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sábado, 6 de maio de 2017

O que significa a visita do Papa para um homem sem fé

Crónica de José Pacheco Pereira no PÚBLICO 



«Por tudo isto, seja bem-vindo a Portugal, papa Francisco, e fale como tem falado, que também nos ajuda. Pode usar, aliás, as palavras de um seu companheiro jesuíta, o Padre António Vieira: “Entre todas as injustiças, nenhumas clamam tanto ao Céu como as que tiram a liberdade aos que nasceram livres e as que não pagam o suor aos que trabalham.”»

A visita do Papa a Portugal é uma visita importante para todos, católicos, crentes de outras religiões, agnósticos e ateus, a minha categoria. O Papa é o líder religioso mais importante do mundo, tendo em conta que os muçulmanos sunitas não têm uma estrutura hierárquica e os xiitas, que a têm, estão confinados a uma pequena parte do mundo. Na cristandade ortodoxa vários patriarcas são personalidades de relevo, assim como vários dirigentes e proeminentes religiosos do mundo da Reforma, mas, de novo, a sua importância e diversidade não se podem comparar com a direcção unitária da Igreja Católica Apostólica Romana, quer do papado, quer da hierarquia de cardeais e de bispos. Sendo assim, a visita do Papa é um evento de primeiro plano na vida portuguesa, como já o foram as anteriores visitas papais.
No caso português, a visita é ainda mais importante pelo facto de a maioria dos portugueses serem católicos, muitos praticantes, e a Igreja portuguesa ser muito relevante em todos os planos da sociedade, um dos poucos poderes fácticos que tem sobrevivido ao crescimento do Estado. Acresce que “Fátima” e tudo o que este nome invoca é um lugar de crença e fé para muitos portugueses, e essa fé deve ser respeitada, mesmo que todos os lados mundanos e políticos de Fátima não mereçam o mesmo respeito, mas, pelo contrário, escrutínio e debate público.
O papel da Igreja Católica é muito diferenciado em várias partes do mundo e, visto de fora, nem sempre é unívoco, umas vezes “liberta”, outras não. Um exemplo típico dessas contradições encontrava-se na Igreja brasileira nos anos 60 e 70 do século XX, progressista no plano político em muitas zonas pobres, defendendo a reforma agrária, mas ao mesmo tempo opondo-se ao planeamento familiar, à distribuição de preservativos e condenando a interrupção voluntária da gravidez. Em muitos aspectos, a Igreja é estruturalmente desigual para os homens e as mulheres, hostil às novas realidades familiares, às comunidades LGBT, fechou os olhos aos abusos e crimes de muitos padres e bispos em matéria de pedofilia e de abusos sexuais a menores, e mantém sob uma nuvem da culpa muitos homens e mulheres que querem conciliar a sua fé com as suas opções individuais de vida.
Em muitos países, o apetite pelo poder aproximou e aproxima a Igreja do poder político em ditadura, e Portugal foi disso um bom exemplo. Apesar de alguma honra da Igreja ter sido salva pelos católicos que, começando no bispo do Porto, lutaram contra a ditadura, a Igreja foi, com as Forças Armadas, um dos seus principais sustentáculos, assumindo um papel activo de legitimação e apoio político, fechando os olhos à repressão, à violência do regime e à guerra colonial. Para quem olha hoje com repulsa para o fundamentalismo muçulmano e para os seus crimes, não pode esquecer que a Igreja cometeu crimes idênticos, e a palavra “idênticos” é mesmo rigorosa.
