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quarta-feira, 2 de julho de 2008

PONTES DE ENCONTRO

Trabalho: uma afirmação de liberdade e responsabilidade! A propósito da proposta directiva, aprovada pela União Europeia, em 10 de Junho de 2008, e sobre a qual escrevi um texto de partilha, no passado dia 23 de Junho, com o título “A exploração, a dignidade do trabalho e o lugar do homem”, que permite alargar o limite do horário de trabalho até às 65 horas semanais, já muito se escreveu e disse. Nestes assuntos, que colocam de um lado empresários e do outro lado trabalhadores, a unanimidade é quase impossível, pois os interesses, das duas partes, raramente são os mesmos. Seria bom que todos estivessem do mesmo lado e ainda não perdi a esperança, sinceramente, de que, um dia, tal objectivo seja atingido, para o bem das empresas, dos empresários, dos trabalhadores e da sociedade em geral. Sei que não é fácil fazer destes desejos realidades, pelo que muito tem que mudar a nível de mentalidades, atitudes e comportamentos de todos os intervenientes, a não ser que, mais ano menos ano, o desespero tome, de vez, conta do homem, e a selva, em que o mundo se está a transformar, faça sobressair o lado mais negro e sombrio do ser humano, do qual a violência é a expressão mais sinistra e desumanizante! Contudo, não posso nem devo calar-me perante as palavras de um alto dirigente da sociedade portuguesa, a propósito desta directiva da UE, ao afirmar que os trabalhadores se devem preocupar mais em preservar os seus postos de trabalho do que estarem a pensar em questões de legislação laboral. Sem comentários! As múltiplas crises que estão espalhadas um pouco por todo o lado dão-nos sinais claros de que o limite da capacidade de compreensão do cidadão comum está a ser atingido. Ora, quando assim é, o passo para a irracionalidade humana é rápido e de consequências imprevisíveis, pelo que tudo tem que ser repensado e refundado, já não só a nível dos conceitos económicos ou das políticas que vão gerindo (mal) o mundo, mas do próprio conceito de liberdade. As crises são cada vez muito mais profundas (e disso já não vale a pena duvidar) e radicam nos estímulos pessoais e sociais com que avaliamos tudo o que nos cerca, em todos os tempos e lugares. Trata-se, portanto, de uma crise de valores, sejam eles históricos, culturais ou absolutos, ainda que os dois primeiros nunca se devam sobrepor aos valores do próprio individuo (os absolutos), desde que este os exerça no uso pleno e sadio de todas as suas faculdades mentais e tenha como objectivo não só o seu próprio bem, mas igualmente o bem-estar dos outros. Uma sociedade, qualquer que seja, só é doente na medida em que os homens que mais responsabilidades têm na sua liderança, seja da coisa pública ou não, também padeçam da mesma doença e a transmitem aos seus concidadãos como se de uma epidemia silenciosa se tratasse. Homem saudável é aquele que sabendo que, livremente, pode fazer mal opta, também de forma livre, por fazer o bem, pois esse é o primeiro desejo que ele tem para si mesmo, pelo que ele não se pode contradizer na sua pessoa. Deste modo, cada homem é, em grande parte, a medida do bem ou do mal dos outros, através da forma como exerce a sua liberdade e a sua responsabilidade em si mesmo e com quem interage activamente. Infelizmente, não falta por aí quem procure separar a responsabilidade da liberdade, dando mesmo a entender que a primeira limita a segunda. Nada mais falso e perigoso! O homem deve entender que a responsabilidade não limita a liberdade, antes faz parte dela, na medida em que é através dela que a liberdade não passa de um conjunto de instintos e impulsos incontrolados, ao sabor das circunstâncias e dos caprichos de momento. De outro modo, o risco da manipulação, por parte dos que teimam em propagar as suas próprias doenças aos outros, é constante e, muitas das vezes, uma necessidade para que se julguem ou finjam felizes. E isto já está a acontecer, infelizmente!
Vítor Amorim

segunda-feira, 30 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO


Onde estão os medicamentos para a loucura do mundo?

No dia 25 de Junho de 2008, o jornal Público noticiava que o Presidente do INFARMED (Autoridade Nacional do Medicamento e dos Produtos de Saúde, dependente do Ministério da Saúde, que tem a seu cargo, a nível nacional, a regulação, avaliação, autorização, disciplina, inspecção e controlo de produção, distribuição, comercialização e utilização dos medicamentos), Professor Doutor Vasco Maria, reconheceu, num fórum, em Lisboa, que a contrafacção de medicamentos, é um "problema crescente, à escala mundial, grave e com consequências muito importantes."
O Professor Vasco Maria sublinhou que este problema não se passa só nos países pobres, mas também nos países desenvolvidos, exemplificando que, em 2006, nas fronteiras da União Europeia, foram apreendidas mais de 2,7 milhões de unidades de medicamentos, o que se traduz num aumento de 380%, em relação ao ano anterior.
Acrescentou, ainda, que a contrafacção também deixou de estar limitada às áreas tradicionais, como era o caso da impotência sexual e do emagrecimento, para já se ter situado em áreas do suposto tratamento do cancro, das doenças cardiovasculares ou neurológicas. Sendo, "um problema global, só é possível combatê-lo de maneira global, através de todos os agentes envolvidos, como fabricantes, autoridades reguladoras, profissionais de saúde, polícias, magistrados e consumidores", afirmou.
Que o mundo está a caminhar para a loucura, o desnorte e a irresponsabilidade total já não é novidade nenhuma. Os paradoxos instalam-se, a confusão reina, os infractores tornam-se invisíveis e os tentáculos e as redes clandestinas que se vão criando, metodicamente, chegam perfeitamente para alimentarem este e outros negócios que envolvem, à escala mundial, quantias astronómicas de dinheiro. Toda a gente sabe que, à custa do lucro fácil, países como a India ou a China (que não são exemplo para ninguém) passaram a produzir toda uma série de medicamentos, em condições de rigor mais que duvidosas, que, depois, são enviados para a Europa (a Islândia é um dos principais entrepostos europeus), onde ganham o estatuto de credibilidade e de garantia, passando a ter o nome de genéricos. Segundo o INFARMED, no caso português, estes medicamentos são em tudo iguais aos medicamentos originais, seja em qualidade, equivalência, biodisponibilidade e biocompatibilidade. Não sei porquê, mas creio que, não fosse esta alteração, meramente geográfica, todas estas equivalências não seriam aprovadas, de acordo com o rigor científico exigido aos medicamentos originais que lhe deram origem, após terem perdido o prazo da protecção comercial da sua patente.
Não bastavam já estas questões, não tão disparatadas como se possa pensar, e que me criam sérias dúvidas entre optar por medicamentos genéricos ou de marca, quando sou confrontado com esta notícia da contrafacção de medicamentos, onde a India e a China, entre outros países, são apontados como locais de fabrico. Quem apostou neste processo de contrafacção viu que o podia fazer, e uma das condições para tais projectos, à margem da lei, avançarem é darem a certeza de lucro garantido, na medida em que sabem que as autoridades, que têm a seu cargo a fiscalização e o controle de qualidade dos fármacos, não têm condições para uma fiscalização suficientemente eficaz. Mais uma vez, é o lado mais obscuro e louco do mundo a procurar vencer o mundo dos valores e da ética. Porque será? O que está a falhar para esta barbárie não parar?
Ao contrário do que parecem querer fazer passar na notícia, estas vendas não são só feitas via Internet, mas, provavelmente, também numa qualquer respeitável farmácia ao pé da nossa porta. Quem é que pode garantir, honestamente, o contrário? Uma certeza parece óbvia: já, antes, foram abertas as portas e as condições para que tudo isto esteja a suceder. Não é de admirar que este abrir de portas e da criação de condições, que levou à contrafacção de medicamentos, tenha sido iniciada em nome de cortes nas despesas de saúde de um qualquer Estado do globo. Diz-se que o barato sai caro; esperemos que não seja este um exemplo disso mesmo. Resta-nos saber se, ainda, é possível fechar esta caixa de Pandora, pois, se não for, é caso para dizer que pode-se não morrer da doença, mas as probabilidades de morrer da cura vão aumentado, cada vez mais!

