sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Na Linha Da Utopia



SOCIEDADE MAIS INCLUSIVA, QUANDO?

1. Já estivemos a anos-luz deste ideal que perseguimos. Que o digam os heróis que ao longo tantos dos séculos como das últimas décadas têm lutado por uma sociedade (mais) inclusiva, que saiba acolher cada pessoa na sua situação, especialmente na procura de um tempo social que tenha como referência de especial atenção a pessoa que tem mais dificuldades, o “pobre” (aquele a quem falta algo) e nele elas a pessoa com deficiência.
2. Periodicamente, de forma especial em datas comemorativas (seja de âmbito local ou mundial) convivemos com as promessas interessantes de quem diante dos factos espelha a justa sensibilidade para com esta causa de todos. Mas no dia (mês, ano) seguinte tudo volta à estaca “zero”, quase ao ponto de partida, deixando na ansiosa insegurança quem já vive um peso incalculável, como também as suas famílias e as pessoas e instituições que acompanham a vida das pessoas com deficiência.
3. Do ano 2003, Ano Europeu da Pessoa com Deficiência, continuam ainda um conjunto de expectativas para serem cumpridas (dos passeios das estradas públicas até aos acessos a edifícios, e muitas vezes em construções novíssimas); da estruturante Declaração de Salamanca (10 de Junho de 1994, http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/deficiente/lex63.htm) continua aberto o longo caminho a percorrer nessa estruturação de uma educação inclusiva que tarda em ser a referência paradigmática na perspectiva de uma educação para todos e ao longo de toda a vida. Mas, sublinhe-se, para se chegar onde já se chegou tem sido heróica a entrega daqueles que, contra todos os ventos do pragmatismo, vão dando esta sensibilidade como o único caminho possível de futuro.
4. Todos sabemos que passeios da rua adaptados para a pessoa com deficiência são caminhos melhores para todos. Desta evidência, porque tarda desmedidamente a implementação dos novos modelos de acessibilidades (tanto de “caminhos” porque antes) de mentalidades? Porque aquilo que deveria ser o essencial pedagógico para todos é praticamente esquecido? Porque os cidadãos não “sentem” (só quando toca na pele) esta como uma causa de todos e essencial para uma sociedade mais sensível? Porque vêm as políticas, agora, também, sacar os cêntimos de pessoas cuja vida…? Porque andamos para trás em termos de sensibilidade social? Eis onde chegámos, e como o permitimos. Quem diria!

