segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Rio de Janeiro, Olimpíadas 2016





Estes acontecimentos,
do desporto como educação social,
inspiram o melhor

1. Já há bastante tempo que o Brasil é considerado uma potência económica emergente. Este referencial de «potência económica» pouco interessará se a sua aplicação em termos de desenvolvimento humano não se reflectir em progresso social. O Brasil pertence ao grupo designado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), países que, quer pela sua grandeza geográfica quer, especialmente, pelo seu potencial em determinadas áreas, afirmam-se como líderes em termos regionais e mundiais. A grandeza do Brasil (que engole a Europa!), país irmão de Portugal, reflecte bem o paradigma intercultural que é característico dos países de cultura em língua portuguesa. Sejamos claros, a CPLP (comunidade dos países de língua portuguesa) “agradece” a confirmada capacidade de liderança do Brasil!

2. A segunda década do século XXI terá no seu meio dois acontecimentos incontornáveis que trazem o país do samba para a ribalta mundial. No ano 2014 o Brasil receberá o Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA, dois anos depois o Rio de Janeiro recebe a edição dos Jogos Olímpicos. É palavra obrigatória dizer-se que se trata dos dois maiores acontecimentos desportivos mundiais, com o que tudo isso acarreta de milhões visitantes capacitando as grandes cidades brasileiras para acolher tamanhos eventos. As primeiras olimpíadas que «falam português» são, para a cidade maravilhosa, uma altíssima responsabilidade. Como o presidente Lula da Silva referiu, embora pareça que não falta muito tempo, cada ano e cada mês têm metas humanas e sociais de construção a atingir.

3. A obra e a alma que estes acontecimentos transportam, para além de tudo e depois de tudo, representam, para o Brasil como para a América Latina, um fortalecer da esperança social. Sabe-se da convulsão que alguns países atravessam e da necessidade de um Brasil consistente para os equilíbrios geopolíticos regionais. Estes acontecimentos, do desporto como educação social, inspiram o melhor.

Alexandre Cruz

no outono da tua nossa solidão



na minha língua

com esse giz
com esses
pontinhos brancos
que nascem
na minha
nossa rua
escrevo o teu nome
nas fronteiras cegas
da minha
nossa língua
da tua
nossa lua


no copo vazio
da tua
nossa aventura
no deserto
da tua
nossa cidade


no outono
da tua
nossa solidão
beijas sapos
com timidez


príncipes
donzelas
cavalos suados
feridas abertas
livros despidos
ou
apenas
a música
dos teus lábios
na minha língua

orlando jorge figueiredo

domingo, 4 de outubro de 2009

Boris Altivo




Boris altivo
.

Bonacheirão
Obediente
Reguila
Irreverente
Sorninha!

Donzília Almeida

Dia Mundial do Animal

Tita

Totti
Animais nossos amigos


Cá em casa há animais tratados como gente. A Tita e o Totti (canídeos) e a Guti e a Biju (felinos). A Tita e o Totti usufruem de um quintal amplo e de algumas divisões da casa. São animais asseados, tratados a rigor, vigiados pelo veterinário, alimentados com rações seleccionadas e com amigos que brincam com eles. Costumo dizer que só lhes falta falar. Entendem o que dizemos e interpretam bem os nossos sentimentos. Estão alegres quando estamos alegres e tristes quando estamos tristes. Conhecem-nos pelo nome, percebem quando acordamos, chamam-nos quando precisam da nossa atenção, envolvem-nos, como se cordas fossem, para nos levarem para o quintal. Aí, dão sempre umas corridas, ladram a qualquer ave que se cruze com eles, gritam quando pressentem um ratito. Mas se regressamos a casa, logo deixam tudo para nos acompanharem.