Vítor Amorim

sábado, 28 de junho de 2008

Pontes de Encontro

São Paulo: bimilenário do nascimento e início do Ano Jubilar Por proclamação do Papa Bento XVI, inicia-se a partir de hoje, dia 28 de Junho, e até 29 Junho de 2009, o Ano Paulino. A celebração deste ano jubilar, dedicado ao Apóstolo Paulo, foi anunciada por Bento XVI na Basílica de São Paulo Fora de Muros, em Roma, no dia 28 de Junho de 2007, por ocasião das Vésperas da Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo. Nessa altura, o Papa recordou que Roma é o local privilegiado para a celebração deste ano jubilar, já que a cidade conserva o túmulo de São Paulo, exactamente na Basílica com o seu nome, salientando que durante este período de tempo terão lugar uma série de eventos litúrgicos, culturais, ecuménicos, pastorais e sociais, todos eles associados à espiritualidade paulina. Contudo, segundo Bento XVI, vai ser dado um destaque especial às peregrinações ao túmulo do Apóstolo dos Gentios e à publicação de textos paulinos, para “fazer conhecer, cada vez melhor, a imensa riqueza dos ensinamentos de São Paulo, verdadeiro património da Humanidade redimida em Cristo”. Também a Conferência Episcopal Portuguesa publicou uma Nota Pastoral com o título “Ano Paulino, Uma Proposta Pastoral”, na qual se podem encontrar inúmeras orientações que ajudam, e muito, a conhecer, compreender e a viver melhor o espírito e o vigor da acção paulina, não só a nível da dimensão pessoal de cada cristão, mas, não menos importante, no seio da igrejas locais, comunidades e movimentos eclesiais. O nascimento do Apóstolo Paulo situa-se, segundo os historiadores, entre o ano 7 e o ano 10, depois de Jesus Cristo, a quem não conheceu, pessoalmente, enquanto Ele andou pelos caminhos da Judeia, Galileia, Samaria, até Jerusalém. Este Ano Jubilar coincide, portanto, com o bimilenário do seu nascimento, na cidade de Tarso, da província da Cilícia (cf.:Act 21,39), na actual Turquia. Do cristianismo primitivo, não há outra pessoa sobre quem se saiba tanto e as fontes para a sua reconstrução biográfica encontram-se, essencialmente, nas cartas paulinas e nos Actos dos Apóstolos. As Cartas de Paulo têm, declaradamente, uma profunda expressão pastoral, através das quais dá orientações doutrinais, faz exortações à fé em Cristo e aconselha as primitivas Comunidades cristãs a ultrapassarem algumas dificuldades porque passavam, tivessem ou não sido fundadas por ele. Os traços autobiográficos são imensos, pois o Apóstolo compromete-se, existencialmente, com a sua pregação, ou seja, ele apenas vive para pregar a Boa-Nova, como ele próprio afirma: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Esta sua forma de viver, testemunhar e evangelizar, “à maneira de Jesus Cristo”, levou-o a estar em diferentes mundos, línguas e culturas, a ser um homem em permanente movimento, à descoberta de novas encruzilhadas, caminhos e desafios. Pertos ou longínquos, esteve nos principais centros do saber e do poder, da civilização urbana e cosmopolita do seu tempo. Era um verdadeiro corredor de fundo que percorreu milhares e milhares de quilómetros a pregar no que acreditava, no que amava e no que se tinha comprometido. Atravessou grande parte dos territórios que fazem, presentemente, parte da Grécia e da Turquia. O Mar Mediterrâneo por diversas vezes, fez parte de todo este seu itinerário, estando entre outras, nas ilhas de Creta, Chipre, Rodes, Malta, Sicília e, por fim, termina o seu caminho de evangelizador determinado, de todos os povos e nações, na cidade imperial de Roma, onde veio a morrer, provavelmente no ano 67 d.C., por decapitação. Diz a Nota Pastoral da CEP que “Paulo protagonizou, na sua experiência de Apóstolo, o alargamento do horizonte dos destinatários do Evangelho”, pelo que o cristianismo tornou-se uma realidade salvífica, fraterna, libertadora, histórica, social e cultural abrindo-o, definitivamente, à universalidade de todos os povos e de todos os tempos. Vítor Amorim

segunda-feira, 23 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO

A exploração, a dignidade do trabalho e o lugar do homem
No passado dia 10 de Junho, o Conselho Europeu dos Ministros do Trabalho e Assuntos Sociais aprovou uma proposta de directiva que permite que os 27 Estados-membros da União Europeia possam alargar o limite de trabalho semanal das actuais 48 horas para as 60 horas por semana, se os trabalhadores aceitarem, ou, em caso de acordo colectivo, até às 65 horas. O Documento ainda vai ter que ser aprovado pelo Parlamento Europeu, para entrar em vigor. O ministro português do Trabalho e Solidariedade Social, Vieira da Silva, declarou que Portugal não fez parte da maioria qualificada que, aprovou esta directiva, por entender que, "apesar de haver uma evolução positiva", a directiva deveria ser mais "equilibrada" e ter mais em conta "a salvaguarda das condições de saúde, higiene e segurança dos trabalhadores". Sublinhou, ainda, que este projecto de lei deverá sofrer algumas alterações, antes do voto dos parlamentares europeus, esclarecendo que a nova lei mantém a duração máxima de 48 horas semanais e 8 diárias, actualmente consagrada na UE, como regra, e apenas reformula as condições de excepção que pode levar alguns países, em certos sectores e actividades, a recorrerem a este tecto de horas de trabalho. Em Portugal, a nível da Concertação Social, está-se a discutir a revisão do Código de Trabalho, onde está prevista a adaptabilidade dos horários de trabalho. No entanto, o ministro Vieira da Silva não apresentou, ainda, qualquer proposta sobre este assunto. Seja como for, a precariedade laboral vai aumentar e vai-se trabalhar mais por menos dinheiro, na medida em que Portugal, mesmo que quisesse, não tem alternativas a esta política ditada pela União Europeia, em nome da concorrência globalizada. Mais uma vez, a lógica da competitividade selvagem e a qualquer preço prevaleceu sobre o princípio da dignidade do trabalho e do trabalhador. São medidas como estas que vão, gradualmente, desumanizando o mundo, as pessoas e o trabalho. Numa altura em que, na Europa, se discute, a vários níveis e com toda a justificação, as inúmeras crises que a instituição familiar enfrenta e atravessa, não são políticas deste género que contribuem para o reforço da unidade familiar. Bem pelo contrário. Não é com pais ausentes dos seus lares, a chegarem ou a saírem à hora que as entidades patronais decidem, que a família se constrói, fortalece e se torna uma célula activa e solidária da sociedade. Da China e da Índia, ao longo destes anos, temos recebido informação, mais que suficiente, sobre as condições com que os trabalhadores destes dois países, entre outros, exercem os seus empregos, de onde se destacam os salários baixíssimos; a quase inexistência de direitos sociais; proibição de reivindicações; horários de trabalho que chegam ás 15 e 18 horas diárias; exploração infantil; falta de segurança laboral, entre muitos outros abusos desumanizantes que poderiam ser citados. Nessa altura, alguns ilustres políticos e economistas ocidentais, para justificarem algumas medidas restritivas que eram já impostas aos trabalhadores europeus, em nome da dita “concorrência” asiática, argumentavam que eram países atrasados (hoje, já são “países emergentes”) e que, com o tempo, atingiriam os níveis de protecção (e de desenvolvimento) que, em regra, se aplicam (ainda) na Europa, pelo que tudo tenderia, com o tempo, para o equilíbrio justo, leal e concorrencial necessário. Afinal, bem vistas as coisas, são os dirigentes europeus que estão a começar a adoptar os padrões que antes condenavam nos outros. A prova está à vista e vê-se qual é o lado que está a vencer. Isto é perverso e só é possível de acontecer por falta da imposição de regras, mesmo que faseadas, para todos os intervenientes, a nível mundial, designadamente por parte da Organização Mundial do Comércio. A não ser que, o futuro, nos reserve a reposição da escravatura!
Vítor Amorim

PONTES DE ENCONTRO


O “comissário” Robin dos Bosques e os desafios do século XXI

Por várias vezes, temos feito referências, no Pela Positiva, aos brutais aumentos do preço do petróleo e dos alimentos, a nível mundial, e as enormes dificuldades que tais encargos significam para a maioria dos cidadãos, aumentando, por exemplo, o número de mortes, por falta de alimentos. Temos referido que estas crises, entre outros factores, têm uma dimensão global, estrutural e especulativa, o que significa que não pode ser um único país a tentar resolver estas múltiplas questões, pois o fracasso seria sempre o resultado final. Tudo isto levará a que nada fique como dantes, pelo que os hábitos de vida dos cidadãos, dos países mais desenvolvidos, irão sofrer alterações devendo estes começar a dar os primeiros passos nesse sentido, como seja a utilização racional a dar ao carro, ao consumo de energia e da água. É no meio desta confusão toda que, para ironia da história, aparece o nome de Robin Hood, mais conhecido por Robin dos Bosques, o famoso e lendário herói inglês que, a ter existido, teria vivido no século XIII, provavelmente nas florestas que circundavam a cidade de Nottingham, onde roubava aos ricos para dar aos pobres.
Inspirados neste bom fora-da-lei, alguns governos da União Europeia começaram a falar na aplicação de uma Taxa Robin dos Bosques, a cobrar só às companhias petrolíferas que exploram e produzem petróleo, de forma a que as receitas daí resultantes sejam canalizadas em programas de assistência social às famílias afectadas pelos aumentos dos combustíveis e dos alimentos. O Governo de Sílvio Berlusconi, em Itália, já aprovou a aplicação deste imposto especial e o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, referiu, na passada quinta-feira, dia 19, que a Comissão não se opõe a que os Estados-membros adoptem a Taxa Robin dos Bosques, por ser uma medida de competência nacional. Em Portugal, esta taxa incidiria só sobre a GALP.
O Primeiro-Ministro português, José Sócrates, nos trabalhos do Conselho Europeu, que decorreram em Bruxelas, nos dias 19 e 20, afirmou que governo português estava a estudar a possibilidade da introdução da referida taxa, ao mesmo tempo que defendeu apoios da UE à inovação e às energias alternativas, para combater a dependência energética do petróleo. As alternativas devem passar, segundo disse, por carros eléctricos, baterias recarregáveis e outras fontes de energias limpas, propondo, ainda, iniciativas para travar eventuais movimentos especulativos no preço do petróleo.
Ainda que isto demonstre, talvez como nunca, a gravidade da situação actual, tendo-se já recorrido ao Robin dos Bosques, nem sempre o que parece é. Assim, há que dizer que esta taxa só incidirá sobre 10% do total do petróleo produzido no mundo, ou seja, sobre as companhias privadas, já que os restantes 90% pertencem a companhias nacionais, caso da Arábia Saudita, Irão, Iraque, entre muitos outros países, pelo que a subida do preço do petróleo não irá desaparecer por esta via, mesmo no caso da generalização e aplicação deste imposto na UE. Por outro lado, as companhias privadas podem começar a argumentar que não têm lucros suficientes para o reinvestimento na exploração e produção do petróleo, devido aos acessos, cada vez mais difíceis, a que se encontram, as suas jazidas. Há, pois, que aguardar e ver da justeza, ou não, destas possíveis medidas, pois os líderes europeus, há largos anos, transmitem mais depressa desconfiança do que confiança e era bom que eles compreendessem, de uma vez por todas, que este é o estado de espírito dos cidadãos europeus, como se viu, recentemente, no referendo irlandês. Podemos estar, assim, perante uma acção concertada de marketing político e publicidade enganosa, à custa do simpático e mítico Robin dos Bosques. Convém recordar que algumas das consequências negativas destas crises são geradas e surgem dentro dos próprios sistemas político-económicos de que estes senhores Comissários fazem parte e onde são líderes políticos, há vários anos.
O sector petrolífero não é a única actividade a necessitar de impostos especiais (veja-se o caso da banca), pelo que, se vier uma nova taxa, lembrem-se do Zé do Telhado (1818-1875), nascido no lugar do Telhado, perto de Penafiel. Sempre foi um português, de carne e osso, que, ao que dizem, também, roubava aos ricos para dar aos pobres!