No entanto, seria injusto ignorar que a Igreja evoluiu, umas vezes por dentro, mas muitas vezes por fora, obrigada pelo “mundo”. No entanto, essa capacidade de evolução é algo que deu à Igreja Católica e a muitas igrejas cristãs (não todas) a possibilidade de serem uma força que hoje melhora a sociedade como reserva moral, de cultura e de “caridade” no verdadeiro sentido do termo. Hoje, em sociedades como a portuguesa, a Igreja tem um papel positivo e não custa a um não crente admitir que a sua ausência significaria um empobrecimento social muito significativo. Esse papel foi essencial nos anos de lixo do “ajustamento”, em que as instituições da Igreja, a Cáritas, por exemplo, perceberam melhor do que ninguém a devastação desnecessária que estava a ser feita a muitas pessoas e famílias. E, como poucos, falou bastante mais alto do que a hierarquia, a denunciar aquilo que muitos governantes entendiam como sendo “efeitos colaterais” menosprezáveis da criação da Singapura portuguesa.
Partidos como o PSD foram fundados com enorme influência da doutrina social da Igreja e, embora tal legado tenha em grande parte desaparecido na sua actual direcção, mais próxima das novas maçonarias de interesses, ele esteve lá na sua génese. Quando Sá Carneiro escreveu que o partido que criava considerava o “trabalhador como sujeito e não como objecto de qualquer actividade” e que o “homem português terá de libertar-se e ser libertado da condição de objecto em que tem vivido, para assumir a sua posição própria de sujeito autónomo e responsável por todo o processo social, cultural e económico”, é da doutrina da Igreja que vêm estas palavras. O mesmo se passava na fase democrata-cristã do CDS, antes da deriva “popular”, e mesmo em partidos como o PS e o PCP existe uma influência dos olhares cristãos e de vidas que assumem o papel de serem “testemunhais”.
E depois há o Papa, este papa Francisco. Nada explica melhor o sucesso adaptativo e o peso da história numa instituição com 2000 anos do que a sucessão dos dois papas vivos, o alemão Ratzinger, Bento XVI, e o argentino Bergoglio, Francisco, o intelectual e teólogo e o jesuíta amador de futebol. Não esqueçam o “jesuíta”. Aparentemente não podiam ser mais diferentes, mas devemos perguntar-nos como é que o mesmo colégio eleitoral faz estas escolhas tão diferentes num período de tempo tão curto? É porque sendo diferentes moldam a Igreja em suas partes distintas e cursos variados: Bento XVI veio do progressismo do Vaticano II para o combate pela ortodoxia, mas um combate que usava as armas intelectuais da Igreja — e se há instituição que tem essas armas é mesmo a Igreja, e não são só os dominicanos, são também os jesuítas... —, e Francisco conhecia um mundo que não era o de Bento, mas o da América Latina, com a sua enorme pobreza e injustiça.
A direita gostava de Bento XVI e detesta Francisco, a esquerda vice-versa. Mas os dois são uma face mais comum do que pode parecer. Sem a acção teológica de Ratzinger, Bergoglio não podia fazer as reformas que pretende, nem falar como fala, mas no final a Igreja dará passos para a frente. Embora eu não me cuide dos passos da Igreja, que não é a minha casa, preciso da voz da Papa para ajudar no combate contra a ganância, a injustiça e a miséria, porque é uma voz cuja autoridade moral pode melhorar o mundo e a vida das pessoas. Para quem não acredita no paraíso celeste, e deseja viver numa sociedade democrática em que não é qualquer teleologia que define a política, é a melhoria da vida terrestre que conta. E hoje a voz do papa Francisco denuncia o que deve ser denunciado e apoia o que deve ser apoiado. Nalgumas coisas não é assim, mas não são as mais importantes, e a diferença de importância para fora é bastante significativa.
Por tudo isto, seja bem-vindo a Portugal, papa Francisco, e fale como tem falado, que também nos ajuda. Pode usar, aliás, as palavras de um seu companheiro jesuíta, o Padre António Vieira: “Entre todas as injustiças, nenhumas clamam tanto ao Céu como as que tiram a liberdade aos que nasceram livres e as que não pagam o suor aos que trabalham.”


