quinta-feira, 12 de outubro de 2006

JACINTA NO AVEIRENSE

UMA VOZ LUSITANA

QUE SE PROJECTA

PARA LARGOS VOOS

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A cantora de Jazz Jacinta, uma gafanhoa na senda da fama, actuou ontem no Aveirense, com casa cheia. Familiares, amigos e admiradores aplaudiram a artista de voz rara, uma voz lusitana que se projecta para largos voos.

Jacinta encheu o palco com a sua alegria, com a sua arte e com uma segurança enorme. Começou serenamente, como que para aquecer a voz, de timbre único e expressivo, e logo começou a crescer e a merecer os aplausos calorosos do público, sempre bem acompanhada pelos músicos que a completam nesta digressão pelo País. Músicos que estabelecem com a cantora um diálogo intenso, em desafios estimulantes que emprestaram ao concerto momentos únicos.

Foi um espectáculo para quem gosta de música, da boa música que nos enche a alma e nos conduz aos limites da beleza. A sua voz, perfeito instrumento musical, mostrou-se na sua plenitude e é um convite permanente para a termos connosco, nas nossas casas, em momentos de intimidade.

Hoje, voltarei a ouvi-la, graças à tecnologia que nos dá, no dia-a-dia, horas inesquecíveis de música, outrora apenas experimentadas nas salas dos concertos.

Jacinta é para se ouvir com frequência, numa busca constante da arte que a anima, na procura metódica das suas qualidades vocais, na apreciação da sensiblidade com que mostra famosos intérpretes, na leitura melódica do que canta.

F.M.

Um artigo de D. António Marcelino

O APAGAR DA MEMÓRIA


A memória, porque nela se guarda o repositório da história vivida, com êxitos e fracassos, fidelidade e desvios, é uma faculdade indispensável e do maior interesse em relação ao presente e futuro das pessoas e da sociedade. Os que, a pretexto de serem doutos e actuais, a baniram ou dispensaram no processo educativo ou mesmo no seu dia a dia, poderão ver o malogro em que caíram. 
A revolução de Abril, para além do que trouxe de bem, escreveu, também, pela acção imediata e impensada de alguns dos seus mentores e executores, uma página triste e lamentável, ao apagar a memória de séculos de história. Numa euforia emocional queimaram-se livros e documentos, apagaram-se sinais, implementaram-se projectos, exorcizaram-se factos. Assim se empobreceram os mais novos na sua formação e aos mais velhos se retiraram importantes referências. 
Recordo, como nos fins de 1975, numa escola primária que pude visitar na zona de Alcobaça, ao falar às crianças, por qualquer razão de momento, da importância da história, a professora interrompeu-me, com a autoridade de mestra sabedora, para dizer que isso de estudar história era uma perda de tempo. Agora só se falava, dizia ela, de coisas passadas há mais tempo se houvesse na região algum monumento famoso que o justificasse. Se não houvesse, não fazia falta e era perder tempo. Tal qual assim. Menos mal que alunos presentes viviam na zona de um grande monumento. Pena ser um mosteiro frades, mas era o que havia… 
Vejo agora, com interesse, que nasceu uma associação com nomes sonantes, empenhada em que não se apague a memória. Mas qual? A do fascismo salazarista, com todos os horrores das prisões, perseguições, pides, tarrafais e caxias… É preciso que as gerações jovens, de hoje e de amanhã, saibam o que durante quarenta anos de travas se passou em Portugal, para se prevenirem de desvios futuros. Tudo bem. Mas Portugal não começou como nação, nem como país, na década de trinta do século XX, nem em Abril de 1974. Parece, porém, não haver igual solicitude para defender a memória de uma história nacional, longa de séculos, com grandes portugueses como protagonistas e em que aconteceram muitas coisas boas e outras menos boas, que é preciso não esquecer. 
A história não é mestra da vida só quando nos traz factos do nosso agrado ou colados a uma ideologia que nos é querida e simpática. História é história e há que saber lê-la sem preconceitos, para que nos possa ensinar transmitir não apenas cultura, mas também valores e sentido para a vida. Ora vê-se um apagamento programado de valores e uma ignorância crassa de pessoas e de acontecimentos que nos empobrecem cada vez mais.. 
Assiste-se à destruição de instituições, como a família, que constituíram e constituem a fibra resistente do tecido social e humano. Assistimos ao esvaziamento humano e relacional da escola, espaço e tempo indispensáveis como alfobre das gerações que deram alma ao país. Ridiculariza-se o conceito de Pátria, destruindo laços de esperança e de compromisso social. Faz-se contraponto desafinado à acção secular da Igreja, que ainda ninguém igualou na sua diária e decisiva missão humanizadora e espiritual. 
Salvo melhor e mais justificada opinião, tudo isto comporta uma memória que não se pode apagar e é preciso avivar, para que a comunidade tenha alma e alargue os horizontes do saber e do viver. O apagamento da memória, tal como a memória curta, empobrece sempre. Normalmente andam atrelados a interesses que denunciam mais teimosia que sabedoria, e só persistem mais tempo se o vento da história sopra a favor. Mas, até o vento muda…