Alexandre Cruz

VIVER SEM OBRIGAÇÕES, GOZAR SEM TRABALHAR

No seu discurso inicial, o Presidente Sarkozy recordou uma frase escrita nas paredes da Sorbone, em Maio de 68, para dizer nesse dia ao povo francês que esse não podia ser o caminho para a renovação e desenvolvimento do país. A frase foi esta: “Viver sem obrigações e gozar sem trabalhar”. Era o ideal de muitos dos protagonistas desse dia.
Os tempos que vão correndo mostram que este parece ser ainda hoje o sonho de muita gente. O ambiente reinante vem, em muitos casos, ao encontro de quem assim pensa e deseja isso mesmo para si. Ganhar muito com pouco ou nenhum trabalho e sem esperar nem gastar tempo. O frenesim na procura do mais fácil e rentável, leva por vezes a entrar por caminhos enviesados e escusos, à margem da lei ou sob uma protecção duvidosa da mesma, permitido o aumento da corrupção, da marginalidade, da irresponsabilidade social. Tudo isto é possível, mesmo habitando-se vivendas vistosas, gozando da estima de uns e dos favores de outros. Uma clandestinidade com muitas abertas, que passa desapercebida a quem só olha para o lado e, quando os olhos se abrem, logo a luz os incomoda.
As obrigações, que tantos rejeitam e que podemos traduzir por deveres e compromissos pessoais e colectivos, pressupõem consciência de responsabilidade, sujeição a normas de conduta, compreensão do bem comum, participação activa na construção de uma comunidade de direitos e deveres, abertura à mútua colaboração, espírito de serviço e de disponibilidade, capacidade de convivência salutar e de verdadeiro discernimento. Só neste clima se pode esperar a satisfação dos legítimos direitos de cada um e de todos. Então, tem sentido a luta pelos mesmos direitos, quando não reconhecidos, negados ou dificultados
Ninguém ignora que governar, até a própria casa, é uma tarefa cada vez mais difícil e penosa. Muita gente não quer regras, a obediência traduzem-na por sujeição de escravos, cada um sabe sempre mais do que os outros e só o que o que ele faz e diz é que tem valor e mérito. Os outros existem para incomodar quem se incomoda com pouco.
A sociedade está a empobrecer progressivamente. Só um atordoamento publicitário que cria e alimenta ilusões e anestesia a inteligência de quem devia pensar e ser crítico, pode impedir esta dolorosa e preocupante verificação. Também têm culpa desta doença que vai minando a vida em sociedade, muitos meios de comunicação social que cultivam o superficial e o emotivo e só aterram na realidade quando o escândalo é grande e torna a notícia rentável. As revistas dos escaparates, que são depois as que nos consultórios são monte de papel à disposição de quem espera, para poder queimar o tempo e alimentar a fantasia, dizem, com grande aparato gráfico, o vazio de muitas vidas, tornadas “famosas” pelo número de casamentos e de escândalos.
Gozar à tripa larga, sem dar nas vistas, foi o conselho de um conhecido treinador de futebol a alguns jovens jogadores, envolvidos em festa, que não honrava pessoas decentes e sérias. Porque se abriu para eles, em corrente abundante, a torneira dos milhões, muita gente julga que está aí para eles e para a gente nova, em geral, o segredo de uma grande felicidade, presente e futura.
A vida não se pode isentar de obrigações. Ela mesma as necessita e as gera para evitar a sua desagregação e obter a honrosa classificação de ser serviço. Do mesmo modo, também para o normal das pessoas, o trabalho que proporciona a alegria do que se goza e satisfaz. Fugir a obrigações e a trabalhos é falsear a vida e envenenar o prazer do que legitimamente se goza. Aqui o segredo da história que perdura e deixa rasto. A opção pela historieta e pela banalidade, pelos caminhos sujos e pelos meios falsificados, é de vida curta, porque de consciência perturbada.

António Marcelino

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

CONSTRUÇÕES EM TERRA, NA ANTIGA CAPITANIA







Alguns aspectos da exposição


ADOBES EM AVEIRO E NO RESTO DO MUNDO

Até ao próximo dia 21, domingo, ainda pode visitar a exposição de fotografia e de utensílios do fabrico de adobes, na galeria da antiga Capitania, junto ao olho da cidade. Da região de Aveiro e doutras partes do mundo. São fotografias que nos mostram uma arte de tempos ancestrais, com vestígios dos nossos tempos. Vi edifícios, com que me cruzei tantas vezes, sobre os quais nunca me tinha debruçado com a atenção que eles mereciam. As exposições, afinal, têm esta missão de nos alertar para a arte e para as artes que teimam em marcar presença entre nós. Fui de propósito a Aveiro para ver duas exposições, mas não encontrei muita gente com gosto por estas coisas. É pena.
O desafio que aqui deixo é muito simples: vão à exposição antes que ela encerre.
Muitas das fotografias expostas são-nos de alguma forma familiares. Mas os testemunhos de antigos adobeiros também são bastante expressivos. Manuel de Oliveira Silva, 85 anos, de Requeixo; Georgina Gonçalves dos Santos, 84 anos, de Esgueira; e Aristides Marques Ferreira, 92 anos, de Eirol, estão bem retratados, como bem retratadas estão vidas e artes doutras gerações.
Fotografias do fabrico e aplicação de adobes mostram ao visitante que é preciso olhar à volta para apreciar o que resta da riqueza dos nossos avoengos, nomeadamente das freguesias dos concelhos de Aveiro e Ílhavo. E doutras paragens, em especial da Índia, Angola, Moçambique, Egipto, Espanha, Argentina e Marrocos.
Se gosta destas coisas (e mesmo que não goste; está sempre a tempo de começar a gostar), não perca esta oportunidade.