sexta-feira, 5 de maio de 2017

FÁTIMA: "SUSPENSÃO" de Joana Vasconcelos


«Todos percebemos o enorme impacto que esta peça tem no conjunto edificado deste santuário, o que pretendemos é que precisamente esta celebração do centenário seja marcada festivamente e que possa estar também marcada por uma obra de arte desta natureza, que nos ajuda a perceber aquilo que é o fundamental deste lugar»

Padre Cabecinhas, 
Reitor do Santuário de Fátima

«É com muito gosto que estou aqui alguns anos depois, para poder fazer parte deste centenário, para fazer parte deste momento tão importante para Portugal e para os portugueses e para poder colaborar nesta mensagem de paz»

Joana Vasconcelos, 
Artista Plástica
Ler mais aqui 

O que eu penso sobre Fátima (2)

Crónica de Anselmo Borges no DN

Deus é fonte de vida

1 - Um problema maior deste tempo são a pressa, a imediatidade, a fragmentação. Alguém pára para pensar, para verdadeiramente se informar, reflectir? Alguém lê livros? Sim, livros? Porque um livro, quando é bom, dá que pensar, e tem princípio e meio e fim e aberturas para lá dele e é preciso dialogar com ele e os seus pressupostos e os seus horizontes. Mesmo num jornal, lê-se a notícia toda ou só o título? Afinal, um dos grandes perigos de hoje é que se vive de flashes, de impressões, na vertigem de um tsunami de informações e opiniões dispersas, intoxicantes.
No passado dia 14 de Abril, o jornal Expresso titulava na primeira página: "É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima" (Anselmo Borges). E remetia para uma entrevista na página 22. É claro que quem só leu este título ficou enganado. É verdade que eu disse aquilo. Mas quem foi ler a entrevista? Quem leu encontrou o que é fundamental: a necessária distinção entre "aparição" e "visão": "Posso ser um bom católico e não acreditar em Fátima porque não é dogma. Não me repugna, contudo, que as crianças, os chamados três pastorinhos, tenham tido uma experiência religiosa, mas à maneira de crianças e dentro dos esquemas religiosos da altura. É preciso também distinguir aparições de visões. É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima. Uma aparição é algo objectivo. Uma experiência religiosa interior é outra realidade, é uma visão, o que não significa necessariamente um delírio, mas é subjectivo. É preciso fazer esta distinção."
Como já aqui expliquei, é evidente que Maria não apareceu fisicamente em Fátima, pois o crente na vida plena e eterna em Deus sabe que essa vida é uma nova criação, para lá do espaço e do tempo; não é segundo o modo da vida neste mundo. Mesmo a ressurreição de Jesus não é a reanimação do cadáver, é evidente, e, por isso, está para lá das manifestações físico-empíricas. Eu acredito na vida eterna e que Jesus está vivo em Deus. Como é? Ninguém sabe. As grandes experiências, as que decidem da vida e da morte e do sentido da existência e da história, são interiores. É neste dinamismo que estão as experiências da fé religiosa, mesmo se - a experiência nunca é pura, nua - se dão no quadro de esquemas, figuras e imagens interpretativos, segundo as situações, os tempos e os contextos. O referente - pólo objectivo - é sempre o mesmo: o Mistério, o Sagrado, Deus, Presença transcendente-imanente, que o crente - pólo subjectivo - experiencia como Fundamento e Fonte de salvação.
Percebe-se então que há experiências religiosas melhores e outras menos boas. E lá está na entrevista: "E por isso digo que é necessário evangelizar Fátima, ou seja, trazer uma notícia boa. Porque mesmo para aquelas crianças aquela não foi uma notícia boa: que mãe mostraria o inferno a uma criança?"

2 - Qual é o núcleo da mensagem de Fátima? Em primeiro lugar, a oração. É uma grande mensagem? É. Para crentes e não crentes. Quem não precisa de rezar? Não necessariamente dizendo orações, embora os cristãos tenham a oração essencial que Jesus ensinou: o pai-nosso", onde está o núcleo da vida: a ligação à Transcendência, que é Amor; que o Reino de Deus venha: o Reino da verdade, da justiça, da dignidade livre e da liberdade na dignidade para todos e que lutemos por isso; a gratidão face ao milagre exaltante da Vida; o pão para todos; o milagre do perdão; a atenção ao essencial da vida, para se não cair na tentação da desgraça, do mal que fazemos a próprios e aos outros. A oração implica parar para escutar o silêncio e o que só no silêncio se pode ouvir: a voz da consciência e da dignidade, meditar, descer ao mais fundo de si, lá onde se encontra a ligação com a Fonte, donde tudo vem e onde tudo se religa e se faz a experiência do transtempo, para se poder viver no tempo sem se afundar na dispersão e no vazio.
A outra mensagem: "Fazei sacrifício e penitência." E aquelas crianças até a pouca comida que tinham davam às ovelhas pela conversão dos pecadores.
Fátima precisa de ser evangelizada. Evangelho quer dizer notícia boa e felicitante, mas, frequentemente, como bem viu Nietzsche, o que se anunciou foi um Disangelho: uma notícia desgraçada e que arrastou consigo imensa infelicidade. No Evangelho segundo São Marcos, Jesus inicia a sua vida pública, proclamando: "Metanoiete", cuja tradução normalmente é: "Fazei penitência", mas realmente o que lá está é: mudai de mentalidade, de modo de pensar; portanto, mudai de vida, de mentalidade, de atitude, e acreditai no Evangelho. Jesus anunciava: "Ide aprender o que isto quer dizer: Deus não quer sacrifícios, mas justiça e misericórdia." O que Jesus declarava era uma boa-nova: Deus é Amor, Fonte de vida, Liberdade criadora, que quer a vossa felicidade. "Não tenhais medo", é outra palavra constante de Jesus. Mas, realmente, o que se pregou muitas vezes foi um deus da tristeza, do medo, do terror, chegando-se ao limite de pregar que Deus precisou da morte do próprio Filho para se reconciliar com a humanidade. Foi deste deus que Nietzsche proclamou a morte, porque perante um deus assim só se pode desejar que morra.
É completamente diferente o que está no Evangelho. Jesus não foi morto para aplacar a ira de Deus, Ele entregou-se à morte e morte de cruz para dar testemunho da Verdade e do Amor: o único interesse de Deus é que os homens e as mulheres, todos, sejam plenamente realizados e felizes. Esse é o sentido do sacrifício: não o sacrifício pelo sacrifício, mas o sacrifício que traz vida. O sacrifício pelo sacrifício não vale nada, mas, por outro lado, sem sacrifício, nada de grande, de verdadeiramente valioso, se realiza. "Mudai de mentalidade": batei-vos pela vida, pela justiça, pela paz, pela felicidade, pelos direitos e pela dignidade divina de cada homem e de cada mulher, de todos. Sacrificai-vos por isso. É o que Deus quer e o que vale a pena. Para sempre.