Vítor Amorim

domingo, 22 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO

A Salvação de Deus e o poder dos homens
No passado dia 20, do corrente mês, escrevi, aqui, no blogue, um texto de partilha sobre umas, breves, declarações, proferidas pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, ao jornal Expresso, do dia 13 de Junho, onde este fazia algumas referências a movimentos eclesiais de leigos que, ideologicamente, estão situados entre aquilo que, convencionou estarem à esquerda ou à direita do espectro político português. A meu ver, tais afirmações, não têm que ter quaisquer conotações partidárias, ainda que não seja de excluir tal hipótese. Pois bem, tive a bondade de algumas reacções a este texto e, algumas delas, interpelavam-me mesmo se existem ou não partidos políticos que se identificam mais com a Igreja Católica, do que outros, para logo me darem a resposta e a conclusão: existem estes partidos e é natural, por via disso, que os movimentos de leigos, ideologicamente próximos destes, tenham maior aceitação, compreensão e apoio no interior da Igreja. Sinceramente, creio que, quem assim pensa, não está a prestar um bom serviço à Igreja e à sociedade e ainda deve estar a pensar nos tempos em que o Estado português se dizia católico e reconhecia o catolicismo como a sua religião. Hoje, a sociedade, também religiosamente, é plural, pelo que o Estado não pode ter religião. Antes, tem que respeitar todas as confissões religiosas, através do reconhecimento dos seus plenos direitos. Por outro lado, a laicidade [do Estado] tem que se afirmar neutra em matéria religiosa, neutralidade esta que exige que a não religião ou o laicismo não se transformem em doutrina do próprio Estado. Estes pressupostos são a essência da separação entre Igreja e Estado, esteja este organizado da maneira que estiver, ainda que esta separação jamais possa significar que Igreja e Estado estejam de costas voltadas. Pelo contrário: tanto a Igreja como o Estado têm que estar ao serviço e em busca do bem da sociedade, no seu todo. Deste modo, num Estado democrático, como é o português, e citando D. José Policarpo, na sua mensagem “A Igreja no tempo e em cada tempo”, de 18 de Maio de 2008, "O único caminho democraticamente legítimo de a Igreja influir nas estruturas do Estado é a participação consciente dos membros da Igreja nos processos democráticos. A Hierarquia respeita a pluralidade de opções partidárias por parte dos católicos. Deve, entretanto ajudá-los a formar a sua consciência cívica e a visão dos problemas da sociedade em chave cristã.” (…) “A Hierarquia não deve intervir no processo democrático com métodos de confronto. Os católicos sim, esses podem e devem fazê-lo.” Mais à frente, na sua mensagem pastoral, o Cardeal-Patriarca escreve: “…a natureza da missão da Igreja na sociedade é a Igreja que a define e não o Estado.” Ir para além disto, para os cristãos, é confundir a autenticidade da missão da Igreja com uma qualquer ideologia ou um qualquer programa político-partidário, sempre passageiro, frágil e limitado às suas conveniências e circunstâncias de momento, que jamais a Igreja poderia aceitar ou apoiar, em nome da sua perene fidelidade evangélica “… para que todos sejam um só…” (cf.: Jo 17,21); da liberdade de cada cristão poder dar, segundo a sua consciência moral, formada pelos e nos valores cristãos, “…a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” (cf.: Mc12, 17); não entender que a Igreja está para servir e não para ser servida (cf.: Mc 10, 42-45); que a mera lógica de poder e de domínio, no seu interior [da Igreja], ou deste para o exterior, é um pecado contra Deus e contra o homem, que o conduz à perdição eterna, pois ” Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se, depois, perde a sua alma?” (Cf.: Mt 16,26); que qualquer poder humano só vem de Deus (cf.: Jo 19,11), pelo que a liberdade do homem é finita e falível, o que o deve levar a ter consciência das suas próprias limitações, à medida que busca e descobre, por si próprio, a vontade de Deus e que “não há salvação em nenhum outro” [Jesus Cristo], pois “não há debaixo do céu qualquer outro nome dado aos homens que nos possa salvar” (Cf.: Act 4,12), ou seja, não é o poder, a riqueza ou os partidos que nos salvam, mas a forma como tratamos o nosso semelhante (cf.: 25, 34-40).
Vítor Amorim

sexta-feira, 20 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO


A Igreja Católica e o poder dos outros

“Marcelo Rebelo de Sousa defende que há falta de “vozes em defesa da doutrina social da Igreja”, porque os movimentos de leigos têm sido dominados pela direita.
Em declarações ao Expresso, o professor defendeu que “os movimentos de leigos com mais força actualmente, são de direita e apostam nas questões fracturantes, como o aborto, divórcio, eutanásia e casamento homossexual.”
Em contrapartida, “há que falar, também, contra as desigualdades sociais, a globalização meramente economicista e em defesa dos emigrantes”, matérias tradicionais dos movimentos de esquerda, que “continuam a existir, mas não têm o peso dos outros.” “É errado, porque a Igreja não é de esquerda nem de direita”, diz Marcelo Rebelo de Sousa”
Este texto faz parte de uma notícia publicada no jornal Expresso, do dia 13, do corrente mês, sobre uma Carta Pastoral, de dezasseis páginas, do Cardeal-Patriarca de Lisboa, de 18 de Maio de 2008, dirigida à Igreja de Lisboa, com o título “A Igreja no tempo e em cada tempo”, onde também é referida a diminuição de fiéis que tem tido lugar, em algumas paróquias de Lisboa, “nos últimos sete anos”.
Já li este documento pastoral e, se me é permitido, convido todos os católicos a lê-lo e a reflectir sobre a sua mensagem, sempre actual, para a vida da Igreja. Para os cristãos que não façam parte da Igreja do Patriarcado de Lisboa sugiro, se possível, que esta leitura e reflexão sejam feitas em comunidade eclesial. Por agora, fico-me pelas breves e importantes afirmações do Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Será por ele ser um conhecido comentador político que não resistiu à tentação de dizer que na Igreja (só na de Lisboa ou noutras, também?) há como que uma aparente luta pelo poder, entre o que ele designou por “movimentos de leigos dominadas pela direita” e os de esquerda, “mas [estes] não têm o peso dos outros”?
Ele diz – e com isso não posso estar mais de acordo – que “a Igreja não é de esquerda nem de direita”, mas será que todos sabem ou querem saber disso para alguma coisa?
Se assim for, as probabilidades das igrejas, paróquias e comunidades cristãs viverem num ambiente de tensão e de desgaste, mais ou menos permanente, e a busca da marginalização ou afastamento do outro é enorme e torna-se insustentável a comunhão fraterna, pelo que as rupturas, pessoais ou de grupo, têm todo o caminho livre para acontecerem, das mais variadas formas, sem ninguém assumir responsabilidades por elas, porque, cada um, está de bem com a sua consciência, como é costume dizer-se.
A expressão de Tertuliano (155-122), na sua obra Apologia 39,9, “Vede como eles [os cristãos] se amam”, citada por D. José Policarpo, na sua Carta Pastoral, só nos pode fazer olhar para os cristãos dos primeiros séculos e para aqueles que, nos nossos dias, continuam a ter como único poder a Mensagem de Jesus Cristo e o testemunho que dão dela (cf.: Act 3,6) e deixar-nos corados de vergonha e cobardia.
Rebelo de Sousa não é ingénuo nem irresponsável e tocou, goste-se ou não, num ponto delicado na vida e no futuro da Igreja, enquanto “una, santa e apostólica”, e a quem os pecados dos seus membros não só a fazem sofrer, por caprichos, intolerâncias, vaidades, protagonismos, poder, invejas, calúnias ou projectos pessoais, sem se darem conta (?) que as suas fragilidades acabam por ser, também, as fragilidades da própria Igreja.
“A caridade é o grande desafio para a vida interna da Igreja. A sua primeira expressão é o amor a Deus e ao Seu filho Jesus Cristo, o que nos levará a amar todos os homens como nossos irmãos.” – refere D. José Policarpo. Assim, para o cristão, não é possível amar a Deus se não amar o seu irmão em Cristo, seja ele quem for. A Salvação, graça gratuita do amor de Deus, para que todos os homens se salvem, exige destes actos e acções concretas, de dimensão e expressão humana, no seio do próprio mundo, pelo que estes actos e estas acções não se podem opor àquilo que o próprio Deus nos convida, incessantemente, a fazer, através da Sua Igreja: amar o próximo, como a nós mesmos (cf.: Lc 10,25-37). Fora disto, por muito que nos custe, não há redenção!

