Mostrar mensagens com a etiqueta Um artigo de D. António Marcelino. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Um artigo de D. António Marcelino. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Superar Interesses, Enfrentar Dificuldades

"Se cada vez mais se faz tábua rasa da dignidade de cada pessoa e da igualdade radical de todas, independentemente da sua raça, língua, cor ou religião; se o bem comum deixou de ser norma orientadora das leis e das decisões políticas; se teimamos em falar mais de direitos que de deveres; se os valores morais e éticos sofrem alterações à revelia da objectividade; se tudo passa a ser classificado segundo interesses e ideologias inconsistentes; se o agradar passou a ter mais importância que o servir e o trabalhar, então ninguém pode estranhar que o vazio social, que se foi implementando, atinja os deveres de justiça, as relações laborais, as regras da convivência, o apreço exagerado pela riqueza, a cultura da solidariedade e da responsabilidade, a discriminação pessoal."
António Marcelino
Leia todo o artigo aqui

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Picos de sensibilidade, confrontos sem ideias, oportunidades mediáticas

A crise que vivemos não é apenas económica
"A crise que vivemos não é apenas económica. É ideológica, democrática, de sentido, de relação e incapacidade de respeito mútuo e de diálogo construtivo. Por tudo isto é, também, uma crise de ética e de valores morais que vai subvertendo os projectos e planos, necessários para que a vida pessoal e social tenha sentido e progrida. Como chegámos aqui, é uma pergunta pertinente que pode e deve levar a uma reflexão necessária e consequente. Nunca se chega de um salto, mas degrau a degrau." António Marcelino

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Os jovens! Que espera deles a sociedade e a Igreja?

É muito variado e, em alguns aspectos muito rico, o património de um país. Também o do nosso. Os jovens entram neste património e são nele parte privilegiada. Se eles forem o presente serão também o futuro. É tempo de os ouvir, conhecer o seu mundo, perceber os seus sonhos e projectos, ter em conta os seus pesadelos e frustrações, integrar a sua esperança, prestar atenção aos dinamismos sociais que os perturbam, reconhecer os valores que carregam, senti-los na verdade do que são, comunicam, propõem e exigem.
António Marcelino
Ler todo o texto aqui
Nota: Foto do meu arquivo

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Bíblia na mão, família ao seu lado, testemunho de esperança

Serve mal o país quem se julga dono do povo e se esquece de proclamar bem alto, com convicção e coragem, que ninguém no mundo tem categoria para ser dono de alguém. Há um só Senhor. Por Ele, todos somos iguais, todos somos livres, todos somos necessários. Quem se esquece que é servidor da sociedade e não defende, de modo claro, a célula básica e indispensável da sua consistência, no presente e no seu futuro, a família, não entendeu ainda o que é estar ao serviço do essencial e do bem comum. Obama, o presidente para quem o mundo olha, quis, antes de tomar posse, participar com os seus familiares, num acto religioso na sua Igreja; quis fazer o juramento de bem servir o seu país tocando com a sua mão a Bíblia que sua esposa segurava; quis estar ladeado pela sua família em momento tão solene e único, sem se importar se assim o permitia ou não o protocolo do Estado. Estes e outros gestos significativos não foram gestos de acaso. Foram opções e decisões da vontade livre de um homem responsável, expressões que indiciavam, para além das exigências protocolares da cerimónia, compromissos pessoais com raízes profundas. Obama, para estimular nos seus concidadãos a união, a esperança e a tomada de consciência das suas responsabilidades, fez memória da história, falou-lhes de crises superadas e de batalhas vencidas, deu-lhes ânimo para poderem juntos ir sempre mais além. Não ocultou nem minimizou as dificuldades do presente, mas também não deixou, pelo modo como se lhes dirigiu, que se sentissem esmagados, por mais graves que sejam tais dificuldades. Onde há crises, há sempre desafios e enfrentar. Foi um falar de manifesta convicção. O mundo estava vendo e ouvindo. Decerto se apercebeu de que, para além da cor da pele, estava ali um homem crente, lúcido e corajoso. Os Estados Unidos da América, nos últimos anos, e até já nos penúltimos, têm sido atacados e denegridos, por muita gente, mundo fora e, especialmente, por gente desta Europa que não pára de olhar para o próprio umbigo e de se enredar em ideologias redutoras, perdendo assim a consciência das suas raízes e fechando-se a horizontes de vida. Não é que tudo aí esteja bem e que o novo presidente não deva rever projectos em curso e encontrar caminhos novos de futuro, dada a repercussão dos seus actos num espaço alargado, para além do seu próprio espaço geográfico. Toda a gente viu, desde a campanha eleitoral e repetidas à saciedade após a sua eleição, que as suas preocupações não o vão deixar dormir sossegado. Pelo realismo do seu discurso, ninguém poderá pensar que ele se julga um iluminado salvador do mundo. Muito do terreno, que tem de pisar todos os dias, está armadilhado. Na América do Norte, como noutros países, os interesses criados e instalados, de pessoas e grupos, que em todo o lado os há e não olham a meios, nunca fazem tréguas definitivas. O sonho de Luther King, que também foi profecia, está inicialmente cumprido. Não falta agora gente, negra e branca, que sempre aspirou por caminhos novos onde todos se pudessem mover em igualdade, a dar as suas mãos às do novo presidente, transmitindo assim a primeira condição para governar e lutar, de que ele não está só. Muita gente, em Portugal, se regozijou com a eleição de Obama. Alguns sentem-se já incomodados com a confissão pública e desassombrada das suas convicções religiosas. São estas mentalidades, no poder ou com influência no mesmo, que lançam suspeições e se mostram incapazes de se libertarem de preconceitos, atávicos ou adquiridos, como se esses fossem riqueza pessoal e social. A separação Igreja-Estado, no país de Obama sempre foi modelar nas relações, no respeito mútuo e na colaboração. Assim vai continuar, por certo, sem intromissões, mas, também, sem açaimos. Obama mostrou a sua verdade interior, sem medo de críticas, de dentro ou de fora. A grandeza do homem não está no cargo que exerce. Vem de dentro. Alimenta-se num manancial que não seca, não em represas de águas turvas. António Marcelino

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O JURÍDICO E O PASTORAL NAS LEIS DA IGREJA