domingo, 30 de abril de 2017

Infernos não faltam


Crónica de Frei Bento Domingues no PÚBLICO


Fátima dá uma imagem do catolicismo português que não corresponde à reforma desencadeada pelo Papa Francisco. Falta-lhe ser o centro da nossa evangelização.

1. Pesadelos do Inferno, evidências do Purgatório e tristezas do Limbo faziam parte da paisagem religiosa da minha infância. As Alminhas do Purgatório habitavam em dois nichos na minha aldeia. Suscitavam devoção e reciprocidade: “Vós, que ides passando, lembrai-vos de nós que estamos penando.” As pessoas lembravam-se e, para tudo o que precisavam, a elas recorriam, sabendo que aliviavam as suas penas. Em favor delas não podiam fazer nada, mas, quando invocadas com promessas cumpridas, eram uma fonte de graças para todas as ocasiões. Não desempregavam Santo António ou S. Bento da Porta Aberta, mas estavam mais à mão. As esmolas que recolhiam serviam para mandar dizer missas pelas mais abandonadas.
Eram Alminhas pintadas. Um dos nichos ficou muito estragado e foi pedido a um habilidoso de muitas artes, que periodicamente passava por lá, para o repintar. Perguntou: querem ver as Alminhas a irem para o céu ou a continuarem no Purgatório? É claro, a irem para o céu. Veio um Inverno rigoroso e a pintura desapareceu. O pintor não aceitou a queixa acerca da má qualidade das tintas. Tinham ido todas para o céu.
O Inferno era outra história. Por tudo e por nada, uma mãe zangada com os filhos (ou até com o gado), juntamente com um palavrão, exclamava: metes-me a alma no Inferno! Não era grave. Grave, muito grave, eram os sermões de preparação para o “confesso”: quem não confessasse, com todas as circunstâncias, os pecados mortais e morresse nessa situação, ia direitinho para o Inferno. A alma caía num lago de fogo, atiçado por uma multidão de diabos feios e maus e nunca mais de lá saía. O relógio infernal repetia “sempre, nunca”: aqui entraste, aqui ficas e daqui nunca sairás!
O Inferno era eterno, mais eterno que o infinito amor de Deus que nada podia fazer contra essa Instituição. O diabo tinha vencido o Anjo da Guarda e o próprio Deus.
Para as pessoas de bom senso, não havia lenha para tanta eternidade nem alma que aguentasse tanto fogo! Um bom caminho para a descrença: um deus que fabrica tais enormidades é inacreditável.
O Limbo, nem triste nem alegre, para onde iam as crianças que morriam sem baptismo, era o além mais povoado, não passava de um eterno aborrecimento. Bento XVI encerrou-o sem protestos.