Vítor Amorim

quarta-feira, 18 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO


Os protestos de hoje e as opções (urgentes) para o futuro

Nas primeiras duas semanas deste mês de Junho, o país foi confrontado com a greve dos pescadores e com o bloqueio dos camionistas. Seguiu-se a paragem dos carros de reboque, sobretudo na zona Sul e, ontem, os buzinões rodoviários, fizeram-se ouvir, um pouco por todo o país. As ameaças de novas suspensões, caso das ambulâncias, taxistas e manifestações dos agricultores já se fizeram, também, anunciar. Motivo: a escalada dos preços do petróleo e os custos acrescidos que representam para estes (e outros) sectores de actividade. Em alguns países europeus (França, Itália, Holanda e Espanha, por agora), alguns destes protestos também têm tido lugar, pelo que não é sério dizer (ou tentar induzir) que se trata de um problema só português, como tenho ouvido.
Com mais ou menos habilidade, com algumas vulnerabilidades à mistura ou, como referiu a oposição, com uma total incapacidade em prever estes acontecimentos e da falta de autoridade demonstrada, o Governo português tem negociado com os representantes dos sectores em luta e as coisas têm voltado, para já, ao ritmo normal de funcionamento. Ao mesmo tempo, o Governo vai dizendo que aquilo que concede às reivindicações, que estão na base destas lutas, não põe em causa o equilíbrio das contas públicas, ainda que sejam os contribuintes, como sempre, a pagar a factura. Seja como for, tudo o que se está a fazer, não passa de paliativos de curto alcance. O problema de fundo (o preço de petróleo) persiste sem solução e parece não querer inverter a tendência de subida. Deste modo, se nada mais for feito, as preocupações, os conflitos generalizados, as lutas e convulsões sociais irão agravar-se, nestes e noutros sectores que, até agora, ainda não se manifestaram. A nível interno, o Governo pode descer o ISP (demasiado elevado para o nível de vida português) ou não permitir que as gasolineiras tenham tanto lucro. Mas, mesmo que o venha a fazer (o que acho muito pouco provável), não passariam de medidas com efeitos de médio prazo e não orientadas para um futuro que tem que assentar num consumo cada vez menor de petróleo, não só porque este não é eterno, os seus preços tornar-se-ão incomportáveis e a transição para uma sociedade pós-petróleo é uma realidade reconhecida como inevitável e algumas medidas, insuficientes, têm sido dadas nesse sentido, à escala mundial.
De resto, querer manter o estilo da baixa e velha política, em que tudo serve para o bota abaixo e os argumentos utilizados falam de tudo menos dos novos desafios de hoje e amanhã, sugerem que alguns ainda não entenderam (ou fazem que não entendem) que o mundo está a viver uma crise diferente das anteriores e que esta vai obrigar, a bem ou a mal, a alterar, radicalmente, os hábitos de vida pessoal das populações, a nível global, mesmo sabendo que há sempre alguém que passa ao lado de tudo isto.
O país necessita, pois, de intervenções lúcidas e corajosas e de responsáveis capazes de as levarem a cabo. Destaco a excessiva e crónica dependência petrolífera que o afecta e a insuficiente aposta que se tem feito na rede ferroviária, que deve ser modernizada, ampliada e incentivada, para o transporte de pessoas e mercadorias. Se no caso do petróleo deve haver uma política coordenada com a União Europeia, para que esta aposte, em conjunto, na diversificação das suas fontes energéticas, no segundo caso, há que deixar de apostar tanto nas vias rodoviárias. Deste modo, o Governo tem o dever e a obrigação de deixar de lançar concursos atrás de concursos de novas auto-estradas ou SCUT, pelo que irá ter de rever todos os seus projectos neste tipo de infra-estruturas, que tão onerosas são para o país, apostando na ferrovia, na modernização da frota comercial, com veículos menos poluentes e económicos, e na revitalização das estruturas portuárias. Também o plano aeroportuário nacional vai ter que ser adaptado a estas novas realidades, a fim de não se criarem autênticos elefantes brancos que podem comprometer gerações e gerações de portugueses e o futuro do país.
Ainda que tudo isto não traga resultados a curto prazo, urge que as medidas para a sua implementação não fiquem esquecidas algures numa secretária e se tornem prioritárias. De outro modo, haverá toda a razão para dizer que o Governo (este ou outro) não soube ler os sinais dos tempos nem prever o futuro das gerações vindouras.

Vítor Amorim

terça-feira, 17 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO


Deus: Criador do Homem e do Universo!

E se, de repente, qualquer um de nós tivesse um contacto com um ser extra-terrestre, o que aconteceria, para além da natural estupefacção e possível receio de tão inesperado encontro?
Não é fácil de responder a uma questão destas, sobretudo quando colocada no campo das hipóteses ou das probabilidades de poder, um dia, acontecer. No entanto, esta é uma questão que exige uma séria e profunda reflexão, tanto pela parte dos que acreditam em Deus, como por parte daqueles que não são crentes.
Para aqueles que acreditam no Deus Único, Trinitário, Criador de todas as coisas do Universo e de todos os seres vivos nele existentes, a sua fé ficaria inalterada, seria motivo para a pôr em dúvida ou mesmo deixar de acreditar?
Recordo, em especial, os muitos cristãos que rejeitam, em absoluto, qualquer forma de vida para além do planeta Terra e os que fazem interpretações literais de algumas passagens bíblicas.
No inicio do mês de Maio, do corrente ano, o Director do Observatório Astronómico do Vaticano, o padre jesuíta José Gabriel Funes, de 45 anos de idade, concedeu uma entrevista ao jornal oficial da Santa Sé, L´Osservatore Romano, cujo título é “O extra-terrestre é meu irmão”. Nessa entrevista, o sacerdote argentino indicou acreditar na possível existência de vida extraterrestre e que esta, a existir, não se opõe necessariamente à doutrina católica.
O Padre Funes disse que "a astronomia tem um valor profundamente humano. É uma ciência que abre o coração e a mente. Ajuda-nos a colocar, na justa perspectiva, a nossa vida, nossas esperanças e os nossos problemas. Neste sentido – e aqui falo como sacerdote e como jesuíta – é também um grande instrumento apostólico que pode aproximar-nos de Deus", explica na entrevista, realizada por Francesco M. Valiante.
Em relação à origem do Universo, o presbítero argentino precisou que, pessoalmente, considera que a teoria do "Big Bang" parece ser a mais plausível, e que não contradiz a Bíblia. "Não podemos pedir à Bíblia uma resposta científica. Ao mesmo tempo, não sabemos se, num futuro próximo, a teoria do “Big Bang” não será superada por uma mais completa e precisa sobre a explicação da origem do Universo".
Ao ser-lhe perguntado pela existência de vida extraterrestre, o Padre José Funes indicou que "é possível, mesmo se, até agora, não temos prova dela. Certamente, em tão grande Universo, esta hipótese não pode excluir-se", assinalando que "assim como existe uma multiplicidade de criaturas sobre a Terra, assim também pode haver outros seres, inclusive inteligentes, criados por Deus. Esta não é uma contradição com a nossa fé, porque não podemos estabelecer limites à liberdade criadora de Deus.”
"E o que se passaria se fossem pecadores?", questionou Valiante. "Jesus encarnou uma vez e para sempre. A encarnação é um evento único. Então, estou seguro que eles, de algum modo, teriam a opção de desfrutar da misericórdia de Deus, assim como aconteceu com os seres humanos", respondeu o sacerdote. "Como astrónomo, continuo a acreditar que Deus seja o Criador do Universo e que nós não somos um produto do acaso, mas filhos de um Pai bom" – acrescentou, durante a entrevista.
"Observando as estrelas, emerge claramente um processo evolutivo, e este é um dado científico, mas não vejo nisso uma contradição com a fé em Deus."
O Observatório do Vaticano tem a sua sede em Castel Gandolfo (perto de Roma), e o observatório no Estado do Arizona (EUA). Foi fundado em 1891, pelo Papa Leão XIII, já que “a Igreja e os seus pastores não se opõem à ciência autêntica e sólida, tanto humana como divina.”