Completaram-se vinte e cinco anos do Código de Direito Canónico, compilação oficial das leis da Igreja católica. O Código apresenta e propõe, em forma de lei, as orientações conciliares, dando-lhe sentido normativo e pastoral. Tarefa cuidadosa e morosa, por isso mesmo, ele só foi dado por terminado para entrar em vigor dezoito anos depois do Vaticano II se ter encerrado. De 1965 a 1983, foi publicada legislação avulsa, sempre que era exigida. Passar a letra de lei o espírito e as orientações de um grande acontecimento eclesial, como foi e é o Vaticano II, e era essa a missão do novo Código, deixou-nos desde logo a percepção, confirmada pelo tempo, de que algumas leis teriam de se ir aperfeiçoando, senão mesmo substituídas e outras iriam aparecer. O dinamismo que a Igreja Universal recebeu do Concílio faria, por certo, sentir maior necessidade de colmatar falhas e derrubar muros que dificultavam a vida e o agir da Igreja e, consequentemente, de promover a renovação necessária e desejada, para ser ela um verdadeiro espaço de comunhão e uma presença significativa no mundo. Uma comunidade tradicional, com hábitos de séculos, e um mundo novo, complexo e em permanente mudança, como este que cada dia se vai desdobrando aos nossos olhos, assim o exigiam. Algo se foi fazendo ao longo do tempo. Agora, cada dia, se verifica que é necessário ir mais além. O vinco de séculos de história e a morosidade habitual das respostas não têm solução fácil nem rápida. Para além disso, ainda há na Igreja quem pense que qualquer mudança operada é um empobrecimento do seu tradicional prestígio. A vida mostra-nos, porém, que, em qualquer sector, o imobilismo teimoso, tanto das pessoas como das instituições, é caminho aberto, no mínimo, para a inutilidade e para a insignificância. O Código do Direito Canónico é um instrumento indispensável na vida da Igreja. Exige, porém, acolhê-lo no seu valor, e saber ver os seus cânones como normas de vida e de acção, passando da sua dimensão jurídica à sua função pastoral. É neste sentido e neste acolhimento que, normalmente, surge o apelo à necessidade de alguma mudança, actualização e clarificação do que está determinado e que pode beneficiar ao rever-se. Li, há dias, em revista atenta à vida da Igreja, a reflexão de dois professores de Direito Canónico em universidades de Espanha, relacionada com os vinte e cinco anos do Código. Um deles fixava-se mais na avaliação de como se cumpriu nestes anos o estatuído. Era um padre. O outro, olhando a razão de ser do Código em ordem à vida e missão da Igreja no mundo, procurava o que é necessário considerar hoje para fomentar a comunhão na Igreja e tornar mais activa e operante a sua missão no mundo. Era uma mulher. É significativa esta diferença de olhares ao ver a Igreja, como organização sempre certinha e sem falhas, ou como servidora atenta das pessoas e das comunidades concretas, para melhor promover a vivência espiritual e apostólica e atender aos seus problemas. As leis, por sua natureza, são estáveis, dizem respeito a todos, são promulgadas para servir a comunidade na sua totalidade. Assim no Estado e na Igreja. Não se alteram leis por razões menores, passageiras ou ocasionais, ninguém se pode arvorar em legislador do seu pequeno mundo, não se legisla para tempo determinado. As leis não são simples decretos e, menos ainda, portarias ou normas de circunstância. Legisla-se para servir a comunidade, muda-se para a servir melhor. Então, está em causa a competência e a responsabilidade do legislador legítimo, que deve estar atento ao que se passa e se generaliza, para agir em consequência. Há situações concretas com repercussão pastoral que exigem esta atenção. Alguns exemplos: tradução prática da Igreja Comunhão, situação da mulher na comunidade cristã, divorciados recasados, famílias em situação irregular, celebração Eucaristia e dificuldade em a ter, paróquias urbanas e não só, sem referência real a um território, subalternidade não justificada do leigo, novos ministérios laicais, centralidade em Jesus Cristo e sublinhar da hierarquia como serviço, teologia da Igreja Diocesana, papel das conferências episcopais. Todos estes casos flúem da compreensão da doutrina conciliar. A sua consideração, como ajuda ao legislador, depende também da formação e da sensibilidade dos cristãos activos, da sua participação responsável na comunidade cristã, e do seu compromisso apostólica na sociedade. António Marcelino

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

LUTA DE AUTOCARROS OU HORA DA ACORDAR?