2. Voltei a ler as Memórias da Lúcia de Jesus. O que diz acerca do Inferno não excede o que também eu ouvi em criança: “Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Mergulhados em esse fogo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronzeadas com forma humana, que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas que delas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faúlhas em os grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros.” [1] Como sugestão para um filme de terror, não está nada mal. Diz a Lúcia que a Jacinta perguntava: “Porque é que Nossa Senhora não mostra o inferno aos pecadores? […] Às vezes perguntava ainda. Que pecados são os que essa gente faz para ir para o inferno? Não sei, talvez o pecado de não ir à Missa ao Domingo, de roubar, de dizer palavras feias, rogar pragas, jurar. E só assim por uma palavra vão para o inferno? Pois! É pecado. Que lhes custava estar calados e ir à Missa? Que pena que eu tenho dos pecadores, se eu pudesse mostrar-lhes o inferno!” [2]
Passando da Terceira para a Quarta memória, há revelações curiosas. “Então Nossa Senhora disse-nos: não tenhais medo, eu não vos faço mal. De onde é vossemecê? Sou do Céu. E que é que vossemecê me quer?, lhe perguntei. Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13 a esta mesma hora, depois direi quem sou e o que quero. Depois voltarei aqui uma sétima vez. E eu, também vou para o Céu? Sim, vais. E a Jacinta? Também. E o Francisco? Também, mas tem que rezar muitos terços.
“Lembrei-me então de perguntar por duas raparigas que tinham morrido há pouco, eram minhas amigas e estavam em minha casa a aprender a tecedeiras com minha Irmã mais velha. A Maria das Neves já está no Céu? Sim, está. Parece-me que devia ter uns 16 anos. E a Amélia? Estará no Purgatório até ao fim do mundo. Parece-me que devia ter 18 a 20 anos. Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores? Sim, queremos. Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.” [3]

3. Nossa Senhora mostrou que era uma pessoa muito organizada e pouco supersticiosa com o dia 13. Estou um bocado desapontado com a pouca originalidade das suas revelações e pedidos. Por tudo o que li, parece-me que os Pastorinhos levaram para os locais do seu pastoreio o que rezavam em família, o que aprendiam no catecismo e nas pregações. Deviam ser crianças bastante impressionáveis. A revelação mais extraordinária é, também, a mais incrível: não bastando à Amélia ter sido violada, vir de Nossa Senhora a afirmação de que ficaria no Purgatório “até ao fim do mundo”, é de mais. Isso não se faz!
A edição crítica das Memórias de Lúcia de Jesus, as investigações históricas já realizadas e em curso, vão oferecer um panorama da vida e religiosidade da freguesia de Fátima que irão atenuando os delírios acerca destes fenómenos nomeados como aparições ou como visões.
O que mais falta não é só a revisão crítica da pastoral católica da época. Muitas das suas concepções alojaram-se na história de Fátima. Desamparada, em Portugal, de uma prática crítica de reflexão teológica até ao Vaticano II, e até muito depois, Fátima dá uma imagem do catolicismo português que não corresponde à reforma desencadeada pelo Papa Francisco.
Falta-lhe ser o centro da nossa evangelização, como veremos.

[1] Lúcia de Jesus, Memórias, Edição crítica de Cristina Sobral, Fátima 2016, pp.186-187.
[2] Ib., pp. 188-189.
[3] Ib., pp.230.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

O que eu penso sobre Fátima (1)

Crónica de Anselmo Borges  no DN



Antes de entrar no tema propriamente dito, quero deixar três notas prévias, que devo ao leitor. A primeira, para dizer que, a pedido da revista internacional Concilium, escrevi, de modo mais organizado, um texto sobre Fátima, a publicar no mês de Junho. A segunda, mais importante, para esclarecer que fui ordenado padre em Fátima pelo cardeal Cerejeira e que, sempre que lá vou para fazer conferências, passo pela Capelinha das Aparições e ali rezo como tantos outros. Depois, à pergunta se vou a Fátima por causa da vinda do Papa respondo que não, porque não gosto de confusões e penso que os responsáveis da Igreja deveriam prevenir as pessoas, pois correm o risco de uma imensa desilusão, já que muitas dificilmente verão o Papa. Prestado este preâmbulo, o tema.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Pastorinhos vão ser canonizados em Fátima no dia 13 de maio


«O Papa Francisco anunciou hoje no Vaticano que vai presidir à canonização de Francisco e Jacinta Marto em Fátima, no dia 13 de maio, anunciou o Santuário português, em comunicado enviado à Agência ECCLESIA.
Os dois pastorinhos de Fátima tornam-se assim nos mais jovens santos não-mártires da história da Igreja Católica.
A decisão sobre o local e data da canonização foi tomada hoje num Consistório Público, reunião formal de cardeais, realizada no Palácio Apostólico do Vaticano.»

Ler mais aqui 

terça-feira, 18 de abril de 2017

"Das visões dos pastorinhos à visão cristã"



«Tema "delicado e melindroso" lhe chamou diversas vezes o primeiro estudioso dos factos ocorridos em Fátima, o Cónego Formigão. As visões da Cova da Iria são assunto secundário e periférico na dimensão da fé cristã e simultaneamente importante na intensificação e dinamismo da vida espiritual de tantos católicos. Escrever sobre tal matéria corre riscos de gerar irritação em olhares fundamentalistas ou insatisfação em críticos radicais. Isso não me amedronta.»

