domingo, 22 de junho de 2008

NA LINHA DA UTOPIA

A concorrência
1. Tudo tem o seu lugar. A concorrência tem também o seu lugar, como oportunidade em que se espera sempre um melhor «serviço ao cliente», como tantas vezes se diz. Se é verdade que não haver concorrência será sinal de não liberdade e de uma sociedade apática, também é verdade que a absolutização desmedida da concorrência pode ultrapassar as fronteiras do bom senso. O agravamento da situação social e económica tem vindo a fazer crescer fortemente as chamadas queixas do consumidor, o que demonstra que tantas vezes se procura vender «gato por lebre», e sendo, como diz o povo, que «o que parece barato sai caro». 2. Em qualquer coisa a adquirir há sempre imensas linhas e entrelinhas, em letra minúscula e numa linguagem incompreensível para o cidadão comum. Muitas vezes, na pressa do «não há tempo a perder», só depois é que se descobre que se foi iludido com o que parecia a melhor opção. O tempo que vivemos actualmente é favorável, de forma crescente, a todos os malabarismos para vender e comprar. A “bola” terá de estar do lado dos cidadãos que, atentos, procuram saber justamente aquilo em que estão a apostar. Saber perguntar, ainda que não se conheça nem saiba muito bem como, saber ver «com olhos de ver», não como quer desconfia mas como quem procura efectivamente assumir os seus direitos, são atitudes de uma cultura viva e atenta às realidades mais simples do dia-a-dia. 3. Claro que a publicidade vai desenvolver-se cada vez mais, mas muitas vezes a sua própria ética intrínseca não conhece o mesmo desenvolvimento. Com frequência demasiada procura-se iludir em vez de servir. Toda a megaespeculação dos mercados internacionais que continua são essa ponta do iceberg do que acontece nas bases, nestas regras de um jogo que multiplica as ansiedades e faz crescer a desconfiança. Hoje, a concorrência desenfreada ocupa quase todos os espaços e idades, só não se verifica é tanta concorrência na cultura, nos valores e nas atitudes que são a generosidade desinteressada. Uma renovada consciência de sociedade e de sentido de humanidade torna-se um novo imperativo ético, que faça crescer os sentidos da complementaridade e da interdependência. 4. Há dois mil anos Alguém perguntava de forma tão pertinente: «De que vale ao Homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua própria vida?» É esta interrogação, a par daquela dos Génesis «onde está o teu irmão?», que quererão entrelaçar os dinamismos da não resignação, do inteiro compromisso em oferecer verdade e generosidade onde parece reinar a concorrência do férreo vencer o outro. Sem utopias, porque na esperança que se quer construir cada dia. Se não formos por este edifício humano ético das complementaridades, a concorrência será a nova “guerra” do século, multiplicando ansiedades e inverdades. Não haverá saúde que aguente!

De cada popa se vê um Portugal diferente


“É certo que de cada popa se vê um Portugal diferente, conforme a latitude: verde e gaiteiro em cima, salino e moliceiro no meio, maneirinho e a rilhar alfarroba no fundo. Camponeses de branqueta e soeste a apanhar sargaço na Apúlia, marnotos a arquitectar brancura em Aveiro, saloios a hortelar em Caneças, ganhões de pelico a lavrar em Odemira, árabes a apanhar figos em Loulé. Metendo o barco pela terra dentro, é mesmo possível ir mais além. Assistir, em Gaia, à chegada do suor do Doiro, ver transformar em húmus as dunas da Gafanha, ter miragens nos campos de Coimbra, quando a cheia afoga os choupos, fotografar as tercenas abandonadas do Lis, contemplar, no cenário da Arrábida, a face mística da nossa poesia, ou cansar os olhos na tristeza dos sobreirais do Sado. Mas são vistas… Imagens variegadas dum caleidoscópio que vai mudando no fundo da mesma luneta de observação.”
Miguel Torga
In PORTUGAL