A militância ateia não termina, nem desarma. A nova modalidade, a do autocarro que prega e provoca, começa em Londres, já duplica em Barcelona e já é acontecimento em Madrid. A coisa, na sua expressão visível, reduz-se a pouco. Autocarros do serviço público rodam pelas ruas da cidade com grandes letreiros publicitários, que dizem assim: “Provavelmente Deus não existe. Deixa de te preocupar e goza a vida”. Como era de esperar, surgiu logo, na capital espanhola, a resposta ao desafio. Outra faixa publicitária responde à provocação ateia, dizendo: “Deus existe. Goza a vida em Cristo”. E, assim, se entra numa guerra em que, certamente, Deus não está interessado. A lógica é bem visível e traduz-se em poucas palavras. Se ateus e agnósticos assim professam e publicitam as suas convicções, porque não hão-de também os crentes mostrar a sua fé e serem dela militantes? Mundo laico, democrata e plural, na vida das pessoas dá direitos iguais, a menos que os crentes parem para ler o “sinal dos tempos”.Para os meios de comunicação social tudo isto é notícia que ajuda a vender e a aumentar audiências. Já estão dando sinais e, por um tempo, as coisas vão continuar. Até que o autocarro pare. A publicidade deixa de interessar, quando já não diz nada e não vende. Publicitários e consumidores apercebem-se desse momento. Há que saber esperar. Sabemos que onde há militância, há também criatividade. Passados meses, vai surgir nova provocação, que o tempo se encarregará de que se lhe pague igual tributo. Por isso mesmo, o mais importante não é rasgar vestes por razão do escândalo, nem fomentar campanhas portadoras de repulsa, nem disputar formas de melhor imaginação. De há muito se vem dizendo que os cristãos têm de aprender a viver, a estar de pé, a testemunhar convicções, num mundo que não é uniforme nem no pensar, nem no agir. O Vaticano II diz que “recusar Deus ou a religião ou não se preocupar com isso, não é, ao contrário de outros tempos, um facto excepcional ou individual… Em muitas regiões o ateísmo e o agnosticismo não se exprimem só ao nível filosófico, mas, também, em larga escala afectam a literatura, a arte, a concepção das ciências humanas e da história e as próprias leis civis”. Aparecem assim como “uma exigência do progresso científico e de um qualquer novo humanismo”. Quarenta anos depois é ainda assim, não obstante o abrir do coração de muitos que, então e depois, se diziam ateus e que hoje já não são. A Igreja e os cristãos, mais do que entrar em batalhas inúteis, usando armas e meios iguais quando vêem desrespeitadas as suas convicções por gente que pensa de outro modo e faz da sua “crença” uma militância pública, têm de perceber este fenómeno nas suas diversas expressões, ir ao fundo das razões que o provocam, saber discernir, serenamente, a mensagem que lhes chega, por parte do Deus em que acreditam. Deus não é uma prova da razão, é razão da fé. E a fé é um dom que dá razões para viver com liberdade e dignidade, dá sentido ao agir diário, provoca relações marcadas pelo amor e pelo respeito, fomenta um humanismo real em que o homem e mulher são pessoas integrais e nunca mutiladas. A fé leva o crente a aceitar o desafio de mostrar pela sua vida que Deus está vivo e que o contágio da fé se dá pelas boas obras, não por argumentos racionais, influências humanas ou gritos de vitória. A fé mostra que acreditar não é um absurdo, mas caminho de felicidade e de realização humana. A campanha contra Deus vem mostrar a necessidade de saber dizer Deus com a vida e sublinhar a necessidade da formação. A fé não é simples tradição. Os pais e os outros crentes são mediadores da transmissão da fé, não seu fundamento ou razão profunda. O que vem de Deus, conhecendo-se melhor a fonte de onde provém, tem força de convicção e de comunicação. Ao crente não apavoram as investidas do ateu. Há que enriquecer a razão de crer para viver liberto num mundo velho, que se nega à eterna novidade de Deus. Aos novos fautores da “morte de Deus”, a história não ensina nada?
António Marcelino

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

AMIGOS E AMIZADES

Há tempos especialmente propícios para apreciar melhor o que na vida teve, tem e terá sempre, um valor de excelência para nós, os mortais. Esses tempos não se encomendam. Vão acontecendo sem que a vida os possa engolir. Um coração sensível e atento dá por eles e deles sabe tirar as lições de ser e de saber que lhe são proporcionadas. Disse alguém que “um belo ancião é a mais formosa de todas as ruínas”. Formosa, rica e sábia, porque sempre capaz de discernir e apreciar, com rectidão, o que a vida lhe foi e vai proporcionando, por força da sabedoria adquirida no tempo, da experiência de ultrapassagem das portas estreitas da vida e da finitude dos túneis, por longos e lúgubres que sejam. E, também, pela vivência libertadora das mais complicadas contingências humanas, que acompanham todos os resistentes da vida no seu dia a dia, e persistem, encorajados e com sentido, para ir um pouco mais além. Os amigos, que sempre o foram e o são de facto, e as amizades advenientes por força das mais variadas circunstâncias, constituem privilegiados elementos de interesse dessa leitura da vida, que o tempo e os tempos vão permitindo fazer. Diz a sabedoria da Escritura que “um amigo é um tesouro”. A vida mostra que os tesouros são raros e de leitura nem sempre unívoca. Alguns amigos volatilizam-se quando os julgávamos de sempre e para sempre. Outros foram deixando que o coração se endurecesse aos apelos de ajuda e aos desabafos de compreensão. Ainda outros desaparecem rápidos como os tempos em que nasceram. Restam sempre poucos que, presentes e ausentes, mantêm o mesmo tom de voz, o mesmo calor das palavras, a mesma abertura de alma, a mesma disponibilidade para estar ou para vencer, num instante, distância de quilómetros. Mantêm a mesma alegria incontida, a mesma capacidade de alegria e de dor, vividas em comum, a mesma certeza do ontem e do hoje. São estas atitudes de vida que traduzem a verdade de que “um amigo é um tesouro” e de que os verdadeiros amigos não são como o vento que dá sinal de si, mas passa à frente e depressa. Das amizades e encontros que surgem ao longo da vida, tanto nascem amigos verdadeiros, coisa rara, como expressões de respeito que só enraizaram por tempos de relação necessária e que logo passam, como atitudes que escondiam interesses e não foram além da satisfação destes. Há, ainda, amizades de honra, propaladas por um tempo, que depois se transformaram em indiferença ou desconhecimento.. A vida de hoje, com padrões de relação mais frequentes mas mais superficiais, vazada em interesses imediatos a que repugna toda a gratuidade, não é propícia nem ao respeito pelas raízes mais antigas, mesmo as humanas, nem à conservação duradoira daqueles que o tempo parece ter tornado mais ou menos inúteis, senão mesmo desvalorizados, assim se diz, por incapazes de ler e falar o presente fluido, que a muitos seduz. Nesta depreciação entraram também instituições respeitáveis, por vezes mais propícias a ser museu de velharias inúteis, peças de ontem em prateleiras douradas, que salva guarda cuidadosa e carinhosa de gente a respeitar pela riqueza humana que nela perdura. As festas cíclicas não são mera tradição. Constituem ocasião de reforço das amizades verdadeiras. Os amigos, porque então, de alguma maneira, se manifestam sempre, ficam ainda mais amigos. Os que o não são, vão caindo e saindo, deixando recordações, nem sempre as melhores. Amizades por interesse ou respeito que não chegam ao coração. O verdadeiro tesouro conserva-se como presentes de amor, que é isso que de facto é. Um amigo verdadeiro dá segurança e alegria de viver. Tesouro raro. Mas o pouco é muito, quando verdadeiro, e o muito é nada, quando lhe falta o rosto e calor de verdade. Em cada ano não faltam ocasiões para agradecer os amigos e para pesar o valor das amizades de circunstâncias e, também, das utilitárias e compostas para a ocasião.
António Marcelino

