sexta-feira, 30 de novembro de 2007

CATÓLICOS E VIDA PÚBLICA



Teve lugar no passado fim-de-semana, em Madrid, a nona edição anual do Congresso 'Católicos e Vida Pública'. Com mais de 1500 participantes, o evento decorreu num ambiente de tensão crescente entre o Governo socialista e a Igreja católica. No centro das preocupações dos congressistas esteve a procura de um equilíbrio entre a presença pública da Igreja e o reconhecimento do pluralismo da sociedade espanhola.
George Weigel, o biógrafo norte-americano do Papa João Paulo II, apresentou uma das muitas contribuições interessantes para esta reflexão. Apresentando-se como teólogo católico e cidadão de uma das mais antigas democracias do mundo, Weigel perguntou o que pede a Igreja ao Estado. E respondeu basicamente duas coisas: espaço e abertura intelectual. Nada mais, porque a Igreja não tem uma proposta política, e nada menos, porque ela também não abdica do seu ministério independente da palavra, do sacramento e da caridade.
Exigir espaço - social, legal, político, até psicológico - implica reclamar que o Estado seja uma entidade limitada: pelo costume, ou pelo hábito moral e cultural, e pela lei. Esta limitação do Estado é a primeira condição de uma democracia pluralista. Ao recusar a absolutização da política, o princípio do Governo limitado abre espaço a uma interacção livre, vigorosa e civilizada entre várias propostas de ordenação da vida pública, nenhuma das quais é investida de autoridade última. A democracia é impossível quando a política é absolutizada, porque a política de absolutos é necessariamente a política da coerção.
A segunda coisa que a Igreja pede ao Estado, segundo George Weigel, é que mantenha uma atitude de abertura intelectual. Isto significa em termos gerais, que o Estado não pode adoptar uma filosofia particular, muito menos tentar impô-la aos cidadãos (ou aos seus filhos). Em particular, a Igreja reclama do Estado que ele mantenha uma abertura intelectual relativamente a um aspecto específico: a possibilidade de redenção.
Este é um aspecto curioso, que ilustra a interpretação não jacobina de laicidade. Por um lado, a Igreja recusa a teocracia e a existência de religiões oficiais. Por outro lado, a Igreja recusa que o Estado adopte como sua filosofia a hostilidade contra a religião. Por outras palavras, a Igreja reclama do Estado uma posição de abertura que contenha a possibilidade da verdade da religião.
Em termos práticos, isto significa que as duas principais reclamações dos católicos, segundo George Weigel, devem ser a liberdade religiosa e o respeito pelo pluralismo das instituições intermédias. O resto cabe aos católicos conquistar pela persuasão e pelo testemunho.

João Carlos Espada



Advento à porta




Hoje, na cidade, passei pelo Fórum, uma bela sala de visitas de Aveiro. Os sinais da festa que se avizinha aí estão, como desafio à nossa imaginação para a vivermos em plenitude, dentro do possível. O sector comercial, importante na vida, já está a mexer-se, acordando-nos para a realidade natalícia, revivida ano após ano. E que estaremos nós a fazer para, ao nível espiritual e social, não perdermos a ocasião de renascermos para mais um ano?

Dificuldades técnicas continuam

Continuo com limitações técnicas neste meu espaço da blogosfera. Há problemas, cujas soluções, não dependendo directamente de nós, nos incomodam bastante. Há que aceitar essa realidade. Há pouco tive a confirmação de que só na próxima semana tudo ficará resolvido. Até lá, tenho que ter paciência. Os meus amigos também. De qualquer forma, vou fazendo o que puder.
Fernando Martins

Na Linha Da Utopia


Adeus MadreDeus?

1. Tudo tem o seu tempo. Mas há tempos que são marcados por referências culturais de relevo. Foi precisamente há 21 anos que começou este projecto musical MadreDeus que viria a tornar-se emblemático da cultura portuguesa, percorrendo todos os mares da cultura internacional. O primeiro disco Os Dias da MadreDeus (1987), apresentava-se como um enigma musical que respirava dessa nostalgia e do horizonte oceânico do ser português.
2. Por trás deste simples e grandioso projecto está o génio Pedro Ayres de Magalhães, autor-compositor que tem criado maravilhas na música portuguesa do género. Agora, a voz que ele há duas décadas encontrou nos bares de Lisboa libertou-se noutros projectos mais individuais... Essa voz que, mediante as sensibilidades, repetitiva para uns, única para outros (como nós), levou por esse mundo fora, mais que o “nome”, a partilha da identidade portuguesa.
3. Se no estrangeiro o apreço e o mérito cedo foram reconhecidos, no Portugal pessimista da falta de autoconfiança a banda MadreDeus fora inicialmente vista com desconfiança. A sua chegada (regresso) a Portugal espelha também essa realidade tão típica nossa: foi necessário, primeiro, um reconhecimento mundial para depois apreciarmos e valorizarmos o que é nosso. Somos assim, felizmente já somos menos. Uma energia positiva de autoconfiança vai-nos abrindo as portas, dizendo que somos tão capazes como os outros, de que não podemos estar à espera das soluções mas teremos de ser parte delas.
4. Neste projecto musical, que talvez seja muito mais que simples música pois trata-se incomparavelmente da mais internacional banda portuguesa que do oriente ao ocidente recebeu a aclamação, a “hora” é de pergunta sobre o futuro. Estando o grupo a terminar este ano sabático de 2007, a voz da Teresa Salgueiro, por outros projectos pessoais, não tem disponibilidade para tanta solicitação... Para quem aprecia a guitarra do Pedro e a sua voz em conjunto, pena. Sobreviverá a banda MadreDeus, quando, afinal acabou por ser a voz de Teresa a dar a identidade ao projecto? Eis a questão!
5. Mas, acima de tudo, sem nostalgias, o tempo cultural português recente agradece os Dias e os anos de tão embaixador projecto cultural. Haja o que houver, MadreDeus são história viva!

