quarta-feira, 20 de junho de 2007

Ares da Primavera

OUTROS ARES,
OUTRAS PRIMAVERAS
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Graças à gentileza da conterrânea e amiga Teresa Calção, algures nos Estados Unidos da América, publico hoje algumas fotos suas, expressamente enviadas para a rubrica Ares da Primavera. É bom saber que há sempre alguém com vontade e gosto de partilhar sentimentos e emoções com os cibernautas amantes da beleza. Este meu espaço está aberto a todos, desde que venham pela positiva. Um abraço para a Teresa, com votos de que continue, com toda a família, a gozar o prazer de sentir saudades da terra natal e amigos.
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A arte da primeira globalização

Contador indo-português
PORTUGAL ABRE EM WASHINGTON
O COFRE DOS DESCOBRIMENTOS



Com os títulos, em epígrafe, muito felizes, do PÚBLICO de hoje, Portugal vai mostrar em Washington, EUA, obras-primas da museologia universal, dos tempos em que o nosso País deu cartas ao mundo. Com os descobrimentos portugueses, Portugal protagonizou a primeira globalização, dando novos mundos ao mundo. O Presidente da República, Cavaco Silva, honrou, com a sua presença, a exposição, que vai atrair, decerto, muitos milhares de estudiosos, curiosos e simples apaixonados pela arte da época áurea da nossa história. São 250 obra de arte de mais de 100 museus.
A propósito deste acontecimento, refere o PÚBLICO, Jay Levenson, director do programa internacional do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, disse que “Os portugueses estabeleceram uma rede fenomenal de entrepostos comerciais que funcionou como um mecanismo para a produção de novos tipos de objectos artísticos”. E acrescenta: “Em África, como na Índia ou no Japão e na China, os portugueses encomendaram obras de arte para o mercado europeu. Portugal estava realmente na vanguarda da criação da arte multicultural.”
Ora, é importante que se saiba que muitas peças dessa arte estão, habitualmente, nos museus de Portugal, quantas vezes ignorados pelos nossos compatriotas. Compatriotas que, muitas vezes, passam por todo o lado, menos pelos museus.

Fernando Martins

Um artigo de António Rego

PURO ESPÍRITO DE ASSIS :
Estava na Torre da Basílica de Assis. Faltavam cinco minutos para o início e ainda não havia circuito com Lisboa. Era uma transmissão directa da Radiodifusão Portuguesa. Outubro de 1986. No largo das arcadas estava o Papa João Paulo II. Acompanhei-o na subida a pé pelas ruas estreitas de Assis, com outros responsáveis de Confissões Religiosas. Fiz, na altura, as contas e calculei em 3 mil milhões os crentes ali representados. Numa oração pela Paz. E recordo cada prece que se elevou de Assis ao Deus Universal para que os homens acertassem duma vez por todas com a porta santa da paz. João Paulo II não se sentiu nem superior nem inferior nesse encontro. Foi o seu congregador e teve a aceitação do mundo desejoso de Paz. Mesmo dos que não se encontravam muito bem com o nome de Deus mas O procuram nos sinais que os humanos podem captar e transmitir. Afinal conseguiu-se ligação. E nunca mais esqueço a transmissão de vozes e gestos que se elevaram em tons, ritmos, ritos, cores, evocativos da policromia cultural e religiosa do nosso planeta. E nem por um momento se pareceu com babilónia de religiões ou mistura anódina de credos. Tudo foi cristalinamente iluminado pelo sol poente no Vale da Umbria, com uma espécie de encontro da poeira fina da terra com o sol magnificente, de todos, no poema miraculoso de Assis. Recordo também 2002, pouco tempo depois do 11 de Setembro, com João Paulo II muito mais envelhecido e doente, e com uma violenta tempestade sobre a celebração de Assis. Wojtila repetiu o gesto, presidindo ao rito comum duma lâmpada de azeite acendida pelo representante de cada Confissão Religiosa. Em 2007, no Oitavo Centenário da conversão de S. Francisco de Assis, na sequência de João XXIII e João Paulo II, Bento XVI, em peregrinação espiritual lembrou a “intuição profética” de João Paulo II, considerando-a um “momento de graça”. E lançou um apelo veemente: “que cessem todos os conflitos armados que ensanguentam a terra, se calem as armas, e, em todo o mundo, o ódio dê lugar ao amor, a ofensa ao perdão, a divisão à união”. Puro espírito de Assis.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Medo de represálias do Governo