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

ADOPÇÃO, FAMÍLIA E INSTITUIÇÕES

Hoje quero usar o meu direito à indignação. Um direito nacional que a gente acomodada não usa, esquecendo as conse-quências irreversíveis das omissões. Ouvi, de fio a pavio, um debate longo sobre a adopção de crianças. Um mundo de técnicos a expender saber, um molho de leis e de determinações recordadas, uma ladainha de casos por resolver ou mal resolvidos, casais estrangeiros como solução para casos de vários irmãos, uma consideração irrealista da família real e um despeito claro pelas instituições, sem qualquer distinção entre as estatais de há muito desagregadas e as que têm experiência de décadas com métodos humanos e sábios e resultados à vista. Ouvi, fui confrontando com as experiências de que disponho, alarguei o horizonte da reflexão, li e reflecti o tema a partir da vida, que não de modelos importados; lembrei os casos dos meios de comunicação social, entrei em lares e ouvi casais que adoptaram e onde a vida tem sentido, acolhi expressões de alegria e gratidão, enxuguei algumas lágrimas incontidas de dor... Há anos, depois de ouvir a um membro do governo um lindo discurso sobre a adopção, perguntei-lhe, à queima-roupa, se adoptava um africano ou um deficiente. Considerou a pergunta uma provocação, e não gostou. “Mas saiba que há quem os adopte”, retorqui. A família, se não a destruírem mais, será sempre o espaço normal, quente e acolhedor, para nascer e crescer. Será também a referência necessária para outras formas que a substituam, quando ela não existe ou perdeu condições para realizar as tarefas que lhe são próprias. O Padre Américo sempre procurou que a Obra da Rua e nas suas casas, se seguissem as regras do viver e dos sentimentos da família. Assim ele foi tratado, não porque o mandasse ou exigisse, como o “Pai” dos gaiatos que encontrava abandonados e acolhia ou lhe levavam a casa, sabendo que aí havia amor, pão e carinho. Outras instituições, com o mesmo saber e viver, geraram “mães”, para aqueles que nunca a conheceram e aí chegavam bebés e se tornaram homens e mulheres de bem, capazes de enfrentar a vida. Só o orgulho, o poder prepotente, a ignorância ou o despeito as desconsideram e menosprezam. As instituições sofrem as dificuldades das famílias com êxitos e fracassos como todas elas, mas persistem no amor, sempre capaz de inovar e de aperfeiçoar. Ouçam-se os que aí vivem e crescem para a vida e comparem-se com os das instituições do Estado, onde abundam técnicos, com horários que se contam ao minuto, gente que só suja as mãos com papéis, nunca com as crianças e os adolescentes. Revolta ver jovens licenciadas, com poder mas sem vida que as recomende, falar de cima para baixo, para julgar padres, leigos e gente consagrada que vivem décadas em entrega e doação total a crianças sem família ou como se não tivessem. Quem teve na sua mãe, ainda que simples e iletrada, a psicóloga mais atenta que corrigia e logo beijava, saberá que não há educação sem amor e afectos, sem paciência e dedicação, sem respeito e entrega, sem gratuidade e perdão, sem regras e atenção diária. Quem teve a graça de uma família, ainda que humilde e discreta, e nela o espaço de aprendizagem de valores morais, relação mútua, prática da verdade, amor ao trabalho, solidariedade com os mais pobres, sobriedade aprendendo a viver com o que se tem, saberá sempre que a família é a melhor escola para a vida e que desconsiderar a família é retirar às pessoas o sentido da vida e à sociedade a sua consistência natural. Legislar e ver na adopção o remédio, que o é para muitos casos, mas ao mesmo tempo desprezar a família ou torná-la inviável, bem com às instituições que seguem os seus valores, é coisa de néscios e inconscientes. Escutem quem trabalha a sério e as leis serão a favor das pessoas, não dos sistemas. Então, olhar-se-á mais para os educadores capazes de amar, servir e sofrer, que para os degraus da escada onde os meninos podem tropeçar…De onde vieram estes “inteligentes” legisladores e técnicos? Será que na casa dos pais não havia degraus, não havia irmãos a dormir no mesmo quarto? Para educar e ser educado não chegam diplomas e títulos. Não se dispensa é amor.
António Marcelino

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Geração de Ouro da Bioética em Portugal

Sem grande relevo, e nada chamativa para quem só lê os títulos grandes dos jornais, lá vinha a notícia: “O Presidente da República condecora pais da bioética.” A justificar a condecoração fala o Presidente “de uma verdadeira e impressionante «geração de ouro» da bioética portuguesa”. O designativo é acertado e é bom reconhecê-lo. Os titulares da condecoração são três médicos insignes, professores universitários, reconhecidos pelos méritos e competência na respectiva especialidade, e de renome que vai além fronteiras, pela sua luta a favor de uma consciência ética no exercício da sua profissão, na preparação de novos médicos, nos seus escritos e múltiplas intervenções em congressos ou outros encontros nacionais e internacionais. Trata-se de Daniel Serrão e Walter Oswald, ambos da Faculdade de Medicina Porto, e de Jorge Biscaia, da de Coimbra. A estes junta-se, para um renovada homenagem, por expressa vontade do Presidente da Republica, o jesuíta Luís Archer, de Lisboa, padre e cientista, figura ímpar da investigação científica e pioneiro em caminhos por ele abertos e por onde têm passado gerações de novos investigadores. Muitas vezes vemos serem condecoradas pessoas sem que saibamos bem qual a última razão de tal reconhecimento público. Terá acontecido isso mesmo comigo, o que me levou a interrogar-me, seriamente, sobre o porquê da comenda recebida há anos, pois não vejo, na minha vida, senão a preocupação de cumprir o meu dever, de harmonia com a missão a que me votei livremente, ontem no Alentejo e, há quase trinta anos, em Aveiro e, ultimamente, um pouco por todo o lado. Agora, porém, sabe-se a razão porque se sublinham pessoas que, para além da sua profissão, sempre se empenharam e assim continuam, num serviço gratuito, mas importante, tanto à comunidade científica, como à comunidade em geral. Sem pretensões apologéticas desnecessárias, não me escuso de dizer que se trata de três cientistas leigos, assumidamente católicos, que sempre puseram e continuam a pôr o seu saber científico ao serviço da pessoa e da comunidade, vazado em eloquente tes-temunho de coerência, pessoal e profissional que tem provocado sempre o respeito dos colegas, dos demais investigadores e dos profissionais honestos. Já exerceram cargos internacionais de relevo no campo da medicina, da bioética e das associações profissionais de médicos, tendo os seus nomes ligados a projectos e actividades de relevo e mérito. O padre Luís Archer, homem simples e grande, é figura de um cientista suficientemente conhecido e escutado, que introduziu em Portugal métodos novos de investigação e de estudo da biologia molecular, importantes e hoje indispensáveis em muitos aspectos da vida e do saber tecnológico. A decisão do Presidente da República, da qual tive conhecimento apenas porque leio os jornais, encheu-me de muita alegria, não só pelo respeito e pela estima que me liga aos condecorados, mas, também, por ver publicamente reconhecido, nas suas pessoas e lutas, o valor indiscutível da bioética. Por outro lado, também, é de realçar que a fé não é marginal nem contra a ciência e, o diálogo sério entre ambas, que gente menos lúcida continua a considerar como impossível e inútil, leva sempre a novos horizontes que são caminhos de humanização, pois que outra não é a razão deste diálogo. Uma ciência relativamente nova, a bioética torna-se ponto de referência, exigente e permanente, no campo das ciências onde se joga o valor da vida e a dignidade da pessoa humana e o modo como considerá-la e tratá-la. Os atropelos a que neste campo assistimos, não se corrigem senão com um saber objectivo determina o agir moral, a que não podem estar alheios nem os legisladores, nem os profissionais que tocam na vida das pessoas e não podem deixar de respeitar promover a sua dignidade. António Marcelino