Alexandre Cruz

Nova Encíclica do Papa


SALVOS NA ESPERANÇA

Spe salvi (Salvos na esperança) é o título da segunda encíclica de Bento XVI, dedicada ao tema da esperança cristã, num mundo dominado pela descrença e a desconfiança perante as questões relacionadas com o transcendente.
"O homem tem necessidade de Deus, de contrário fica privado de esperança", pode ler-se. O Deus em que os cristãos acreditam apresenta-se como verdadeira esperança para o mundo contemporâneo porque lhe abre uma perspectiva de salvação.
Bento XVI considera que só é possível viver e aceitar o presente se houver "uma esperança fidedigna" e destaca a importância da eternidade, não no mundo actual - "a eliminação da morte ou o seu adiamento quase ilimitado deixaria a terra e a humanidade numa condição impossível", aponta - mas como "um instante repleto de satisfação, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade".
"Deus é o fundamento da esperança, não um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto", observa.
A carta do Papa, hoje divulgada pelo Vaticano, defende que só Deus é a "verdadeira esperança" e aborda por diversas vezes a questão da "vida eterna", frisando que "ninguém se salva sozinho".
O documento começa por apresentar um enquadramento teológico da esperança cristã, a partir dos textos bíblicos e dos testemunhos das primeiras comunidades eclesiais. O Papa apresenta ainda os ensinamentos de vários Santos da Igreja a respeito do tema da encíclica e escreve que "conhecer Deus" significa "receber esperança".
Depois de negar que Jesus tenha trazido uma mensagem "sociorrevolucionária", Bento XVI aborda a questão da evolução para afirmar que "a vida não é um simples produto das leis e da casualidade da matéria, mas em tudo e, contemporaneamente, acima de tudo há uma vontade pessoal, há um Espírito que em Jesus se revelou como amor".
O Papa cita, entre outros, Platão, Lutero, Kant, Bacon, Dostoievski, Engels e Marx para falar de esperança e de esperanças, de razão e liberdade, da construção de um mundo sem Deus que pretende responder aos anseios do ser humano. "Nenhuma estruturação positiva do mundo é possível nos lugares onde as almas se brutalizam", declara.
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Fonte: Ecclesia

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia


O 29º LUGAR
DO RELATÓRIO DH

1. Em termos de desenvolvimento humano, na recente lista de 70 países com desenvolvimento humano elevado, Portugal ocupa o 29º lugar, sendo a cauda da Europa ocidental. No geral, foram analisados pelas Nações Unidas um total de 177 países, na procura de cruzar os dados existentes e assim ficar com uma visão de conjunto que privilegia as pessoas na sua sociedade concreta. A listagem (dos 70) começa na Islândia e termina no Brasil. Como todos os rankings deste género, as abordagens não são lineares, o que, por exemplo, se prova quando o Japão surge no oitavo lugar, tendo este país uma média de esperança de vida à nascença de 82,3 anos, maior que a fria Islândia, país que é o topo da tabela.
2. Mesmo nos limites naturais de tão complexo (e essencial) estudo, existe um extraordinário potencial meritório neste género de estudos (a que também juntamos o Relatório Anual sobre a Liberdade Religiosa no Mundo) que colocam, na generalidade, a claro aquilo que são as virtudes e os limites das sociedades contemporâneas, sempre no sentido de colmatar, solucionar, melhorar a vida das pessoas. No Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), entre outros, entram factores essenciais como a esperança de vida à nascença, taxa de alfabetização de adultos, taxa de escolarização bruta combinada (dos ensinos básico, secundário e superior) e o PIB per capita. O presente relatório, sublinhando, dá, ainda, um especial destaque à mudança climática que elege (a par do combate à pobreza extrema, um dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio) como o maior desafio que se coloca à humanidade neste início do séc. XXI.
3. Como em tudo, o primeiro passo para a cura é o diagnóstico. Estes diagnósticos anuais querem ser ponto de partida contínuo, num desejado progresso para a humanidade. Estes relatórios interessam a todos, pois, hoje mais que nunca em tempo global, não há solução que não passe pela parceria ampla que potencie soluções sustentáveis. Todos, desde os maiores actores sociais (políticas, educação, religiões, filosofias,…) até aos cidadãos que todos os dias trabalham e vivem (ou sobrevivem), estão incluídos como visão de projecto, neste desejado integral desenvolvimento humano das nações. O encontrar de soluções no tempo actual, que pressupõe um pensar global e acção local, obriga a ver como estamos para solidificar o (sempre mais e melhor) que queremos. Também para o 29º classificado, em que subimos a média esperança de vida à nascença para 77,7 anos. Relatório DH em:
http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr2007-2008/

Alexandre Cruz

ARES DO OUTONO












MESMO NO OUTONO...


Mesmo no Outono, como noutra estação do ano qualquer, os nossos olhos podem sempre descobrir algo de novo, algo de belo.... Estas imagens da Figueira da Foz são disso uma prova concludente. O povo que gosta de praia já se foi há muito, deixando para trás belezas porventura ignoradas pelas grandes rotas turísticas. Se quiser confirmar o que digo, passe por lá. Vá à descoberta daquilo que muita gente não quer ver.


Novo esilo de organização: renovar ou reformar?