Dormem a sesta como qualquer ser humano, agitam-se com qualquer petisco e procuram o aconchego da família quando troveja. Não gostam de foguetes nem de ciclistas que passem pela rua. Se os deixássemos, era perseguição certa. Nunca percebi porquê.  Qualquer animal estranho desperta neles uma curiosidade muito grande. Há dias, num quintal vizinho, apareceu uma cabra. Ficaram admirados. A primeira reacção foi ladrar; depois, tempo sem fim a contemplá-la.

As felinas são diferentes. Mãe e filha dormem sem conta nem medida. Nos seus aposentos, sótão e outras salas, onde não mora ninguém, vivem a sua solidão e a sua independência. Comem e dormem regaladas, sob a paciência de quem sabe.  De quando em vez descem tranquilas e vão espreitar o ambiente pela janela. Ali ficam absortas nos seus pensamentos misteriosos. Depois descem ao quintal, mas cedo regressam, decerto com saudades da pacatez que as anima. Não incomodam ninguém e também não gostam que as incomodem a elas.

Dentro de casa são elas quem manda. O Totti e a Tita têm-lhes muito respeitinho. Nem conseguem cruzar-se com elas. Mas no quintal, ai delas se não fogem desabridamente.

É bom sentir a amizade dos animais. É uma amizade leal e franca. Não é verdade que há gente que diz, com propriedade, que, “quanto mais conheço os homens, mais gosto dos animais”? Eu também, em alguns casos, claro!

FM

Bilhete-Postal


Meu Pai, meu Filho, meu Espírito Santo

Estendo as mãos à caveira da noite, e a criatura que sou consome-a a areia do vidro do tempo. nada digo que não te pertença, nada escrevo que não corra à eternidade.
De cada vez que caio subo mais alto, e ao encontrar-te, voo acima de mim mesmo. Aquieto-me contigo, com o pão e o vinho, e não há luz que pese como o absoluto cristal do ar.
Mas quando o teu rosto se afasta, e a treva se desdobra, o Mundo fica um caroço de mágoa que endurece no lugar do coração.
Livra-me da tua ausência. Fica comigo enquanto o dia acaba.

Mário Cláudio

In Cartas a Deus

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS – 151

BACALHAU EM DATAS - 41



Maria da Glória


O NAUFRÁGIO DO “MARIA DA GLÓRIA”


Caríssimo/a:

O relato que aí vos deixo é o resumo do muito que encontrei, em livros e na internete, sobre este acontecimento que marcou profundamente a nossa infância.

O MARIA DA GLÓRIA era um lugre de três mastros, 45m/320tb, construído em 1919 na Gafanha da Nazaré, ria de Aveiro, com o nome de PORTUGÁLIA, por Alfredo Mónica. Em 1927 foi adquirido pela Empresa União d’Aveiro, Lda, que lhe alterou o nome e em 1937 instalou-lhe um motor auxiliar.


O jornal “Ilhavense”, na sua edição de 1 de Agosto de 1942, noticiava que segundo um telegrama recebido no Ministério da Marinha e assinado pelo capitão da marinha mercante Sílvio Ramalheira, comandante do lugre-motor “MARIA DA GLÓRIA” na altura, “este barco foi afundado no dia 5 de Julho pelas 15:30, por um submarino que não ostentava bandeira nem qualquer outro sinal indicador da sua nacionalidade” [Submarino alemão U-94, do comando do Oberleutnant Otto Ites.]A notícia do “Ilhavense” prossegue afirmando que “o lugre levava a bandeira portuguesa pintada no costado. [...] Como o capitão Ramalheira nada podia fazer, resolveu dar ordem de abandono do lugre. A tripulação e pescadores – 44 homens – passaram apressadamente para os dóris, as minúsculas embarcações da faina bacalhoeira e que em breves instantes o “MARIA DA GLÓRIA”, sucessivamente atingido, afundou-se”.

“A partir do momento em que o navio afundou, começou então a negra e angustiosa tragédia dos pescadores e tripulantes. Os dias passavam entre as brumas densas, apertadas, que guardavam no meio do mar o mistério sombrio, dramático dos acontecimentos. Os dóris, primeiro em grupos, juntos durante cinco dias, foram-se dispersando pouco a pouco. A névoa isolá-los-ia por fim. Nas longas noites agitadas e tristes as ondas levavam cada barquinho para seu lado. [...]”.