NUNCA PENSEI QUE TAL FOSSE POSSÍVEL
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O caso da Ota e de Alcochete tem mexido com o País. Dando o dito pelo não dito, o Governo recuou nas suas convicções e aceita repensar o assunto, logo depois de a CIP (Confederação da Indústria Portuguesa) ter apresentado um estudo liderado pelo Prof. da Universidade de Aveiro Carlos Borrego. Até aqui tudo bem. Não há mal nenhum em mudar de ideias, desde que haja razões fortes para isso.
O que me chocou profundamente foi a afirmação do presidente da CIP, Francisco Van Zeller, garantindo que não divulgaria os nomes dos investidores, os que pagaram a conta do estudo, pois os mesmos tinham medo de represálias do Governo. Incrível, numa sociedade democrática. Ainda esperei, mas não vi qualquer reacção do Governo a esta afirmação. Como quem cala consente, será mesmo verdade. Quem contraria o Governo, pode correr o risco de represálias de quem nos governa. Como é que isto é possível?
Fernando Martins

Para ler, meditar e pôr em prática

O VATICANO APRESENTA...




O DECÁLOGO DOS CONDUTORES

I. Não matarás
II. A estrada deve ser um instrumento de comunhão, não de danos mortais
III. Cortesia, correcção e prudência ajudar-te-ão
IV. Sê caridoso e ajuda o próximo em necessidade
V. O automóvel não seja para ti expressão de poder
VI. Convence os jovens a não conduzirem quando não estão em condições de o fazer
VII. Apoia as famílias das vítimas dos acidentes
VIII. Procura conciliar a vítima e o automobilista agressor, para que possam viver a experiência libertadora do perdão
IX. Na estrada, tutela a parte mais fraca
X. Sente-te responsável pelos outros
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Fonte: Ecclesia


MUSEU MARÍTIMO DE ÍLHAVO



ESCOLHA UM DOMINGO
E DEDIQUE-O AO MUSEU


Nunca me canso de visitar o Museu Marítimo de Ílhavo. Quando lá vou, como aconteceu há dias, sinto-me transportado aos meus tempos de menino. Ali recordo vivências de menino e moço em que tudo aquilo me era familiar. Filho de marítimo, aprecio com enlevo tudo quanto diz respeito ao mar. Olhar os navios, mesmo em miniatura, é entrar no Santo André, quando ele chegava da Terra Nova, carregadinho de bacalhau salgado que iria dar trabalho a imensa gente, quase de todo o País, nas secas de bacalhau, onde o fiel amigo se tornava mais saboroso. Fiel amigo, porque era, então, acessível a todas as bolsas. Hoje, importado, o bacalhau, sobretudo o de melhor qualidade, já é prato de ricos.
Ainda tenho em mim o cheiro e o sabor do pão branco, branquinho como a neve, que meu pai nos dava, à chegada. Era um pão diferente, com um sabor raro e muito agradável. Nunca nos faltou o pão, nem no tempo da guerra, mas aquele, nem sei bem porquê, era muito diferente.
No museu deliciei-me com a colecção das conchas, expostas com arte, que são um encanto ver, mais os apetrechos marítimos, que me eram, e ainda são, tão familiares. Depois, a sala das salinas, com os utensílios indispensáveis para a safra do sal, a miniatura da marinha, com os seus tabuleiros, talhos, cabeceiros e outras divisões; mais, em tamanho natural, razoila, rodo, ugalho, almanjarra, círcio e nem sei que mais. Logo adiante, a sala da Ria, com o moliceiro e a bateira, como suas velas, e a arte da construção das embarcações da laguna.
A visita, igual a tantas outras que faço ao Museu de Ílhavo, serve agora para dizer aos meus amigos que ele, com todo o seu recheio, bem cuidado e bem exposto, que o seu director, Álvaro Garrido, é um especialista destas coisas, como homem da ria que também é, ali de Estarreja, continua à espera que o povo passe por lá. Quer uma sugestão? Então, escolha um domingo, que pode ser o próximo, e dedique-o ao Museu Marítimo de Ílhavo. Verá que não perdeu o seu tempo.

