sábado, 31 de outubro de 2020

FRATELLI TUTTI. 4 - A fraternidade e as religiões

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias


"Porque é que hei-de fazer o bem e cuidar do outro em necessidade 
mesmo quando isso agride os meus interesses e me prejudica?" 

1. Do tríptico: liberdade, igualdade e fraternidade, é a fraternidade que, sem a referência à transcendência, tem dificuldade em encontrar um fundamento último sólido. Por isso, Francisco escreve: “Como crentes, pensamos que, sem uma abertura ao Pai de todos, não pode haver razões sólidas e estáveis para o apelo à fraternidade. Estamos convencidos de que só com esta consciência de filhos que não são órfãos podemos viver em paz entre nós. Com efeito, a razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade.” 
A própria ética, embora autónoma, terá dificuldade em estabelecer um fundamento inabalável, sem essa abertura à transcendência. De facto, o ser humano é terrivelmente carente e, por isso, irracionalmente egoísta e está sempre sob o perigo de ser subrepticiamente assaltado pela pergunta: porque é que hei-de fazer o bem e cuidar do outro em necessidade mesmo quando isso agride os meus interesses e me prejudica? Neste contexto, Francisco continua, derrubando a acusação feita por católicos conservadores de fomentar o relativismo: “Quero lembrar um texto memorável de João Paulo II: ‘Se não existe uma verdade transcendente, na obediência à qual o homem adquire a sua plena identidade, então não há qualquer princípio seguro que garanta relações justas entre os homens. Com efeito, o seu interesse de classe, de grupo, de nação contrapõe-nos inevitavelmente uns aos outros. Se não se reconhece a verdade transcendente, triunfa a força do poder, e cada um tende a aproveitar-se ao máximo dos meios à sua disposição para impor o próprio interesse ou opinião, sem atender aos direitos do outro. A raiz do totalitarismo moderno deve ser individuada na negação da transcendente dignidade da pessoa humana, imagem visível de Deus invisível, e precisamente por isso, pela sua própria natureza, sujeito de direitos que ninguém pode violar: indivíduo, grupo, classe, nação ou Estado. Nem tampouco o pode fazer a maioria de um corpo social lançando-se contra a minoria.” 

À ESPERA DA MARÉ


Entre pica e não pica espera pela maré. Há dias assim. 

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Estou solidário com o povo francês



A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), pela voz do seu secretário geral, manifestou a sua solidariedade às vítimas do atentado bárbaro perpetrado por radicais na Basílica de Nice, França, durante uma Eucaristia, assassinando três pessoas. 
Também o presidente da República Portuguesa enviou uma mensagem ao seu homólogo, Emmanuel Macron, na qual afirmou: “Neste momento difícil, em que a França é novamente confrontada com um vil atentado aos valores que a caracterizam e que nos unem, apresento a Vossa Excelência, em nome do Povo português e no meu próprio, a expressão da mais sentida solidariedade e sincero pesar”, referiu Marcelo Rebelo de Sousa.

Não podemos ficar indiferentes aos crimes praticados por  radicais que teimam em assassinar, friamente, quem não comunga das suas ideias. Os defensores e amantes da liberdade não podem deixar de condenar os que matam seres inocentes, tenham eles as ideias que tiverem. 
Em nome da liberdade, manifesto a minha solidariedade ao país que tanto pregou a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade. 

ÁGUEDA - Uma passagem fugaz

Câmara Municipal 

Símbolo de um passado já distante 

Ofensa ao Conde de Águeda e à sua terra
 

A minha passagem fugaz por Águeda, uma cidade que muito prezo por amigos que lá tive e ainda tenho, graças a Deus, não me deixou indiferente. Olho o presente, recordo o passado e penso no futuro de uma região de uma beleza ímpar, para mim. Não me perguntem porquê. Ontem olhei o edifício da Câmara Municipal que domina o ambiente de uma zona central, apreciei vestígios do passado e fiquei triste por perceber que há vândalos por todos os lados. A estátua que a edilidade erigiu ao Conde de Águeda foi mutilada por gente sem escrúpulos. A legenda que lembra a figura do conde e esclarece os transeuntes foi roubada da base do pedestal. A partir de agora, os turistas que por lá passarem têm de perguntar quem é o homem que um dia foi homenageado pelo seu povo. Como eu fiz para confirmar. É pena.

