terça-feira, 3 de abril de 2007

Um poema de João de Deus


CRUCIFIXO


– Minha mãe, quem é aquele
Pregado naquela cruz?
– Aquele, filho, é Jesus...
E a santa imagem dele!

– E quem é Jesus? – É Deus!
– E quem é Deus? – Quem nos cria,
Quem nos manda a luz do dia
E fez a terra e os céus;

E veio ensinar à gente
Que todos somos irmãos
E devemos dar as mãos
Uns aos outros irmãmente:

Todo amor, todo bondade!
– E morreu? – Para mostrar
Que a gente pela verdade
Se deve deixar matar.

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Foto: Crucifixo de Salvador Dalí

Um artigo de Alexandre Cruz


Será Páscoa,
será um tempo novo!


1. Não é um simples cumprir de calendário social, nem é meramente um tempo que marca alguns dias de férias na primavera que floresce, nem é somente o assinalar da transição para um novo período lectivo. Páscoa não rima com hábito repetitivo, Páscoa quererá ser “Passagem” sempre criativa a uma vida melhor! Todos os sinais, gestos e pausas escolares vêm, precisamente, deste festejar uma nova alegria que se foi construindo ao longo do tempo da sua preparação (sim os grandes acontecimentos preparam-se!). Só assim tudo fará sentido; vendo ao contrário, esquecendo a razão de ser da festa e do encontro, tudo correrá o perigo de se esvaziar. A Páscoa (tal como o Natal) quererá marcar na história da vida pessoal e social um tempo novo, onde a esperança que se renova será o lema de ordem permanente.
2. É admirável a pedagogia dos séculos que nos precederam e que fazem chegar até nós um significado englobante de toda a realidade que nos envolve. A “tradição” que chega até nós (e as boas tradições serão sempre de continuar) dando-lhe sempre mais sentido, mostra-nos que com a irrupção da natureza primaveril, com o progressivo surgir das primeiras colheitas, haverá que dar um sentido espiritual, virtuoso, de ideal absoluto, a tudo aquilo que está a acontecer. A Páscoa (judaica da antiguidade de Moisés) aperfeiçoada existencialmente na histórica Páscoa da entrega dedicada e decisiva de Jesus Cristo, transmitiram criativamente ao longo dos séculos um sinal esperançado de que A VIDA VENCE toda a morte e de que tudo quanto existe quererá participar desse luminoso projecto de vida.
3. A autenticidade do acontecimento pascal – na sua celebração de Semana Maior – coloca diante de nós tudo quanto nos acontece e faz parte da nossa própria humanidade pessoal e social. A Páscoa não esconde o (sofrimento) que tantas vezes a sociedade da “estética” oculta; o horizonte da beleza pascal, contrariando tantas misérias e menoridades egocêntricas, quererá oferecer um sinal universalista de “ética” como caminho de (re)conciliação entre os povos; o sentido festivo pascal propõe, desmontando caminhos de individualismo asfixiante, uma sincera abertura ao outro, ao grupo, à dimensão social de festa que seja um “sinal” plural de frescura do “novo encontro” de uns com os outros. Que seria de nós sem (o Natal e) a Páscoa?! Um repetitivo contínuo, fotocopiado sem novidade, sem um sentido novíssimo a dar ao tempo e à vida!
4. A Páscoa não vem por si mesma sem um “acolhimento”; a Páscoa não se compra nem se vende; a Páscoa, no seu verdadeiro sentido de “passagem” desejará fortalecer o encontro, gerar maior proximidade, na tomada de consciência que o “tempo histórico” é sempre provisório e que o essencial da vida será a nossa abertura de espírito ao outro e ao “tempo do absoluto” divino. A Páscoa quer-nos fazer parar e pensar mais um pouco, olhar para a vida, não nos deixarmos afogar nas preocupações que ela contém (e que estão sempre garantidas!); propõe-nos que “repousemos” um pouco no sentido de nos renovarmos na nossa própria identidade de “pessoas” que somos e aí abrirmo-nos à (re)criação humilde de todas as novas possibilidades e horizontes, desejando envolver um mundo de paz em tudo o que somos e sentimos. Só um “coração do tamanho do mundo” verá a verdadeira Páscoa! Mas esse não dependerá tanto do número de “horas de religião” mas sim bem mais da autenticidade de vida, sendo um “coração puro”...
5. Será Páscoa na medida em que a preparamos! Não só o cuidar da casa para receber a festa, mas o cuidar da “paz interior” para acolher de modo mais vivo um sentido de paz espiritual. Haverá tanto mais harmonia, sentido para a vida e equilíbrio na gestão diária quanto mais aquilo que não os ritmos do sentir humano (espelhados nestes tempos fortes) forem acolhidos de modo feliz e gratificante na liberdade pessoal. São muitos os caminhos, mas… se não se colocar ao caminho, se não se ligar ao que “acontece”, tudo não passa de um clonado ficar na mesma, perdendo-se a frescura e passando ao lado do maior acontecimento do tempo da história humana que, na Páscoa, se abre ao tempo novo absoluto. E tanto que o mundo precisa de vidas com sentido pascal que dêem paz e esperança a cada momento de vida!
6. Que em algum tempo de “pausa” destes dias seja dado ao “Senhor do Tempo” mais um pouco de espaço. Será mais Páscoa, nesta identificação pessoalíssima com o ideal maior da perfeição a atingir; na Páscoa que celebramos a breve condição humana recebe o tesouro de uma dignidade (humana) que é divina, acolhendo em Jesus Cristo essa ponte da “passagem” do “tempo” para a eternidade. Grandioso mistério, acima de toda a tecnologia…, que inscreve em cada pessoa humana um desígnio e uma vontade de paz, felicidade e amor intermináveis. Que toda a Páscoa traga toda a frescura (re)criadora e livre para este tempo novo que se abre! Precisamos da Páscoa, recriemos ponte (“link”) para aceder à grandeza de tamanha (mas tão simples) oferta. Seja bem-vindo, apreciado e vivido esse tempo novo!

