domingo, 6 de dezembro de 2020

É URGENTE E É POSSÍVEL MUDAR

Crónica de Bento Domingues no PÚBLICO


O “inferno” em que transformámos o nosso planeta não é um destino fatal: poucos com a posse e a dominação devastadora de quase tudo e a grande maioria da humanidade com quase nada. É uma situação absurda.

1. Segundo um conhecido conto judaico, um rabino fez a Deus o seguinte pedido: “Deixa-me ir dar uma vista de olhos pelo céu e pelo inferno.” O pedido foi aceite e Deus enviou-lhe, como guia, o profeta Elias.
O profeta levou o rabino a uma grande sala. No centro ardia um fogo que aquecia uma panela enorme, com um guisado que enchia o ambiente com o seu aroma.
À volta estava toda a gente pronta a servir-se, com uma grande colher na mão. Apesar disso, viam-se as pessoas esfomeadas, macilentas, sem forças, a cair.
As colheres eram mais compridas do que os seus braços, de tal modo que não as conseguiam levar à boca. As pessoas estavam tristes, desejosas e em silêncio, de olhar perdido.
O rabino, espantado e comovido, pediu para sair desse lugar espectral. De inferno já tinha visto o suficiente.
O profeta levou-o então a outra sala. Ou talvez fosse a mesma. Tudo parecia exactamente igual: a panela ao lume, com apetitosas iguarias, a gente à volta com grandes colheres na mão. Via-se que estavam todas a comer com gosto, alegres, com saúde, cheias de vida. A conversa e as gargalhadas enchiam a sala. Isto tinha que ser o paraíso! Mas, como é que se tinha conseguido uma tal transformação?
As pessoas tinham-se voltado umas para as outras e usavam a enorme colher para levar comida a quem estava à sua frente, procurando que a outra ficasse satisfeita e assim acabavam por ficar todas bem!
Mesmo quem acha piada a este conto observa que não se lhe deve pedir demasiado: reproduz uma concepção demasiado simplista, sem interesse num mundo espantosamente complexo. As boas parábolas são paradoxais, enigmáticas e de inesgotáveis leituras.

sábado, 5 de dezembro de 2020

A NOSSA GENTE: Pe. JOÃO VIEIRA RESENDE

 Primeiro pároco da Gafanha da Encarnação

João Vieira Resende nasceu em Vale de Ílhavo, a 7 de março de 1881. Filho de João Vieira Resende e de Ana Vieira dos Santos, agricultores, não sendo por isso de estranhar os relatos que referem que se dedicou à agricultura e à apanha do moliço na Ponte de Água Fria, na Vista Alegre. 
Da sua formação académica consta a frequência no Seminário de Coimbra. A 22 de dezembro de 1906 foi ordenado presbítero pelo Bispo D. Manuel Correia de Bastos Pina, celebrando a sua primeira Missa no dia 29 desse mesmo mês no Convento das Ursulinas. 
Foi pároco em diversas localidades como a Gafanha da Nazaré [?], Ouca, Ermida e Vila Verde, até que em 1921 foi nomeado para a Paróquia de Vagos. 
A 10 de novembro de 1928 foi fundada a nova freguesia da Gafanha da Encarnação, sendo João Vieira Resende nomeado como seu primeiro pároco. Ali permaneceu durante 20 anos, contribuindo para o crescimento da freguesia, reorganizando a Irmandade do Apostolado de Oração e construindo importantes infraestruturas que ajudaram ao progresso daquela localidade. 
Além da atividade religiosa, dedicava-se à investigação histórica, sendo autor de inúmeros artigos e estudos, dos quais se destaca Monografia da Gafanha, uma obra que se revela um importante estudo etnográfico e histórico desta região, com a sua primeira publicação em 1938. Em 1944 foi realizada uma segunda edição prefaciada pelo Professor Orlando Ribeiro. Publicou também outros artigos em jornais, como O Ilhavense, Arquivo de Aveiro destacando-se as rubricas - Alminhas, Figuras Notáveis da nossa terra e a Ponte de Almear. 

