quarta-feira, 7 de outubro de 2009

As minhas reportagens: Banco do Tempo de Ílhavo


Maria das Dores, Jorge Neves e Maria de Lurdes


O Banco do Tempo
é o único que não vai à falência


“Aqui, no Banco do Tempo (BT), não queremos dinheiro nem subsídios de ninguém, apenas queremos dar horas e receber horas; o BT é o único que não vai à falência.” No final da entrevista, Jorge Neves, um dos coordenadores do BT de Ílhavo, sintetizou de forma lapidar o que é esta estrutura, criada pelo Graal.
Aposentado das suas obrigações profissionais, pensava que ficaria livre, mas está completamente ocupado. “110 por cento envolvido em trabalhos de casa, pertenço ao Grupo Poético de Aveiro, digo poesia e estou no BT”, disse.
O “bichinho” da solidariedade surgiu-lhe quando o Diniz Vizinho, “que é o maior entusiasta deste projecto”, o convidou, em 2008, para o ajudar a reorganizar o Banco, que estava um tanto ou quanto adormecido, depois de ter sido criado em 2002.
As dificuldades que encontraram foram muitas, mas tudo se compôs e hoje já há 50 pessoas que aceitaram trocar horas, ao jeito do espírito de vizinhança, o qual está a perder-se com o corre-corre da vida dos nossos tempos.
Segundo Jorge Neves, “os ilhavenses mostravam-se um pouco cépticos, à espera do que isto iria dar; também mostravam algumas reticências em admitir que alguém entrasse em suas casas, para partilharem ajudas”. E acrescentou: “As pessoas gostam mais de dar do que pedir.”
Sabendo que é cada vez maior o número de idosos nas nossas comunidades, graças à esperança de vida que continua a crescer, Jorge Neves adiantou que muitos ficam “inactivos e descrentes da vida, caindo na solidão”. Torna-se necessário, por isso, envolver essas pessoas em tarefas que lhes dêem prazer. E explicou: “durante a vida profissional faziam sempre as mesmas coisas, deixando de lado gostos que ficaram à espera de poderem ser realizados; agora podem concretizá-los, porque têm tempo para isso; só precisam de ser estimulados, tarefa que nos cabe a nós.”
Recordou o caso de uma senhora que vive só, porque os filhos trabalham e residem longe. “Um dia foi apanhar umas folhas de couve ao quintal para uma sopinha; sentiu-se mal e caiu; sem poder levantar-se, ali ficou 24 horas, suportando o frio da noite e a angústia de não ter quem lhe valesse. Passado esse tempo, uma vizinha estranhou a sua ausência e foi encontrá-la naquela situação. Felizmente resistiu.”
“Este exemplo – sublinha – leva-nos a cultivar o gosto de olhar para o lado, porque a solidariedade não é nem pode ser uma palavra vã; tem mesmo de ser vivida e trabalhada 100 por cento, por cada um de nós e por toda a comunidade.”
Maria de Lurdes está no BT desde o início. A primeira fase foi desanimadora, mas agora, felizmente, há mais motivação. Neste momento dedica quatro horas semanais à confecção de bonecas, em colaboração com Maria das Dores, para serem enviadas para a Guiné.
Muito importante foi, sem dúvida, conseguir estimular um vizinho que ficou sem as pernas de um dia para o outro. Como é membro do BT, envolveu-o na tarefa das bonecas. “Quando lhe falei para colaborar, ele ficou muito emocionado”, frisou a Maria de Lurdes. E explicou: “O BT tem de olhar para casos de pessoas que estão em situação difícil e que precisam de incentivos, para não pensarem nas doenças.”
A Maria de Lurdes confessa que não gosta muito da cozinha. “Se puder fugir da cozinha, fujo!” Por isso, pediu ao banco alguém que a pudesse ajudar na confecção de comida para uma filha, que exerce a sua profissão no Porto. E lembrou que os pedidos e ofertas de horas têm de ser feitos no BT, directamente ou pelo telefone. “Isto não é um clube de amigos”, referiu.
Uma senhora aderente logo se prontificou a fazer aquilo que a Lurdes desejava. Como as trocas podem não ser directas, outros membros do banco trataram-lhe do jardim e pintaram-lhe uma parede. A Lurdes, contudo, já foi passar a ferro.
Maria das Dores, que colabora na confecção das bonecas, também aderiu ao BT desde a primeira hora. Ofereceu-se, no acto da inscrição, para estar com idosos necessitados de companhia, escrever cartas e ler a quem não o possa fazer, ajudar em tratamentos, seguindo instruções de enfermeiros, e cuidar de crianças.
Considera importantíssimo o espírito de entreajuda, o que a leva a falar do BT, com o objectivo de cativar mais gente para este serviço. Os que aderem precisam, naturalmente, de ser apoiados na integração. Mas a Maria das Dores ainda lembrou outras tarefas, entretanto programadas. Como Ílhavo é uma terra de marinheiros, sabe-se que muitos homens, com carro próprio, já não podem conduzir, estando impossibilitados de ver o mar e de passar pelas nossas praias. Pois isso vai ser feito, com alguém do BT a conduzir os seus carros.
Jorge Neves esclareceu que os membros do BT não são apenas pessoas reformadas ou aposentadas. “Temos bastantes com os seus empregos, incluindo crianças.” Crianças? E apontou três exemplos: “Uma, depois de ouvir histórias contadas pela avó, começou a contar-lhe as suas próprias histórias; outra veio ao banco pedir que lhe indicássemos uma colega que quisesse passear com ela de bicicleta; outra, menina de 13 anos, ofereceu-se para fazer fosse o que fosse; as primeiras tarefas foram passar a ferro no Lar de São José e andar com velhinhos nas suas cadeiras de rodas.”
O Lar de São José foi o aderente n.º 1. Nessa linha, o BT substitui alguma voluntária que falte, na hora de passar a ferro, e no Verão disponibilizou-se para conduzir o autocarro do lar, transportando os idosos para a praia e acompanhando-os.
O BT de Ílhavo está ligado ao Banco Central, coordenado pelo Graal. Há uma rede de 27 BT no país, todos motivados para apoiar a família e a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, através da oferta de soluções práticas da organização da vida quotidiana. Desta forma, pretende-se construir uma cultura da solidariedade, promovendo o sentido de comunidade, o encontro de pessoas que convivem nos mesmos espaços e a colaboração entre gerações. No fundo importa construir relações sociais mais humanas, valorizando o tempo e o cuidado dos outros, estimulando os talentos e promovendo o reconhecimento das capacidades de cada um.
Em Ílhavo, o BT mantém uma parceria institucional com a paróquia de São Salvador, contando com apoios pontuais da CGD (para a confecção de cartazes), Jornal Ilhavense e Rádio Terra (para a difusão dos ideais e projectos do banco) e Junta de Freguesia (para despesas de água, luz e telefone).