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Política familiar, uma hipocrisia

O que se está passando entre nós, em relação à instituição familiar, no plano legal, com graves e inevitáveis repercussões na vida pessoal e no plano social, é, a meu ver, a mancha mais negra e vergonhosa da nossa história recente. Não serão precisos muitos anos para que os fautores desta vergonhosa façanha o verifiquem, porventura sentindo então as dores, na sua carne e na dos seus, do que fizeram, de modo inconsciente ou condenavelmente premeditado. Trata-se de uma verdadeira política de hipocrisia. Advoga-se por leis, despachos e portarias que as crianças institucionalizadas e os doentes mentais retidos em hospitais devem ser entregues à família, sem se verificar se ela existe e tem consistência e capacidade para assumir essa responsabilidade e consequentes tarefas; retira-se a criança à família que a criou, desde os primeiros dias, para a entregar àquela que a rejeitou ainda antes de ela nascer; fala-se do valor da adopção e paralisa-se o desejo e a vontade de adoptar num emaranhado de burocracias e papéis que mais levam a desistir que a confiar num êxito, ainda que remoto; aceita-se e até se diz, teoricamente, que a família é o melhor espaço e ambiente para educar uma criança, mas criam-se condições legais que a destroem ou a isso dão pretexto e ocasião, privilegiando-se os caprichos pessoais, a falta de esforço normal para ultrapassar dificuldades, menosprezando assim o direito de quem acredita na família e se sente vítima ultrajada dos que a vilipendiam; o divórcio, cada vez mais fácil, é prova de modernidade e de progresso social, sem que se tenha em conta a repercussão desta facilidade em muitas vidas atingidas pelo favor de leis que mutilam a dignidade das pessoas e as libertam de responsabilidades pessoais e sociais; para se apoiarem formas estranhas de casamento, os casos pessoais ganham um direito de cidadania que os sobrepõem a tudo e todos, não se procurando o respeito que a todos é devido, segundo a sua situação e o interesse comum e, a pretexto de igualdade, faz-se um nivelamento que não conta com as naturais desigualdades; sem se olhar à sanidade e ao futuro da sociedade, ridiculariza-se a família normal e o seu direito e dever de procriar, importando-se acriticamente e implementando-se, por força de uma maioria parlamentar, o pensar de estranhos que nunca acreditaram na família, porque nunca saborearam o seu verdadeiro valor e beleza; durante o dia, o Estado considera-se dono das crianças, confia-as a quem não aceita tal princípio, satisfaz-lhes os gostos e aguenta-lhes os caprichos, para, ao fim da tarde, as despejar, caprichosas e frenéticas, nos braços de pais cansados e preocupados e, ai deles, se lhes puxarem uma orelha ou lhes derem uma merecida palmada, pois terão de se haver com a justiça; sem ouvir os pais, mas entalando-os com decisões posteriores a tomar e envolvem encargos, dão-se computadores às crianças que, muitas vezes, em suas casas, não têm resposta possível para as suas maiores necessidades; no direito à educação escolar e à escolha dos projectos educativos os pais não contam e, se ousam contar, são escandalosamente penalizados… A ladainha pode continuar, que não parará logo ali. Na mente de quem legisla e de quem governa o país, parece que a família é mesmo para acabar. Só traz incómodos a quem quer ser livre e encargos ao erário público. E se ela ousa ter quatro ou mais filhos, paga por esta ousadia, porque para muitas destas mentes brilhantes que detêm o poder, mais de dois filhos é prova de insanidade mental. Não escondo nem calo que há medidas a favor da família, mas muitas destas mais preocupadas com o pensar dos estranhos que com a resposta às necessidades. As estatísticas e os relatórios dão números; não mostram rostos nem transmitem dores. E quem está bem não entenderá facilmente as carências de muitas famílias que também pagam impostos e já lhes falta voz para clamarem pela justiça a que têm direito.
António Marcelino