São estas palavras que abrem a introdução do livro "Fátima - Das visões dos pastorinhos à visão cristã", de Carlos A. Moreira Azevedo, recentemente publicado pela editora A Esfera dos Livros, obra que apresenta «uma releitura crítica sobre o fenómeno das visões ocorridas na Cova da Iria há 100 anos, partindo da situação sociocultural de Portugal e da Europa e da realidade familiar e psicológica das personalidades envolvidas», assinala a sinopse.

Nota: Para uma leitura oportuna e decerto muito interessante. Li aqui 

domingo, 5 de março de 2017

Fátima dá para tudo (3)

 Crónica de Frei Bento Domingues 



1. Fátima pode dar para tudo, mas não dá para todos! Mesmo a preços loucos, já é impossível arranjar onde dormir de 12 para 13, do próximo mês de Maio. Um antigo colega da Escola Apostólica telefonou-me indignado com esse tipo de observações: um verdadeiro peregrino não vai a Fátima para dormir. Vai para se sacrificar e rezar. Penitência e oração é o programa que os pastorinhos transmitiram, como pedidos de Nossa Senhora. Lembrou-me ainda como também ele e eu, pelos finais dos anos 40 do século passado, aguentamos várias vezes, ao relento, com um cobertor, a noite fria de 12 para 13. Quem é capaz de fazer centenas de quilómetros a pé também pode substituir alguns por uma noite ao relento. Agora, comercializada e aburguesada, tem de seguir a prática da lei da oferta e da procura. O turismo religioso é um negócio muito antigo no qual o substantivo e o adjectivo se ajudam numa tensão fecunda. É sabido que Jesus Cristo não gostava nada desse comércio. Os quatro evangelistas narram, por esse motivo, a sua indignação no átrio do Templo de Jerusalém: “Estava próxima a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. Encontrou no templo os vendedores de bois, ovelhas e pombas, e os cambistas nos seus postos. Então, fazendo um chicote de cordas, expulsou-os a todos do templo com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas pelo chão e derrubou-lhes as mesas; aos que vendiam pombas, disse-lhes: Tirai isso daqui. Não façais da Casa de meu Pai uma feira [1].

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Fátima dá para tudo (2)

Crónica de Frei Bento Domingues 




O que atrai os peregrinos é o testemunho 
de algo fantástico reconhecido como sagrado

1. Em conversa com um amigo, a propósito da recente avalanche de escritos sobre Fátima, ele defendia que o mais sólido e resistente capital simbólico português do século XX-XXI nasceu de dois fenómenos quase simultâneos e completamente diferentes: o dos heterónimos de Fernando Pessoa e o dos pastorinhos da Cova da Iria. Um é poético e o outro é religioso. A figura mais emblemática e enigmática da Poesia, que goza de um crescente reconhecimento internacional, é Fernando Pessoa. A Religião que atrai milhões, com pretensões a “altar do mundo”, é Fátima. 
Essa observação talvez não seja apenas megalomania e nostalgia de um império perdido, mas é uma abordagem que excede os propósitos desta crónica. É verdade que tanto o referido fenómeno poético como o religioso surgiram na mesma época, mas o Desassossego de Fernando Pessoa - reconhecendo que “a vida é uma metafísica às escuras com um rumor de deuses e o desconhecimento da rota como a única via” - nunca tomou o caminho de Fátima e a religião de Fátima nunca se encontrou com a grande Poesia nem com o questionamento metafísico [1]. 
Seria, no entanto, muito precipitado concluir que o fundo da experiência religiosa seja incompatível com a ciência, a filosofia e a arte. Sobre essa problemática, Einstein pronunciou-se de um modo que merece atenção: 

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Fátima dá para tudo (1)

Crónica de Frei Bento Domingues



«Não poderá a ancestral cultura do sofrimento 
ser iluminada pela alegria do Evangelho?»