Fernando Martins
 

Caras e corações


Será que existe a razão pura? Sem mancha de interesses ocultos, envolvências afectivas, ziguezagues de simuladores ardilosos? Segundo Kant essa razão cristalina, límpida, transcendental, criaria a grande base da ciência. Se é possível ter acesso à ciência, também é possível ter acesso ao bem.
Que terá tudo isto a ver com as eleições, concretamente as autárquicas?
A verdade do governo da cidade não vem muitas vezes duma ideologia, dum projecto, duma razão pura e objectiva. Nem sequer dos confrontos teatrais ou cómicos largamente expandidos nas televisões. Desta vez não há figuras mitificadas pelos media.
Estamos perante um voto de proximidade, vizinhança, com nome familiar, presença nos acontecimentos da comunidade, que ajuda a desenhar a cidade velha e a construir a nova cidade. Mas também a rua, o bairro, o muro, a casa, a janela, o canteiro das flores e o candeeiro em frente. Esse rosto tem poder, o seu governo, os seus ministros, que se reúnem, discutem e decidem. Aprovam e recusam, erguem e derrubam. Tudo ao pé da porta, com gente que a terra viu nascer, fazer-se doutor ou engenheiro, ou nunca aprendeu nada na vida a não ser passear-se por gabinetes e riscar sentenças. Certas ou erradas, desabam sobre o quotidiano da comunidade, no caminho que percorre, no asfalto às ondas ou nas estátuas por vezes inúteis que nada assinalam a não ser quem as mandou construir. Mas também quem se dá pela comunidade, a acompanha na sua festa e na sua dor. Quem vê e acompanha por dentro os grandes tempos e as rotinas da aldeia deserta e esquecida.Com testemunhos históricos: o pelourinho, a igreja, a escola, festa anual e esse orgulho com que cada um diz que esta é a sua terra.
Grande parte dos votos tem este cenário e recai sobre pessoas mais que conhecidas. Por isso se pergunta: será que o coração deixa funcionar a razão na eleição dos governantes locais? Será a comunidade lúcida na escolha dos homens e mulheres que vão gerir os seus destinos? Não será necessário escolher os melhores em vez dos mais amigos e simpáticos? Haverá democracia na miscelânea de interesses imediatos e de conluios com caciques com fachada de benfeitores?
Evocar Kant para lembrar que a razão deve funcionar nos grandes tempos pessoais e comunitários, é apenas aceitar que importa ver corações para além das caras. E que, como disse Jesus: “a verdade vos libertará”. (João 8, 32)