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

DOENÇA QUE A TODOS PODE AFECTAR COM GRAVIDADE

Um mestre espiritual de tempos recentes, Anthony de Mello, um jesuíta indiano dotado de profunda sabedoria da vida, culto, aberto e sensível à realidade das pessoas e do seu viver, escreveu, num dos seus livros, que doença grave que por aí grassa e pode atingir a todos, é a que ele chama, com a sua conhecida e habitual perspicácia e ironia, “camadas de gordura”. Não se refere, como é óbvio, à tão falada e grave obesidade de crianças, jovens e adultos, que vem merecendo grande atenção e cuidados pelos muitos perigos que encerra e males que provoca. Diz o mestre que, tal como acontece com o corpo, também a mente humana, pelas muitas aderências inúteis e graves, se pode tornar pesada e lenta, incapaz de pensar, observar, procurar e descobrir… E convida a olhar à nossa volta para que vejamos que a maioria das mentes estão entorpecidas e adormecidas, envolvidas por camadas de gorduras morais e psíquicas, desejando não ser molestadas nem sacudidas na sua modorra. E, como mestre sábio, ensina a ver quais são essas camadas, bem como os meios a utilizar para as dissipar e vencer, e adquirir, assim, a normalidade de uma mente que pensa, sente, vê e quer. Aí estão as camadas perigosas: são maneiras de viver, por força de determinadas condições religiosas, politicas, culturais, que foram criando barreiras interiores, emparedando a mente e impedindo novos horizontes de vida; são ideias, acerca de pessoas e de coisas, que se foram sedimentando e tornando fixas, e se traduzem em rótulos que não mais se tiram e condicionam, por fim, conceitos e relações, empobrecendo-os e estratificando-os; são hábitos, não meramente mecânicos, que estes até nos ajudam na vida, mas hábitos que invadiram o campo do amor e da visão, impedem a interioridade e a contemplação, nos tornam insensíveis ao maravilhoso, ao que chega de novo carregado de bem e de beleza, nos fazem perder a criatividade e a capacidade de inovar e de apreciar o diferente das pessoas e das coisas; são apegos e medos que não nos deixam em paz, geram aversões e tensões, fixações e repulsas, e empurram a mente para um processo doentio. Vendo bem, a doença é real e vai sendo epidémica, enchendo a sociedade de gente emparedada e aprisionada. Como sair disto? Primeiro, que a pessoa acomodada se reconheça presa e emparedada; contemple, serenamente, os muros que lhe tiram a liberdade, consciente de que eles, muito observados, cairão por fim; leve tempo a observar as pessoas e as coisas que a rodeiam e veja-as libertas; sinta, tranquilamente, como funciona a sua mente, pois dela brotam pensamentos, sensações e reacções, e contemple, depois, sem pressas, o que se passa consigo, concluindo se afinal está viva ou se nem sequer dá pelos seus pensamento e reacções…Então, está em condições de começar a desprender-se das “camadas de gorduras” e de perceber que tem de procurar rumo. Uma vida inconsciente, diz o mestre, não merece ser vivida. É mecânica, robótica, mais sonho e morte que vida humana. Uma nova visão do mundo e das pessoas aparece, como a daquele que se sujeitou a uma cirurgia às cataratas. Não escondo que se torna difícil a muita gente tanto o reconhecer a doença como o querer libertar-se dela. Mas também aí se verifica até que ponto a vida tem ainda sentido ou a resignação cómoda já a destruiu.
António Marcelino

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Dos efeitos às causas e destas aos remédios

Chegou-me há dias, numa das revistas que assino e leio com cuidado, um estudo que pretende dar resposta a uma pergunta incómoda, que também vinha fazendo: Trata-se de perceber a razão do colapso religioso da Bélgica cristã, por muitos séculos pioneira em diversos aspectos de renovação da Igreja católica e alfobre rico de espiritualidades consistentes, mormente no campo do laicado. Foi e permanece um modelo democrático conhecido nas relações Igreja – Estado. Regime de separação, nem união, nem aliança, uma independência recíproca, mas reconhecimento e gratidão do Estado pelo papel da Igreja em inúmeros aspectos da vida social, nomeadamente na educação escolar. Ao longo de quatro décadas a prática dominical desceu aos 7%, alcançando os 11,5% pelo Natal; os baptismos desceram de 90% para 60%, não obstante o aumento da população emigrante; aumentaram os casamentos civis e os funerais cristãos passaram de 84% a 65%. Estão contados por 208 mil os cristãos, formados e conscientes, que tornam viva a Igreja na Bélgica e que, com os seus pastores, tentam, com algum êxito, novos caminhos de renovação, a partir de pequenas comunidades vivas e activas. Isto implica um grande desafio para os cristãos que se traduz na aprendizagem diária de viver em minoria. Sabemos que a Bélgica, que tem em Bruxelas a sede da União Europeia, se tornou nas últimas décadas um campo aberto a toda a Europa e mesmo ao mundo da política, dos negócios e das culturas. Muitas dificuldades internas, que vêm de longe, agudizaram-se no campo político e civil, num país com duas regiões, duas línguas, duas culturas, duas tradições e uma população autóctone envelhecida. Mas, o que tem sido determinante, assim o dizem os que estudam o fenómeno, é a organização que dá pelo nome de Centro de Acção Laica, cuja adesão não vai além de 1%, que exerce uma militância destrutiva da estrutura eclesial, põe a ridículo o ser cristão, por se tratar, dizem, de algo que cheira a mofo ser pessoa que “ainda acredita em alguma coisa”. Trata-se, portanto, de um laicismo organizado e militante, uma “quase-igreja” posta em marcha por laicos anti-clericais, com os seus ritos particulares (!) e grande poder mediático. Pela linguagem e objectivos não é difícil ver as raízes… O Grão-Mestre português do Grande Oriente Lusitano, o ramo mais poderoso da maçonaria, dizia numa pequena entrevista ao Correio da Manhã (28.09.08) que o grande objectivo é agora expandir o Grande Oriente Lusitano, desenvolver mais acções de solidariedade social e reforçar a presença na sociedade civil. A acção, a nível de solidariedade social, muito útil para a maçonaria, diz o Grão-Mestre, far-se-á através de colóquios, conferências, seminários e outras actividades. Assim, também, na Bélgica. Os cristãos e responsáveis eclesiásticos não se podem dispensar de uma atenção cuidada ao que se passa entre nós, pois que não há efeitos sem causas e quem não conhece estas não acertará no remédio para os males. Não há que negar a ninguém o direito de se associar, nem impedir os objectivos de uma associação legitimada pela lei, e muito menos cair em acções de cruzada. O caminho agora é outro. Acabar com distracções, ler a realidade com cuidado, apostar no essencial, fazer novas propostas a favor das pessoas, da sua dignidade e de uma sociedade mais humana e justa, empenhar-se em pequenas comunidade vivas e activas e, sobretudo, aprender a viver cada dia numa sociedade plural, onde o ser menos numeroso, pode levar a Igreja a retomar o verdadeiro sentido do caminho evangélico. Uma questão de fé consciente e enraizada, esperança actuante e união na acção.
António Marcelino

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Sinais úteis de presenças incómodas

