quinta-feira, 4 de junho de 2009

Crónica de um Professor...

Johnny Holliday
Irreverência II
“Sleep is my only homework. And I wish I had more of it”
(O meu único trabalho de casa é dormir. E gostaria de ter mais trabalho desse...) Em letras brancas, garrafais, sobre fundo preto, ostentava com ar desafiador, aquela inscrição na sua t-shirt nova. Era aquele aluno, oriundo dali, da Costa Nova, com uns olhos verde-água, quase transparentes, penetrantes. A língua inglesa era para ele uma toada estranha, que em nada se assemelhava aos pregões que ouvia no mercado, onde a sua família vendia o pescado. Não vislumbrava qualquer utilidade nela, nem sequer na época balnear, em que a sua zona era visitada e frequentada por uma multidão de turistas estrangeiros. A ocupação nos tempos de férias, em restaurantes e bares, onde podia usar, dar utilidade à língua estrangeira, não era suficientemente atractiva para o demover da sua inércia. Deixava-a passar ao lado! P’ra quê falar Inglês, se os seus compinchas tão bem o entendiam e as suas aspirações na vida, não tinham acompanhado o seu crescimento, tinham ficado anãs? Aquela inscrição, subversiva, em Inglês, despertara-lhe o apetite! Era “in” exibir um dito jocoso, na língua mais falada do planeta! A teacher esteve atenta e aproveitou, pedagogicamente, aquela intencionalidade irreverente. Pelo menos, aquela frase entrara-lhe e sabia o seu significado! Atrás desse, outros viriam, também provocadores, mas... o que interessa é que lhes visse a utilidade. T-shirts com inscrições, em Inglês, mescladas com certa conotação humorística, sempre foram do agrado da teacher, que ainda hoje as usa no seu quotidiano. Desde cedo que exerceram fascínio na sua mente feminina e a aquisição dessas peças de vestuário tem sido uma prática recorrente. Evoca aquela fase dos seus verdes anos, na Faculdade, em que se pavoneava pelas ruas da Lusa Atenas com a efígie do cantor pop Johnny Holliday. A revista jovem da altura, Salut les coupains promovera a venda dessas t-shirts a troco de uma pequena quantia em francos. Fã que era do cantor, lá vai a jovem universitária encomendar e receber, pelos CTT, a almejada encomenda. Ah! Aquilo é que foi um delírio! Toda ufana e ostentando uma coisa original (ninguém fora tão excêntrico (!?) percorria o caminho para a universidade e ouvia, com a timidez duma teenager, o piropo avulso de algum transeunte com quem se cruzava! O rosto estampado no peito daquele cantor francês era o mote para uma comunicação unilateral... mas que dava algum gozo àquela aspirante a teacher! Afinal, aquela criatura ingénua, com ar de santinha, introvertida e sonhadora, tinha lá no fundo, aprisionada, a sua fracção de irreverência que haveria de explodir num futuro longínquo... quiçá na idade madura!
M.ª Donzília Almeida 05.06.09

Emigrantes solidários com a construção do Hospital de Cuidados Continuados da Misericórdia de Ílhavo

Mais de 800 emigrantes de vários locais dos EUA reuniram-se em Newark numa festa, tipicamente portuguesa, e cuja receita reverte, integralmente, para a construção do Hospital de Cuidados Continuados da Santa Casa da Misericórdia de Ílhavo. Presentes nesta festa o provedor da Santa Casa, professor Fernando Maria, o presidente da Câmara, Ribau Esteves, e dois vereadores da Câmara de Newark, que entregaram às entidades portuguesas a medalha daquela cidade Americana. A receita prevista será de mais de 20 mil dólares e vai ser entregue em Ílhavo pela comissão organizadora do encontro, composta por emigrantes de Ílhavo e das Gafanhas. O professor Fernando Maria visitou o Hospital Saint Barnabás acompanhado pela Direcção do hospital, tendo ficado satisfeito com a visita, pois a estrutura funcional deste estabelecimento americano é idêntica à de Ílhavo.