António Rego

terça-feira, 6 de outubro de 2009

IMIGRANTES: Portugal é o país mais generoso




Ao nível do acolhimento dispensado aos imigrantes, as Nações Unidas consideraram o nosso País como o mais generoso de todos. Assim  o afirma o Relatório do Desenvolvimento  Humano de 2009, ao sublinhar que Portugal foi considerado o mais bem classificado na atribuição de direitos aos imigrantes, em especial nas áreas da educação e da saúde. Por isso,  não vale a pena passarmos a vida a gritar que somos maus em tudo. Não somos. Neste como noutros sectores, estamos, afinal, bem classificados.

AMÁLIA: A minha simples homenagem


O FIO DO TEMPO: O lugar da UNESCO




1. Olhando os sinais do mundo, para além da agitação de campanha do nosso quotidiano mais próximo, valerá a pena reparar em importantes passos andados na UNESCO. Se a educação, nos países de liberdade democrática, é apresentada como o factor essencial de progresso humano e social, então as instâncias mais amplas na proposta de indicativos para a educação hão-de ter lugar de referência central. A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), cujo lugar-sede é em Paris, é uma dessas organizações primordiais que têm emanado continuamente e com pertinência documentos, recomendações e conclusões a propósito das mais variadas matérias.

2. A UNESCO foi fundada a 4 de Novembro de 1946, «com o objectivo de contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a educação, a ciência, a cultura e as comunicações». Com propósitos tão nobres o seu lugar haveria de sair reforçado, sendo os seus preciosos documentos resgatados do público especializado para o público em geral. Por vezes é estranho observar como, quer na sociedade do conhecimento e da comunicação, quer nos designados sistemas educativos formais, ainda há tão pouco lugar para estes grandes documentos estruturantes, pensados por investigadores de diferentes formações e culturas. Como é possível que sobre determinados assuntos de plena actualidade haja tão pouco lugar para o pensamento daqueles que já passaram pelas mesmas dúvidas socioeducativas que hoje temos?

3. A UNESCO a 23 de Setembro elegeu para directora-geral a diplomata búlgara Irina Bukova. É a primeira mulher eleita para a responsabilidade de presidir à UNESCO. Do seu programa de ideias destacam-se, no espírito das raízes da organização, o respeito pela cultura da paz e o património cultural como factor de desenvolvimento. Eleição que honra a instituição em fase de renovação e que poderá despertar a comunidade para que o lugar da UNESCO seja a casa de cada um.

Alexandre Cruz

Por que razão prefiro o jornal i?




Nunca gostei de virar a cara a novos projectos jornalístico. Acontece, porém, que a maioria das vezes me fico pelos primeiros números e logo desisto, quando verifico que, afinal, é mais do mesmo. Com o i não foi assim. Fui-me habituando à arrumação diferente e a uma escrita simples, objectiva, sintética. As crónicas e reportagens, de um modo geral, dizem o essencial, com sínteses bem elaboradas e sem mais complicações.

Os editoriais, marcados pela actualidade, são esclarecedores. Entrevistas que não cansam e temas que muitos esquecem. Enfim, um jornal que se lê com agrado, fácil de manusear, com as folhas presas por agrafos, evitando o tempo que se perde para o manter em ordem.

Foi tudo isto, e mais, o que disse a quem me tem questionado por mudar de jornal diário. Até no quiosque estranharam a mudança. Mas a vida tem destas coisas. Quando é preciso mudar, não podemos nem devemos ficar agarrados a sentimentalismos.

Curiosamente, há dias li a notícia de que o director do i havia sido convidado para um congresso, na Índia, de directores de jornais, porque se tratava de um jornal inovador. Hoje, li que o “Guardian” classificou o i como um dos jornais mais inovadores do mundo. E acrescenta a notícia: “Depois de apresentar as quatro secções do novo diário português como ‘radicalmente invulgares’, o britânico salientou o design do jornal, por ‘responder àquilo que os leitores procuram’”. Agora, só leio o PÚBLICO quando sei que nele escrevem cronistas que aprecio. Afinal, não me enganei com a mudança.

FM

Rir é, mesmo, o melhor remédio

O riso é remédio santo para muitos males



No Diário de Aveiro vi uma notícia que me despertou a curiosidade e que merece uma atenção especial. Fala ela de Mónica Arvins, que abriu uma turma de Risoterapia, na Gafanha da Nazaré. Pela novidade e talvez oportunidade, quando a sociedade nos obriga, com frequência, a andar tristonhos e cabisbaixos, vale a pena pensar numas boas risadas programadas e sabiamente orientadas. Leia aqui e não fique parado. O riso, afinal, desde tempos imemoriais, é remédio santo para muitos males.