Imagens de Aveiro


ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL REQUER
ENQUADRAMENTO MAIS ASSEADO
:
A ideia de preservar uma marca da nossa arqueologia industrial foi muitíssi-mo boa. Por isso, é de louvar que, da fábrica demolida, tenha ficado, ali a caminho do Centro de Congressos, para memória futura, a chaminé que foi familiar a tantos aveirenses. Penso, no entanto, que ela bem merecia um enquadramento mais arejado, mais bonito, mais limpo, mais adequado. Que os responsáveis pensem nisso, são os meus votos.

João Paulo II


A HUMANIDADE
JÁ O CANONIZOU HÁ MUITO

O Papa que porventura mais impressionou o mundo no século XX morreu fez ontem dois anos. Impressionou o mundo porque o seu entusiasmo apostólico chegou a toda a gente, numa ânsia de a todos levar a Boa Nova de Jesus Cristo, percorrendo os caminhos dos homens, crentes ou não crentes. Cristãos e de outras religiões. Mas o seu sorriso inefável e fraterno, esse foi mesmo, ainda, para os indiferentes à força do divino e sobretudo para os perseguidos, marginalizados e feridos da vida.
Bateu-se pelos valores da fé que o animava, mas também foi um incansável arauto dos valores da justiça, da verdade, da liberdade, da paz e do amor. Encantava jovens e menos jovens, indicava metas do bem e do belo, recebia gente dos mais diversos quadrantes políticos, patrocinava encontros ecuménicos e inter-religiosos, estava atenta à vida do mundo, rezava e ensinava a rezar, deixou-nos inúmeros documentos que continuam a ser um apelo à reflexão e ao diálogo entre todos, homens, mulheres, culturas e religiões. Está a caminho da beatificação, exigindo a Igreja um milagre para isso. Depois mais um milagre para a canonização.
Para mim, contudo, os seus milagres são bem conhecidos de todos nós, católicos, de outras confissões religiosas, ateus ou agnósticos. Os seus milagres estão no exemplo de vida, nos testemunhos e na acção apostólica que marcaram o seu extraordinário pontificado. Tudo o mais que buscarem para a sua beatificação e canonização será sempre secundário. A Humanidade já o canonizou há muito.