1. Estou sempre a ser interrogado sobre as razões da vinda do Papa Francisco a Fátima.. A resposta também é sempre a mesma: não sei. A adivinhação nunca me fez companhia. De qualquer modo, dentro de poucos meses, já estaremos a interpretar as declarações do peregrino Bergoglio. Toda a gente tem, no entanto, direito a conjecturas, filhas de desejos e receios. Há quem diga que, em Portugal, os bispos e os padres não são conhecidos pelo seu entusiasmo com a linha reformista do Papa Francisco e que as dioceses e paróquias se ressentem muito desse minguado interesse. Além disso, consta que existem grupos organizados para resistir às novidades deste argentino.
Se assim for, não estaremos a ser muito originais. Ana Fonseca Pereira, no PÚBLICO da passada segunda-feira, deu uma boa amostra das manobras da oposição organizada ao Papa Francisco, ao mais alto nível, e robustecidas pela eleição de D. Trump. Nesse sentido, a peregrinação a Fátima — seguindo uma tradição que já vem de Paulo VI — teria uma significação de grande alcance. Fátima não é o melhor símbolo do esquerdismo católico, mas a multidão que se vai concentrar a 12 e 13 de Maio, em Fátima, apoiada pelos grandes meios de comunicação social, não vai mostrar apenas que Fátima continua a ser a maior peregrinação do Ocidente, com ecos em todos os continentes. Não poderá esse fenómeno religioso converter-se num dos grandes focos da nova evangelização e de uma Igreja de saída para todas as periferias existenciais?

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Prémio Jornalismo Centenário das Aparições de Fátima



«O Santuário de Fátima institui um prémio de jornalismo, designado Prémio Jornalismo Centenário das Aparições de Fátima, com a finalidade de destacar trabalhos de jornalismo, do género “reportagem”, publicados em órgãos de comunicação social, em língua portuguesa, que tenham por objeto o fenómeno Fátima, nalgum dos seus aspetos: santuário, peregrinação, mensagem, espiritualidade, história, património, repercussões sociais, entre outros. Este prémio, aberto a todos os profissionais da comunicação social, decorre de 1 de abril de 2016 a 31 de julho de 2017.»

Fonte: Santuário de Fátima

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

D. João Evangelista ordena inquérito aos acontecimentos de Fátima

1917 — 19 de outubro

«O ilustre aveirense D. João Evangelista de Lima Vidal, então arcebispo de Mitilene e governador do Patriarcado de Lisboa, ordenou que se procedesse a um inquérito sobre os acontecimentos extraordinários de Fátima, iniciando assim o processo canónico das aparições da Virgem Maria às três crianças (João Gonçalves Gaspar, Lima Vidal no seu Tempo, II, pg. 80) – A.»

“Calendário Histórico de Aveiro”
de António Christo e João Gonçalves Gaspar


NOTA: É curioso verificar como não me lembrava desta efeméride em que esteve envolvido D. João Evangelista de Lima Vidal, apesar de ter lido o livro escrito por Mons. João Gaspar. Aquele que veio a ser o primeiro bispo da restaurada Diocese de Aveiro afinal também esteve ligado ao processo das aparições de Fátima. 

domingo, 22 de maio de 2016

Figuras de santidade

Crónica de Frei Bento Domingues 

Padre Américo

Agustina escreve o hino mais belo sobre a condição humana, 
que deveria figurar em todas as escolas do mundo

1. A incerteza, sublinhada pelo Papa Francisco, acerca da sua vinda a Fátima, em 2017 - “Um momento, ainda não disse que vou, mas que gostaria de ir…” - não ajuda o apetecido desenvolvimento comercial da preparação de um evento marcante nos anais do Santuário mais rico do país. O investimento exige um quadro estável para os negócios. Fátima, com 55 hotéis disponíveis, não deixará os seus peregrinos sentir o que eram as agruras e privações de há cem anos!
O bispo de Leiria-Fátima está, no entanto, absolutamente convencido que o argentino virá, a menos que problemas com a saúde o impeçam [1].
Nesta vinda ainda não se fala de um programa para pôr a Igreja portuguesa a mexer, acusada, em alguns sectores, de estar muito parada e só reagir quando vê os seus interesses corporativos ameaçados. Como, porém, dispomos da imagem de Nossa Senhora a viajar pelo país e pelo mundo, compreende-se que os católicos lusitanos, no geral, não sofram de ansiedade com as propostas da nova evangelização. Esperam que a “debandada da juventude” se cure com a idade.
Oiro sobre azul seria que a presumível visita papal coincidisse com a canonização dos pastorinhos e a beatificação da Irmã Lúcia, embora haja outros casos bem colocados na fila de espera.

domingo, 15 de maio de 2016

O espírito da teologia

Crónica de Bento Domingues no PÚBLICO

«Que dizer da devoção à imagem 
de N. Senhora de Fátima 
obrigada a ser ainda mais peregrina 
do que os peregrinos?»