Ainda a Praia dos Tesos


São Jacinto ao fundo

Praia tranquila e de águas baixas


Há tempos falou-se muito da Praia dos Tesos, a propósito da praiazinha que o Jardim Oudinot nos oferece. Jornais e rádios falaram dela diversas vezes e eu próprio fui na onda. Depois vieram os protestos, oportunos, de alguns amigos meus, que não aceitaram bem, com razão, o meu lapso. Fiquei de esclarecer o meu engano, mas a verdade é que não o fiz a tempo e horas.

O meu amigo Diamantino Ribau, contudo, foi mais além. Pegou num papel e fez a planta da verdadeira Praia dos Tesos, com pormenores de quem tem excelente memória, para me ajudar a recordar, com precisão, o local exacto dessa praia.

Passei com ele um bom bocado a reviver pessoas e factos que ajudaram a fazer a história, irrepetível, daquela praia, que nada tinha a ver com gente sem dinheiro.

A Praia dos Tesos ficava, pois, frente a São Jacinto, um pouco depois do campo de futebol, onde a União Desportiva Gafanhense e depois o seu sucessor, o Grupo Desportivo da Gafanha, treinava e recebia os clubes visitantes para jogos de muito entusiasmo. Um pouco adiante, havia um largo, redondo, a que chamavam campo dos cavalos. A seguir, vinha a praia. Era, na verdade, uma praia tranquila, frequentada por famílias com crianças e não só. Num espraiado, a água da ria permitia que crianças brincassem à vontade, porque não havia  fundos abruptos e perigosos, por isso. Apenas chegava aos joelhos, se tanto.

Essa ideia de lhe chamarem Praia dos Tesos talvez tenha saído da cabeça de alguns, que identificavam as Praias da Barra e da Costa Nova como as praias de gente rica. Seria?

Fernando Martins

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

5 de Outubro de 1910: efeméride pouco festiva






Uma sociedade mais justa
é possível e necessária entre nós


Hoje não me apeteceu celebrar a implantação da República no nosso País, que teve lugar há precisamente 99 anos. Só porque me lembrei do que aconteceu em Portugal, desde esse dia até ao 25 de Abril. No entanto, quem quer olhar o país e o mundo pela positiva tem de acreditar nos homens que dia a dia desejam construir um mundo melhor.

O Presidente da República, Cavaco Silva, exortou, em cerimónia significativa,  à união em torno dos “grandes ideais republicanos”, sublinhando que esses ideais exigem um “esforço acrescido para a concretização da ética republicana e para a transparência na vida pública”. E isso mesmo devia levar-nos a acreditar que é sempre tempo de se iniciar o caminho da dignificação da nossa democracia, ligada quase há 100 anos ao regime republicano.

É certo que devemos esquecer guerras fratricidas entre portugueses, que a implantação da República suscitou e até alimentou, e temos de reconhecer que, 100 anos após essa data, existem razões mais do que suficientes para crer que uma sociedade mais justa é possível e necessária entre nós.

Depois da primeira república, marcada por desordens, perseguições, assassínios e fuga às mais elementares regras democráticas, que geraram o caos e deram lugar à ditadura da segunda república do chamado estado novo, estamos agora na terceira, já com 35 anos de vida.

Uma vida com 35 anos de idade é uma vida adulta, mas nem sempre os comportamentos dos portugueses, os actuais republicanos, identificados com uma nova ordem social para o nosso País com tantos séculos de existência, têm sido os adequados para uma sociedade mais fraterna e mais democrática. Nos últimos tempos, como é sabido, têm sido muitas as ofensas à verdade e à liberdade, bem como ao sonho de um País novo, de mais progresso e de mais justiça social, que nem me apetece cantar essa efeméride. Pode ser que um dia destes acorde com outra disposição.

Fernando Martins

A Hora da Saudade no Rádios Antigos no Ar


Pesca do Bacalhau


A Hora da Saudade, de que há meses falei no meu Pela Positiva, foi agora recordado pelo coleccionador António Rodrigues, no seu site Rádios Antigos no Ar. Tema para eu, como outros, reviver, porque o assunto, na época em que aconteceu, suscitava grande interesse. Hoje, praticamente, ninguém evoca a Hora da Saudade, que levava pelos ares a nossa voz emocionada e feliz, até junto de familiares que labutavam no alto mar por uma vida melhor para os seus. Leia mais aqui.