A VIDA DOS DEFUNTOS: ESPERANÇA E DESAFIO

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Dia dos Fiéis Defuntos

A fronteira da morte sempre me impressionou de forma interpelante, apesar de acreditar firmemente no convite e na promessa de Jesus: “Vinde a Mim… e encontrareis descanso para as vossas almas”. (Mt 11, 25-30); apesar de me rever na bela imagem da ovelhinha que Ele encontra nos silvados, resgata com esforço e dedicação e, cheio de alegria, conduz aos ombros para junto das outras, para o redil comum. 
“É inevitável que no dia dos defuntos recordemos os que morreram, especialmente aqueles que por vínculos de sangue, amizade ou admiração, representam algo importante na vida, confessa J. M. Castillo. Mas o mais importante não é olhar o que já passou, mas centrar a nossa atenção no que todos temos de afrontar: o problema do futuro, na morte e depois da morte”. Memória agradecida em relação aos que estamos vinculados pela passado, preocupação inquieta e confiante face ao que nos está reservado de acordo com a misericórdia de Deus e com as nossas atitudes fundamentais durante a vida terrena. 
Retomando a minha reflexão que é testemunho, pensava: E agora?. Sinto-me só face aos desafios da vida. Tenho de resolver problemas que não esperava, nem dependiam de mim... Recorro à memória e configuro o rosto dos meus familiares. Peço-lhes que me digam algo, me deem um sorriso, me inspirem uma solução. E o que recebo é um silêncio profundo, definitivo, que procuro interpretar. 

FESTA DE TODOS OS SANTOS

Reflexão de Georgino Rocha 
para a Festa de Todos os Santos


ALEGRAI-VOS E EXULTAI, DIZ O SENHOR 

É apelo, que se faz convite e exortação, dirigido por Jesus aos discípulos, ao terminar o ensinamento sobre as bem-aventuranças. E a justificação vem logo a seguir: “Porque é grande, nos Céus, a vossa recompensa”.Mt 5, 1-12. 
Os discípulos são aconselhados a viverem, na alegria exultante, as situações de difamação e insulto, de perseguição e enxovalho à sua dignidade; situações criadas “por minha causa”, por serem coerentes com as atitudes de Jesus, o divino Mestre; atentados provocados por quem não tolera mais o seu estilo de vida, o seu testemunho. 
O quadro de referências está traçado, os termos são claros, é grande a provocação e maior o desafio. A novidade da proposta de realização feliz, de toda a pessoa, vai ser solenemente anunciada. No cimo da montanha, como outrora Moisés no Sinai, Jesus declara honoráveis os pobres, por decisão própria, os espoliados injustamente do seu nome e dos seus bens, os generosos voluntários da paz, os perseguidos por defenderam a justiça. A honorabilidade provém de Deus porque estas atitudes reflectem e concretizam as suas preferências e o seu agir, continuam, na história, o estilo de vida do seu Filho Jesus e vão-se configurando, no proceder de cada discípulo e de cada comunidade cristã. 

Mia Couto - recortes

"...a escrita não é uma técnica e não se constrói um poema ou um conto como se faz uma operação aritmética. A escrita exige sempre a poesia. E a poesia é um outro modo de pensar que está para além da lógica que a escola e o mundo moderno nos ensinam. É uma outra janela que se abre para estrearmos outro olhar sobre as coisas e as criaturas. Sem a arrogância de as tentarmos entender. Apenas com a ilusória tentativa de nos tornarmos irmãos do universo.” 

In “Pensatempos”