Numa palavra de ordem à Igreja em Portugal, o Papa assinalou a necessidade de mudar o estilo de organização da comunidade eclesial e a mentalidade dos seus membros. Só assim, acrescenta, a Igreja poderá caminhar ao ritmo do Concílio Vaticano II.
Esta recomendação vem muito a propósito e com marcas de urgência. Teremos de nos interrogar se este objectivo se procura por reformas ou por um processo de renovação.
É um facto que a Igreja, em alguns campos e aspectos, não se desprendeu ainda de formas e de estruturas que hoje mais dificultam a circulação da vida que a favorecem. As estruturas são um serviço à vida das pessoas e das comunidades. Por isso mesmo, são, por sua natureza, avaliadas periodicamente e substituídas ou renovadas, quando deixam de servir os objectivos desejados.
A Igreja está, em nome do Deus em que acredita e da Mensagem que lhe foi confiada, ao serviço das pessoas, construindo comunidades, animadas pela graça de os seus membros se sentirem uma família nova de filhos e de irmãos. Quando a vida das pessoas muda ou as mudanças sociais dão origem a novas culturas, nas quais se alteram valores, critérios e modelos de vida, logo tem de surgir a interrogação sobre os novos caminhos a abrir e percorrer para melhor se poder servir. De outro modo, a Igreja fica fora do tempo e começa a funcionar e a gastar as suas melhores energias em função de si própria e não daqueles aos quais é enviada. Fica assim em causa a sua condição de servidora do Evangelho de Cristo, uma Boa Nova nunca esgotada, nem envelhecida, e sempre necessária, para que as pessoas vivam e comuniquem segundo a dignidade que lhes é própria e, pelas relações mútuas, exerçam o seu protagonismo de construtores responsáveis de uma sociedade humanizada e fraterna.
Séculos houve em que, no aspecto religioso, o campo invadiu a cidade e aí assentou arraiais com formas de vida e de acção eminentemente rurais. As paróquias são estruturas rurais na sua origem e medievais na sua óptica e concepção.
Numa sociedade estática, na qual a cidade não era senão um campo alargado onde vivia um maior número de gente rural, a estrutura territorial ajudava a coesão por via da delimitação de fronteiras e da concretização de tarefas religiosas. Os leigos em geral não eram mais que membros passivos da Igreja que dela recebiam a Palavra e os Sacramentos. A eles mais não se pedia que a ajuda material.
De depressa, por motivos ridículos, se foram gerando bairrismos e conflitos. Muitos destes ainda perduram sensíveis a formas novas que se pretendam implementar.
Pela explosão das ordens religiosas, ao tempo com clero mais abundante e preparado, foram surgindo no tecido religioso alguns quistos, que não favoreceram e ainda hoje nem sempre favorecem a renovação desejada.
O mundo das pessoas mudou nas suas expressões, objectivos e relacionamentos e as fronteiras territoriais amoleceram, no sentido da coesão e até da expressão comunitária. O urbanismo, como pensamento e expressão de vida, invadiu o que restava de mundo rural. A mobilidade cresceu pelas mais diversas razões e é hoje expressão normal da vida de muita gente.
Democratizaram-se a vida pública e os regimes políticos, a escola e as relações pessoais; alteraram-se os valores tradicionais e multiplicaram-se as fontes de informação, com manifesta influência nos ideais de vida e nos comportamentos pessoais e colectivos. De repente, tudo mudou. Porém, algumas estruturas eclesiásticas, nomeadamente as paróquias, mas não só, perduram neste século XXI, embora com algumas reformas, com o colorido de formas estruturais de séculos longínquos. A palavra de ordem passou, por isso mesmo, a ser outra: Tempos novos, novas formas de acção pastoral e de expressão apostólica.
Esta reflexão, que vai continuar, pretende ser uma ajuda operativa ao apelo do Papa.


António Marcelino
Foto: Padres conciliares

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia



SOCIEDADE CIVIL

1. A vivência da sociedade civil é o reflexo dos níveis de desenvolvimento que se atinge. Um corpo social dinâmico e todo responsável pelo que é de todos, eis o espelho claro de uma liberdade bem entendida e de uma correspondente democracia justamente amadurecida. Sempre a favor de tudo quanto é bom para o bem comum (das pessoas), sempre com todos os actores do tecido social que cooperam com essa presença e proposta de uma sociedade civil não adormecida mas construtiva.
2. Normalmente, na busca do equilíbrio referencial, falar-se de sociedade civil remete-nos para uma plataforma comum onde a vida da “classe média” representa essa dinâmica criativa ou a sua ausência indiferente. Assim sendo, tanto as revoluções históricas reflectem essa insatisfação da grande maioria de cidadãos (na sua negação da dignidade e direitos), como nas situações de pobreza extrema dificilmente se consegue vislumbrar uma réstia de expectativa transformadora.
3. Mas, que considerar quando os bens essenciais parecem garantidos e a indiferença generalizada substitui a energia interventiva? O facto de em alguns países europeus o voto eleitoral ser obrigatório (como na Holanda) reflecte essa passividade, que faz pensar (?), das terras da liberdade. Também para nós portugueses, como compreender e desenvolver mais as potencialidades (e que esperar mais) de uma sociedade civil que se reconheça (como centro da vida) em que a preocupação pelo “pão de cada dia” sobreocupa o tempo social?
4. O desenvolvimento (integral) dos povos e a consolidação dos valores fundamentais, hoje, reclama o aprofundamento desta ideia chave de uma sociedade que vive a civilidade como compromisso social. Numa visão sem antípodas (ou, ou), estes são sempre o reflexo de subdesenvolvimento reflexivo. Uma civilidade de pessoas livres, numa liberdade que integra as linhas referenciais (de ética comum) dos dignos estados.
5. Uma certeira perspectivada sociedade civil em que ninguém se põe no lugar dos outros, nas onde todos (pessoas livres e estados co-responsáveis) cooperam em ordem à plena realização pessoal e social. Quando se pede aos Estados para resolver todos os problemas da sociedade (de todos), ou quando as liberdades não conseguem integrar os referenciais pluralistas “qb” (dos poderes públicos) em ordem à realização da vida em sociedade, ou, ainda, quando os Estados se querem sobrepor forçadamente às pessoas optando por elas… será porque haverá muito que caminhar em termos de sociedade civil, de modelo civilizacional.
6. Esta sociedade civil, quando está morta ou é indiferente às questões do bem das pessoas, gera a anemia social (somos na letra, mas não somos na realidade!), normalmente permeável ao avanço do que menos interessa ou à fácil (im)posição. Precisamos de uma sociedade civil mais atenta e comprometida (que pense consequentemente as questões da família, do trabalho, da educação, escola, ambiente, …)? Sim, sempre!


Alexandre Cruz

ARES DO OUTONO





TORREIRA
Os sinais do Outono são bem visíveis na Torreira. Praia deserta, que o frio já incomoda, e há mais que fazer nesta altura do ano. Mas um passeiozinho por ali, mesmo de fugida, vale sempre a pena.