Gosto de ler entrevistas. A entrevista é hoje uma modalidade frequente de comunicação, onde a pessoa se mostra a si mesma, ao seu mundo interior e às suas vivências. Aí se vê a riqueza de muitas vidas e, também, o vazio e o sem-sentido de tantas outras. Por vezes, o entrevistador indaga sobre a adesão religiosa do entrevistado. Não deixa de ter interesse poder ver como muitos falam de si na relação com o mundo do religioso. Outros não precisam que se lhes pergunte. Faz parte das suas vivências e preocupações, mesmo que a sua posição, perante Deus e a Igreja, não seja de adesão total ou de prática regular. Li a entrevista de Fernando Nobre na “Notícias Magazine” de 21 de Setembro. O fundador e presidente da AMI é um homem fascinante pela sua generosidade e entrega, com o ideal evangélico de “fazer o bem sem olhar a quem”, expondo-se a perigos constantes e animando missões de ajuda médica e de promoção humana nos países mais pobres do mundo e no meio das mais perigosas e exterminadoras situações de guerra. Quando há anos estive na televisão, em directo, com Fernando Nobre, a convite do jornalista José Manuel Barata Feio, admirei a sua serenidade, cultura e capacidade de reflexão, em relação a problemas difíceis e melindrosos - era o caso que ali nos reunia - que não se apreciam com demagogias, nem com opiniões superficiais. Fernando Nobre, que preside a uma associação não confessional, laica, como ele próprio diz na entrevista, fala do seu “respeito pelos missionários, seja de que tendência forem”. Vai-os conhecendo por esse mundo fora, a viver e a lutar, nas situações mais difíceis e penosas, como “pessoas com imensa fé que conseguem fazer um trabalho extraordinário em prol dos outros”. E conta, mais adiante, que ao dirigir-se para uma missão muito difícil de ajuda às vítimas do tsunami, no Sri Lanka, esperava-o, no aeroporto, um padre que ele não conhecia, nem por ele era conhecido. Ostentava um cartaz com o seu nome e disse-lhe que soubera da sua vinda, por um relatório da Comissão dos Direitos Humanos na Ásia e que chegaria naquele mesmo avião. Foi graças a este padre que, como ele, vivia a urgência do amor e da solidariedade, que se pôde montar, de imediato, em rede de colaboração, a missão urgente de ajuda a um povo destruído. Impressionam-me, pelos preconceitos e pelas omissões e entraves que provocam, as atitudes de gente, dita evoluída e preocupada com os outros, que fala da Igreja e do fenómeno religioso, com desdém e arrogância. Atitudes ao arrepio da realidade e da verdade objectiva, que nada constroem e muito destroem. Pessoas livres e comprometidas, sabem distinguir, colaborar e aceitar colaboração. A Igreja e os cristãos coerentes são incómodos, mas estão sempre presentes onde faz falta, mormente ante a dor e a miséria de tanta gente. É o seu dever. Também ele precisa de apoio. António Marcelino

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

LEIS PARA TODOS, POR OPINIÃO E DECISÃO DE ALGUNS

"Aqui há anos, quem optava pela união de facto, à margem das leis do Estado, ridicularizava o casamento porque “não são os papéis que dão a felicidade” e reagia, negativamente, sempre que se falava de qualquer forma legal para a situação. Mas verificou-se que podia haver benefícios fiscais e os papéis deixaram de repugnar… O INE diz que os divórcios crescem em flecha. Gente da ribalta e com influência nas leis vai coleccionando casamentos e divórcios. Que benefícios para a família, filhos e casal? E para a sociedade? Casar, descasar, voltar a casar e a divorciar-se pode ser um ideal de família a sério e de sociedade equilibrada? Será que a família, célula vital, por excelência, da nossa sociedade, ainda interessa aos legisladores? Será que a Constituição, em relação a outras formas, goza do respeito devido? Será legítimo, ao legislar sobre minorias, que se proponham às famílias formas que as destroem e aos seus valores, empurrando-as para facilidades que não querem?" António Marcelino
Clique aqui para ler todo o artigo

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Menos retórica e mais ajudas concretas

“Diziam-me há dias que Portugal era, na Europa, o país com as maiores manchas de pobreza concreta. Não vi dados comprovativos nem comparativos, por isso não afirmei nem neguei. Sei apenas que abundam expressões e situações de pobreza escancarada e envergonhada, com tendência a aumentarem. Também sei que, por vezes, nos diversos sectores de vida - políticos, religiosos, empresariais, culturais - há mais retórica que acções concretas. Os pobres, incapazes de saírem, por si, das valas profundas para onde foram empurrados, são um grito permanente pela justiça, partilha efectiva de bens, reconhecimento e defesa de direitos humanos não promovidos, nem respeitados. Um grito que tem de nos acordar e incomodar. Muitas situações podem resolver-se se todos quisermos. Quando o conseguirmos, temos mais autoridade para exigir a quem pode que resolva o que nos ultrapassa."
António Marcelino Leia todo o artigo no CV

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Os Cartoons do Expresso e a Fobia dos Papas

Não sei se António, cartonista no Expresso, vale muito ou pouco como car-tonista, é ou não grande artista na arte de fazer desenhos de humor. Para mim, não me dá sentido de artista que fique na história. Mas quem sou eu para dizer mais do que isto? Em coisas de arte ou de aparências da mesma, valem mais a sensibilidade que os raciocínios, mais o captar da alma, que dizer razões porque sim ou porque não. Em todo o caso, a feitura de cartoons - há quem discuta se se trata ou não de uma arte - se é uma actividade humana, e como tal se paga, também nela há lugar para a ética. A menos que não haja, porque é coisa de humor… E, então, sou eu que ando para aqui baralhado? Acabou-se de teorias. Opiniões também são razões que não se discutem. O cartonista António, dá-me a impressão, só isso e nada mais, que quando dele não se fala e cai no anonimato porque os seus desenhos não pegam, decide fazer uma incursão instintiva pelo mundo do religioso e ridiculariza o Papa. Como este terreno é propício à pouca sensibilidade e respeito pelos outros, basta rabiscar e publicar um cartoon, e deixa logo, por um tempo, sempre breve, de ser um António qualquer. Há artistas, como políticos e outros, que não vivem sem corte e têm por isso, entre amigos e admiradores, o seu grupo, que se encarrega de escrever, falar, acordar distraídos e dar publicidade.
António Marcelino
Leia todo o artigo no CV

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Incoerências no horizonte do Portugal moderno