Fernando Martins

Um artigo de António Rego


O itinerário da paz

Foi salutar ouvir Jean-Yves Calvez falar sobre a "Populorum Progressio". Uma espécie de ressonância da esperança há quarenta anos enunciada por Paulo VI na senda das grandes encíclicas sociais que alimentaram a vida apostólica de muitos cristãos. Veio ao de cima o sentido da espiritualidade no plural, ligada ela própria à existência concreta dos povos de todo o mundo, no abraço que o Concílio Vaticano II já propusera, ao anunciar a presença do Espírito nos grandes pólos da Igreja e do mundo contemporâneo.
Daí para cá muitos novos sinais surgiram. Mas também alguns se perderam, diluídos em tantos movimentos estreitos, voltados apenas para a zona etérea do abstracto e do individual, com ligeiros tons em acções isoladas e sem perspectiva de mudança estrutural. Dizendo por outras palavras: consentindo que alguns se salvem, dentro do pecado organizado pela injustiça e desigualdade do próprio mundo.
Com a presença, na mesa, do Cardeal Patriarca de Lisboa e do Dr. José Carlos Sousa - um dos grandes peritos em Doutrina Social da Igreja - Calvez recapitulou o essencial do texto e contexto, o espírito que o Papa Montini tão bem expressou sobre a palavra chave do momento: o desenvolvimento, como desiderato de todos, possibilidade para todos, obrigação de todos. De tal forma, disse Paulo VI, que "o desenvolvimento é o novo nome da Paz... E um apelo ao progresso do homem todo e de todos os homens."
O Patriarca de Lisboa chamaria à encíclica "intuição profética" na abordagem das grandes questões que, quarenta anos, depois nos atingem. E concluiu: "aos cristãos compete mergulhar permanentemente nos sinais dos tempos e aí descobrir sinais de esperança".
Não foi um acontecimento revivalista mas de integração dum passado recente com um presente que lança à Igreja novas questões no seu compromisso social. E relembra algumas já esquecidas.

domingo, 1 de abril de 2007

Um artigo de Anselmo Borges, no DN


O sacramento do amor


"Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como o bronze que ressoa ou como o címbalo que tine. Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que possua a fé em plenitude, a ponto de mover montanhas, se não tiver amor, nada sou. O amor é paciente, o amor é prestável, não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, não procura o seu interesse, não se irrita nem guarda ressentimento. O amor nunca acabará." Esta é uma breve citação do hino célebre ao amor, de São Paulo aos Coríntios.
Este amor corresponde à única tentativa de definir Deus no Novo Testamento: "Deus é amor", escreveu São João. Na companhia de Jesus, os discípulos perceberam que a essência de Deus é amar, e foi esse Evangelho que eles foram anunciar, dando dele testemunho até à morte. Foi essa notícia boa e inaudita que levou à conversão.
Um ano depois da publicação da sua primeira Encíclica Deus é amor, Bento XVI publicou, com a data de 22 de Fevereiro, uma Exortação Apostólica sobre a Eucaristia enquanto "sacramento do amor", que deveria ser eco da XI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que decorreu em Outubro de 2005 no Vaticano.
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Leia mais em DN

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS-17


A LÂMPADA DE ÍLHAVO

Caríssima/o:

A primeira saída oficial da nossa terra era à sede do concelho, onde fomos pelo bilhete de identidade e, poucos dias depois, para o exame da 4.ª classe. É verdade, parece que ainda foi ontem! Como o tempo corre e quantas mudanças! Vejam só que para ir a tão importante acto, ou íamos a pé, ou apanhávamos boleia de bicicleta ou então táxi. Pela lógica, este era proibido e, no nosso caso, fomos algumas vezes no quadro da bicicleta puxada pelo Hortêncio e o Oliveiros no porta-bagagem! Mas isto era um luxo: o vulgar era calcorrear correndo pelos caminhos que atravessavam a floresta.
Diniz Gomes empresta-nos a sua escrita de «Costumes e Gentes de Ílhavo», p. 57 ss., de 1941, para nos elucidar sobre a tal estória da lâmpada:

“Poucas serão as terras do nosso país, de grande ou pequena categoria, a quem a lenda popular não tenha atribuído uma anedota ou história ridículas, de que muitos se servem, por graça, para arreliarem os naturais das localidades atingidas.
Ílhavo, está bem de ver, não podia deixar de ter, também, a sua historieta jocosa, direi mesmo, um pouco vexatória para os brios do seu povo, bastante cioso do seu bom nome e honrosas tradições.
O leitor, estou certo disso, conhece-a de sobra, tanto ela se popularizou e correu mundo.
Trata-se do pretenso roubo de uma lâmpada de prata que se diz ter existido na matriz da vila, e que, em certo dia, foi levada para limpar por um espertalhão de marca maior que por aqui abordou, e que teve artes de praticar a audaciosa façanha sem ser incomodado, e, precisamente na ocasião em que ali se rezava missa, estando o templo repleto de fiéis. [...]
Ora as coisas, segundo me contaram quando eu era menino e moço, passaram-se assim:
Era domingo de festa na terra. [...]
Iria a missa em meio quando, por uma das portas laterais da igreja, entrou um indivíduo de boa aparência mas desconhecido na terra, que se dirigiu vagarosamente para junto da Capela do Santíssimo, em cujo limiar se encontrava suspensa do tecto, uma aparatosa lâmpada de prata lavrada com o peso dalguns arráteis, que ao tempo ainda não havia gramas nem quilos.
O homem, depois de ajoelhar e de se benzer, levantou-se e foi poisar, sobre um dos degraus de pedra do púlpito, um grande saco de linhagem de que vinha munido. E, olhando, com certa curiosidade a soberba lâmpada, murmurou desalentado:
- Quem te há-de limpar por semelhante preço?! O negócio que eu fui fazer!...
Todos os que o rodeavam, e ouviam a missa, inquiriram, em voz baixa entre si, se era realmente verdade a lâmpada ir ser limpa desta vez, como há muito era mister, tão suja e azebrada ela se encontrava.
E a boa nova correu ligeira de boca em boca, procurando todos ver de perto o artista encarregado pela Senhora Junta da Paróquia de executar o trabalho.
Mas o homem é que não manifestava interesse algum por isso, visto permanecer ali parado e indeciso, sem querer tomar qualquer resolução, repetindo a miúdo:
- Mas quem te há-de limpar por semelhante preço?!...
E o melhor da passagem é que o seu aspecto triste e acabrunhado chegou a inspirar relativa compaixão entre os assistentes.
Mas, a certa altura, pareceu encher-se de coragem, dizendo resoluto:
- Pois se justei, está justo! Venha a lâmpada abaixo!
E logo a corda que a segurava correu na roldana, fazendo descer vagarosamente a lâmpada que o desconhecido guardou dentro do saco que trouxera. Em seguida, saiu lentamente da igreja pela mesma porta por onde tinha entrado.

Findara a missa. Pouco a pouco os fiéis vão abandonando a igreja[...].
Arrumados, à pressa, os paramentos nos pesados armários da sacristia, e apagada as discretamente as velas de cera dos altares, o solícito sacristão foi, pressuroso, à residência paroquial, saber do senhor prior porquanto fora justa a limpeza da lâmpada do Santíssimo, e quem era o artista encarregado desse serviço.
Esta curiosidade, que sempre foi atributo de todos os sacristães havidos e por haver, causou surpresa e alvoroço no bom do padre, que de nada sabia nem se apercebera enquanto rezava a sua missa. E logo previu que a igreja fora sacrilegamente roubada pelo que mandou, imediatamente, tocar os sinos a rebate, ordenando a saída de homens resolutos em perseguição do audacioso larápio. Infelizmente, este, já não foi possível ser apanhado. [...]
Este estranho e nunca visto acontecimento causou, está bem de ver, profunda consternação na nossa terra. Por esse motivo, os sinos da igreja dobraram em sinal de luto durante três dias e fizeram-se orações de resgate e desagravo. Realmente o caso não era para menos.
E aqui tem o leitor, contada como eu a sei, a história do roubo ardiloso da lâmpada da igreja de Ílhavo. O facto, pela sua originalidade, tornou-se notório, popularizando-se. A ponto tal que ainda hoje nos surge, às vezes, um gracioso que maliciosamente nos diz:
- Ah! Você é da terra da lâmpada?»

Afinal, esta brincadeira da lâmpada algumas vezes serviu quando a rapaziada de Ílhavo nos atacava:
- Vai cavar batatinhas para a Gafanha!
Ai, sim, diz então onde puseram a lâmpada?
E funcionava...

Manuel