POR CAMINHOS JÁ ANDADOS


De todos é sabido que o Seminário dos Olivais nos seus 75 anos de existência, foi um marco para o país. Um marco e um sintoma. Vinte e seis antigos alunos e professores, distanciados das celebrações oficiais (e a maior parte fora do exercício sacerdotal) decidiram juntar fragmentos de memória e reunir descompassadamente histórias e reflexões que tiveram a ver com os itinerários pessoais e comunitários numa casa comum. Assim se construíram análises híbridas de afecto e crítica, muitas vezes na óptica dos caminhos percorridos por cada um. Mas reconheça-se a importância deste livro - será livro, na sua desarrumação despretensiosa e eloquente, reveladora talvez das turbulências do tempo a que se refere? É escrito a quente quarenta anos depois da maioria dos factos. É livre porque não enferma do mais pequeno pendor apologético. É útil porque recapitula factos que podem ajudar a ler um tempo rico e complexo. É grato, porque reconhece ao Seminário um lugar privilegiado no terreno da cultura, da fé, da espiritualidade, mesmo nas encruzilhadas da dúvida e da contestação. É útil porque recapitula gestos proféticos de mestres que fizeram a heróica travessia de Trento para o Vaticano II, em particular no campo da liturgia. É pedagógico porque ensinará aos mais novos que o projecto vocacional de Deus está para além de todos os formatos. É um sinal do Espírito porque transpõe todas as atrapalhações em que a mudança dos anos sessenta foi envolvida. É útil à Igreja e ao mundo porque grande parte dos fenómenos ultrapassam os muros do Seminário, se ligam a uma Igreja universal onde muito de semelhante acontecia. Mergulha no próprio mundo que, sem se aperceber, anda na barca onde navegam crentes e não crentes, leigos, consagrados e abúlicos.
Muito interessante seria se outros Seminários do país contassem a sua história e histórias para todos melhor entendermos os tempos que vivemos, as exigências do mundo, a vocação prioritária da Igreja, o confronto das laicidades e dos laicismos. Há caminhos já andados de que importa tirar lições. Com os vivos, enquanto é tempo, mesmo com as ópticas que cada um oferece à história a partir da sua história. Ver-se-á, ao fim e ao cabo, que os tecidos do Espírito vão juntando fios de aparente incompatibilidade e luz duvidosa no momento em que acontecem. Mas fazem, irmanados com todos, a história da salvação.


PS - O nome certo do livro é “POR CAMINHOS NÃO ANDADOS”.

António Rego

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Maria José Senos da Fonseca

FALECEU UMA LUTADORA PELA CAUSA DOS MAIS POBRES
Soube hoje do falecimento de D. Maria José Senos da Fonseca. O seu funeral, em Ílhavo, foi, decerto, uma manifestação de respeito e admiração por uma mulher determinada que, à causa dos mais desfavorecidos, deu uma vida cheia de lutas, de canseiras e de preocupações, nem sempre bem compreendidas e nem sempre bem apoiadas. Ao nível da solidariedade social, na sua expressão mais genuína de uma entrega total aos outros e sem vínculos religiosos, que não são fundamentais para fazer o bem, foi um exemplo de inconformismo perante a situação de pobreza de muitos dos seus e nossos conterrâneos. Teimosamente, com uma capacidade de trabalho capaz de mover montanhas, estava continuamente, no dia-a-dia, à procura das melhores respostas para os mais pobres dos pobres, carentes de toda a ordem, deficientes, vencidos da vida, marginalizados, sem nunca mostrar cansaço face aos desafios que teimava em ultrapassar, nem que para isso tivesse de gritar bem alto a sua indignação perante a passividade de muitos. A instituição que fundou e durante muitos anos dirigiu, o CASCI (Centro de Acção Social do Concelho de Ílhavo), procurou instalar-se, quantas vezes de forma inovadora, nas zonas mais frágeis da nossa sociedade, mexendo, com larga visão de futuro, nos mais diversos departamentos estatais, com quem estabeleceu parcerias que mostraram a rara intuição de quem estava atenta ao mundo em que se movimentava. Sempre nutri por esta senhora, de personalidade muito forte, uma admiração muito grande. Senti, por isso, a sua morte, como grande perda para o concelho de Ílhavo. No entanto, resta-me a certeza de que o seu exemplo, tenaz, abnegado e atento a quem mais sofria, deixou frutos que a hão-de continuar entre nós. Fernando Martins

NA LINHA DA UTOPIA

Afinal, que renovação da Igreja em Portugal?
1. Eis a questão! Depois da visita dos bispos à sede (da unidade) romana, após uma semana de “ecos”, uns mais entusiastas que outros, alguns (primários) demonstrativos do não entendimento destas “realidades”, outros (na reacção ou de “mãos atadas”) defensores de uma serenidade descomprometida, a pergunta sobre o futuro continua… A resposta será mais complexa que um “pedido” de renovação, como se esta significasse o retorno das multidões ou uma ordem de importância das coisas do mundo. Também seja dito, a fundamental aposta nas “razões da fé” de Bento XVI precisa da sua correspondência nas questões fundamentais da Igreja para o séc. XXI. Ou nestas (problemáticas) afastamos a razão? 2. Naturalmente, a renovação desejada passa pelo “fermento” na massa, pelo “sal” na comida, pelo sentido de dignidade divina a proporcionar à história humana, num horizonte de diálogo ecuménico, inter-religioso e intercultural… sendo certo que a ordem das realidades da comunidade Igreja não podem ser lidas com critérios meramente humanos. Se dos documentos desse encontro com o Santo Padre nos vem uma visão de Igreja (ainda) clerical e por isso de necessária renovação estrutural (de todos os que se dizem de “cristãos”) à luz do Concílio Ecuménico Vaticano II (1962-65), o entender (a atender) deste “pedido”, só pode, pressuporá o seguir o exemplo renovado que vem de cima… Como vamos de renovação em Roma? Na evidente reciprocidade, a resposta a esta pergunta será (também) a resposta para a renovação das comunidades locais… 3. Felizmente já vão os tempos em que o “questionar” seria visto com olhos menos positivos. Hoje, o horizonte da liberdade cristã efectivamente comprometida levar-nos-á, em cada tempo histórico, a (re)definir o essencial das renovações em coerência evangélica… Neste ponto, seja dito, é um som difícil de captar, os apelos à renovação da voz de quem foi “fechando” o espírito da pluralidade do Concílio Vaticano II. Como compreender o apelo à renovação local diante da “limitação” por Roma do progresso das chamadas teologias locais (das Américas, da Ásia, de África), espelhada em múltiplos afastamentos de teólogos que por uma “parte” (de pensamento diferente) é-lhes fechado o “todo” do seu esforço de inculturação? 4. Enfim, nada de novo! Se a Igreja fosse uma “entidade” qualquer, podia-se compreender um apelo “dirigido” de renovação de quem (podendo) não renova a casa... Não é fácil, mas o primeiro passo será a abertura teológica às “questões”… Ao ser comunidade “discípula” toda ela, a Igreja, não consegue conciliar essa “falta”… Ou, será que, num pluralismo das comunidades locais, poderão os seus pastores avançar com renovações nos “ministérios”? Para já não falar nas urgentes renovações (aprofundamentos dogmáticos como renovação) de linguagem sobre a fé no mundo de hoje? Claro que se pode aplicar o refrão (conformista) de que a renovação começa pela base… Enfim! E quando esta, nas suas necessidades, colide com (ainda) uma ideia de unidade como uniformidade (em vez de pluralidade)? Ou será uma renovação para continuar (na mesma)? Já agora, na recente grande entrevista da Rádio Renascença sobre esta temática (só com três bispos), onde estavam os essenciais LEIGOS? 5. Vale a pena ler o livro do grande teólogo (na prateleira) Hans Kung, “Porque Sou Cristão?”. Deste(s), num espírito ecuménico e universalista nascerá o futuro. No encontro gratificante onde ninguém perde a identidade! (Ainda estamos aqui?…) Pelo contrário, aprofunda-se a essencialidade que nos une. O tempo o exige para ser possível a renovação em ordem ao FUTURO. (Enfim, tudo isto, nada de novo! Ou melhor, tudo sempre novo, na Pessoa divina que comanda este pesado Barco! Procurámos, numa forma de escrever, não dizer tudo o que tem sido dito, de que está tudo quase bem e que o mundo é que não entende… Temos mesmo de renovar! Mas, sem simplismos, não chega “remendo novo em pano velho”!)
Alexandre Cruz