1. O que verdadeiramente custa é o presente. Quando o presente é difícil de enfrentar, refugiamo-nos no passado, no culto da memória, ou sonhamos com um futuro consolador. Na celebração do Pentecostes, passamos de uma Igreja apavorada, com sonhos de um império que nunca mais chegava, para um presente que varria todos os medos e impulsionava os mais assustados a percorrer os caminhos do mundo. Um impetuoso vendaval desatou todas as cadeias. Apareceram umas línguas de fogo que encheram os discípulos de uma corajosa sabedoria: tornara-se possível entender que Deus estava mesmo do lado das opções de Jesus Cristo. Doravante, a causa do Evangelho podia ser de plena actualidade, em qualquer língua, povo ou cultura. O futuro começava no presente. O próprio desentendimento entre hebreus e helenistas anunciava que a alegria do Evangelho não podia ser propriedade privada de nenhum povo ou cultura. Não é a globalização que arrasa as diferenças: cada um os ouvia na sua própria língua [1].

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

A HISTÓRIA DO MUNDO NUNCA SE FARÁ À MARGEM DA EMIGRAÇÃO

Bispo do Porto no Santuário de Fátima



«O Bispo do Porto, que conhece, “por experiência”, o que é “ser emigrante com os emigrantes”, dirigiu-se, esta terça-feira, na homilia da vigília da peregrinação aniversária de Agosto, a todos os peregrinos reunidos na “mesa comum da família” - o Santuário de Fátima -, evocando a experiência humana da emigração, os “caminhos feitos de sonho e aventura”, na procura de uma “vida digna” e de um “trabalho honesto”. 
Na sua homilia, D. António Francisco dos Santos fez alusão à primeira leitura da Eucaristia, um excerto do Livro do Deuteronómio, para referir que também o povo de Deus foi “povo emigrante” no Egipto, foi “estrangeiro e escravo”, e que, por isso, “não pode ignorar o dever de cuidar dos estrangeiros com justiça e de os acolher com largueza de coração”.»

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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Papa vem a Portugal em 2017

No Centenário das Aparições de Fátima


Cristina Sá Carvalho com Papa Francisco

«O Papa Francisco disse a Cristina Sá Carvalho, no Congresso Internacional de Catequese, em Roma, que vem a Portugal em 2017, data em que se assinala o Centenário das Aparições de Fátima.
“Eu disse-lhe que esperávamos por ele em Fátima. Ele estava a olhar para mim, a sorrir, parou um bocadinho, recolheu-se para pensar, e disse-me: em 17”, disse hoje à Agência ECCLESIA Cristina Sá Carvalho, do Secretariado Nacional da Educação Cristã.
“Ele realmente ouviu o pouco que lhe disse e respondeu-me de uma maneira muita direta e concentrada. Ele responde exatamente ao que a pessoa está a dizer e interpela-a relativamente ao que está a acontecer naquele momento”, acrescenta.
D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, confirmou esta terça-feira à Agência ECCLESIA, que "o convite oficial da Conferência Episcopal Portuguesa já foi feito", acrescentando que tem de ser "com tempo" para ir ao encontro da "agenda do Papa".»


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terça-feira, 16 de julho de 2013

Fátima ajuda famílias

Publicado na Ecclesia 




Santuário propõe semana de férias 
para famílias com filhos 
portadores de deficiência

O Santuário de Fátima vai promover durante todo o mês de Agosto e início de Setembro um campo de férias gratuito para famílias com crianças, jovens e adultos portadores de deficiência.
O projeto solidário, que começou há sete anos com o objetivo de ajudar pais e mães que se dedicam a 100 por cento aos seus filhos, dando-lhes a oportunidade de “descansar durante uma semana”, transformou-se progressivamente numa iniciativa familiar, realça o reitor do Santuário, em entrevista concedida à Agência ECCLESIA.

sábado, 8 de dezembro de 2012

"O cais de todas as lágrimas dos portugueses"

A MULHER MAIS IMPORTANTE DE PORTUGAL?
Anselmo Borges



Uma vez, numa entrevista na rádio, um jornalista atirou-me: "qual é a mulher mais importante de Portugal?" E eu, naquela perplexidade de quando somos apanhados de surpresa: "Penso que é Nossa Senhora, Maria, a mãe de Jesus."
À distância e mais reflectidamente, julgo que respondi bem, pois é mesmo isso: Maria, a mãe de Jesus, Nossa Senhora, é, muito provavelmente, a mulher mais importante de Portugal e, possivelmente, até a mais influente. Pergunto a mim próprio o que seria a Igreja em Portugal sem Fátima e mesmo o que seria o país sem a Nossa Senhora. Frei Bento Domingues foi quem melhor definiu Fátima: "o cais de todas as lágrimas dos portugueses."