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

UM POEMA DE ORLANDO FIGUEIREDO

SE MORRER Se morrer num dia de chuva cantai a chuva Se morrer num dia de sol cantai o sol cantai as nuvens as estrelas cantai cantai Se morrer e houver luar fazei do mundo uma planície verdejante com estrelas penduradas nas árvores todas as manhãs

PONTE DA GAFANHA

QUEM SE LEMBRA
DA ANTIGA PONTE?
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Quem se lembra da antiga ponte da Gafanha, que nos ligava a Aveiro? E do que a circundava? Quem se lembra de caminhar por ela, sentindo-a tremer toda com a passagem de um ou outro carro mais pesado? Quem se lembra de ter de sair do autocarro, passar a pé, para depois voltar a entrar no mesmo ou noutro autocarro, porque o peso de tudo era muito?
Quem se lembra do seu envelhecimento e do receio que havia com medo de ela cair? Quem se lembra da sua substituição por uma de pedra e cimento, e da alegria que isso trouxe ao povo? E quem se lembra de essa mesma, a de pedra e cimento, ter caído com o peso de um camião?
Coisas para recordar. Porque recordar é viver.
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Fernando Martins
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Foto cedida por Ângelo Ribau

ROTEIRO PARA A INCLUSÃO

Cavaco Silva
enaltece trabalho voluntário
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O Presidente da República, Cavaco Silva, iniciou o seu terceiro Roteiro para a Inclusão, percorrendo a cidade de Lisboa para realçar a im-portância do voluntariado e mostrar casos de exclusão entre idosos, prostitutas e sem-abrigo. O Roteiro, dedicado ao "Volun-tariado e Exclusão Social em Meio Urbano" e que se prolonga por três dias, arrancou com a visita a uma instituição sedeada em Alcântara - a Entreajuda - que apoia outras instituições ao nível da organização e gestão, com o objectivo de melhorar o seu desempenho e eficiência. Da "modernização" do voluntariado, o périplo prosseguiu com a exclusão social extrema quando o Chefe de Estado visitou o Centro de Apoio Social de São Bento, uma instituição da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que se dedica à reinserção de sem-abrigo. Na Serafina, onde almoçou, o Chefe de Estado foi conhecer a actividade do Centro Social Paroquial de S. Vicente de Paulo, cujo presidente é o cónego Francisco Crespo, ex-líder da CNIS, e mostrar boas soluções práticas para melhorar a qualidade de vida em bairros sociais antigos que se foram degradando. À tarde, o Chefe de Estado visitou uma idosa com dificuldades de locomoção, que vive no último andar de um prédio degradado de Lisboa sem elevador. Na visita, com que pretende chamar a atenção para os casos de idosos isolados nas grandes cidades, Cavaco Silva é acompanhado por voluntários de uma associação, a Coração Amarelo. Ao terminar o primeiro dia do Roteiro presidencial, o Chefe de Estado desloca-se ao Intendente e Alto de São João para visitar instituições que prestam apoio a prostitutas - Lar da Associação O Ninho e Obra Social das Irmãs Oblatas. O Roteiro para a Inclusão teve início em Maio, no Algarve e Alentejo, e foi dedicado às "Regiões Periféricas, Envelhecimento e Exclusão". Em Julho, o roteiro percorreu os distritos de Porto e Aveiro, sob o tema "Crianças em Risco e Violência Doméstica". ::