domingo, 25 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia

UM MERCADO POLÍTICO?
1. A estratégia do líder da oposição, como resposta ao semelhante modelo de liderança governativo, tem dado azo ao catapultar do conceito de “empresa” para um universo social e político, quase universalizando a ideia de que tudo tem que dar lucro porque para tudo terá de haver um mercado. Já das últimas décadas, mesmo o fenómeno futebol, que lida com multidões, foi trazendo, de sobremaneira, à ribalta, essa obrigatória compensação de um popular investimento, a que se junta a conquista a todo o custo em palco de uma vitória sempre procurada, e onde, a certa altura, pouco importa o que acontece no meio, ou qualidade, do jogo. 2. No plano sociopolítico, o árbitro acabará por ser o critério. E este vai-se moldando ao jeito do melhor terreno para escolher o melhor ponto de partida rumo à vitória. Ver um partido político (que se julgava ser um espaço criativo e comprometido eticamente na visão de coerente proposta social) ao jeito da gestão de uma empresa (divinização da empresa?) significará centrar na lógica de mercado-lucro toda a visão de vida e da sociedade. No pressuposto da salvaguardada dignidade, nada temos a opor ao “mercado” quando ele representa o esforço da proposta concorrencial na base da qualidade… Mas, transferir tudo (e as ideias sociopolíticas especialmente) para a lógica de consumo não será o fim das ideias, ou fazer delas um negócio? 3. Neste cenário para que caminhamos (?) as ideias irão contar cada vez menos, e as lideranças provirão do laboratório fermentado da oportunidade estratégica, em vez de tudo brotar duma serena e profunda visão da vida experienciada e dos valores sociais que se buscam. São algumas, neste corredor da fama, as realidades que espelham a pequenez defraudada das ideias. Poderemos colocar neste escalão menos superior, por exemplo, muitas das linhas de pensamento-acção das juventudes partidárias? Serão estas, na essência, hoje, uma expectativa de potencialidades esfumadas? A liberdade, para uma igual dignidade humana (e de oportunidades), que nos trouxe ao presente, está a deixar-nos a meio do caminho, prisioneiros (agora pelo não andar das ideias) da quantidade (populista)? 4. Em Portugal, quando da expansão dos canais TV, esse “mercado” omnipotente trouxe-nos os maiores espectáculos da vulgaridade. Deu-se mais o que mais vendia! Na generalizada indiferença de uma possível sociedade democrática, democracia ao que parece estar a ser deixada só para o parlamento (que temos…), estaremos a caminhar para este beco mercadorista em termos sociopolíticos? Se de um lado do jogo são os números que reinam e do outro a resposta eleva a “empresa” como modelo de vida, que futuro social?! Antes do mercado, já havia (e há) pessoas. (E ainda - “Mercado”: Também como o regularmos “qb” se nos deixarmos comandar por ele?) Alexandre Cruz

DIA INTERNACIONAL PARA A ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES



Vivemos, infelizmente, num mundo cheio de violência. Desde sempre, aliás, a violência foi uma triste realidade na humanidade, que se desejava fraterna e solidária. O tema da violência faz parte dos nossos quotidianos e não admira que haja, portanto, um dia consagrado à luta contra a que é exercida sobre a mulher. Normalmente por homens, maridos e outros, numa atitude covarde de quem, sabendo-se fisicamente mais forte, descarrega a sua ira contra a mulher. Gostaria de ver esses valentões a desafiarem um qualquer da sua igualha, mas mais possante…
Sabe-se que, infelizmente, há muitas mulheres espancadas que calam, temerosas ou por vergonha, a agressividade de que são alvos. Também, julgo eu, numa tentativa de evitar o desmembramento da família, com consequências gravíssimas para os filhos, eternas vítimas. Mas penso que estas mulheres, vítimas silenciosas, deviam merecer mais apoio da sociedade e das instituições a vários níveis. Não estamos em tempos de uma pessoa sofrer violências toda a vida, tanto de ordem física como psicológica. Há que estudar e implementar estruturas de apoio às vítimas de maus-tratos. Sei que existem algumas instituições para isso, mas também sei que tudo corre bem nas primeiras impressões, caindo as mulheres, depois, em situações de sobrevivência deprimentes.
Que este dia sirva, realmente, para todos nos debruçarmos sobre esta questão. A vida tem de ser vivida em ambientes de paz e de compreensão, de amor e ternura, mas nunca em climas de violência.

FM

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS – 48


PEDRO SEM

Caríssima/o:

O nosso primeiro neto nasceu no Porto, como aliás todos os outros, à excepção dos que vivem na Escócia.
Portanto, e se mo permitis, indo à descoberta das suas raízes, dedico a lenda do Pedro Sem ao Tomás, já que a esta cidade do Porto anda ligada, de uma forma especial, a sua Família paterna.
Aparece assim na versão de Viale Moutinho:

«Bem, mas uns escrevem com S outros com C, mas será com S. Pedro Sem e não Pedro Cem. O homem vivia naquela torre hoje adossada ao antigo paço episcopal. Era rico, usurário e tinha pena de não ser nobre. Mas um dia arranjou um expediente através de um nobre arruinado a quem saldaria a dívida se o outro lhe desse a filha em casamento. Deu, seja: vendeu-a assim. E em plena boda, num belo dia de sol, foi anunciada a chegada dos seus barcos vindos do Oriente, carregados de riquezas. Pedro levou os convidados à varanda para verem chegar as suas naus à foz do Douro.