Vítor Amorim

segunda-feira, 16 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO


BENTO XVI: ENTRE O ESTRANHAR E O ENTRANHAR

Durante a visita que o Papa Bento XVI efectuou aos EUA, entre15 a 21 de Abril, do corrente ano, recordei-me da célebre expressão de Fernando Pessoa (1888-1935) que “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”.
Esta lembrança e a relação que dela fiz fizeram-me recuar ao dia 19 de Abril de 2005, altura em que o Cardeal Joseph Ratzinger foi eleito para a Cátedra de São Pedro.
Lembro-me muito bem das manifestações de júbilo que se viam no rosto das milhares de pessoas que aguardavam, na Praça de São Pedro, que o “fumo branco” saísse da chaminé da Capela Sistina e de muitas outras expressões de alegria que os Órgãos de Comunicação Social transmitiam, incessantemente, um pouco de todo o lado do mundo, logo após a eleição papal.
A esta realidade contrapunha-se, em simultâneo, uma outra, onde um estado de ânimo, menos exuberante, porventura mais céptico ou de desilusão, era bem visível.
De tudo isto me recordo e, até, de algumas afirmações (e dos seus autores) feitas, poucos minutos, depois do anúncio “Habemus Papam”.
Bento XVI sucedia a um Papa – João Paulo II – que tinha exercido um pontificado de cerca de 27 anos, tempo este que está para lá do próprio “entranhar” de Pessoa, para se situar no nível daquele que já se identifica connosco e nós com ele, numa unidade construída de ternura e afecto espiritual e que está para além da admiração e do respeito.
Para alguns, o Cardeal Joseph Ratzinger, trazia consigo referências pouco favoráveis, das quais se destaca o ser uma pessoa conservadora e o ideólogo da linha dura da Cúria Romana. Provavelmente, os seus 24 anos como Prefeito da Congregação Para a Doutrina da Fé muito podem ter contribuído para o surgimento destas opiniões.
Algum tempo, após a sua eleição, Bento XVI começou a despertar a compreensão e o acordo dos mais cépticos e os discursos e outros escritos seus, analisados à lupa, tanto por crentes, católicos ou não, como por ateus e agnósticos muito ajudaram a alterar a opinião inicial que havia sobre ele.
Durante a visita de Bento XVI, aos EUA, ouvi um padre americano afirmar que, enquanto Prefeito, não podia ser bom, pois o cargo não dava para isso, pelo que só depois de ser eleito Papa passou a ter condições para o poder ser, ou seja, a velha questão entre a liberdade da pessoa e a sua lealdade à instituição que serve.
Dizem alguns, que o homem é ele e as suas circunstâncias, pelo que as contradições destas duas dimensões podem ser incompatíveis. Assim, quem se vergue à força dos circunstancialismos de um momento, de um lugar ou de uma tarefa está a deixar de lado o seu próprio eu. Quem diz isto parece, contudo, esquecer-se que as circunstâncias também podem ajudar o homem na procura das certezas que não tem, na satisfação e na coerência que descobre e que o podem levar a mudar as próprias circunstâncias. Estamos, pois, perante uma questão para a qual não há uma só saída, mas que não nos pode inibir de tomar opções, em função do que somos e conhecemos, em vez de ficarmos à espera que algo surja, fale, pense e aja por nós.
O Padre Anselmo Borges escreveu, um dia, que “qualquer homem existe compreendendo e interpretando, mas de tal modo que nunca interpreta de modo adequado e pleno o que quer compreender”, pelo que o homem,só se vai completando através do futuro que atravessa e vive e, mesmo assim, não deixa de ser um homem inacabado.
A afirmação do padre americano, não sendo única, é um mau exemplo do que se pode fazer, mesmo sem intenção, para rotular, negativamente, uma pessoa e o seu carácter, sobretudo quando se pensa que a liberdade, a responsabilidade, o descobrir o nunca atingido ou a satisfação pela realização do bem variam em função da hora, do local e do cargo que se exerce. No fundo, é querer fazer do homem um irresponsável, prisioneiro do tempo e do espaço, quando ele está para além da sua e da nossa compreensão.

Vítor Amorim

domingo, 15 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO



Vasco Santana: um actor à medida do seu peso!

Nem sempre os afazeres da vida nos permitem fazer tudo aquilo que desejamos, mesmo quando a nossa vontade procura contrariar algumas dessas situações, como foi o caso, mas sem êxito. Vem isto a propósito da evocação, atrasada, dos 50 anos do falecimento do actor Vasco Santana, ocorrida precisamente no dia 13 de Junho de 1958, ou seja, no dia de Santo António, em Lisboa, cidade que também o viu nascer, em 28 de Janeiro de 1898.
Falar de Vasco Santana é recordar o Vasquinho da Anatomia, do filme A Canção de Lisboa (1933), onde contracenava com Beatriz Costa, que faltava às aulas semana após semana, e que dizia que “Chapéus há muitos, seu palerma!”; é sentir ternura pelo Senhor Narciso, do filme Pátio das Cantigas (1942), que bebe para afogar as mágoas dos seus desgostos de amor pela D. Rosa, ficar encantado com a cena da bêbado que pede lume para acender o seu cigarro a um candeeiro da via pública e que anda sempre em conflito com o seu vizinho Evaristo (António Silva), a quem está sempre a provocar com: “Ó Evaristo, tens cá disto?”; é o estar atento à sabedoria e aos conselhos do grande ensaiador e profundo conhecedor de teatro no filme Pai Tirano (1941), onde participou, igualmente, Ribeirinho. Para além destas personagens, Vasco Santana desempenhou outros papéis, não tão proeminentes, mas não menos relevantes, em outros filmes, como, por exemplo, Camões (1946), História de Uma Cantadeira (1947) e Ribatejo (1949).
Para além do cinema, a sua carreira dividiu-se entre o teatro de revista e a comédia, géneros onde não foi só actor, mas também autor, tradutor e adaptador.
Muitos dos seus êxitos ficaram na história do teatro ligeiro em Portugal e na primeira metade dos anos quarenta foi figura de topo no panorama artístico português, onde só entrar em cena já era o suficiente para ele pôr o público a rir.
Na antiga Emissora Nacional também conseguiu alcançar êxitos assinaláveis, através dos diálogos do Zequinha e da Lelé.
Igualmente conhecido pela sua faceta de grande conquistador dos encantos femininos, este actor português soube aproveitar, profissionalmente, todas oportunidades que teve e, passados 50 anos do seu desaparecimento, continua, através dos filmes em que participou, a encantar e a agradar a todas as gerações de espectadores que o vêm.
Numa altura em que as razões para sorrir se tornam cada vez mais escassas para a grande maioria dos portugueses, há que preservar e divulgar este e outros actores nacionais, a fim de que não se perca o saudável hábito de rir, até porque ainda não se paga imposto para tal! Vasco Santana e outros grandes colegas seus fizeram-no de uma forma admirável, no seu tempo. Convém, no entanto, não esquecer que, em Portugal, continuamos a ter grandes profissionais que nos podem ajudar neste excelente exercício salutar que é o rir. É só uma questão de, quem de direito, lhes darem a oportunidade devida, como foi o caso que sucedeu com Vasco Santana, e acreditar no talento, na qualidade e na criatividade dos actores portugueses contemporâneos. Ficamos, todos, a ganhar. O “Vasquinho”, mesmo sem fazer o exame de anatomia, não discordaria, estou certo, deste meu desejo nem enjeitaria, para nos animar, de cantar, de novo, o Fado do Estudante!

Vítor Amorim

sexta-feira, 13 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO

Vítor Amorim

A decepção de uns e a mediocridade de outros

O Arcebispo de Trento (Itália), D. Luigi Bressam, considerou, num Encontro Inter-religioso Europeu, que decorreu em Itália, entre 22 e 25 de Maio, do presente ano, que os textos dos políticos europeus são “decepcionantes e que os Documentos oficiais europeus não contêm uma “missão” para a Europa e critica a visão “eurocêntrica” dos mesmos.
“São decepcionantes – como diz – porque não têm na mente uma missão para a Europa e só prevêem novas estruturas com uma visão eurocêntrica do mundo, sem estarem prontos para reverem as regras de intercâmbios internacionais e económicos, se estas não tiverem como resultados proveitos para o chamado primeiro mundo.”
Numa altura em que o mundo está a passar por profundas alterações, com dinâmicas sociais e económicas a surgirem a um ritmo vertiginoso e, tantas vezes, inesperado, onde os centros de decisão da economia parecem, cada vez mais, estarem a deslocarem-se para outros países, estas recentes palavras do Arcebispo D. Luigi Bressan são tudo menos portadoras de confiança no futuro.
Durante a sua intervenção, D. Luigi Bressan referiu “que todos nós somos co-responsáveis pela paz e afirmamos o princípio que todas as pessoas têm de ser livres para conseguir a felicidade, de acordo com a sua natureza, como criaturas dotadas de razão e livre arbítrio.”
Contudo, o Arcebispo Bressan, reconhece que na Europa há uma “falta de interesse pela solidariedade e a promoção dos direitos dos outros”, considerando que “o desafio está em construir uma sociedade dinâmica, onde os membros poderão compartilhar uma consciência da sua unidade, apesar das convicções filosóficas, políticas e religiosas.”
Dificilmente o mundo volta a ser o que era e se os líderes europeus fazem de conta que nada de novo e definitivo está a acontecer só se podem estar a enganar a eles próprios.
Quando D. Luigi Bressan diz que os textos políticos europeus são decepcionantes está, pelo menos, a meu ver, a transmitir duas mensagens: que faltam líderes de qualidade à frente dos destinos da Europa e que estes já parecem não saber fazer melhor, nem sequer para defenderem os legítimos interesses dos seus cidadãos, tendo em conta, também os anseios dos outros continentes e países.
Por vezes, dou comigo a pensar quais serão os reais critérios que estão na base da nomeação ou eleição de um determinado líder, político ou não, para as funções que, supostamente irá exercer com honra, carácter, verdade e, quando necessário, até sacrifício pessoal.
Falo assim, porque sei que dirigir seja o que for, muito mais um país, não é uma tarefa fácil, a não ser que esse país, supostamente, não tenha nenhum problema para resolver, pois, como se costuma dizer: “Qualquer um toma o leme quando o mar está calmo.”
Ouvimos dizer, com alguma frequência, que as pessoas mais capazes se afastam da política, não só porque ao exercerem as suas profissões no sector privado ganham muito mais do que em tarefas de governação, assim como dificilmente seriam eleitos, na medida em que não se encaixam, muitos deles, no perfil plastificado e artificial que se foi instituindo e que as empresas de imagem alimentam e o povo parece gostar. Ter uma boa presença, ser fotogénico, possuir uma bonita voz, irradiar dinamismo e nunca se atrapalhar, quando sabe que até está a faltar à verdade, fazem parte deste folclore.
Assim, se a lógica não for sempre uma batata, a conclusão mais óbvia a retirar é que as probabilidades de serem os mais incapazes a acederem às múltiplas áreas de poder é muito grande. É evidente que todos somos responsáveis por este estado de coisas, quanto mais não seja por omissão ou por não termos coragem de dizer que já basta. Nem que, para isso, seja necessário, por vezes, dar um murro na mesa.