Fonte: SOLIDARIEDADE

Um artigo de António Rego

Questão de vida ou de morte
O que mais enfureceu os ocidentais na reacção do mundo muçulmano à publicação das caricaturas de Maomé foi a ameaça de cercear a liberdade dos artistas e pensadores. Ou, melhor ainda, o risco que corre quem escreve o que pensa sobre qualquer matéria. A liberdade de expressão sentiu-se ofendida por aqueles que se ofenderam com a expressão da liberdade. Estamos num aparente jogo de palavras. Mais que isso, de interesses, que se refugiam nas palavras para imporem os seus pontos de vista. Assim a ética vai ganhando colorações circunstanciais como o bailarino vai rodando e ritmando o corpo consoante a música o exige.
O debate sobre o referendo ao aborto, em Portugal, está a tomar alguns contornos bizarros. Existem áreas sociais e políticas que não têm o mais pequeno rebuço em propagandear o seu ponto de vista e o seu terreno claro de luta, com um inequívoco sim ao aborto. Dessas tribunas emerge a sugestão de que a Igreja mudou de opinião e não faz qualquer campanha contra o aborto. E intercala nessa oratória o pressuposto de que a Igreja se não deve pronunciar sobre a matéria, por não ser religiosa. O político na tribuna partidária, parlamentar ou ministerial, pode confessar-se publicamente sobre o tema - com isso fazendo opinião - quando a sua posição é sim. Na Igreja, o presidente duma celebração está "proibido" de dizer o que pensa e o que pensa a Igreja porque isso é fazer campanha. (Há já escritos com essa teoria).
Tanto dum lado como do outro há regras de decência e linguagem que devem pautar os discursos, na apresentação honesta de argumentos e razões pró ou contra. Mas não se pode pedir aos que dizem não ao aborto uma linguagem doce e dúbia para não ferir a opinião dos que vigorosamente o defendem até ao absurdo. A vida concede direitos e argumentos inquebrantáveis. E ninguém que apoie o aborto até às nove semanas e. seis(?) dias, pense que está a apoiar a vida. Chame-se o que se chamar estamos perante uma questão de vida ou morte. Nunca a Igreja em dois mil anos hesitou sobre esta matéria. Reconhecendo, embora, que a questão não é religiosa mas humana. Tal como a pobreza, a violência, a guerra, o racismo não são questões religiosas. Mas têm a ver com o Decálogo.
A liberdade não pode ser coarctada em nome duma imaginária mudança de óptica da Igreja em matéria tão vital.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

PHAROL DA BARRA

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PHAROL DA BARRA AÍ ESTÁ

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PHAROL DA BARRA, assim mesmo, com ph com valor de f. Esta é mais uma foto de um postal que circulou pelo País e quiçá pelo estrangeiro, em nome das nossas belezas. Estou convencido de que há pelo concelho de Ílhavo, e não só, outras fotos sugestivas que vale a pena partilhar. Esta que hoje vos mostro veio do Ângelo Ribau, um amigo que noutros tempos se dedicava à fotografia com paixão, fazendo gala de utilizar, para ver como era, as primitivas técnicas fotográficas. Mas ainda hoje mantém o mesmo gosto, nem que seja nas muitas fotos que guarda com carinho.