E suspirou que Deus o poderia empobrecer. Naquele instante produziu-se uma tempestade tamanha que estragou a festa. Os barcos, um a um, afundaram-se. E toda a gente fugiu de ao pé dele, assustadíssima.

Reconheceram-no, tempos depois, mendigando pelas ruas da antiga baixa portuense, estendendo a mão à caridade pública:

-Uma esmolinha para o Pedro Sem que já teve muito e agora nada tem!»
[V. M. , 210]

Manuel
Foto: Torre de Pedro Sem, no Porto

sábado, 24 de novembro de 2007

Os anos passam


Os anos passam
Apressados
Como vento fugidio
Em tardes de inverno
Friorento

E agora sinto
Feliz
Que o correr dos anos
Deixou marcas
Bonitas
Na ternura do teu
Olhar


Fernando Martins
24-11-207

O DIÁLOGO CIÊNCIA-RELIGIÃO

A história das relações entre a religião e a ciência está cheia de conflitos. Por vezes, foi a guerra declarada. Falando desses conflitos, é inevitável que venham à ideia sobretudo os casos de Galileu e Darwin. Ora, na raiz do equívoco, esteve - e ainda está, quando se pensa nos criacionistas americanos, que defendem o ridículo de uma leitura literal da Bíblia - o facto de se não ter percebido que a Bíblia não é um livro de ciência, mas de carácter religioso. Nisso, Galileu foi mais avisado do que os seus censores: a Bíblia não diz "come va il cielo, ma come si va in cielo", pois não é um livro de astronomia, mas de religião. Percebeu-se, finalmente, a autonomia de cada uma das esferas e dos respectivos campos de intervenção. Esta compreensão também significa que a ciência, apesar da acumulação dos seus sucessos gigantescos, não pode reivindicar o monopólio da racionalidade, como se fosse a única via de conhecimento verdadeiro. A razão é multidimensional. O fim dos conflitos não significa que não possam e devam dialogar, com vantagens mútuas. É sabido, por exemplo, que o cristianismo, ao desdivinizar o mundo, pela fé bíblica na criação, abriu espaço à investigação científica livre. Por outro lado, também a partir da lição que ela própria teve de aprender, a teologia prevenirá para o perigo de imperialismo da ciência. A religião tem de colocar-se no seu domínio próprio e saber claramente que não pode contradizer a ciência. Também aprendeu que a experiência religiosa tem um carácter "verificável-plausível": a fé não pode ser cega nem irracional e tem de dar razões, que convencerão uns e não outros, mas são razões publicamente argumentáveis. A teologia está atenta aos avanços da ciência e respeita a sua autonomia, que a impede de utilizações apologéticas indevidas. Mas, como escreve o teólogo A. Torres Queiruga, "tendo em conta o enriquecimento do conhecimento do real trazido pela ciência, reelabora a partir de si mesma e na sua lógica específica os seus próprios conceitos". Assim, por exemplo, se, tradicionalmente, se pensou que, enquanto a realidade sublunar estava submetida à mudança e à corrupção, a supralunar era incorruptível, imutável e perfeita, desde Galileu sabemos que não há esta diferença e que a realidade empírica toda é contingente, impondo-se com mais intensidade a pergunta: porque existe algo e não nada? Precisamente a contingência radical leva a pensar o Absoluto, fundamento último da realidade contingente. Também os cientistas são humanos e, por isso, põem inevitavelmente perguntas que transcendem o domínio da ciência: qual a origem última do mundo, o seu fundamento e o seu sentido? Estas perguntas não têm resposta científica, pois, referindo-se ao todo, ultrapassam a capacidade do método científico da verificação empírica. Trata-se de questões de ordem metafísica e religiosa, para as quais, simplificando, há três respostas. Uma é a do agnosticismo quase místico. É assim que o filósofo Luc Ferry diz: "Como todos os crentes, tenho, sem dúvida, o sentimento de que há um mistério neste mundo. Mas não desejo ir além desta constatação." Outra, no limite, diviniza a Natureza como força criadora do novo. O filósofo M. Conche acaba de escrever que Deus é inútil, pois a própria Natureza cria seres que podem ter ideias de todas as coisas, inclusive da própria Natureza. Não se trata, porém, da "natureza oposta ao espírito ou à história ou à cultura ou à liberdade, mas da Natureza omni-englobante, a physis grega, que inclui o Homem nela. Essa é a Causa dos seres pensantes no seu efeito." Ao crente monoteísta parece mais razoável uma interpretação da realidade que co-implica a presença do Deus transcendente, amor pessoal e criador. Afirma-se desse modo a infinita transcendência de Deus e a sua mais íntima presença à criatura, tornando-se então claro o que parece paradoxal: precisamente porque Deus está sempre presente como criador, faz o mundo fazer-se autonomamente, seguindo as leis próprias da natureza e a liberdade.
Anselmo Borges,
In Diário de Notícias

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

COM LIMITAÇÕES TÉCNICAS

Com algumas limitações, impostas pela ausência do meu computador, em hora de reparação, que estas coisas não duram sempre em bom estado, sinto-me na obrigação de informar os meus leitores desta realidade. O nosso computador, aquele que utilizamos no dia-a-dia, é o grande baú onde guardamos, em diversas caixas, os nossos diários e aquilo de que mais precisamos nos momentos certos. Hoje, e durante uns dias, estarei sem esse baú. Mas por cá continuarei, como mandam os hábitos estabelecidos e por respeito, também, pelos meus muitos amigos.
Fernando Martins