Escrevia “O Primeiro de Janeiro”, a 3 de Setembro de 1942, após a chegada dos quatro primeiros sobreviventes a Portugal: “No dia do afundamento do lugre português havia bom tempo, mas a primeira noite passaram-na sob medonho temporal, com chuvas torrenciais. A bordo dos dóris não havia mantimentos. Foram queimados trapos, em miragem de socorro e no terceiro dia, dos nove dóris lançados à água os sobreviventes só conseguiam avistar quatro. Passaram muita sede e muita fome. O capitão do “MARIA DA GLÓRIA” distribuíra pelos dóris, para melhor orientação, o “estado maior” do lugre. Ao sexto dia da terrível odisseia, o capitão Ramalheira, por estar extenuado, abandonou o seu frágil bote com outro tripulante, que estava também muito mal e passaram para outro dóri, o que seria recolhido ao 11º dia [a 15 de Julho]. Na pequena embarcação abandonada ficava o cadáver de um terceiro marítimo, morto pelo cansaço e pela fome.”

Os sobreviventes foram recolhidos por uma corveta da marinha de guerra norte-americana.

Entre os 36 mortos e desaparecidos do afundamento do “Maria da Glória” estavam várias parelhas de irmãos, entre elas por exemplo dois jovens da Gafanha da Encarnação, os irmãos José Augusto Cardoso Roque com 22 anos de idade e Manuel Cardoso Roque, de 18 anos de idade, ambos solteiros. Eram os mais velhos dos 12 irmãos. Mais tarde, um dos sobreviventes da tragédia contou à família que José Augusto Cardoso Roque seguia a bordo do dóri onde iam os oito sobreviventes. No entanto, o amor fraternal e os gritos de desespero do irmão mais novo, que seguia num outro barco, levou-o a pedir para mudar para o outro bote, de modo a poder acompanhar e confortar o irmão Manuel. E assim, ambos desapareceram para sempre nas águas do Atlântico. A tragédia ocorrida em 1942 aconteceu 25 anos após o regresso de Augusto Roque, o pai dos dois infelizes tripulantes, de França, onde combateu contra as tropas alemãs durante a I Guerra Mundial.


Em 1942 naufragaram o "DELÃES" e o "MARIA DA GLÓRIA", afundados por submarinos alemães. Do "DELÃES" todos se salvaram, mas do "MARIA da GLÓRIA" apenas sobreviveram oito tripulantes que com fome e em desespero comeram o cão do navio. A água era a que recolhiam das velas dos sete dóris que ainda estavam a flutuar. O comandante do navio capitão Sílvio Ramalheira foi um dos sobreviventes e demorou muitos meses a recompor-se.

Curvemo-nos perante a memória dos tripulantes e pescadores do MARIA DA GLÓRIA, muitos deles nossos parentes e vizinhos:



Sílvio Ramalheira-39 anos- Ílhavo-Capitão-Sobrevivente
António dos Santos-49 anos-Ílhavo-Piloto- Sobrevivente
Domingos Sarabando-28 anos-Gafanha-motorista-Desaparecido
Jacinto Alcides T. Pinto- 27 anos-Ílhavo-Aj. Motorista-Desaparecido
Carlos Gafanhão-32 anos-Gafanha-Cozinheiro-Desaparecido
José Martins Júnior-22 anos-Gafanha- Aj. Cozinheiro- Sobrevivente
José Menício Tróia-38 anos-Aveiro- Contra-mestre-Sobrevivente
António Carlos Afonso-17 anos- Gafanha- Moço-Desaparecido
João Rosa Pereira-19 anos- Gafanha- Moço-Desaparecido
Miguel dos Santos P. Novo-20 anos- Gafanha-Moço-Desaparecido
João Manuel P. Redondo-16 anos-Ílhavo-Moço-Desaparecido
António Maria dos Santos-27 anos- Murtosa-Pescador-Desaparecido
António Luís Brázida-24 anos-Fuzeta-Pescador-Desaparecido
José Francisco da Graça-40 anos- Fuzeta- Pescador-Desaparecido
Américo Pereira Patusco-38 anos- Murtosa-Pescador-Desaparecido
António Ramos Paló- 35 anos-Fuzeta-Pescador_Desaparecido
Júlio da C. Simões Júnior-36 anos-Fuzeta-Pescador-Desaparecido
Isidro da Fonseca-34 anos-Murtosa-Pescador-Sobrevivente
António Santos Cego-26 anos-Figueira da Foz-Pescador-Desaparecido
Manoel dos Ramos Baló-32 anos-Fuzeta-Pescador-Desaparecido
João Maria Costeira-37 anos- Murtosa-Pescador-Sobrevivente
Felisberto Pires Flora-54 anos- Fuzeta-Pescador-Desaparecido
António André Simões-?-Fuzeta- Pescador-Desaparecido
Manuel dos Santos Neves-?-São Jacinto-Pescador-Desaparecido
Joaquim Lino C. Simões-27 anos-Fuzeta-Pescador-Desaparecido
João Luís Brázida- 29 anos-Fuzeta- Pescador-Desaparecido
Manuel Gualberto Martins-21 anos-Fuzeta-Pescador-Desaparecido
Lázaro das Neves- 25 anos-Gafanha-Pescador- Sobrevivente
José dos Santos Matias-32 anos-Gafanha-Pescador-Desaparecido
José Maduro Viegas-34 anos-Fuzeta-Pescador-Desaparecido
António Maria Gandarinho-?-Gafanha-Pescador-morto
João Valente Caspão-23 anos-Gafanha-Pescador-Desaparecido
Eustáquio Caria Matracão-24 anos-Nazaré-Pescador-Desaparecido
José A. Cardoso Roque-22 anos-Gafanha-Pescador-Desaparecido
Manuel Cardoso Roque- 18 anos-Gafanha-Pescador-Desaparecido
Manoel dos S. Parrolheiro-28 anos-Matosinhos-Pescador-Desaparecido
Júlio de Abreu Guerra-33 anos-Buarcos-Pescador-morto
José Ramos-?-Setúbal- Pescador-Desaparecido
Laurélio das Neves-33 anos-Gafanha-Pescador-Sobrevivente
José da Rocha Rito-25 anos-Gafanha-Pescador-Desaparecido
Ramiro Nunes Ramizote-42 anos-Ílhavo-Pescador-Desaparecido
Artur Pereira Ramalheira-?-Ílhavo-Pescador-Desaparecido
Armando das Neves-20 anos-Gafanha-Pescador-Desaparecido
José Martins Freirinha-49 anos-Fuzeta-Pescador-Desaparecido

E terminemos com este desabafo do ti Zé Caçoilo, ouvido por Bernardo Santareno [Nos Mares do fim do mundo, pp 219 a 222] :


«Ah gentes amigas, s'aqui, nestes bancos do bacalhau,. cada home dos nossos qu'as ondas comeram, ficasse assinalado por uma alminha acesa, como é d'uso lá nas nossas terras, podem crer, amigos, qu'atão este mar saria todo ele um luzeiro, maior qu'aquele qu'enche a Cova d'Iria, no treze de Maio!»