Fernando Martins

Banco Alimentar Contra a Fome de Aveiro celebra aniversário



É PRECISO AJUDAR QUEM AJUDA


O Banco Alimentar Contra a Fome comemora hoje o seu 10.º ani-versário, com uma missa que vai ser celebrada pelo Bispo Emérito de Aveiro, D. António Marcelino, e com um concerto pela Filarmonia das Beiras, no Teatro Aveirense.
Para além das cerimónias e outras acções comemorativas, importa lembrar que esta instituição dá de comer, diariamente, a muitos milhares de pessoas em Portugal. Em Aveiro apoia diariamente 173 instituições e mais 30 ocasionalmente, com a prestimosa colaboração de 1600 voluntários, como noticia a Rádio Terra Nova, da Gafanha da Nazaré.
Muitos hão-de interrogar-se sobre o porquê de tanta fome em Portugal. O facto, digno de reflexão por bastantes sociólogos e outros especialistas, nunca suscitou respostas que levassem à erradicação da pobreza entre nós. Ela existe, mesmo debaixo dos nossos olhares, concluindo-se que se trata duma aceitação tácita e irreversível. “Pobres sempre os houve toda a vida; pobres sempre os teremos.” Isto é dito à boca cheia, a toda a hora, como se mais nada houvesse a fazer.
Choca-me este conformismo, palpável em cada canto. Mas nem por isso deixo de manifestar este meu desabafo, numa ânsia incontida de querer lutar contra as injustiças que causam a fome, no nosso País, a tantos milhares de compatriotas nossos e a muitos imigrantes que nem aqui conseguiram encontrar o essencial para uma vida digna.
Enquanto a justiça social não for preocupação primeira dos nossos empresários e políticos, enquanto não houver salários justos e pagos regularmente, enquanto não houver condições para que cada português possa ter o mínimo para uma vida decente, teremos de agradecer ao Banco Alimentar Contra a Fome e a tantas outras instituições e pessoas que se preocupam com os que nada têm.
E aqui fica, por isso, o apelo para que todos saibamos e queiramos ajudar quem ajuda.
Fernando Martins

domingo, 17 de junho de 2007

História na rua


HISTÓRIA NA PRAIA DA BARRA



Há dias passeei com um amigo pela Praia da Barra. Inevitável ver o mar, com barcos que saem e entram. Há sempre quem goste de ver e que até se imagine dentro de um para correr mundo, prazer de tantos dos nossos conterrâneos que andam embarcados, e não só. Apesar do ventinho agreste, havia gente na praia, estendida na areia e à espera do sol benfazejo de mistura com o iodo da maresia. Não pisámos o areal, que não íamos à moda disso, nem é coisa do meu gosto, mas deambulámos por ali ao sabor das nossas recordações de tempos que nos encheram a memória de coisas agradáveis, nem sempre ditas a quem nos ouve.
Depois parámos em frente ao obelisco, assente num largo que tem o nome de um grande homem grande, alemão, e que deu trabalho a muita gente destes sítios. Roeder, assim se chamava e assim era conhecido o fundador do Estaleiro de São Jacinto, que os administradores que vieram depois não conseguiram manter de pé, por vicissitudes várias e próprias da crise industrial que entretanto surgiu. O nome dele aqui fica, como simples mas justa homenagem, embora um pouco deslocado do sítio onde muito trabalhou e viveu, dando exemplo de uma tenacidade rara.
O obelisco, agora mais bonito, depois do restauro por que passou, é uma lição de história. Não vi ninguém a ler, ou a reler, as legendas com referências à ria e barra de Aveiro. Nós lemo-las, e com que gosto. Quem dera que outros o façam, para ao menos ficarem a saber um pouco mais do chão que pisam e da terra onde vivem ou passam férias.

