quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Na Linha Da Utopia



Agricultores e pescadores

1. As notícias desta área da sociedade continuam a não ser animadoras. Efectivamente, não conseguimos fazer uma transição saudável e justa de um modelo de sociedade tipicamente agrícola (de onde vimos) para o modelo industrial e de conhecimento tecnológico (para onde caminhamos). Um modelo poderia ser compatível com o outro. Mas, abandonámos as terras e o mar. País de larga costa e de sol quase durante todo o ano, muitos estrangeiros entre nós (estudantes ou não) admiram-se como não conseguimos tirar partido das potencialidades admiráveis que temos nas nossas condições naturais. Os dados de 2007 estão aí: o rendimento líquido da actividade agrícola cai mais de 12 por cento. Não é uma quebra qualquer, é queda em cima de queda estrutural…
2. Mas, no meio de todo este cenário, quem se preocupa com os resistentes agricultores e pescadores? Como sentem os portugueses estas essenciais tarefas do cultivo da terra e das pescas do mar? Que lugar, na sociedade em geral e na visão das políticas, têm (ou não) estes vectores estruturantes de qualquer país, para mais com as potencialidades naturais de que dispomos? Razões existem sempre. Dos dados deste ano, dizem os analistas que a quebra deve-se ao quadro meteorológico desfavorável e aos novos cenários de concorrência internacional que agravam o sector. Sabemos que, se há áreas em que os poderes de decisão estão em Bruxelas, esta é uma delas. Neste quadro europeu-global, cheio de desafios mas também repleto de possibilidades nas culturas e fainas que nos são originais e características, a sensação é que fomos e vamos perdendo a terra e o barco…
3. Das coisas mais sintomáticas de uma triste fuga ilusória à nossa própria génese, é o abandono das terras e o envelhecimento de quase todo o mundo piscatório. Há meses um especialista investigador da área dizia que nós, os portugueses, que não tivemos a Revolução Industrial, adquirimos o automóvel mais tarde e queremos levá-lo para todo o lado, até para baixo da secretária, daí a dificuldade de assumirmos os transportes públicos como parte da vida diária (isto para além das razões da necessária melhor rede de transportes…). Talvez ao abandono das terras, um abandono estrutural a que vão resistindo autênticos novos heróis portugueses, também esteja na ilusão de darmos um salto maior que a perna... Verdade se diga, mesmo nas exigências das concorrências do quadro europeu não é incompatível o desenvolvimento tecnológico com uma necessária visão integrada das nossas potencialidades agrícolas únicas. Mesmo sem as subsidiodependências, a realidade de muitos países europeus o demonstra.
4. O que nos falta? Talvez uma relação pacífica de mentalidade com as nossas terras (afinal, donde provimos). Ou, não estarão também o próprio turismo e as 1001 doçarias e variedades regionais enraizadas na faina agrícola? Mesmo no meio da complexidade destas questões, a costa e o sol portugueses exigiriam mais e melhor, começando por uma visão política consensual. Para quando? Ou os “choques tecnológicos” “escondem-se” das terras e do mar? (Chegaremos um dia a “comer” tecnologias?! Ou compraremos mesmo tudo? Ou ainda, virão os “de fora” produzir na nossa terra as nossas especialidades únicas que o clima permite?) Qualquer coisa de novo nesta área será urgente. Já é tarde!

Alexandre Cruz

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 54

Uma lenda de Moçambique


A GAZELA E O CARACOL

Caríssima/o:

Por vezes, os contornos das lendas não estão bem definidos e surge a confusão de que é um bom exemplo esta fábula que como tal nos é apresentada!
Ora vejamos:
«Uma gazela encontrou um caracol e disse-lhe: "Tu, caracol, és incapaz de correr, só te arrastas pelo chão." O caracol respondeu: "Vem cá no Domingo e verás!"
O caracol arranjou cem papéis e em cada folha escreveu: «Quando vier a gazela e disser "caracol", tu respondes com estas palavras: "Eu sou o caracol"». Dividiu os papéis pelos seus amigos caracóis dizendo-lhes: "Leiam estes papéis para que saibam o que fazer quando a gazela vier."
No Domingo a gazela chegou à povoação e encontrou o caracol. Entretanto, este pedira aos seus amigos que se escondessem em todos os caminhos por onde ela passasse, e eles assim fizeram. Quando a gazela chegou, disse: "Vamos correr, tu e eu, e tu vais ficar para trás!". O caracol meteu-se num arbusto, deixando a gazela correr.
Enquanto esta corria ia chamando: "Caracol!". E havia sempre um caracol que respondia: "Eu sou o caracol." Mas nunca era o mesmo por causa das folhas de papel que foram distribuídas.
A gazela, por fim, acabou por se deitar, esgotada, morrendo com falta de ar. O caracol venceu, devido à esperteza de ter escrito cem papéis.
Comentário do narrador : "Como tu sabes escrever e nós não, nós cansamo-nos mas tu não. Nós nada sabemos!".»
A Maria Francisca, que começa a dar os primeiros saltitos na leitura, vai rir às gargalhadas quando perceber que a gazela se deixou ludibriar por um bichito tão pachorrento como é o caracol!
Afinal ele sabia ler!
E que melhor desejo teremos nós, os avós, para os nossos netos: que aprendam a ler bem e depressa para se deliciarem regaladamente com contos, lendas e outras estórias que depois nos contarão.