Manuel


EM PROVEITO DE TODOS



Esta afirmação é feita a propósito de Jesus de Nazaré. Constitui o mais belo testemunho da sua vida e compêndio da sua obra. Desvenda o sentido de tantas atitudes notoriamente desconcertantes. Evidencia o alcance de gestos aparentemente insignificantes. Abre horizontes de plenitude aos momentos mais sombrios das suas lutas e tensões, inclusive da própria morte.
“Em proveito de todos” faz-se humano e assume um tipo de vida coerente com a dignidade da sua natureza; por isso, repõe a pessoa na sua fonte original – a de ser criatura de Deus, imagem e semelhança divinas, expressas no masculino e no feminino; por isso, propõe mensagens cheias de novidade que reforçam os laços solidários e fraternos entre os humanos e manifestam a relação com os bens de toda a criação que lhes é confiada; por isso, aproveita as ocasiões em que os seus adversários pretendem envolvê-lo e apanhá-lo em armadilhas e, com uma habilidade sábia e surpreendente, desmascara-lhes a mentira, deixando a descoberto a verdade.
“Em proveito de todos” restitui ao matrimónio o seu valor e sua qualidade originais, pondo a claro o projecto de Deus sobre o amor conjugal. Afirma que Moisés não foi fiel ao pacto da criação e que é preciso superar a “dureza do coração”, só possível com uma nova compreensão da relação entre homem e mulher. Esta relação mútua será sempre o sinal da relação original de Deus com o primeiro par humano, fruto de um amor exclusivo e único, dinâmico e fecundo, assertivo, fiel e performativo.
É certo que a licença concedida por Moisés representa um passo em frente na tradição judaica, obrigando o homem a legalizar o divórcio com a sua mulher mediante a carta de repúdio, E, em certas situações, a própria mulher repudiar o marido. Sem este acto formal, ficava pendente da arbitrariedade, do capricho ou de qualquer miudeza ocorrente, contrariando claramente a qualidade da relação assente no amor mútuo como pretendia o sonho primeiro do Criador da natureza humana.
O alcance da proposta de Jesus não é entendido por todos de igual modo. Por isso, dá origem a situações de vida divergentes e, por vezes, opostas que convém compreender à luz do projecto original e não apenas de qualquer lei positiva.
Esta diversidade de situações contém um gérmen evocativo, ainda que discreto e escondido, daquela harmonia interpessoal latente no coração humano e correspondente força de atracção e sedução. Como tal merece respeito, reconhecimento e apreço.
“Em proveito de todos” ergue-se o amor matrimonial, estável na liberdade da opção pelo casamento, apaixonado pela doação generosa, feliz no esforço de cada dia, compreensivo perante as fragilidades humanas, responsável pela aliança celebrada e pelo compromisso assumido. Feliz e fecundo, tendo o amor de Jesus como fonte inspiradora e medida de realização.

Georgino Rocha

sábado, 3 de outubro de 2009

Para um sábado de contemplação


Painel de Zé Augusto

Ao apreciar, um dia destes e mais uma vez, este painel cerâmico do artista aveirense Zé Augusto, comemorativo da abertura da Barra de Aveiro, em 1808, pela minha memória visual e mental passou um filme de recordações da ambiência marítima e lagunar que nos envolve. Contemplei a arte do Zé Augusto que soube bem representar a força e o dinamismo, em imagens estáticas, dos homens da nossa região moldados pela maresia e pelo bater forte das ondas.

FM

OS CRISTÃOS E A CRISE


Consumo irracional


Impõe-se construir uma nova ordem social


Frente a este título, temos, logo à partida, de reconhecer que é nos países de maioria cristã que estão os responsáveis maiores pela crise. Não foi no hemisfério Norte que começou? Por outro lado, é na Europa que se encontra hoje o melhor nível de vida da história, e o modelo social europeu é invejado. Mas há uma pergunta, aparentemente cínica, para a qual não é fácil encontrar resposta definitiva: somos ricos à custa do Terceiro Mundo? Eles são pobres porque nós somos ricos?

Depois, é preciso perceber que há, nesta questão, níveis ou esferas a distinguir, como escrevi aqui, no artigo "O capitalismo é moral?". À economia não se pede que seja moral, mas eficiente. Por isso, não há uma moral da economia ou da empresa, mas deve haver moral na economia e na empresa.