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

NÃO FIQUE PARADO A VER PASSAR O MUNDO

Tenho para mim que se um leitor meu ali-nhar com as minhas sugestões já valeu a pena o que escrevi no meu blogue. É sinal de que há gente atenta ao que se diz e, mais do que isso, acredita na verdade com que falo e escrevo.
Há dias um leitor disse-me, com toda a naturalidade, que tinha aderido a uma oportunidade de voluntariado, seguindo o que eu tinha recomendado. E acrescentava que estava muito sa-tisfeito, porque, na aposentação, sentia necessidade de se envolver em qualquer coisa de útil. Congratulei-me, obvia-mente, com isso.
Vem isto a propósito de às vezes, nas minhas caminhadas por aí, deparar com os cafés cheios de gente, notoriamente na situação de aposentada. Dias e dias sem nada fazer de importante, quando a sociedade está tão carente de que a ajudemos a progredir. E não é verdade que há tantas hipóteses de o fazermos, nos mais variados campos da solidariedade e em tantas vertentes da vida?
Então, caro leitor, encha-se de coragem e dê uma volta para descobrir onde é que pode ser útil, pondo à prova as suas capacidades humanas e criativas. Não fique parado a ver passar o mundo…

FM
Foto do site Diário de Medicina Preventiva

Na Linha Da Utopia


AJUDAR É NO BANCO ALIMENTAR

1. Por vezes poderemos andar tão envolvidos em grandes projectos para o resto do mundo que esquecemos que o mundo mais próximo terá de ser esse início. Sublinhe-se que a renovação da humanidade longínqua passa, necessariamente, pela nova “chama” solidária para com a humanidade próxima e diária. Claro, uma e outra, perto como longe, esse ideal transformador quer agarrar, envolver, gerando aqueles novos sentimentos que nos despertam para o essencial da vida, esta que para ser plena obriga a reparar (n)as situações difíceis de cada outro como nós. Afinal, “somos” com o outro!
2. Nos últimos anos já nos fomos habituando, por estas alturas pré-natal, tanto a proclamar os números da pobreza e da fome (bem mais de duzentas mil pessoas em Portugal), como a destacar projectos, tanto diárias e semanais nas comunidades locais, como as grandes e exemplares campanhas como o Banco Alimentar. Mas falta algo de muito importante, parece que as potencialidades desta sensibilização nacional tardam em chegar a todos, mesmo aos que estão nos essenciais processos de formação, numa necessária reinterpretação “indutiva” de tudo, onde a realidade (hoje humanitária) obriga à renovação das teorias (da razão), para mais e melhor.
3. Vendo de dentro (pois de “fora” as ideias precipitadas, e logo redutoras, também podem abundar), no nosso tempo, o Voluntariado afirma-se como um valor essencial e de efeitos transversais sensibilizantes para a sociedade de todos. O viver o Voluntariado (e todos o seremos de algum modo…, também na verdade de que existem variados níveis de compromisso com o voluntariado) reveste-se de uma grandeza que vence as simples ideias teóricas tantas vezes simpáticas mas pouco realmente serviçais. O Voluntariado cria proximidade surpreendente entre os valores universais da dignidade humana e a sua realização nas situações mais variadas e tantas vezes tão difíceis.
4. É por isso que, insistimos volta e meia nesta tecla, falar de educação e formação obrigará à recepção em sistema educativo da experiência de inúmeras organizações (muitas delas transnacionais) que promovem a solidariedade sem fronteiras antecipando o futuro de unidade. Também estas organizações haverão de crescer cada vez mais para “partilharem” a sua visão calorosa que, muitas vezes, poderá iluminar de calor humano a partir da prática esperançosa a frieza por vezes de sistemas teóricos estruturalistas menos abertos.
5. Mesmo diante de todos os prós-e-contras que tudo quanto é humano pode ter, é imenso o potencial de valor educativo (muitas vezes ainda não devidamente abraçado por todos os quadrantes sociais e educativos) de acções e campanhas de Voluntariado como esta do Banco Alimentar. Afinal, numa cidadania humana e atenciosa, toda a sociedade está interessada, mesmo como sensibilização e co-responsabilidade social. (Os interessados em colaborar na Campanha podem contactar pelo 234 381 192 ou 962 814 355.) Nos dias 1 e 2 de Dezembro, AJUDAR É NO BANCO ALIMENTAR! (http://www.aveiro.bancoalimentar.pt/)


Alexandre Cruz

LIÇÃO DE PORTUGUÊS


Um homem rico estava muito mal, agonizando. Pediu papel e caneta. Escreveu assim:"Deixo meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro nada dou aos pobres." Morreu antes de fazer a pontuação.
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A quem deixava a fortuna?
Eram quatro concorrentes.

1) O sobrinho fez a seguinte pontuação:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

2) A irmã chegou em seguida. Pontuou assim o escrito:
Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

3) O padeiro pediu cópia do original. Puxou a brasa prá sardinha dele:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

4) Aí, chegaram os descamisados da cidade. Um deles, sabido, fez esta interpretação:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres.
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Moral da história: Assim é a vida. Pode ser interpretada e vivida de diversas maneiras. Nós é que colocamos os pontos.
E isso faz toda a diferença.
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NOTA: O Acácio Rodrigues, da UA, teve a amabilidade de me enviar este texto, que me recorda, com que saudades!, os tempos de uma aula de Português, em que o mesmo texto era dado a cada aluno para que fizesse a pontuação. Era assim que se aprendia, noutros tempos e penso que ainda hoje, a partir de casos concretos.
FM

Ainda as Novenas

É LINDO RECORDAR COISAS PITORESCAS DO PASSADO É lindo recordar coisas pitorescas do passado. Também participei em novenas: uma à Sra das Dores em Verdemilho, outra à Sra da Boa Viagem na Gafanha de Aquém e outra naquela capelinha que fica frente ao Largo de St. Johns na Gafanha da Nazaré. No final havia a tremoçada, às vezes com uns amendoins à mistura, e pelo menos uma vez houve vinho a acompanhar. O encomendador da novena era um homem. O termo novena pode ter sido adaptado a estes eventos em que participavam nove meninos e nove meninas pois verdadeiramente designa um período de oração de nove dias seguidos.Creio que hoje as crianças ainda gostariam desta prática se lhes fosse solicitada. Esse papel pertence aos adultos que deixaram cair bons usos e costumes que faziam parte da nossa identidade.Era bom que se ocupassem as mentes juvenis com algo simples e saudável que lembrariam sobretudo numa etapa mais calma da sua vida.Á S.ta Maria Manuela de Tabueira ainda devo vinte e cinco tostões por me ter limpo os cravos das mãos, isso já na área das promessas. Tenciono cumpri-la só que agora pagarei em euros. Ela sabe que gosto de recordar a promessa e a dívida.
João Marçal
NOTA: Obrigado, João, pela tua achega. É assim que se constrói a história da nossa terra e da nossa gente. Manda sempre, que eu acolho tudo o que vem pela positiva. Mas o convite vai para toda a gente.
FM