Vítor Amorim

quinta-feira, 12 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO

Do 25 de Abril ao 10 de Junho

No dia 5 de Março, do corrente ano, fiz algumas humildes e breves considerações ao discurso que o Presidente da República proferiu na cerimónia da 34ª Sessão Comemorativa do 25 de Abril, na Assembleia da República. Na altura, o Presidente da República afirmou que “Num certo sentido, o 25 de Abril continua por realizar-se”. Tive ocasião de escrever, então, que “o 25 de Abril de 1974 será, sempre, passado sem sentido e um memorial de recordações e nostalgias, que jamais poderão fazer parte do futuro”, se a classe política não tiver capacidade de se organizar e de se mobilizar, definitivamente, a fim de que os cidadãos deste país cumpram, na parte que lhes cabe, os desafios iniciados, após Abril de 1974. De outro modo, Abril (ou outro mês qualquer, para quem o desejar), continuará, em muitos sentidos, por realizar-se, para sempre!

quarta-feira, 11 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO




A “liberdade dos sistemas” e a liberdade do Homem

No passado dia 6 de Julho, o ex-comissário europeu António Vitorino escreveu no “Diário de Notícias”, um artigo sobre “a tripla crise” que afecta as várias regiões do globo. Focando-me, apenas, na crise financeira, o Dr. Vitorino escreve que “o sistema capitalista tem a inegável vantagem comparativa de ser o único até hoje que passou a prova dos factos, contemplando ao mesmo tempo liberdade e desenvolvimento económico…”, ao mesmo tempo que está “crente” que tudo isto se voltará a reequilibrar, através da “reconfiguração de variáveis essenciais do próprio sistema” capitalista, que, segundo ele, não está “isento de perversões e excessos.” Também no dia 2, do mesmo mês, o “Diário Económico”, publica uma entrevista com o Presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, na qual este diz que a crise actual é “um fenómeno global: o assunto é global, o desafio é global e precisamos de uma resposta global.” Mais adiante, reconhece que “Há códigos de boas práticas, de conduta que poderão ser voluntariamente discutidos e adoptados e se “tais códigos voluntários são insuficientes (…) ou se o sector privado for incapaz de concordar com as regras necessárias para promover e garantir estabilidade, estaremos claramente perante um caso de regulação pública.”
Estas declarações, nos tempos que correm, não deixam, se é que as havia, margens para dúvidas: a subida do preço do petróleo e dos alimentos e toda a desregulação financeira que anda por aí a afectar, gravemente, a vida de milhões e milhões de pessoas por todo o mundo, que leva a que outras tantas não tenham acesso aos alimentos básicos para a sua sobrevivência tem uma fonte: o sistema capitalista ou, se alguns quiserem, as suas “perversões e excessos”, como diz António Vitorino, ou, como diz o Senhor Trichet, estes são os riscos inerentes em vivermos numa economia de mercado.
Como em tudo na vida, nestas coisas de teorias económicas, “cada cabeça cada sentença”, pelo que uns dirão que é necessário, ainda, uma maior liberalização dos mercados; outros já estão a ver em tudo isto o fim, inevitável, do sistema capitalista; para outros tantos, estas crises são fenómenos cíclicos e naturais, pelo que o tempo se encarregará de recolocar tudo outra vez no lugar, enquanto outros já pensam que há que encontrar sistemas económicos e políticos alternativos, aos seguidos até aqui.
Como cidadão e cristão, não deixo de me interrogar e de me preocupar, seriamente, com o caminho que o mundo está a levar. O Presidente Trichet, reconhecendo que as coisas não estão bem (ele não especifica para quem) transmite a ideia de que há que evitar, tanto quanto possível, qualquer atitude de regulação dos mercados, por via dos Estados, dando a primazia que esta seja feita pelos próprios mercados e que paciência é coisa que não lhe falta para ficar à espera que tal aconteça. Mesmo assim, a fazer-se tal regulação, os seus resultados e alcance serão sempre discutíveis. O mundo está assim tão refém destes conceitos tão pouco transparentes, complexos e injustos?
Ou será, então, este o preço apagar pela anunciada “liberdade”, de que fala António Vitorino? Mas que liberdade? Uma pessoa que morre de fome é livre? Uma família que não tem dinheiro suficiente para as suas despesas é livre? Uma pessoa que perdeu o seu emprego é livre? Em resumo: onde está, a liberdade de quem não tem possibilidade de escolha ou de decisão, mesmo que um certo sistema económico diga que a respeita? E a liberdade intrínseca à essência do ser humano, onde fica no meio de tudo isto? Só por si esta também não basta, se não estiver acima da “liberdade do(s) sistema(s)”, nem se deixar condicionar por esta “oferta”. A liberdade não se oferece! Ou se tem ou não se tem! Confundir pobreza ou riqueza com a liberdade pessoal é uma falácia. Quem assim o fizer, já transformou a liberdade numa mercadoria e a riqueza num meio para a comprar, como se tal, aliás, fosse possível. Este é um dos pecados do capitalismo, seja sobre que forma se apresente, procurando confundir, quanto muito, liberdade com sonho, supostamente ao alcance de ser concretizado por todos, com a promessa de uma vida cheia de êxitos e fortuna. Fora disto, só existem os fracassados ou os vencidos da vida, que nem direito têm ao reconhecimento da sua própria liberdade, baseada, sempre, na dignidade pessoal e no reconhecimento que é devido a cada ser humano.
Vítor Amorim

segunda-feira, 9 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO


A crise da família na Europa

A FIDES, órgão da Congregação Para a Evangelização dos Povos, publicou, com data de 29 de Março de 2008, um dossier intitulado «A crise da família na Europa», no qual se reúnem dados sobre a diminuição da população no continente europeu e os graves problemas que ameaçam a instituição familiar, a começar pelo aborto, em referência à Rede Europeia do Instituto de Política Familiar, que, por sua vez, apresentou, no passado dia 7 de Maio de 2008, no Parlamento Europeu, um Relatório sobre a “Evolução da Família na Europa – 2008”.
De acordo com o dossier da FIDES, entre 1994 e 2006 a população europeia cresceu 19 milhões de pessoas, sendo 80% deste crescimento devido à entrada de quinze milhões de imigrantes, pelo que, não resultou de um aumento da taxa de natalidade, que permaneceu estável, ou seja à volta de 310.000 crianças por ano.
Segundo os cálculos apontados pela Agência FIDES, crê-se que, a partir de 2025, a Europa começará, lentamente, a despovoar-se, ainda que a mobilidade migratória possa alterar estes dados, não se conhecendo, contudo, os seus resultados, se tal suceder.
Em relação ao envelhecimento, o dossier da Agência FIDES afirma que, a Europa, tem mais pessoas idosas do que crianças. A população com menos de 14 anos representa apenas 16,2% do total da sua população, o que corresponde a 80 milhões de crianças, nos 27 países da União Europeia.
Sobre a taxa de natalidade, o dossier adverte que, na Europa, nascem cada vez menos crianças. Em 2006, apenas se registaram 5,1 milhões de nascimentos. A situação foi estável de 1995 a 2006, com um aumento entre 2005 e 2006 de apenas de 1,1%, o que está longe dos valores necessários para a renovação de gerações.
Quanto ao aborto, o mesmo dossier afirma que, a cada 25 segundos, se realiza um aborto na União Europeia, a 27 países, e onde, em cada dia, se fecham três escolas, por falta de crianças.
A Espanha é o país onde mais aumentou o número de abortos, nos últimos dez anos, com um aumento de 75%, seguida pela Bélgica, com 50% e da Holanda, com 45%.
Deste modo, o aborto é a primeira causa de mortalidade na União Europeia, a 27 países, onde fez mais vítimas que as enfermidades cardiovasculares, os acidentes de trânsito, a droga, o álcool e os suicídios.
Em relação aos gastos destinados às políticas sociais, o dossier refere que 27% do PIB da UE é destinado a esta rubrica, enquanto que só 2,1% deste orçamento global é destinado a políticas de apoio familiar, o que é um sinal claro da falta de prioridade que as políticas de apoio à família têm perante as autoridades comunitárias. Isto significa que a UE destina menos de um euro a cada família, em relação aos treze euros destinados aos restantes gastos sociais, o que até pode ser insuficiente para estes.
Sobre a pobreza infantil e da adolescência, há 97,5 milhões de pessoas na União Europeia entre 0 e 17 anos, e, destes, 19 milhões estão em risco de pobreza. Mesmo assim, já, hoje, a média de pobreza europeia está na casa dos 19%.
Sobre os matrimónios na UE, o dossier refere que, em 25 anos (1980-2005), o número de matrimónios diminuiu 692.000, o que corresponde a uma queda de 22,3%.
Por cada dois matrimónios que se celebram na Europa, um acaba em separação, lê-se no dossier.
Pena é que estas questões não sejam mais divulgadas e debatidas, mesmo no seio das Comunidades cristãs. Ao menos, sempre poderíamos ficar a saber se anda por aí alguém com vontade de despovoar a terra e repovoá-la com seres de outras galáxias ou, então, se andamos, todos, a ser enganados por aqueles responsáveis políticos que se dizem a favor de uma renovação de gerações.