EDUARDO LOURENÇO E DEUS

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias 



1. Sobre Eduardo Lourenço, o filósofo, o ensaísta, o pensador — um dos mais lúcidos do nosso tempo —, o crítico da arte, das múltiplas artes, nomeadamente da literatura e da música..., outros já falaram e escreveram. 
Encontrei-o várias vezes e gostaria de deixar aqui breves reflexões sobre o tema em epígrafe, a partir de alguns desses encontros, sempre iluminantes para mim. 

2. 1. Participámos no Encontro de Lisboa, organizado pelo GOL — era então Grão-Mestre António Reis —, subordinado ao tema “Religiões, Violência e Razão”. E diz-me Eduardo Lourenço mais ou menos assim: Ainda bem que também cá está, porque se o meu avô me visse aqui... 
A abrir o Encontro, falou da estranha crise contemporânea. Enquanto o Ocidente se desertifica de Deus, noutras culturas não só não há morte de Deus como, em vez da laicização, continuam na sua Idade Média, acreditando que o seu Deus é o verdadeiro e o Ocidente está em vias de perdição. De facto, o Ocidente teve um dinamismo incomparável, e a razão disso é que o seu debate foi sempre à volta de Deus. Noutras culturas, Deus é um dado e está no centro de tudo; no Ocidente, Deus tem sido uma interpelação infinita. Deus não é uma evidência, porque não é um objecto. Deus é o nome, precisamente enquanto anti-nome, da nossa incapacidade de captar o Absoluto, o modo de designarmos a nossa incapacidade de ocuparmos o seu lugar. O Ocidente é a procura e o debate à volta desta questão. É-se contra a objectivação de Deus, porque Deus-pessoa não é objectivável. Deste modo, o Ocidente afirma-se como procura da liberdade. Quando, noutras culturas, se dá a pretensão de apoderar-se de Deus, temos fanatismo. 

GATINHO À DEFESA

Em horas de confinamento há tempo para tudo



 Ao sentir-se perseguido por irmãos de raça, o gatinho refugiou-se entre a ramagens e ali ficou à espera de tempo e espaço livres para se divertir com amigos. Chamei-o mas ele não aceitou o convite à primeira vista. Minutos depois, com habilidade de felino ainda jovem, saltou para a brincadeira. A alimentação está garantida.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

GAIVOTAS EM TERRA...


 
"Gaivotas em terra tempestade no mar" é um velho ditado. De vez em quando, ao acordar, dou de caras com este espetáculo no telhado da vizinha. Não tenho visto que tenha acontecido assim por aqui à volta. Vêm tocadas pelo instinto, decerto na ânsia de escaparem à tempestade que está anunciada. Será? Não sei, porque não conheço a linguagem das gaivotas nem os seus hábitos. Mas que o ritual se tem repetido, lá isso tem.

DIA DA BOLACHA


Celebra-se hoje, 4 de Dezembro, o Dia da Bolacha. Já sabemos que há dias para celebrar tudo e mais alguma coisa. Poderia, pois, ficar de fora a Bolacha? Não!
A verdade é que eu como bolachas todos os dias. Poucas, mas como. Garanto que é por ser diabético. Quando a fome aperta, lá vem a sugestão de quem controla os meus apetites: - Como duas bolachinhas de água e sal... E a fome esvai-se por algum tempinho. 
Pois a bolacha não tem, segundo sei, a origem assinalada no tempo. Deve ter surgido por qualquer deslise na cozinha de alguém. Ao deixar cair num tacho qualquer um bocadito de massa destinada a um bolo, saiu uma rodela saborosa. No entanto, o Google informa que o Dia da Bolacha surgiu em 1980. Mas a bolacha, meus caros, é muitíssimo mais velha. E já que falamos disso, vou comer duas, que o almoço ainda tarda.
Bom apetite.  