Fernando Martins

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 28


A CARTA AO REI ... E AS NINFAS



Caríssima/o:


Certamente que, chegado a Coimbra ido da nossa pacata aldeia, foram muito importantes os primeiros contactos e as relações estabelecidas com os companheiros de pensão da Couraça dos Apóstolos. De dois recordo o nome: o Medina e o Eduardo. O primeiro era o típico Dux de Coimbra cuja faculdade de medicina frequentava há tantos anos que até já nem sabia quantos! O quarto e os corredores pejados de livros que devorava até a aurora romper, eram a prova da bagagem cultural que à mesa espargia humildemente. Acordou quando o pai lhe comunicou de Moçambique que lhe ia cortar a mesada! Terminou o curso num relâmpago... depois de se habituar aos horários dos exames!
O segundo era um mocito ali dos lados de Mira e que um dia abalou sem deixar rasto. Certamente que terá continuado o comércio que seus progenitores lá exerceriam... E mais não sei. Contudo, as brincadeiras e as músicas que vivemos nas tardes de fim-de-semana não mais foram esquecidas...
Anos mais tarde, a Mira fomos uma vez cumprir uma promessa de minha Sogra,...
Agora me lembrei o que estava a ficar esquecido: as nossas idas de bicicleta para visitar a minha primeira professora, a D. Zulmira. Lá íamos, em grupo, pontificado pelo Hortênsio. Grande resistência física acumulávamos nas 'canetas' pois ir e vir no mesmo dia, upa, upa... Seria das sardinhas assadas que nos serviam de almoço?
Fiquemos então com lendas de Mira.


«Permitam que nesta série intervenha o vigário Tomé Nunes Pereira de Resende, através de um excerto da carta que escreveu ao rei José I, a 2 de Maio de 1758. Pois ele aí conta a lenda de S. Tomé debaixo da amieira.
É orago e padroeiro desta freguesia o glorioso apóstolo S. Tomé, bem conhecido e nomeado por S. Tomé de Mira, pelos muitos milagres que há tantos séculos está continuamente obrando, sem afrouxar nunca nem a devoção dos fiéis nem a protecção do santo em favorecer aos que se valem do seu patrocínio, como o está mostrando cada dia a experiência. Há tradição que esta sagrada imagem do glorioso S. Tomé aparecera debaixo de um tronco de uma amieira em uns bosques ou pauis que eram ribeiros e se compunham de várias amieiras e de outras árvores silvestres e, não fica muito distante da lagoa, ainda que, com alguma distância desta vila; e há também tradição que por aquele sítio aonde aparecera o santo, se lhe não podia fazer igreja, por razão das águas daqueles ribeiros ou pauis lhe impedirem, lha fizeram em um sítio chamado hoje o Outeiro da Forca, onde ainda se vêm os vestígios de algum tanto distante do sítio aonde aparecera a dita sagrada imagem, e que, colocando-se na nova igreja o dito santo incitou os sacerdotes daquele tempo para dizer missa e os fiéis para visitar o mesmo santo, o não acharam na dita nova igreja, mas sim naquele lugar aonde aparecera, até que desenganados que o santo só naquele sítio aonde tinha aparecido queria permanecer, para nele ser Deus Nosso Senhor maravilhoso nos prodígios que por ele havia de obrar, lhe fizeram uma igreja tal qual permitia aquele sítio, ficando o altar da capela-mor no mesmo lugar aonde o glorioso santo aparecera, e a dita igreja sendo matriz desta freguesia e o dito milagroso S. Tomé padroeiro dela que, ao depois foram acrescentando conforme ia dando aquele sítio.
No início do século XX a Praia de Mira não era como hoje é. O areal era mais plano e o mar invadia mais facilmente a barrinha e esta, nas cheias, facilmente ultrapassava a lingueta que a separava do mar.
Diz a lenda que nessas ocasiões, Neptuno e as filhas Tétis e Dóris, vinham baptizar as ninfas à barrinha. Elas, após a cerimónia, ficavam transformadas em sereias que depois se dirigiam para o Atlântico.
Só que um dia naufragou ali o barco de um pescador e uma das sereias não conseguiu alcançar o mar. Alcançou-a o pescador que se perdeu de amores por ela. E foram tão intensos os beijos que trocaram que ele morreu de exaustão e sede abraçado a ela.
Então, Tétis castigou a sereia convertendo-a numa ilha à saída dos moinhos da Videira, para que a doçura da água lhe absorvesse todo o sal. Já Dóris transformou o pescador numa duna branca em forma de golfinho com o rosto virado para aquela ilha que tem o nome de Zé Arrais.
Às vezes, de noite, escutam-se os sussurros que os dois extremosos amantes ainda trocam...»
[Viale Moutinho, pg. 148]