No Evangelho segundo São Mateus, há um texto terrível - o da parábola dos talentos. Um servo recebeu cinco e conseguiu outros cinco; outro, dois e ganhou outros dois; o terceiro recebeu um só talento e, com medo, guardou-o, para poder entregá-lo ao senhor, quando voltasse. Resposta do senhor: "Devias ter levado o meu dinheiro aos banqueiros e tê-lo-ia levantado com juros. Tirai-lhe o talento e dai-o ao que tem dez. Porque ao que tem será dado e terá em abundância; mas ao que não tem até o que tem lhe será tirado" O dito "ao que tem mais será dado e ao que não tem até o que tem lhe será tirado" ficou conhecido na sociologia como "o efeito de Mateus".

É certo que a parábola deve ser lida à luz do texto seguinte, referente ao Juízo Final, portanto, à verdade última da História: "Vinde, benditos de meu Pai, porque me destes de comer, de beber, de vestir..." O critério de salvação é a bondade e o bem-fazer aos preferidos de Deus, os pobres. Mas isso não nega a necessidade de eficiência da economia.

Onde está então um sistema novo a unir liberdade e justiça, política e moral, amor e eficiência? De qualquer modo, há uma nova tomada de consciência, sintetizada nesta afirmação contundente de um especialista em economia, Jacques Attali: hoje, "coabitam duas tendências: a selvajaria absoluta, que vai fazer com que tudo expluda, se não se agir rapidamente; e a tomada de consciência do interesse de um Estado de direito global, que tudo pode salvar".

No contexto da crise, realizou-se de 3 a 6 de Setembro, em Madrid, com 700 participantes, o XXIX Congresso de Teologia sobre o tema "O cristianismo perante a crise". Ficam aí algumas conclusões.

A crise de 2008 e 2009 é "uma prova de fogo não só para os dirigentes mundiais, mas também para a consciência de muitos cristãos, ao questionar o seu nível de solidariedade comprometida".

Trata-se de "uma realidade de injustiça económica que exclui os mais necessitados e vulneráveis da sociedade", tornando-se patente a fragilidade de uma sociedade que substituiu os valores cristãos pelo "enriquecimento fácil e a ostentação sem limites". Assim, quando "não só a economia e a política, mas também a fé e a ética estão em crise, é hora de solidarizar-se com os grupos mais frágeis da humanidade e recuperar alguns valores cristãos, como a opção preferencial pelos pobres".

"Embora consideremos que o responsável pela crise é o sistema capitalista, que permite que alguns enriqueçam à custa do empobrecimento das maiorias populares, denunciamos a apatia e a falta de compromisso social das confissões religiosas, que se preocupam mais com questões de poder e com continuar a defender situações de privilégio no campo económico e social do que em denunciar as injustiças de um sistema que atenaza os sectores mais necessitados."

Impõe-se construir "uma nova ordem mundial - política, económica, jurídica - alternativa ao neoliberalismo, baseada na cooperação, na solidariedade e capaz de levar a cabo controles efectivos do actual sistema financeiro".

No plano pessoal, "como cidadãos e crentes", temos de assumir compromissos concretos, "renunciando ao consumo irracional e insolidário, vivendo com austeridade, solidarizando-nos de modo efectivo com as vítimas da crise".


Anselmo Borges

In DN

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Ruas da Gafanha da Nazaré: Rua Raul Brandão




O Cantor da Ria
merecia muito mais



Quando há anos topei com a Rua Raul Brandão, confesso que fiquei triste. É verdade. Porque o escritor merecia muito mais. Eu sei que a relação das ruas a baptizar tinha sido feita, na sua grande maioria, numa noite. De modo que, quer queiramos quer não, não havia hipótese de escolher a rua, conforme a personalidade a homenagear.
E Raul Brandão, provavelmente, na minha óptica, o que melhor cantou a nossa ria, com referência assinalável à Gafanha, merecia mais do que uma ruazinha sem expressão, sem circulação de veículos que levasse as pessoas a falar dele.

Leia todo o texto aqui