domingo, 4 de fevereiro de 2018

BABEL, BÊNÇÃO OU MALDIÇÃO?

Frei Bento Domingues 

Frei Bento Domingues

1. Para os meios de comunicação, a moda mais recente é a preocupação com as divisões na Igreja católica que me parecem coisa de pouca monta. Vencer a separação entre as igrejas do Oriente e do Ocidente e entre católicos e protestantes tem sido a beleza do horizonte do movimento ecuménico, nas suas diversas expressões. Quem conhecer o movimento cristão sabe que, desde o começo, esteve sempre exposto a divisões. Os apelos a que todos sejam um significam a dificuldade em conseguir uma unidade plural. O cristianismo continua a ser uma Sinfonia Adiada [1].
O que custa não é a comunhão, não é a diversidade, nem a liberdade. O que custa é manter estas três atitudes em simultâneo. Quem insiste apenas na comunhão tem problemas com a diversidade e com a liberdade. Quem, pelo contrário, exalta a diversidade e a liberdade é porque, em nome da comunhão, sente a ameaça da unicidade.
O mito da Torre de Babel [2] não é de fácil interpretação. Supõe-se que Deus se sentiu ameaçado por uma Torre que chegava aos céus, obra da unicidade linguística: “Em toda a Terra, havia somente uma língua e empregavam-se as mesmas palavras [...]. Vamos, pois descer e confundir de tal modo a linguagem deles que não consigam compreender-se uns aos outros. E o Senhor dispersou-os dali por toda a Terra.”

sábado, 3 de fevereiro de 2018

IDE VER QUANTOS PÃES TENDES

Reflexão de Georgino Rocha



A exortação de Jesus aos discípulos é dirigida à Igreja de todos os tempos. Também às paróquias, espaços locais mais próximos às pessoas onde se tece o viver quotidiano cristão. É fruto da compaixão que sente pelas multidões famintas e cansadas. Que contraste tão interpelante com a atitude dos que o acompanham e pretendem ser seus seguidores. Estes querem desfazer-se do problema, evitar complicações, silenciar a consciência, “lavar” as mãos. Longe da vista longe do coração. A sorte das pessoas pouco lhes importa. Mesmo que morram de fome. É a sensibilidade desviada, a indiferença ostensiva, o conselho da fuga às situações difíceis. Como se torna urgente educar a compaixão, reorientar o olhar, reganhar a confiança, promover a empatia! Como ficará enriquecido o nosso agir pastoral com esta “seiva” que brota da missão pública de Jesus!
“Manda-os embora, para irem aos campos e aldeias comprar de comer” (Mc 6, 34-36). Abandonadas e sem forças, entregues a si mesmas, com a noite a chegar, que esperança pode dar alento aos seus esforços. Jesus ignora o conselho e sintoniza com o ritmo do coração faminto prestes a perder o ânimo. Enche-se de compaixão e provoca a “reviravolta” indispensável e sensata. Envolve os discípulos na procura da solução. Nem fuga à realidade por facilidade, nem recurso ao seu poder singular; nem partir do zero como se nada existisse ou as pessoas fossem destituídas, nem esperar que resolvam o problema com recurso apenas às capacidades próprias. Todos, em acção concertada, assumem a situação e dão-lhe resposta convincente.

A ARTE DO RIDÍCULO

Crónica de Joana Petiz no DN


«Há não muito tempo assistíamos ao derrube de estátuas alusivas à Confederação norte-americana e por cá chegou a discutir-se a sério - o que é incrível - a possibilidade de mandar retirar a estátua do padre António Vieira, a quem já se chamava criminoso, racista, vil promotor da escravatura. É uma pena que só tentemos copiar os exemplos mais estúpidos do mundo - mas admirável como ninguém se lembrou de que a ponte sobre o Tejo, mandada construir e inaugurada por Salazar, de quem chegou a ter o nome durante muitos anos, também devia ir abaixo...»

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

FRANCISCO - Um Papa sem papas na língua

«Que não nos aconteça olhar mais para o ecrã do telemóvel do que para os olhos do irmão»

Li aqui 

NOTA: A afirmação em epígrafe foi proferida pelo Papa Francisco, quando se dirigiu aos consagrados, mas, no fundo, os destinatários somos nós todos. Todos os que, nas mais diversas situações, temos sempre à mão, ou na mão, o telemóvel, uma das mais revolucionárias invenções das últimas décadas. Esta tecnologia, que nos permite contactar com toda a gente, de perto ou de muito longe, conhecidos ou desconhecidos, torna-nos próximos, ao jeito dos vizinhos do lado, a quem pedíamos lume para acender a nossa fogueira. Contudo, quando o utilizamos por tudo ou por nada, para telefonar ou ler notícias, para apreciar paisagens ou assistir a batalhas campais, para brincar ou para nos afastarmos de quem a nosso lado está, o telemóvel gela a proximidade e destrói a convivência. O telemóvel impede-nos, realmente, de olhar para os irmãos. 