Manuel

Um artigo de Anselmo Borges, no DN

A CIMEIRA UNIÃO EUROPEIA-ÁFRICA
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A África, com a sua magia, a sua floresta exuberante e a savana a perder de vista, o seu dia luminoso e colorido e a noite enfeitiçada, exerce fascínio sobre aqueles que por lá passam. E é sempre com um frémito que se aterra no aeroporto de Nairobi: por ali perto terá tido início a vida humana, por ali perto terá acontecido o salto milagroso do animal para o Homem, das vozes para a palavra, da oclusão do mundo para a emergência da luz da consciência.
Mas a África tem o condão dos extremos, como se estivesse ligada simultaneamente à inocência do Éden e ao terror do Apocalipse. A África subsariana transformou-se num campo de ruínas: fome, doença, analfabetismo, corrupção, colapso social, tiranias, sida, guerra, deslocados.
O drama da África é ter perdido a alma e a identidade. Foi lá que ouvi coisas temíveis. Disse-me um negro: "Com esta pele negra não se vai a lado nenhum." Outro atirou-me: "O vosso deus é mais forte do que os nossos - o vosso dá-vos tudo, os nossos deixam-nos na miséria."
Essa falta de confiança enraíza-se no tempo, essencialmente por causa da escravatura. O "tráfico dos negros", durante mais de três séculos, é uma das maiores vergonhas da Humanidade. No total, pensa-se que viveram escravizados pelo menos 20 milhões de africanos, pois no processo de escravização terão estado envolvidos uns 50 milhões, o que, como faz notar J. Moltmann, constituiu um dos maiores negócios de todos os tempos: os barcos circulavam permanentemente cheios, segundo este triângulo: armas e produtos da Europa para a África - escravos da África para a América - ouro, prata, açúcar, algodão, tabaco da América para a Europa.
Hegel, na sua filosofia da identidade, que absorve a diferença, não encontra lugar para a África. A História, que é a auto-realização de Deus, da Razão, caminha do Oriente para o Ocidente, pois a Europa é absolutamente o fim da História universal. A Ásia é o seu começo, mas a África "não é uma parte do mundo histórico": "O negro representa o homem natural, com tudo o que tem de indómito e selvagem."
Precisamente em Berlim, onde Hegel alcançou o cume da glória como filósofo, realizou-se em 1884 a famosa conferência que dividiu a África, não em função das realidades étnico-nacionais africanas, mas dos interesses coloniais.
Se, após a Segunda Guerra Mundial, os países africanos foram alcançando a independência política, isso não significou necessariamente melhoria das condições de vida das populações. Frequentemente, tudo piorou. Por exemplo, na década de 1990-1999, na África subsariana, o PIB por habitante caiu em média 0,2% ao ano e mais de 40% são pobres. Também porque, muitas vezes, dirigentes brutais esmagaram o povo e tornaram-se correias de transmissão de interesses de neocolonialismos.
Como acentuou o africano Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, os dirigentes dos países em desenvolvimento têm de defender o primado do Direito, aderir ao mercado, combater a corrupção, garantir a estabilidade da economia, seguir políticas responsáveis, cobrar impostos de forma equitativa e transparente, responder às questões pelo combate democrático e não mediante guerras intermináveis, proteger o direito de propriedade.
Por sua vez, os países ricos terão de apoiar, retirando apoio aos tiranos e apoiando um comércio justo, que alivie as taxas de importação aos produtos desses países pobres, de tal modo que não tenham de enfrentar tarifas e quotas incomportáveis nem competir com produtos subsidiados dos países desenvolvidos. Precisa-se de mais investimento e ajuda ao desenvolvimento, mas terão de ser esses próprios países a auto-ajudar-se, com projectos simples e eficazes, que parecem milagrosos, como mostraram, por exemplo, Amartya Sen e Muhammad Yunus, "o banqueiro dos pobres", ambos galardoados com o Prémio Nobel.
A Europa tem responsabilidades especiais para com a África, sendo legítimo esperar que a próxima cimeira UE-África durante a presidência portuguesa da União seja bem preparada e obtenha resultados eficazes e duradouros.