?
No entanto, é profundamente enigmático que não possamos lembrar-nos de quando fomos concebidos nem sequer de quando e como nascemos - de facto, como constatam várias línguas, como o latim, o francês, o alemão, não nascemos, fomos, somos nascidos.
Quando olhamos para trás, não nos é possível captar o início, pois perdemo-nos no imemorial. Quando olhamos para diante, "sabemos" que um dia não estaremos cá, mas, de novo, desembocamos num tempo sem tempo, pois é para nós inconcebível não estarmos cá, porque não podemos conceber-nos mortos. Ninguém acredita na sua própria morte. É por isso que a morte é sempre a morte dos outros, nunca a nossa.
O que é o tempo?
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GOTAS DO ARCO-ÍRIS - 38

AZUL OU COR-DE-ROSA?
Caríssimo/a: Há certas notícias que nos deixam a olhar para elas como se fossem algo de muito estranho. Olha para esta: “Está a nascer, na China, uma cidade que recupera o ideal de poder matriarcal do clã das Amazonas. Nesta cidade mandam ELAS! “ Como se isto fosse uma grande novidade!? Vamos ver o que escreveu Bernardo Santareno, na década de 50, do século passado. É só espreitar «Nos Mares do Fim do Mundo», entre as páginas 229 e 235. Apenas duas imagens de relance: “Nas Gafanhas da Nazaré, da Encarnação, na d'Aquém, na do Carmo, na Vagueira,... em todas as Gafanhas de Ílhavo, as mulheres amanham a terra, durante o tempo (às vezes, dez meses por ano!) em que os homens pescam o bacalhau nos mares distantes da Terra Nova, da Gronelândia, da Costa do Labrador. Elas cavam, semeiam, ceifam e colhem: duramente, com sanha viril. E assim se bastam e aos filhos. Quando o marido vier da campanha, encontrará a casa cheia como um ovo; e branquinha, sem sombra de dívida: Então com a ajuda de Deus, ele poderá comprar mais um pedaço de terra. É assim com o Ribau, com o Chibante... com muitos outros. Com o Sarabando, também gafanhão e dos sete costados, não será bem assim: muitos filhos e todos pequenos ainda. Mas já alguém o viu triste, ao nosso Sarabando? Eu cá, nunca. Pobrete, mas alegrete.” E mais abaixo (falar do capitão... é falar de todos, pescadores incluídos): “O nosso capitão Viana recebeu hoje uma boa nova: o filho passou para o segundo ano do liceu. Está muito contente, é claro. A propósito confidenciou-me que, todo somado o tempo de terra, talvez ainda não tivesse vivido quatro meses com o filho: e o rapazinho, agora, já tem onze anos! Se ele no próprio dia em que se casou (às dez horas da manhã), logo teve que sair (às quatro da tarde) para o mar! Ai, a vida dum pescador... Assim, os pequenos foram crescendo, ele envelhecendo, e a companheira de sempre também: Separando-o da mulher, das crianças, o mar. Isto, uma vida inteira. Foi «ela» quem educou os filhos de ambos, quem lhes escolheu caminhos de vida, quem lhes serviu de exemplo impecável. Ela, sozinha: humildemente, em silêncio, como coisa natural e simples.» Será caso para perguntar: Azul ou cor-de-rosa? A minha resposta é: pela VIDA! Manuel

sábado, 4 de novembro de 2006

Um poema de António Correia de Oliveira

O PERFUME
O que sou eu? – O Perfume, Dizem os homens. – Serei. Mas o que sou nem eu sei... Sou uma sombra de lume!
Rasgo a aragem como um gume De espada: Subi. Voei. Onde passava, deixei A essência que me resume.
Liberdade, eu me cativo: Numa renda, um nada, eu vivo Vida de Sonho e Verdade!
Passam os dias, e em vão! – Eu sou a Recordação; Sou mais, ainda: a Saudade.
:: António Correia de Oliveira In "Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade" Org. de José Fanha e José Jorge Letria Lisboa, Terramar, 2002

Capitão Francisco Marques

FALECEU UM HOMEM BOM
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Ontem, no regresso a casa, encontrei a notícia muito triste do falecimento do Capitão Francisco Marques. A comunicação social deu nota do facto, sublinhando as qualidades excepcionais do cidadão exemplar e do oficial náutico de renome, mas também do homem que ajudou a pôr de pé uma das mais representativas exposições do Museu Marítimo de Ílhavo - FAINA MAIOR -, em homenagem aos bacalhoeiros de que a Vila Maruja foi expoente máximo no País. O presidente da Câmara de Ílhavo, Ribau Esteves, mostrou à comunicação social a sua tristeza pela morte de um amigo, que foi também Director do Museu de Ílhavo, durante a fase difícil da sua ampliação. E prometeu que, apesar de já ter sido homenageado em vida, a autarquia vai levar a cabo outras iniciativas para perpetuar a memória deste ilhavense ilustre. Das vezes que privei de perto com o Capitão Francisco Marques, guarda na minha memória a simplicidade de um homem bom, que falava das coisas da pesca do bacalhau com saber e sabor raros. Em conversa amena, não raro lhe ouvi expressões bacalhoeiras para retratar situações do quotidiano. Sempre com um sorriso nos lábios e com certo sentido de humor, falava de Ílhavo com enlevo. E do Museu, a que dedicou imenso dos seus conhecimentos, sublinhava a necessidade de toda a gente o visitar e conhecer, como riqueza nossa que importa amar e divulgar. Fernando Martins

::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: Raspa-se a zagaia

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Os dóris não se afastam do navio, mas será que não se apanha um bacalhau fresco? Raspa-se a zagaia, experimenta, lá vem um, quase todos se estreiam, arranja-se peixe que ainda se come, frito. Içam-se os dóris e já ficam distribuídos por lados, a bombordo, o do piloto, o pessoal do Norte; do lado do capitão a estibordo os pescadores do Sul. Termina o serviço de “quartos”, corre vigia de pesqueiro, – dois pescadores do convés, durante uma hora, mas teve-se em conta que não devem ser parentes, nem da mesma terra… assim não há familiaridades, nem combinações. Distribuem-se agora umas espingardas e cartuchos ao contra-mestre e a quatro ou cinco pescadores de mais confiança para caçarem as cagarras e distribuírem pelos grupos que formaram. “Seja louvado e adorado Nosso Senhor Jesus Cristo, são quatro horas, vamos arriar.” Come-se a “espessa sopa de feijão”, bebe-se café. O cozinheiro avia o pessoal: pão, umas postas de peixe frito, azeitonas, café, uma garrafa de água. Arruma-se tudo no foquim, de mistura com anzóis, gagim, cigarros feitos na vigia. Veste-se a roupa de oleado. O rapaz da câmara enche o corninho de aguardente, mata o bicho. “Vamos arriar com Deus” – ordena o capitão.

:: In “FAINA MAIOR – A Pesca do Bacalhau nos Mares da Terra Nova”, de Ana Maria Lopes e Francisco Marques