Manuel

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Na Linha Da Utopia



Migrações, o nosso ADN

1. Sendo a condição humana migrante por natureza, todos nascemos migran-tes, num tempo e espaço concretos. A viagem de cada história de vida e da grande história humana que nos prece-de, inscreve na árvore genealógica de cada pessoa um comum (ancestral) cha-mamento à unidade. 18 de Dezembro é o Dia Mundial do Imigrante. Estima-se que bem mais de 200 milhões de pessoas são esta comunidade migrante hoje, que, porventura, deixarão de o ser amanhã, pois os seus descendentes, se assim as condições forem dessa normalidade, farão a sua casa onde nascem e onde criam as suas raízes. As migrações que têm atravessado os séculos, conduziram-nos até ao presente, num gratificante (embora muitas vezes exigente, ou mesmo chocante) encontro de mentalidades e culturas.
2. Quando, por exemplo, no século passado, o cego orgulho dos nacionalismos trouxe à ribalta a ilusão da “raça pura”, as desumanas e grotescas consequências não se fizeram esperar…facto que também nos demonstra cabalmente que, vão as ideias dos homens onde forem, habita o nosso comum ADN essa condição migrante que se reveste de “uno” desígnio apreciador da diversidade. Vai crescendo esta mesma consciência da pluralidade de expressões de ser e de ver a outra cultura como parte de um todo que nos une. É neste sentido que surge a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (2002) que considera a cultura (a viver em encontro de culturas) como «o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afectivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças».
3. São as viagens dos séculos que herdamos, de que somos fruto em todos os 1001 cruzamentos de encontros e desencontros, migrações de que, afinal, provimos. Nesta razão, consequentemente, também ao Portugal viajante mestiço que fomos e somos, só pode haver um olhar sensibilizado e acolhedor, sendo todas as formas de exploração a diminuição de si próprio na limitação forçada do outro. Diga-se que se há grito contra a nossa própria identidade humana, numa comunidade portuguesa que continua a ter cerca de 5 milhões de concidadãos por esse mundo fora, é quando se verificam situações de exploração. Também aqui, o sentido itinerante, migrante, da própria origem natalícia, propõe-nos o inadiável convite existencial criador de proximidades. Afinal, (re)conhecendo o nosso ADN da condição humana, nascemos à mesma lareira.

Alexandre Cruz

DIA INTERNCIONAL DO MIGRANTE


UM SORRISO PODE SER
A NOSSA MELHOR AJUDA

Não há, creio eu, quem não esteja relacionado, directa ou indirectamente, com a migração. Familiares que tiveram de sair do nosso canto pátrio, para dentro do país ou para o estrangeiro, outros povos que chegaram aqui e aqui se fixaram. Causas dessas migrações, através dos tempos, são variadíssimas. Razões económicas, fome e sede, secas, perseguições políticas, gosto pela aventura, guerras, catástrofes naturais, amor e tantas outras, impossíveis de enumerar.
Admiro os migrantes. São, normalmente, pessoas inconformadas com o statu quo, teimando em desafiar o destino que as circunstâncias lhes ditaram. Querem mais e melhor, para si e para os seus, e saem com coragem para outras paragens, sabendo que têm de travar lutas para se adaptarem a novos ares, a novos hábitos, a novas formas de ser e de estar na vida, a novas línguas e diferentes modos de conviver. Normalmente, pelo que sei, adaptam-se com facilidade. Outros regressam vencidos. Nem todos convencidos.
Neste Dia Internacional do Migrante, cumpramos a obrigação de olhar para os que chegam até nós com sonhos legítimos, com simpatia e espírito de cooperação. Um sorriso nosso pode ser a nossa melhor ajuda.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