O obsceno e o sentimental invadem o nosso espaço público

Os ecologistas estão muito atentos ao gato morto que se abandona na rua ou ao lixo lançado fora dos contentores, mas passa-lhe ao lado a preocupação pelo ambiente humano deteriorado e cada dia mais inquinado pelo que se publica, se vê e ouve, até na rua, que, por enquanto, ainda é espaço de todos
Será que foi sempre mais ou menos assim ou estaremos perante um fenómeno novo a que a comunicação social se encarrega de dar permanente e vistosa publicidade? O inquinamento doentio da mente e do coração sempre pôde atingir a todos com gravidade. Em tempos foi-se muito longe, quando a manifestação pública deste inquinamento produziu vidas depravadas e chegou à exaltação, como se se tratasse de grandeza da raça ou de um melhor estatuto cívico. Ainda aí há sinais disso. Como quer que tenha sido antes, a verdade é que estamos hoje a viver ou a reviver uma época de pan-sexualismo, reduzido à manifestação de obscenidade que o ambiente farisaicamente favorece e dá dinheiro a quem o promove, acabando por manchar, socialmente, a maravilhosa dimensão da afectividade e da sexualidade humana. Como que a fazer eco do que se passou há poucos anos nos Estados Unidos da América, surge agora, como realidade ao longo de décadas, igual mazela na Irlanda. Acontecimentos que são, descontados embora os exageros de alguns relatos, a todos os títulos lamentáveis e condenáveis, mais ainda por estarem relacionados com instituições cristãs. Ninguém está imune do mal e de passos mal andados, devendo reconhecer-se, no entanto, que não é isso que se espera de pessoas e de obras sociais, que se propuseram ter a mensagem evangélica como instância educativa permanente. Quem folheia jornais e revistas de generalidades e pára na rua para observar os escaparates dos quiosques da imprensa ou passa pelos canais de televisão, de cá e de fora, se tem sentimentos de dignidade e preocupação por uma sociedade sadia e liberta, não pode deixar de ficar perplexo e preocupado ante o que lê e vê. A educação sexual, sempre e muito mais neste contexto, torna-se, de facto, necessária para os mais jovens, chamados a ser gente responsável, não por caminhos modernos tortuosos ou a agir sob sentimentos imediatos, mas pela transmissão lúcida de valores perenes que levem ao respeito por si e pelos outros. Muitos adultos necessitam, também, de um forte safanão que os acorde e os leve a quererem ser mulheres e homens, pessoal e socialmente dignos, e a trocar os atoleiros e o chafurdo por ambientes sadios, onde se viva de modo feliz e liberto. Do mesmo modo, haja quem atento tome conta do que se publica. Os ecologistas estão muito atentos ao gato morto que se abandona na rua ou ao lixo lançado fora dos contentores, mas passa-lhe ao lado a preocupação pelo ambiente humano deteriorado e cada dia mais inquinado pelo que se publica, se vê e ouve, até na rua, que, por enquanto, ainda é espaço de todos. Quando a vergonha e a responsabilidade pessoal não são censura válida, qualquer outra se torna odiosa. Quando o poder económico é rei e senhor, não faltam outros poderes a dobrar-se reverentes, ante os que mais têm e podem sempre ser úteis. Tem começado pela desagregação moral o declínio dos povos que se julgavam pioneiros de uma liberdade sem controlo. Por aí vamos, porque as crises económicas são antes morais e éticas. Comer, gozar e agradar não é modo de viajar rumo a bom porto. E a família? Muito se tem feito para a dignificar e capacitar para as suas tarefas. Mas muito se tem feito, também, para a destruir e anular na sua dignidade e nos seus direitos e deveres. A fonte que gera todas as crises humanas é sempre a mesma numa sociedade adormecida, manietada e desvirtuada nos seus objectivos normais. Se houver coragem para o reconhecer haverá também determinação para dar resposta. A intoxicação do obsceno e do sentimental debilitou os sentimentos mais nobres e os vínculos que unem as pessoas. O problema é cultural, com inevitáveis reflexos no humanismo reinante. As grandes vítimas estão aí à mostra: as crianças e os mais idosos. Ambos, pela sua natural dependência, se tornam manejáveis a interesses. Sem respeito e amor às crianças e gratidão aos idosos, para onde ruma e onde vai parar a sociedade?