Francisco no Chile e no Peru

Anselmo Borges 
Anselmo Borges

1 Por ocasião da visita do Papa Francisco ao Chile e ao Peru, fui confrontado, lendo José Manuel Vidal, que cita um estudo de Latinobarómetro, com estatísticas temíveis quanto à situação da Igreja na América Latina. Os números mostram uma forte queda da Igreja Católica latino-americana devido à saída para as igrejas protestantes, no contexto da religião evangélica, e, num processo acelerado de secularização, para o agnosticismo e o ateísmo, como afirmou Marta Lagos, que dirigiu o estudo.
Os países com maior número de pessoas que se declaram católicas são Paraguai (89%), México (80%), Equador (77%), Peru (74%), Colômbia (73%) e Bolívia (73%). 65% dos inquiridos nos 18 países da América Latina dizem confiar na Igreja, sendo as nações onde tem mais crédito Honduras (78%), Paraguai (77%) e Guatemala (76%). No Chile, o número baixa para 36% e, segundo Marta Lagos, a quebra deve-se sobretudo aos abusos sexuais perpetrados pelo influente padre Fernando Karadima: antes desse escândalo, a confiança dos chilenos rondava os 69%, descendo abruptamente em 2011 para 38%.
O número de latino-americanos que se declaram católicos caiu paulatinamente nas duas últimas décadas: se em 1995 os católicos representavam 80%, esta percentagem baixou para 59% em 2017. Há sete países onde a população católica já representa menos de metade da população: República Dominicana (48%), Chile (45%), Guatemala (43%), Nicarágua (40%), El Salvador (39%), Uruguai (38%) e Honduras (37%). "A esta velocidade, daqui a dez anos os países da América Latina que terão a religião católica como religião dominante serão uma minoria." A eleição de Francisco em 2013 teve um "efeito positivo" e uma prova é que 60% dos chilenos reconheceram como "positiva" a visita que acaba de fazer ao país.

JESUS QUER CURAR-TE. ACEITA E COLABORA

Reflexão de Georgino Rocha 

Georgino Rocha

Jesus está no início da sua vida pública. Como bom judeu, vai à sinagoga onde fala abertamente da novidade que traz em nome de Deus e “limpa” os espíritos de pessoas que manifestavam sinais de forças estranhas e maléficas. Participa na oração oficial, assume o direito à palavra e prega com autoridade. Da sinagoga, espaço religioso, desloca-se para a casa de Simão e André. Deslocação indicativa das suas preferências pela vida quotidiana: encontros no lago, em casas de família, nos caminhos públicos, em refeições, em diálogos pessoais e locais silenciosos. Deslocação que se mantém como referência para os discípulos: conjugar a oração como relação com Deus Pai e a acção de bem-fazer como rosto do querer deste bom Deus. Jesus, desde o início, deixa-nos este belo exemplo.
A casa de Simão Pedro é “uma vivenda de tipo clã, onde habitavam várias famílias com parentesco próximo, distribuídas por quartos/salas em torno a dois pátios interiores com comunicação entre si… Neles, decorria a vida do clã… Quantas imagens bebeu Jesus dessa vida cheia de colorido para ilustrar as suas catequeses sobre o Reino de Deus!”. Sirva de referência o fermento que leveda a massa e a moeda perdida que é encontrada e provoca grande alegria. (Guia de Tierra Santa, História-arqueologia-bíblia, Verbo Divino, p. 325).
Ao regressar a casa, Jesus ouve falar da doença da sogra de Pedro. Vai ao seu encontro, aproxima-se da doente, toma-a pela mão e levanta-a. Não diz palavra. O gesto fala por si e constitui um modelo de relação sanadora. Parece um ritual de curas, sem magias nem exorcismos. O guia de acção está bem delineado por Marcos (1, 29-39): Ir aonde a se encontra a pessoa doente, colocar-se ao seu nível, sobretudo da disposição com que vive o sofrimento e a dor, tocar-lhe como quem comunica a saúde integral de que é portador, agarrar a mão para a erguer na vida, ajudando-a recuperar a dignidade de poder desempenhar as suas funções normais. O que faz à sogra de Pedro, faz Jesus a tantos outros, como bem registam os Evangelhos.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

NOTAS DO MEU DIÁRIO – O MEU PAI


No silêncio natural da minha tebaida, ouve-se o zumbido do vento a confirmar o inverno que persiste. Já choveu com frio à mistura, e as notícias afiançam que é imperioso aquecimento para o corpo e para a alma. À minha frente crepita a lenha que arde na salamandra. As chamas aquecem o ambiente enquanto alinhavo esta nota, mas também iluminam sonhos e recordações da minha meninice. Parece-me que é sina da velhice que se instala no meu ser. E imaginei o meu pai sentado à conversa comigo, cigarro entre os dedos amarelecidos pela nicotina, sorriso sóbrio permanente, olhar perdido por vezes, decerto a reviver interiormente momentos  de mar bravo que tantas vezes enfrentou. 
O meu pai não era pessoa de grandes falas, gostava mais de ouvir, mas quando encontrava uma nesga ditava sentenças. Sinto a falta dele, sim senhor, porque a sua serenidade me impressionava, deixando marcas indeléveis na minha personalidade. Se aqui estivesse, como eu gostaria!, era ele que ateava a fogueira, que aconchegava a lenha, que alimentava a conversa, mesmo falando pouco. E até gostava que ele tivesse a minha idade. Seria o parceiro ideal para estas noites à lareira. 

FM