ARES DO OUTONO

Foto de Ângelo Ribau
::
Alegria! Alegria!
Ó céu do meu País,
Onde as nuvens até são quase luminosas,
Ó Sol de Maio a rir nos canteiros de rosas,
Ó Sol Alegre, ó Sol Brilhante, ó Sol Feliz
Para quem o Inverno é um momento apenas.
Sol de ingénuas manhãs e de tardes serenas,
Ó Sol quente de Julho, ó Sol das romarias,
Queimando e endoidecendo as multidões sadias,
Sol candente do Algarve, ó Sol doce do Minho,
Florindo amendoais ou a espumar no vinho.
Sol das searas de oiro e dos vergéis de Outono
Palpitantes de cor como um largo poente;
Sol que ao dormir a terra o seu fecundo sono,
Lhe dás sonhos de luz, voluptuosamente.
Sol das eiras do milho e da roupa a corar,
Sol dos verdes pinhais e das praias trigueiras,
Ó Sol moreno e forte a resplender no mar
Tisnando as carnações mais as velas ligeiras
Ó Sol moreno, ó Sol alegre, ó Sol feliz
Sendo ainda clarão na hora da agonia.

- Canta a glória da Luz, canta a glória do dia
Em todo o meu País!

João de Barros

In Vértice, revista de cultura e arte, Junho de 1952

DIAS POSITIVOS


Desafio espiritual


Al Gore e o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas foram os escolhidos para o Nobel da Paz. A escolha do comité norueguês não foi consensual. Raramente é. Não se pode agradar a gregos e a troianos. E qualquer opção implica exclusões – logo, permite que qualquer um diga que há um lóbi de qualquer coisa por detrás da escolha. Mas a contestação recai principalmente sobre o norte-americano. É difícil ser americano nos tempos que correm.
Um ponto, porém, é de realçar no discurso daquele que, em 2000, teve mais votos do que Bush, mas não foi eleito para a Casa Branca (não foi injustiça – todos sabiam que as regras eleitorais dos EUA permitiam e permitem que tal aconteça). Diz Al Gore, e é de crer que o repita quando, no dia 10 de Dezembro, receber o prémio: “A crise do clima não é uma questão política, é um desafio moral e espiritual para toda a humanidade”.
Não é difícil, para os cristãos, entender que assim seja. A crise do clima é a Criação a dar sinais dos maus-tratos por parte do ser humano, que em vez de ter cultivado o jardim (expressão do Génesis) que é de Outro, andou e anda a explorá-lo como se fosse seu. Já João Paulo II havia dito, num Dia Mundial da Paz, que a Paz com Deus, a paz entre os homens e a paz com a natureza andam todas ligadas.
A crise do clima é um puxão de orelhas ao nosso egoísmo geracional, ao nosso hiperconsumismo. Tudo acabará por ser resolvido com medidas políticas globais, mas estou certo de que, individualmente, isso implicará a adopção de virtudes morais e espirituais, com novos sentidos para a temperança, a solidariedade, o jejum e a abstinência...