IMIGRANTES CLANDESTINOS




As televisões mostraram hoje imagens tristes da prisão de 23 imigrantes clandestinos, oriundos de Marrocos. Algemados como perigosos cadastrados, recolheram às instalações do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), sendo amanhã ouvidos em tribunal. Podendo ficar em Portugal 70 dias, depois desse período terão, certamente, de ser repatriados. Segundo disseram, o seu destino era Espanha.
Quando vejo cenas destas, recordo de imediato os muitos milhares de portugueses que na década de sessenta do século passado procederam precisamente como estes marroquinos. A salto, como então se dizia, esses nossos compatriotas tiveram de vencer inúmeros obstáculos para poderem viver e trabalhar em França. Um dos maiores bairros de lata, nos arredores de Paris, estava cheio de portugueses.
Tal como estes imigrantes que hoje tentaram ficar por Portugal, provavelmente para mais tarde rumarem a Espanha, os nossos compatriotas foram forçados a fugir da pobreza, da miséria, do desemprego, de vidas sem futuro. Muitos, talvez a maioria, conseguiram construir uma vida melhor e oferecer aos seus filhos, a nível social e profissional, o que Portugal não podia dar-lhes.
Estas reportagens sobre imigrantes que lutam por uma vida melhor comovem-me sempre. Fundamentalmente porque sei quanto familiares e amigos meus sofreram para singrar na vida, porque o nosso País não podia garantir-lhes nada. Era, então, um país fechado ao mundo, “orgulhosamente só”, pouco industrializado, com uma agricultura quase da Idade Média, com gente de pé descalço, muito pobre, em suma.
Estes imigrantes clandestinos, que hoje foram algemados, estão, afinal, na mesma situação dos portugueses que no século passado foram a salto para França, por montes e vales, ao frio e à chuva, levados por passadores que os exploravam até ao último escudo. Depois, em França, até conseguirem trabalho, a fome ainda os apoquentou uns tempos mais. Muitos conseguiram vencer. Outros saíram derrotados. As suas histórias, de sacrifícios sem conta, estão por conhecer em muitas comunidades portuguesas. Deles se registam, como símbolos das suas vidas, as habitações com traços franceses.

Fernando Martins

Na Linha Da Utopia



Semear (Natal) para colher

1. Cada vez mais será importante o pensar e repensar sobre o que semeamos. A sementeira dos valores fundamentais à vida e à convivência vai sendo “plantada” todos os dias, todas as horas. O tempo pré-natal ajuda-nos a valorizar e apreciar as coisas simples, lendo aí o melhor futuro que procuramos. Também nos interpela sobre “o que” e “como” semeamos, sobre o lugar do essencial num crescimento de quem quer sempre o melhor para os outros e para o mundo inteiro. Só semeando com qualidade se podem esperar frutos em conformidade. Essa qualidade, mais que nunca, também passará pela simplicidade da exigência diária, numa abertura acolhedora capaz de compreender as múltiplas situações… Uma tarefa sempre tão difícil e exigente quanto necessária à vida colectiva.
2. Semear para colher. O exemplo pode vir mesmo da faina agrícola. Um “semear” que depois precisa do tempo necessário. Tal como até a própria natureza nos demonstra, as plantam não nascem “à pressa”, o processo da vida não é “de repente”, os valores para uma sociedade fraterna não são um “clic” instantâneo. Tudo precisa de tempo, pois só no tempo tudo frutifica. Os antigos consideravam que tempo é sabedoria… Os lemas contemporâneos vão pouco por aqui. Tudo tem de ser rápido (demais), a ponto de desintegrar o tempo para a “sabedoria”. Estamos todos quase a ser transformados em “fazedores”, novos “robots”, em vez de “sabedores”. Só damos por “algo” que está errado quando nos confrontamos com a ausência de fruto, quando vamos à árvore procurar os frutos que não cuidámos devidamente…
3. Este tempo antes do Natal é uma época cheia de possibilidades no abrir das janelas do ser a novas perspectivas de viver. É altura (mais que o saturante comércio) de olhar e (re)parar um pouco na colheita que vamos conseguindo… Tudo porque o Natal será um valor profundo do coração e não uma coisa exterior que, passados uns dias, perde a validade. O (verdadeiro) Natal que quer chegar, na dignidade absoluta que O reveste, interpela grandemente todos os modelos sociais do nosso tempo, pois que nos abre ao sentido dos valores (infinitos) que nunca passam. Talvez, mais que nunca, no apelo à qualidade de viver, seja necessário ir à fonte do Natal e aí recompreender o que acontece(u). Haverá mais luz interior…e todos os dinamismos exteriores apuram a sua própria sensibilidade como serviço a toda a pessoa humana. Venha este Natal!


Alexandre Cruz

NATAL



NATAL À VISTA


Nos largos horizontes
em que me vejo e revejo
sinto e pressinto um Natal de paz
com pão para todos
e sem frio nos corações
Um Natal à medida da falta de amor
com sinos e sininhos a darem sinais
da possível
confraternização universal
Um Natal de sorrisos francos
como os sorrisos das crianças que brincam
descontraidamente
com o mundo que rebola a seus pés
nos jardins dos nossos sonhos
Um Natal branco
como a brancura dos que amam
a verdade e a justiça
Um Natal de ternura sem fim

Fernando Martins