António Marcelino

Só se pode Participar!

1. Cada acto eleitoral afirma-se como um forte desafio à cidadania. Sendo verdade que a motivação em participar, muitas vezes, é bem mais desperta em situações de não liberdade ou quando existem regimes ditatoriais…o certo é que a plena consciência de uma cidadania efectivamente activa conduzirá a saber dizer «presente» mesmo, porventura, em situações em que não dá jeito ou a urgência parece não ser tanta. Torna-se essencial o nunca perder da memória histórica para apreciar o direito de votar e o valor do voto como das conquistas sociais mais dignificantes; é importante o considerar que cada dia, cada pessoa e cidadão, é convidado a ser actor sócio-político de modo generalizado, o que implica a noção dos «deveres para com a comunidade» (Declaração Universal DH, artigo 29º).
2. Nunca a «desculpa de mau pagador» das más imagens ou menos boas práticas políticas poderá ser justamente argumento para a não participação. Poderão, porventura, existir muitas condicionantes, circunstâncias e até dúvidas sobre o «peso» de cada voto; poderão existir visões ou distracções promotoras de uma indiferença generalizada diante da distância dos centros de poder (europeus) para que se vota… Mas nada nem nenhum argumento, numa sociedade madura que se deseja, justificará qualquer sentimento e prática de abstenção. Sociedade não participativa será comunidade social adormecida. Esse adormecimento, depois consequentemente, deita por terra o terreno activo de credibilidade reclamadora e estimulante.
3. Sendo que por vezes até pode interessar a indiferença ou um não pensamento de visão crítica integral a determinados agentes políticos, a verdade é que nada poderá afectar a necessidade de alimentar a democracia diária de que também a possibilidade de votar é expressão inequívoca. Uma certa anemia social da sociedade civil portuguesa, que se denuncia volta e meia, é desafiada a ser superada nas eleições europeias(?). Alexandre Cruz

Caldeirada de Enguias

Um bom petisco com pouca despesa

Caldeira de enguias (foto da casa Zé-Zé)


Um bom petisco, com imaginação, não obriga a muitas despesas. Se não puder apreciar a caldeirada de enguias à Zé-Zé, no sítio próprio, compre as enguias e ensaie fazer a dita, em família, aproveitando as sugestões deste e daquele. Se não tiver dinheiro para comprar as enguias, compre outros peixes quaisquer, mais em conta, e coma-os como se fossem enguias. Não se esqueça de regar a caldeirada e a garganta com um vinho branco fresquinho. Quanto a doce, opte pela aletria, bem açucarada, que toda a gafanhoa que se preze sabe fazer.


Há um livro à sua espera

Se olhar para a sua estante, há decerto um bom livro que por ali deve estar à espera que lhe pegue. Se puder comprar um, aqui fica a sugestão. O livro “Regresso ao Litoral – Embarcações Tradicionais Portuguesas”, de Ana Maria Lopes. É, seguramente, uma boa opção cultural. Se não tiver dinheiro para livros, então passe pelo pólo da Biblioteca Municipal, no Centro Cultural da Gafanha da Nazaré, onde pode requisitar um livro, para ler durante 15 dias. A bibliotecária pode dar-lhe algumas sugestões.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A condição humana