O Presidente da República, no direito que lhe assiste, vetou a nova lei do divórcio e deu razões do seu acto. Logo vieram à praça pública pessoas e grupos para protestar e o mimosear com os habituais epítetos. Sempre os mesmos: conservador, reaccionário, travão do Portugal moderno. Os jotas do PS, incontidos aspirantes a cargos políticos, não pouparam as críticas, afirmando à sua maneira que “ninguém nos trava”. O Dr. Louçã, a sonhar com uma coligação que o possa levar ao governo, fez no essencial coro com a vaga socialista. Manuel Alegre, numa aproximação pensada e interessada, disse que “este veto não é só político, mas ideológico e que traduz uma visão conservadora e ultrapassada da vivência e necessidades da sociedade actual”. Frase cuidada a não dizer nada. Pedro Passos, para não espantar a gente nova, também disse sim e não.
No dizer dos mais empenhados em esvaziar o país de compromissos consistentes, negar valor à instituição familiar, pôr debaixo do tapete direitos de alguns cidadãos, fazer dos portugueses uma carneirada abúlica e submissa à qual só se permite dobrar a cabeça aos poderes da maioria democrática, o Portugal moderno precisa do divórcio facilitado, do casamento dos homossexuais, do uso livre das drogas, do aborto sem restrições, da eutanásia a pedido, de cortar com o conservadorismo da Igreja…
António Marcelino
Leia todo o artigo aqui

quinta-feira, 31 de julho de 2008

FÉRIAS

Serra do Caramulo
Para pessoas vivas não há tempos mortos
Os tempos mortos são os que se gastam sem objectivos, os que se vivem sem que ..co-muniquem vida. Para muita gente são assim os dias de férias. Não fazer nada, não pensar em nada, nada que preocupe. Só descansar, só gozar, só matar o tempo com prazer. Pois se a vida cansou tanto, porque não agora descansar sempre sem preocupações? A verdade, porém, é que, ao longo do ano, muitas coisas se deixaram para férias, altura, diz-se, em que se está mais livre e se pode fazer o que não foi possível fazer então. Nestes afazeres adiados, pensa-se em tempo para estar com os filhos, tempo para o casal partilhar com serenidade a sua vida a dois, tempo para ler, descansar, reflectir e contemplar, tempo para reconquistar a atenção para coisas fundamentais que se foram esfumando e perdendo o sentido. Férias, mais tempo para si e para os outros, sem obsessões, sem sacrifícios forçados, sem escusas injustificadas, sem lamento de impossibilidades. Nem toda a gente pode beneficiar de uns dias de férias, também estas bem merecidas e necessárias. Então, que quem as pode usufruir as torne úteis, como expressão de vida e de enriquecimento pessoal e familiar. Uma boa oportunidade nunca se pode perder. Para os cristãos, se já descobriram o valor verdadeiro do tempo, que não é apenas o do relógio, as férias têm ainda um valor e um sentido acrescido. Constituem, em muitos casos, uma ocasião de testemunho de vida, de valorização pessoal pela prática da solidariedade, de enriquecimento relacional que pode proporcionar experiências apostólicas, válidas e únicas, em comunidades de acolhimento, em lugares de veraneio, em tarefas partilhadas, em comunicação recíproca de caminhos andados, em amizades iniciadas ou reforçadas. Tenho encontrado nas minhas férias muita gente com preocupações diversificadas, mas com o mesmo objectivo de não deixar que as férias sejam tempo sem sentido ou de sentido reduzido e meramente utilitário. É, também, sempre um toque positivo para muitas pessoas, ver como há jovens universitários que partem nas suas férias para regiões pobres, como voluntários em campos diversos de apostolado, cultura e ensino, trabalho diverso, actividades de ordem social. Como toca profundamente ver a alegria com que partem, a atitude generosa que lhes enche o coração e já a antecipada certeza do bem que receberão, por via do bem que foram dispostos e determinados em fazer em favor de outros. No fundo, jovens de hoje estão a dizer a todos que as férias também são para fazer bem aos outros e que nesse sentido são igualmente férias úteis e libertadoras para quem opta por esse caminho. É verdade que o consumismo e os jogos de mercado que o servem tornam difíceis as férias de muita gente, vítima de barulho até altas horas que não deixa descansar, ou envolvida por uma publicidade sofisticada de propostas a que é difícil resistir, porque há sempre na família quem tombe e faça força que arrasta outros para o lado do mais agradável. A liberdade, também em férias, está sempre na capacidade de escolher com critérios, porque se tudo é permitido, nem tudo tem valor. A opção é esta: ou nós comandamos o nosso tempo e temos tempo para tudo, ou nos tornamos escravos dele, a ponto que chegamos a dizer que não temos tempo para nada, e, de facto, cada vez teremos menos tempo para o que devemos fazer. António Marcelino

quinta-feira, 24 de julho de 2008

UM PROJECTO QUE PAROU OU UM PROPÓSITO ESQUECIDO?

Num documento que pretendeu marcar o ritmo da Igreja para o terceiro milénio, João Paulo II, ao falar da ne-cessidade e das exigências de uma espiritualidade de co-munhão, disse textualmente: “Depois do Vaticano II já muito se fez nomeadamente quanto à reforma da Cúria Romana, à organização dos Sínodos, ao funcionamento das Conferências Episcopais; mas certamente há ainda muito que fazer para valorizar o melhor possível as poten-cialidades destes instrumentos de comunhão, hoje parti-cularmente necessários, tendo em vista a exigência de dar resposta pronta e eficaz aos problemas que a Igreja tem de enfrentar nas rápidas mudanças do nosso tempo” (NMI 44). A justeza destas palavras parece estar a esquecer-se ou, então, o projecto parou, não se sabe se por inércia, se por interferência de quem parece não ter entendido ainda nem a razão de ser da Igreja, como serviço ao Povo de Deus e ao mundo a evangelizar, nem os sinais dos tempos, tão eloquentes e exigentes no estímulo a caminhos novos, que não se compadecem com demoras.
António Marcelino Clique aqui para ler todo o artigo

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Cultura de esquerda! O que é isso?

"A teimosia em querer pôr a direita e a esquerda como único critério e referência de tudo ou de quase tudo o que socialmente se é e se vive, denuncia, a meu ver, uma manifestação de pobreza sem resposta e uma miopia social que se vai tornando, em muitos casos, praticamente incurável. Coisa de velhos, não necessariamente de idade, que já pouco mais sabem raspar no fundo do tacho. Daí não sairão senão restos de um esturro fedorento ou de comida requentada."