PREPARAI A CHEGADA DO MAIS FORTE

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo II do Advento do Natal


Que estranha figura, escolhe Marcos, para abrir o cenário do início à narração do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus! Que protagonista desconcertante nos vem fazer apelo tão interpelante e dar notícia tão alegre! Que multidões, dos campos e de cidades, cheias de expectativas, acorrem a ouvir João Baptista e os seus exigentes apelos de conversão! 
Estas exclamações contêm interrogações que encontram resposta na proclamação da mensagem que nos chega dos cristãos de Roma e foi redigida um pouco antes da destruição do Tempo de Jerusalém (ano 70 da nossa era). Mc 1, 1-8. 
“A sua mensagem é um testemunho vivo de um homem que está consciente das prioridades e não dá importância aos aspectos secundários da vida como sejam roupas de marca, comer ou beber. Ser mensageiro que prepara o caminho para o Messias, denuncia o pecado, anuncia o perdão e dispõe o homem a converter-se”. A. G. Dalla Costa, CS, Brasil. 
A figura de João é estranha, desconcertante, irreverente, subversiva. A sua retirada para o deserto assemelha-se à de Elias: contestação dos critérios imperantes nas classes dirigentes, políticas e religiosas, denúncia do sistema social estabelecido, apelo veemente à transformação da estruturação da sociedade e ao estilo de vida sóbria, reduzida ao essencial. O deserto surge como espaço de encontro com Deus, propício para escutar a voz da consciência em suas aspirações fundamentais, distante dos interesses e dos privilégios dos poderosos, liberto de temores e de represálias, das simples aparências. 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

O LEGADO DE EDUARDO LOURENÇO


Ontem foi dia de ler, ouvir e ver o que se disse e mostrou de Eduardo Lourenço que deixou Portugal mais pobre, ou talvez não. Talvez não porque, afinal, a sua morte acordou-nos para a necessidade de voltarmos ao seu pensamento sobre o nosso país, que ele  nos ensinou a reler, a partir do que fomos e somos como povo que deixou marcas indeléveis nas rotas do mundo. 
Com todas as minhas reconhecidas limitações, também tive a curiosidade e o privilégio, desde há bastantes anos, de ler o que publicava em dias marcantes na comunicação social, dando-me a sensação de tornar simples o que parecia abstrato e muito para além dos conhecimentos da normalidade do nosso povo, no qual incluo. 
Também andei por diversos livros seus que não foi difícil encontrar hoje nas minhas humildes estantes por ocuparem um espaço próximos dos meus olhares. “A Nau de Ícaro seguido de Imagens e Miragens da Lusofonia”, “A Europa Desencantada para uma mitologia Europeia”, “O Labirinto da Saudade”, “As Saias de Elvira e outros ensaios”, “Antero ou a Noite Invicta”, entre outras obras que hão de estar por aqui, serão desafios para releituras, com redobrada atenção. A morte dos grandes pensadores, artistas e sábios tem a grande virtude de nos acordar para o que de importante nos legaram. E tanto e tão sublime tem sido.

Fernando Martins

GEOMETRIAS


 Revejo-me imensas vezes nas geometrias dos homens. A natureza não tem linhas retas. E não sei quem é mais criativo: a Natureza ou o Homem?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

SAIR PARA ESPAIRECER



É público, entre os meus amigos e conhecidos, que estou a cumprir o confinamento com o máximo cuidado, na esperança de me resguardar de qualquer contacto que poderia ser muito perigoso para mim e para a minha família. Não gosto de brincar com coisas sérias, tanto mais que estou na idade de risco. Saímos para espairecer umas horas, atentos ao distanciamento, aos contactos, evitando proximidades e desinfetando as mãos a toda a hora. 
Pelas notícias, vamos percebendo que o Covid-19 não transporta bandeirinha para anunciar a corrida pelo mundo nem carrega odores para atrair os seres humanos, o seu ninho predileto para sobreviver. E também se sabe que a sua cavalgada pelo mundo continua a deixar rastos de morte e sequelas nos que lhe resistem, normalmente os mais novos. 
A minha meta e a minha esperança estão na nas vacinas anunciadas, fruto da ciência e da determinação dos cientistas que a sociedade não aplaude tanto como seria de esperar. Daqui, deste meu recanto, saúdo com entusiasmos os que põem ao serviço da salvação da humanidade o seu saber, a sua intuição e a sua inteligência, inúmeras vezes ignorados ou menosprezados.

Fernando Martins