1. Na madrugada de segunda-feira o voo 447 da Air France desapareceu no Atlântico, tendo, entretanto, sido descobertos seus vestígios. Saído do Brasil com 228 pessoas de 32 nacionalidades, esta tragédia poderá ser oportunidade de reflexão sobre a condição do ser humano. A hora presente é a do conforto possível, atitudes também manifestadas nos três dias de luto nacional brasileiro, nas celebrações em Paris das diferentes religiões no respeito pelas sensibilidades dos passageiros do voo fatídico. Têm sido nestes dias partilhadas muitas afirmações e realidades que são reflexo desta face humana humilde diante da grandeza surpreendente deste acontecimento. Quer de pessoas que embarcariam e por várias circunstâncias não partiram, quer diante da profundidade possível dos mais de 4000 metros onde possivelmente estarão os destroços do Airbus e a essencial caixa negra reveladora.
2. Para quem procura continuamente um sentido para a vida estas questões da condição humana não ficam esquecidas na periferia mas estão no centro dos valores e ideais nos quais se procura alicerçar a caminhada diária. Acontecimentos como o que acima referimos fazem parte de um autoconhecimento contínuo de quem sabe que a história humana por si mesma é limitada ao tempo e ao espaço; uma consciência clara de que tudo passa e tudo é breve (facto objectivo que não pode conduzir ao descompromisso), ficando de nós o bem que procurámos semear. Aquele que se descentraliza das “coisas” para os ideais que vencem as coordenadas temporais, esse conhece-se acima da ordem física e calculista, eleva-se! Mas para o pensar humano que absolutize a ordem do mundo de um “Titanic” perfeito, diante deste choque abre-se um abismo...
3. (Re)Conhecer-se a si mesmo na humildade da condição humana e ver acima do olhar das coisas é tarefa fortalecedora dos sentidos e oferece novas aberturas… Capazes de gerar a flexibilidade pessoal e comunitária dadora de qualidade e sensibilidade a cada dia presente.
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Alexandre Cruz

"Praceta Carlos Roeder", na Praia da Barra

Carlos Roeder foi um empresário
com visão de futuro

Na Praia da Barra há uma praceta com o nome “Comendador Carlos Roeder”. Fica mesmo ao lado do molhe da Meia-Laranja e tem no centro um obelisco, evocativo das obras da barra, com legendas que são uma boa lição de história para quem se der ao cuidado de as ler. 
Quando as nossas autarquias avançaram com esta simples mas justa homenagem a Carlos Roeder, não pude deixar de intimamente aplaudir o gesto. É que este industrial foi um dinâmico empresário que deu trabalho a muitas centenas de pessoas, quer no Estaleiro de S. Jacinto, quer noutras empresas que também fundou, ou das quais foi sócio de relevo. 
Carlos Roeder foi, e ainda é, uma figura de referência na região, sendo considerado, por um dos seus fiéis admiradores e colaboradores, Henrique Moutela, “um homem de invulgares qualidades de trabalho e de capacidade técnica”. Aparece na região, lembra Henrique Moutela, a “vender motores para os veleiros da Empresa de Pesca de Aveiro (EPA). Fá-lo a crédito, na década de 30 do século passado”. Na altura, “é convidado a entrar como sócio nessa empresa, com o valor da venda dos motores”. 
Carlos Roeder, com uma visão de futuro bastante nítida, convence os sócios da EPA a abandonarem “a pesca à linha em dóris” e em 1935 aparece o primeiro arrastão português, o ‘Santa Joana’, mandado construir na Dinamarca. 
O Estaleiro de S. Jacinto foi construído em 1940, “com amigos e colaboradores”. Mas o seu primeiro trabalho de engenharia foi o hangar da base da então Aviação Naval. Depois, quase até aos nossos dias, o Estaleiro foi, realmente, uma fonte de trabalho e de riqueza para muita gente da região, em especial de S. Jacinto, Gafanhas, Aveiro e Ílhavo. 
De ascendência alemã, Carlos Roeder estudou na Escola Politécnica de Lisboa, seguindo posteriormente para a Alemanha, onde cursou engenharia. Diz-se que a sua origem e formação muito contribuíram para a sua capacidade organizativa, para o sentido empresarial e para uma visão universal do trabalho. 
O seu gosto era, de facto, criar riqueza, dando emprego a centenas de pessoas, enquanto procurava destacar, sobretudo, a competência profissional e a lealdade dos seus colaboradores. Muitos dos seus encarregados eram pessoas sem grandes estudos, mas cumpridores rigorosos das suas decisões. No fim da vida, determinou a criação de uma fundação, a Fundação Roeder, destinada a contribuir para o bem-estar de todos os seus trabalhadores ou ex-trabalhadores. 

Fernando Martins