Bispo de Aveiro em entrevista ao Correio do Vouga



"NO ENCONTRO COM O SANTO PADRE,
SENTI A PRESENÇA
DE TODA A DIOCESE COMIGO"


Correio do Vouga - A Imprensa transmitiu a ideia de que Bento XVI se manifestou desagradado com a realidade da Igreja portuguesa. Foi essa a impressão com que ficou?
D. ANTÓNIO FRANCISCO DOS SANTOS - Compreendo que a comunicação social, numa leitura marcada pelo imediatismo, tenha entendido a mensagem do Santo Padre como se fosse uma nota de desagrado face à Igreja em Portugal.
Mas a realidade vivida em Roma e a mensagem recebida do Santo Padre revelam-nos outros sentimentos, apontam-nos outros caminhos, relançam-nos noutros desafios e exigem-nos sobretudo respostas noutros horizontes.
A visita Ad Limina proporcionou aos bispos portugueses tempo de oração, de partilha fraterna entre todos, de diálogo com as Congregações Romanas e sobretudo esses momentos únicos que são o encontro pessoal de cada bispo e o encontro de todos os bispos com o Santo Padre.
No diálogo pessoal que tive com o Santo Padre e nas orientações dele recebidas, senti o acolhimento afável, a solicitude fraterna e o estímulo confiante de Bento XVI. É de esperança esta hora que vivemos em Igreja.
O Santo Padre dialoga connosco, escuta o que lhe dizemos e perscruta atentamente os caminhos percorridos e os projectos pastorais acalentados. Deste encontro, brota uma imensa alegria e emerge um incontido ânimo de viver e trabalhar em comunhão com o sucessor de Pedro.
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Toda a entrevista no Correio do Vouga

Discurso do Papa, um só sentido, muitas interpelações


Ainda bem que o discurso do Papa aos bispos portugueses não passou despercebido e deu ocasião a muitas interpretações e reflexões, não faltando quem julgasse e pensasse que o Papa os censurou duramente e os humilhou perante os seus diocesanos, a Igreja e a sociedade. O discurso está publicado desde a primeira hora. Cristãos e agnósticos reagiram, mais estes que os outros, e pronunciaram-se, nem sempre com critérios correctos de leitura e apreciação, tanto sobre o Papa como sobre o seu discurso.
Ouvido Bento XVI, achei as suas palavras oportunas e interpeladoras para o momento que vivemos. Falou-se, por lá e por cá, na deficiente tradução. Mas isso em nada impede a compreensão e muito menos uma tradução viva e coerente, feita por via de zelo, reflexão e acção. Ora esta depende dos bispos em conjunto, de cada bispo com os seus colaboradores, dos cristãos acordados e dispostos a andar e a colaborar, para que a Igreja tenha sentido no presente e seja orientação para o futuro dos crentes.
Aos atentos não lhes passa despercebida a preocupação dos bispos para que, num mundo em mudança cultural e ante os ataques frequentes à Igreja e à sua acção pastoral, bem como às instituições fundamentais da sociedade, como a família e seus membros, se encontrem caminhos novos capazes de traduzir hoje para todos, de modo compreensivo e motivador, o Evangelho de sempre. No campo que é próprio de cada um, com preocupação idêntica e iguais dificuldades se debatem muitos outros responsáveis sociais, em relação aos seus objectivos. O relativismo, a preocupação de nivelar por baixo, o individualismo exacerbado, a anarquia mental e moral põem ao sabor do vento corações e cabeças, muitas casas onde vive gente séria, que quer acertar.
A dificuldade de renovar a comunicação e de construir com seriedade e estabilidade é da Igreja, mas também dos pais, dos educadores, dos governantes, dos comunicadores, de todos quantos servem, com ideal e sentido, as pessoas e a comunidade. Os bispos, no seu conjunto, sentem o desafio, não desistem, não enterram a cabeça, não derivam para margens de maior facilidade. Podem não ver claro, mas não fecham os olhos, nem cedem ao mais badalado. Também não estão apavorados com a diminuição dos que frequentam os templos.
No discurso há advertências e certezas para reflectir. O Papa não inventou, não ralhou, não se deparou com um caso raro e singular. As suas preocupações são as da Igreja numa Europa que deixou inquinar as raízes e perdeu o rumo. Não são muitos os crentes preparados para enfrentar os desencontrados vendavais que a fustigam. O Vaticano II não está cumprido. A Igreja que dele recebeu uma luz singular, centrada em Jesus Cristo e na sua mensagem, é a Igreja Comunhão e Missão, com suas riquezas e consequências, que isto comporta. Dar consciência aos leigos da sua dignidade, dar lugar aos seus direitos e deveres, não tem tido caminho fácil. A ferrugem do tempo, que dá pelo nome de clericalismo e tradicionalismo vazio, bem como o desequilíbrio que entrou nas tarefas sacerdotais e a dispersão de vida de muita gente, não têm favorecido mudanças pastorais inadiáveis. A isso se refere muito justamente o Papa, quando fala de “construir caminhos de comunhão, encontrar novas formas de integração na comunidade, mudar o estilo de organização da comunidade eclesial e a mentalidade dos seus membros, em ordem a uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado”. Assim se realizará na Igreja a unidade co-responsável. A exigência da iniciação cristã, que o Papa sublinha e sobre a qual os bispos portugueses vêm reflectindo, é convicção comum de que se trata do caminho certo para evitar mais baptizados pagãos, termos mais convertidos ao Evangelho de Cristo e mais cristãos adultos que sejam rosto sereno e corajoso de uma Igreja viva e comprometida. Há já caminhos andados neste rumo, mas ainda muitos a exigir potentes máquinas de surriba, antes que se tornem viáveis.
Acalmadas as críticas, os bispos, movidos por dever e convicção, mais que por emoções, irão, com outros cristãos, “ver, julgar e agir”. Há campo vasto em aberto.
A viagem vem sendo longa e penosa, mas a missão urge e desistir não é da Igreja.

António Marcelino