POBREZA

MANUELA SILVA, PRESIDENTE DA COMISSÃO NACIONAL DE JUSTIÇA E PAZ:
"ERRADICAR A POBREZA
É UMA TAREFA OBRIGATÓRIA"

Comissão Nacional de Justiça e Paz (CNJP) é um órgão laical da Conferência Episcopal Portuguesa. As comissões de justiça e paz nasceram na sequência de um apelo feito pelo Papa Paulo VI, em 1967, na sequência do Concílio Vaticano II, com o objectivo de contribuírem para a difusão e aprofundamento da doutrina social da Igreja e para constituírem uma ponte visível entre a Igreja e a sociedade civil. Em Portugal, a primeira comissão nacional só aparece em 1982, em Lisboa, quase 20 anos depois do Concílio. Um atraso que, provavelmente, ficou a dever-se ao período difícil que se vivia no país, com a Guerra Colonial e o salazarismo. Existem vários grupos de trabalho permanentes na CNJP, dois deles com grande representação. O Grupo de Reflexão sobre Economia e Sociedade tem-se debruçado, fundamentalmente, sobre a questão do emprego/desemprego, da globalização e dos seus efeitos, da sociedade civil, da necessidade de uma cidadania responsável e participativa para fazer face aos grandes desafios que se colocam nas sociedades contemporâneas e na área da responsabilidade social das empresas e da ética empresarial. O Observatório sobre a Produção, Comércio e Proliferação das Armas é um grupo mais recente, com cerca de dois anos. Tem um estatuto próprio, trabalha sob a sua inteira responsabilidade, embora em estreita colaboração com a comissão. Foi nessas condições que organizou desde Novembro de 2005 até Maio de 2006 uma audição pública que teve por tema “Por uma sociedade segura e livre de armas”. Foi aprovada uma lei [Lei nº 5/ 2006, de 23 de Fevereiro] sobre o uso e porte de armas que responde às necessidades de segurança que a CNJP defende e que prevê a recolha facultativa. Essa lei dá possibilidade às pessoas que têm em seu poder armas ilegais de legalizarem essa posse ou de se desfazerem delas, entregando-as voluntariamente. “A comissão está interessada em contribuir para difundir essa informação e motivar as pessoas para que cumpram a lei e aproveitem a amnistia que a mesma prevê.” :
Leia a entrevista no SOLIDARIEDADE

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

JUSTIÇA EM PORTUGAL

A LEI É IGUAL PARA TODOS?
Na tomada de posse do novo Procurador-Geral da República, Fernando Monteiro, o Presidente da República lembrou que, “sendo a lei igual para todos, a todos deve igualmente ser aplicada”. Isto já toda a gente sabe. Como toda a gente também sabe que uma coisa é o que se diz no papel e outra o que acontece na prática. Veja-se o famoso processo da Casa Pia. Em circunstâncias normais, com gente normal, isto é, com gente de pouco dinheiro, o caso há muito estaria resolvido. Como aconteceu, aliás, nos Açores, em que uns pedófilos foram condenados, em pouco tempo, enquanto outros acusados foram absolvidos. No fundo o que é que eu quero dizer? Quero dizer que, apesar de a lei ser igual para todos, é mais igual para uns do que para outros. Quem tem dinheiro move montanhas à sombra de lei, legitimamente, diga-se de passagem, porque nos códigos há sempre pontas por onde se lhes pegue, e quem não tem dinheiro tudo vê resolvido sem rodeios, sem requerimentos, sem grandes advogados que ganham bem. Resta saber se uns e outros são tratados com a mesma justiça.
Será que em Portugal a lei é mesmo igual para todos? F.M.

Um poema de António Pina

A Canção dos Adultos Parece que crescemos mas não. Somos sempre do mesmo tamanho. As coisas que à volta estão É que mudam de tamanho. Parece que crescemos mas não crescemos. São as coisas grandes que há, O amor que há, a alegria que há, Que estão a ficar mais pequenos. Ficam de nós tão distantes Que às vezes já mal as vemos. Por isso parece que crescemos E que somos maiores que dantes. Mas somos sempre como dantes. Talvez até mais pequenos Quando o amor e o resto estão tão distantes Que nem vemos como estão distantes. Então julgamos que somos grandes. E já nem isso compreendemos.
Manuel António Pina,
a fechar a colectânea poética
"O Pássaro da Cabeça"
(1985; 2ª ed. – 2005).