Vítor Amorim

sábado, 7 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO


Estatísticas, correcções e os males de sempre

Os últimos dados do Eurostat (Gabinete de Estatísticas da União Europeia), conhecidos no passado mês de Maio, não deixam margem para dúvidas: se compararmos os rendimentos acumulados dos 20% mais ricos com os dos 20% mais pobres, verificamos que, em 2004, os portugueses mais favorecidos tinham ganhos 7,2 vezes superiores aos dos mais necessitados. Este rácio representa um ligeiro decréscimo em relação a 2003 (7,4), mas nem por isso deixa de estar muito longe da média europeia, de vinte e cinco países (Bulgária e Roménia não entraram neste estudo), que era de 4,6 em 2003 e 4,8 em 2004.
Qualquer que seja a forma de medir a desigualdade, Portugal é, sempre, o pior país da UE e um daqueles em que a pobreza é mais extrema. Ainda segundo o Eurostat, 9% dos portugueses vivem com menos de 10 euros por dia, enquanto, na Europa, a média ronda os 5%. O retrato agrava-se, se tivermos em conta que, em 2007, 21% dos portugueses estavam em risco de pobreza, mesmo depois de contabilizados os apoios sociais.
Um risco que atinge as populações mais vulneráveis: 23% dos menores de 16 anos e 29% das pessoas com mais de 65 anos, de acordo com dados referentes a 2004.
Outra das questões que aparece associada à exclusão social, no Relatório do Eurostat, é referente ao abandono escolar precoce. E, também, aqui, é traçado um quadro negro para Portugal: no ano passado, 38,6% dos jovens entre os 18 e os 24 anos não tinham mais do que o nono ano de escolaridade.
Quem trabalha no terreno, acusa o debate em torno da exclusão social em Portugal de ser demasiado teórico e alerta para a necessidade de se reforçarem as medidas, sobretudo nas áreas da educação e do emprego. De facto, é na educação e no emprego que tudo se joga, para o bem ou para o mal. Salvo melhor opinião, já começa a saturar falar tanto nas iniciativas e nos vários trabalhos na área da exclusão social, na medida em que a sua banalização, um dia destes, torna-se num hábito pernicioso. É evidente que é um “mal” necessário, quantas vezes, a única tábua de salvação para se ir sobrevivendo, mas só por si não basta.
Mas onde estão os empregos prometidos? Onde estão os empresários que investem e criam riqueza para eles e para o país? Onde está uma escola que ensine, eduque e prepare os jovens para a vida? Onde estão as Universidades que formem as elites e a massa crítica do país? Onde está uma formação profissional séria, que não desperdice, em brincadeiras, os milhões de euros para ela canalizados, sem ser capaz de formar profissionais competentes? Onde é que está a agricultura e a indústria portuguesa, áreas estruturais de qualquer país, de forma a não o tornar tão dependente do exterior?
Bem pode este ou outro Governo dizer que os dados estão desactualizados, por serem de 2004, e até corrigir alguns dos indicadores que estejam incorrectos, mas, no essencial, o que muda? Claro que estão todos a fazer um grande esforço e a preocupação é grande, como dizem, mas que sinal é que se quer dar quando pessoas que têm menos de 400,00 euros de reforma recebem 1,6% de aumento, para o ano de 2008, quando a inflação (mal) calculada pelo Governo é de 2,1%? Será que já ganham muito e há que lhes baixar a reforma, por via da inflação, que se prevê, agora, nos 2,4%?
Afinal, já temos trinta e quatro anos de democracia e um longo e profundo oceano de promessas feitas, ao longo de todo este tempo. Por isso, com mais décimas ou menos décimas de correcção, é este o país que somos. Saber porque tudo isto nos acontece parece ser um mistério que ninguém quer ou consegue desvendar. A não ser que a sua chave não esteja só na incompetência, que já não se pode escamotear, da classe dirigente do país (especialmente, políticos e empresários), mas também na dos portugueses que, no geral, podem já não conseguir ou não quererem viver de outra maneira.

Vítor Amorim

sexta-feira, 6 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO


A verdade (dos combustíveis) vem sempre ao de cima!

No dia 20 de Maio de 2008, a propósito da “velha” questão do preço do petróleo e do relatório que o Ministro Manuel Pinho pediu, na altura, à Alta Autoridade da Concorrência, para averiguar como os preços dos combustíveis são formados em Portugal, tive a oportunidade de escrever, aqui, no “Pela Positiva”, que o Ministro recebia (e recebe), trimestralmente, relatórios da AdC, sobre a informação que pediu, pelo que dizia, a dado passo do texto, de então. “ A ser assim, o que espera o Dr.º Manuel Pinho? Milagres? Parece, isso sim, que estamos perante mais um estudo encomendado para ir iludindo os portugueses.”
Já no dia 31 de Maio, voltava a escrever outro texto, sobre o mesmo assunto, onde a dado passo deste, referia: “é pura hipocrisia e demagogia política aquilo que os responsáveis políticos [europeus] estão a fazer: andarem armados em bonzinhos e vítimas, quando, há três anos e meio (!), pelo menos, nada fizerem para que o choque petrolífero e a especulação, que sabiam estar a acontecer, não fosse tão abrupto e tão longe.” Relembro que, então, o barril de petróleo andava à volta de 40 dólares.
Finalmente, no passado dia 3 de Junho, a AdC divulgou o famigerado Documento, de 96 páginas, a que deu o título de Relatório da Autoridade da Concorrência sobre o Mercado dos Combustíveis em Portugal, no qual se diz: “que a investigação levada a cabo pelo regulador "não conseguiu" encontrar situações ilícitas na formação dos preços dos combustíveis em Portugal, nem situações de abuso da posição dominante por parte das maiores petrolíferas do mercado, nomeadamente a Galp Energia, a BP e a Repsol.
Estamos perante um problema que ultrapassa a dimensão nacional e ultrapassa as questões concorrenciais", disse o presidente da AdC, Manuel Sebastião.
Para além de outras considerações que o relatório descreve, nada de substancial é dito de novo (nem este podia pôr-se a inventar novidades), pelo que, mais uma vez, se andou a brincar com os cidadãos portugueses, com a sua boa fé e com o seu dinheiro.
É esta a dimensão e a dignidade que se vai dando à política em Portugal, hábito que não é só de agora, num permanente jogo do “faz-de-conta”, para gáudio, eventualmente, dos ingénuos ou daqueles em que a “partidarite” já se sobrepôs ao seu discernimento e à sensatez pessoal, perante a realidade preocupante em que o país está envolvido.
Escrevo tão mais à vontade quando se sabe que nem foi o Governo actual que procedeu à chamada liberalização dos combustíveis, em Portugal, facto que ocorreu em Janeiro de 2004. Só que, para se fazer uma liberalização honesta e com seriedade, coisa que os responsáveis políticos de então não fizeram, seja na actividade que for, não se pode ter um único operador dominante (neste caso a Galp), de Norte a Sul do país, em que as refinarias são deste (Sines e Matosinhos) e servem também os concorrentes. A isto chama-se desonestidade e brincar às liberalizações. Havia, pois, antes de se proceder à chamada “liberalização”, que dividir a Galp em várias empresas, definir regras claras e transparentes de regulação deste mercado, desde a refinação, armazenamento, transporte e distribuição e só depois arrancar para a liberalização, propriamente dita. Aliás, o mesmo se passou com a liberalização do mercado das telecomunicações ou da electricidade que, de liberalização só tiveram o nome.
De qualquer modo, nesta altura, face ao contexto internacional da escalada especulativa dos preços do petróleo, tudo isto, que é importante, a nível nacional, passou para uma situação secundária, sem prejuízo de se tomarem medidas, sérias e urgentes, para que a liberalização dos combustíveis em Portugal se torne uma realidade, coisa que eu não me acredito ir acontecer, pelo que tudo, no essencial, vai continuar na mesma.
De resto, continuamos a brincar aos governantes e aos governados e, nestas brincadeiras de maus resultados, sabemos muito bem porque lado parte sempre a corda e quem, no final, tem que pagar uma nova.

Vítor Amorim

terça-feira, 3 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO


Beato João XXIII: memória de bondade e desafio para sempre!

Há quarenta e cinco anos, exactamente na tarde do dia 3 de Junho de 1963, morria o Papa João XXIII, com 81 anos de idade, vítima de cancro do estômago.
Eu, na altura, tinha cerca de dez anos de idade, mas lembro-me, como se ainda fosse hoje, da imensa consternação que se apoderou dos habitantes da aldeia em que vivia.
Não uma tristeza apenas provocada pela morte de alguém que nos é querido, mas, sobretudo, e disso tenho a certeza, pelas dúvidas se haveria alguém capaz de dar continuidade ao trabalho de renovação da Igreja que o Beato João XXIII tinha iniciado com a convocação do Concílio Vaticano II (25.XII.1961).
Se alguma coisa aprendi na vida, até hoje, foi ver que o povo simples pode não perceber nada de teologia, de música, de arte ou de qualquer outra actividade de cariz mais ou menos intelectual, mas tem uma percepção enorme para distinguir o bom do mau, o justo do injusto e o fundamental do acessório, coisas que os intelectuais nem sempre sabem discernir, em tempo útil, apesar de todos os conhecimentos que possam ter.
Como referi, naquele dia de Junho, ouvi muitas vozes dizer: - E agora, como vai ser?
Claro que eu, na altura, não entendia o alcance daquelas interrogações. Volvidos todos estes anos, fui percebendo que se há alguém que aspira à renovação genuína, na simplicidade e na solicitude, como devem ser, sempre, as coisas de Deus, é o povo anónimo. Só precisam que o acarinhem, orientem e que os seus Pastores não se afastem dele, pois a sua receptividade e disponibilidade é do tamanho do mundo.
Creio que esta, ainda é, uma das maiores riquezas da Igreja que, infelizmente e gradualmente se está a perder, não só como consequência das profundas alterações sociais que se têm operado na sociedade portuguesa, ao longo das últimas mais de três décadas, mas, também, pelo alheamento ou incapacidade em dar respostas audíveis, perceptíveis e envolventes, por parte de alguns sectores da Igreja, a que não é alheio o decrescente nível de vocações sacerdotais e a sempre adiada clarificação do estatuto dos leigos nesta mesma Igreja.
Se fosse feita uma sondagem aos cristãos da Igreja Católica, qual seria o número destes que responderiam conhecer os principais Documentos saídos do Concílio Vaticano II, designadamente os conteúdos que mexem com a maneira de ser e assumir-se cristão?
E, destes Documentos, quantos serviram para discussões de trabalho e de evangelização das comunidades eclesiais, e, a partir deles, traçar percursos, aproveitar vitalidades e criar objectivos de acções concretas, perante as necessidades das próprias comunidades?
Alguns dirão que a baixa escolaridade das gerações mais antigas tem dificultado este trabalho. Porém, tenho enormes dúvidas que as gerações mais novas (que nem a chamada religiosidade popular têm), possuindo um grau de escolaridade mais elevado, estejam receptivas a agarrar no essencial do Vaticano II e fazerem dele, como se diz na linguagem informática, “motor de busca” para as suas vidas e da Igreja em que foram baptizados.
Para os mais novos ou menos atentos, durante os seus quase cinco anos de pontificado (1958-1963), o Beato João XXIII enfrentou muitas resistências internas da própria Cúria Romana e um mundo em convulsões permanentes, entre os países da Cortina de Ferro e o mundo Ocidental. A Guerra Fria (1945-1991), a construção do Muro de Berlim (1961), a crise dos mísseis de Cuba (1962), o primeiro homem no espaço (1962) e a Guerra do Vietname (1959-1975) são alguns dos acontecimentos que estiveram em cima da sua secretária. Foi preponderante o seu papel na resolução da questão dos mísseis de Cuba, pois o próprio Secretário-Geral da União Soviética, Nikita Khrushchov, para escândalo de muitos, não escondia o respeito e a admiração que tinha por esta figura ímpar da Igreja Católica.
Deste “Bom Papa”, como carinhosamente foi baptizado pelo povo, fica o exemplo que só é velho quem quer e que a “Obediência e a Paz” (seu lema episcopal) são para todos e para toda a vida.