J.P.F.
In Correio do Vouga

Na Linha Da Utopia


O perdão da dívida


1. Não se pense que falamos do “perdão da dívida” aos países pobres. Esse perdão seria bem-vindo, pois verdade se diga que muita da riqueza dos países ricos é conseguida à custa dos recursos explorados nos países pobres. Muitas destas nações em maior dificuldade estarão ainda a acolher a novidade efectivamente democrática e a encetar caminhos de real desenvolvimento, este que foi sendo travado pelo interesse estratégico de grandes (con-sideradas) potências ocidentais. Esse “perdão da dívida externa” tem merecido as maiores atenções e divulgações e, no fundo, não se trata de perdão mas sim de JUSTIÇA. Felizmente muitas têm sido já as vozes, da política às artes, sensibilizadoras para esta justiça do perdão da dívida, permitindo aos países de economia pobre um novo arranque no seu processo de justo desenvolvimento. Embora perdão sem um novo compromisso sociopolítico cai em saco roto…
2. Falamos de outro pretenso perdão (esquecimento, será?) de dívida. O caso do pai rico banqueiro que não sabia que seu filho havia pedido ao banco alguns milhões de contos (alguns, tanto faz o número para quem vive nessas esferas!), e, pelos vistos, pelo passar dos dias e das ideias, a dívida já deve estar quase perdoada!... Acontece tudo neste país!... Claro que, de facto, oficialmente, pouco se sabe e quase nada se deve dizer sobre o caso. Mas, o simples facto dessa possibilidade existir nessa gigante entidade bancária do país continua a fazer vir à luz do dia a desconfiança das entranhas dos processos, das agendas económicas, do modo como – em regime de pretensa igualdade de dignidade no tratamento das questões – uns continuam a ser mais iguais que outros. Pobre (rico) país!
3. Felizmente levantaram-se algumas vozes…mas que até têm lá os seus interesses, não vão os euros parar a outra algibeira! Mobilizaram-se entidades competentes, mas tudo em versão soft (leve), pois está consagrado prioritário a “imagem” em relação à “ética” dos milhões. Um arrastamento de silêncios e cumplicidades demonstra-nos bem a raiz dos nossos travões a um desenvolvimento justo, onde os tempos e lugares da ética e transparência terão de ser a fasquia de referência em qualquer área comum. Segundo os analistas da especialidade, essa entidade já havia passado um complexo “verão quente” ao que agora este caso denuncia maus hábitos de um “sistema”. Mas, não será possível ir à boleia por muito tempo; quando a ética de esvai abre-se a permeabilidade a tudo... No implacável mundo económico, não se resiste muito tempo na suspeita, a todo o custo se procuram seguranças. Assim, ISTO, por quanto tempo?!

Alexandre Cruz

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza


AINDA HÁ LIÇÕES DE VIDA

A ideia generalizada de que é impossível erradicar a pobreza no mundo não pode levar-nos a cair no desânimo, nem a limitar-nos na acção diária em favor dos mais pobres. Começando, naturalmente, pelos pobres que existem no pequeno mundo que nos rodeia. E às vezes, temos de o reconhecer, há projectos que podem estimular-nos para uma intervenção mais activa na sociedade.
Há anos participei numa cerimónia em que se homenageava um amigo meu, conhecido pela sua entrega aos outros. Celebrava ele uma data marcante da sua vida, penso que os 25 anos da sua ordenação sacerdotal, à qual se associou a comunidade em que exercia o seu múnus pastoral.
A comunidade, atenta à situação, entendeu oferecer-lhe um automóvel novo, já que o seu, antigo, estava bastante gasto pelo uso. Então resolveu quotizar-se para no dia da festa lhe entregar o cheque com a verba necessária.
Depois das palavras de circunstância, mescladas pelos elogios à sua entrega à comunidade, um membro da comissão organizadora da homenagem simples e de acção de graças sai da assembleia e dirige-se ao homenageado, a quem entregou o cheque, com a sugestão de que seria para um carro novo. Depois dos agradecimentos da praxe, o homenageado diz, com alguma alegria, mais palavra menos palavra: vem mesmo a calhar; este dinheiro vai direitinho para uma cozinha social; há gente que passa fome; o carro pode esperar.
Belo exemplo. Uma grande lição de vida que jamais esquecerei. E a cozinha social ainda hoje existe, fornecendo refeições económicas a quem tem algum dinheiro para as pagar; os que nada têm comem na mesma, porque não podem passar fome.

FM
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Nota: Não divulgo o nome deste amigo para não ferir a sua sensibilidade.