Vítor Amorim

segunda-feira, 2 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO


A ciência e a liberdade de escolha

Na semana passada, aconteceram-me três situações no mesmo dia que, sem o imaginar, iriam estar todas interligadas entre si.
A primeira, começa com uma entrevista que o cientista António Damásio deu à jornalista Clara Ferreira Alves, publicada no jornal “Expresso”, de 24 de Maio.
Concorde-se ou não com esta perspectiva biológica de ver, analisar e conceptualizar a vida e o homem, a dado passo da entrevista, o cientista português fala do bem e do mal, “em sentido biológico” – como ele diz – dizendo que “O bem é o resultado de acções que levam à manutenção da vida, especialmente à vida com bem estar, ou à sobrevida do bem estar, ou à promoção da vida com bem estar, não só no próprio como nos outros. E o mal seria o conjunto das acções e dos estados que conduz à perda da vida ou que prediz a perda da vida, caso da dor…”
Mais adiante acrescenta: “que quando se fala de vida, não se pode olhar só para a própria vida, mas também para a dos outros. O bem-estar individual é impossível se à nossa volta se estiverem a passar, por exemplo, catástrofes naturais.”
Ainda a pensar no que tinha acabado de ler, saí de casa e deparo com uma vizinha minha, que estava com um ar entristecido e abatido. Como é habitual, sempre que nos encontramos, ficámos à conversa durante algum tempo e o seu desabafo surgiu: o filho dela, com 16 anos de idade, tinha posto a casa em “pé-de-guerra”, porque queria ir, a bem ou a mal, para o festival musical do Rock in Rio, que decorreu em Lisboa, neste passado fim-de-semana. Daí, há que exigir dinheiro aos pais, já que autorização é coisa que ele dispensa bem. Como a vida, não está para festivais de coisa alguma, não houve dinheiro e a reacção deste adolescente não foi a melhor, ameaçando os seus pais que ía para Lisboa, à boleia, e que lá haveria de se desenrascar, de alguma maneira.
Perguntei se podia ajudar e pus-me à disponibilidade para falar com este jovem. Coisa que já tem acontecido, mas, nem sempre com os melhores resultados.
Segui o meu caminho a lembrar-me da entrevista do cientista António Damásio e da conversa sobre o meu amigo, que o é, o jovem do rock, e, no meio de tudo isto, a pensar e a interrogar-me como é que ele era tão diferente do seu outro irmão, creio que com 19 anos, bem mais calmo e ponderado, relativamente a este seu irmão. Porquê estas diferenças? De onde elas vinham? Onde está o seu fundamento? Se reduzirmos as coisas só à biologia, como parece ser a proposta do cientista António Damásio, diria que o irmão mais velho foi bem programado e mais novo mal programado. Mas, o homem está para além da sua base biológica própria. De outro modo, onde está a responsabilidade individual? O bem e o mal? A liberdade? Será que tudo isto pode ser manipulado ou quantificado?
Algum tempo depois, regresso a casa, apanho a correspondência que, entretanto, tinha chegado, e encontro, nesta, uma frase que dizia o seguinte: “Cada dia percebo melhor a graça de ser católico. Viver sem fé, sem defender um bem espiritual, sem preservar a verdade na luta constante, não é viver, mas sim vegetar.” Quem a disse? Um outro jovem, italiano, de nome Pier Giorgio Frassati (1901-1925), beato da Igreja Católica, desde 1990, que eu desconhecia, até agora, que passou o curto período da sua vida a fazer o bem aos outros, sobretudo aos mais desfavorecidos da sociedade, e que, já no seu tempo, tinha a clarividência profética para dizer que: “ A Caridade não é suficiente: precisamos de reformas sociais.” Naquela manhã, tinha sido confrontado com as declarações de um cientista, reputado, que busca a compreensão dos mecanismos, biológicos, que levam o homem a fazer ou a escolher entre o bem e o mal. De um jovem a quem não parece interessar, o bem ou o mal que está a fazer à sua família. Finalmente, de um outro jovem, que mais não fez do que amar e fazer o bem. Três contrastes de vida ou, então, também, três expressões (só biológicas?) das necessidades e das prioridades individuais com que somos capazes de ver o mundo e os outros?

Vítor Amorim

sábado, 31 de maio de 2008

PONTES DE ENCONTRO


As intenções do ministro e a realidade do mundo!

De acordo com a Comunicação Social portuguesa, no passado dia 29, do corrente mês, o Ministro da Economia, Manuel Pinho, esteve em Bruxelas, junto dos representantes da União Europeia, para que esta actue “de forma coordenada” para resolver os problemas colocados pela alta dos combustíveis.
“Entendo que os mercados não estão a trabalhar de forma adequada” e “tudo indica que a especulação selvagem tem grande responsabilidade na situação actual”, disse o ministro português junto dos ministros responsáveis pela Competitividade dos 27 países da EU.
Obviamente, que resultados concretos não existem, a não ser o conjunto habitual das banalidades que se vão proferindo nestes casos, sempre cheias de boas intenções e das melhores compreensões para com o problema.
No entanto, na sequência desta iniciativa do Ministro Manuel Pinho surgiram-me algumas questões, ainda que nem todas novas, e que passo a partilhá-las.
Primeiro, porque é que os mercados hão-de trabalhar bem se ninguém parece controlá-los? Salvo algumas excepções, o endeusamento destes tem sido feito, até à exaustão, como o único meio de desenvolvimento das sociedades modernas. Se após o 25 de Abril de 1974 o sector privado, erradamente, era um alvo a abater, hoje é o Estado.
Segundo, não existe especulação selvagem e especulação civilizada, como parece querer dizer o ministro. Há apenas especulação e toda ela é má.
Terceiro, em Dezembro de 2004, ou seja, há cerca de três anos e meio (!), Jean-Claude Trichet, actual presidente do Banco Central Europeu, apelava, na altura, para os mercados funcionarem melhor e que o preço do petróleo não correspondia ao valor normal que resultaria do encontro entre a oferta e a procura, conforme notícia publicada, entre outros órgãos da Comunicação Social, pelo jornal “Diário de Notícias”. Na altura, o preço do barril de petróleo andava aproximadamente nos 40 dólares! Alguém, então, lhe ligou ou fez alguma coisa para saber o que se passava realmente?
Quarto, por isso, é pura hipocrisia e demagogia política aquilo que os responsáveis da política europeia estão a fazer: andarem armados em vítimas e bonzinhos, quando, há três anos e meio (!), pelo menos, nada fizeram para que o choque petrolífero e a especulação, que sabiam estar a acontecer, não fosse tão abrupto e tão longe.
Quinto, toda a gente sabe que descer os impostos (IVA ou ISP) poderá atenuar alguma coisa, mas não acabará com o problema de fundo. Além disso, agravará outros sectores da economia, já que ao tapar o corpo de um lado deixar-se-á, de imediato, outra parte, a descoberto.
Sexto: No caso de Portugal, sobretudo a nível dos transportes terrestres, estamos na periferia dos grandes centos de consumo e distribuição europeus, pelo que somos mais penalizados e não podemos mudar o país de lugar.
Sexto, é bom lembrar que a sociedade mundial foi criada, estruturada e desenvolvida em torno do consumo e da dependência excessiva do petróleo, pelo que o estudo, desenvolvimento e aplicação da chamada eficiência energética foi sendo sempre adiado e mesmo as energias renováveis não irão resolver esta dependência existente.
Sétimo, não se pode dizer à China e à Índia para não comprarem mais petróleo o que significaria recolocar centenas de milhões dos seus cidadãos, outra vez, em níveis de pobreza, quando, hoje, já atingiram patamares que os aproximam dos valores da classe média, pelo que, mais cedo ou mais tarde, vamos vê-los a passear pela Europa.
Oitavo, mesmo que, por hipótese, se conseguisse acabar com a especulação, tal representaria, apenas, um “balão de oxigénio”, não evitando a criação, obrigatória, de mecanismos urgentes e coordenados, que levassem ao surgimento de um novo paradigma político, social, económico e comercial, a nível mundial.

Vítor Amorim