PONTES DE ENCONTRO

A Salvação de Deus e o poder dos homens
No passado dia 20, do corrente mês, escrevi, aqui, no blogue, um texto de partilha sobre umas, breves, declarações, proferidas pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, ao jornal Expresso, do dia 13 de Junho, onde este fazia algumas referências a movimentos eclesiais de leigos que, ideologicamente, estão situados entre aquilo que, convencionou estarem à esquerda ou à direita do espectro político português. A meu ver, tais afirmações, não têm que ter quaisquer conotações partidárias, ainda que não seja de excluir tal hipótese. Pois bem, tive a bondade de algumas reacções a este texto e, algumas delas, interpelavam-me mesmo se existem ou não partidos políticos que se identificam mais com a Igreja Católica, do que outros, para logo me darem a resposta e a conclusão: existem estes partidos e é natural, por via disso, que os movimentos de leigos, ideologicamente próximos destes, tenham maior aceitação, compreensão e apoio no interior da Igreja. Sinceramente, creio que, quem assim pensa, não está a prestar um bom serviço à Igreja e à sociedade e ainda deve estar a pensar nos tempos em que o Estado português se dizia católico e reconhecia o catolicismo como a sua religião. Hoje, a sociedade, também religiosamente, é plural, pelo que o Estado não pode ter religião. Antes, tem que respeitar todas as confissões religiosas, através do reconhecimento dos seus plenos direitos. Por outro lado, a laicidade [do Estado] tem que se afirmar neutra em matéria religiosa, neutralidade esta que exige que a não religião ou o laicismo não se transformem em doutrina do próprio Estado. Estes pressupostos são a essência da separação entre Igreja e Estado, esteja este organizado da maneira que estiver, ainda que esta separação jamais possa significar que Igreja e Estado estejam de costas voltadas. Pelo contrário: tanto a Igreja como o Estado têm que estar ao serviço e em busca do bem da sociedade, no seu todo. Deste modo, num Estado democrático, como é o português, e citando D. José Policarpo, na sua mensagem “A Igreja no tempo e em cada tempo”, de 18 de Maio de 2008, "O único caminho democraticamente legítimo de a Igreja influir nas estruturas do Estado é a participação consciente dos membros da Igreja nos processos democráticos. A Hierarquia respeita a pluralidade de opções partidárias por parte dos católicos. Deve, entretanto ajudá-los a formar a sua consciência cívica e a visão dos problemas da sociedade em chave cristã.” (…) “A Hierarquia não deve intervir no processo democrático com métodos de confronto. Os católicos sim, esses podem e devem fazê-lo.” Mais à frente, na sua mensagem pastoral, o Cardeal-Patriarca escreve: “…a natureza da missão da Igreja na sociedade é a Igreja que a define e não o Estado.” Ir para além disto, para os cristãos, é confundir a autenticidade da missão da Igreja com uma qualquer ideologia ou um qualquer programa político-partidário, sempre passageiro, frágil e limitado às suas conveniências e circunstâncias de momento, que jamais a Igreja poderia aceitar ou apoiar, em nome da sua perene fidelidade evangélica “… para que todos sejam um só…” (cf.: Jo 17,21); da liberdade de cada cristão poder dar, segundo a sua consciência moral, formada pelos e nos valores cristãos, “…a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” (cf.: Mc12, 17); não entender que a Igreja está para servir e não para ser servida (cf.: Mc 10, 42-45); que a mera lógica de poder e de domínio, no seu interior [da Igreja], ou deste para o exterior, é um pecado contra Deus e contra o homem, que o conduz à perdição eterna, pois ” Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se, depois, perde a sua alma?” (Cf.: Mt 16,26); que qualquer poder humano só vem de Deus (cf.: Jo 19,11), pelo que a liberdade do homem é finita e falível, o que o deve levar a ter consciência das suas próprias limitações, à medida que busca e descobre, por si próprio, a vontade de Deus e que “não há salvação em nenhum outro” [Jesus Cristo], pois “não há debaixo do céu qualquer outro nome dado aos homens que nos possa salvar” (Cf.: Act 4,12), ou seja, não é o poder, a riqueza ou os partidos que nos salvam, mas a forma como tratamos o nosso semelhante (cf.: 25, 34-40).
Vítor Amorim

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 83

A ALIMENTAÇÃO
Caríssima/o: Vontade de rir nos invade quando falamos sobre as nossas comidas desses recuados tempos de meados do século passado. [Concordemos ou não estamos em plena recuperação de juventude, atravessando eufóricos a terceira idade! Quem é que não rasgou a face quando um conhecido nos bate nas costas e diz prazenteiro “olha como fulano está velho... acabado!”... sabemos onde ele está a bater!...] Cum diacho, já meia dúzia de linhas e ainda não falámos na malga de sopas de café do almoço antes de irmos para a Escola; esclareça-se sopas de boroa! Ao meio-dia, ia-se a casa pelo jantar: um prato de caldo com um olho de azeite, couves e batatas; quando o rei-fazia-anos um naco de toucinho, melhor, de carne branca. Muitas vezes, íamos com sorte com o resto da ceia da véspera: umas batatitas com couves e um pedacito de peixe que escapou escondido em alguma folha verde. Nova corrida, que o botão ou o pião nos esperavam... O “problema” apareceu quando a Escola foi mudada para a Marinha Velha, para a Escola do Ti Lopes: era muito longe e não dava tempo para vir jantar a casa; levávamos a boroa e a sardinha que sobrou da véspera embrulhadas num papel de jornal. Como facilmente se adivinha fome era coisa que não se via, porque na altura se afirmava que era negra! Muitas vezes a enganávamos com mais uma golada de água. Temos de concordar que durante os exames a coisa mudava muito: sandes de marmelada e pirolito, pois então! Já do lado chamam que são horas da merenda e que fiz grande confusão com as refeições... Pelo sim pelo não, vou ao meu suplemento alimentar para manter a linha. Manuel

sábado, 21 de junho de 2008

ESTAR DO LADO DE JESUS

Não há alternativas. Estar ou não estar do lado de Jesus. Aqui, agora e sempre. A opção é nossa, de cada um. Pode tomar-se em qualquer ocasião. E refazer-se em todas as circunstâncias. “Quem se declarar por mim, eu me declararei por ele” é afirmação sentenciosa clara, firme e comprometedora. Estar do lado de Jesus é ser presença junto daqueles que Jesus ama: os construtores da paz, os mensageiros da justiça, os arautos das boas notícias do mundo, os voluntários de todas as causas humanitárias, os defensores da dignidade humana, os amantes de uma vida sóbria, os íntegros de carácter e honestos de atitudes, os transparentes e puros de coração. Estar do lado de Jesus é viver a confiança e cultivar o risco ousado, é alicerçar convicções nobres e nutrir emoções positivas, é preferir a promoção das pessoas à eficácia do êxito, é amar gratuitamente dando preferência aos empobrecidos de tudo, sobretudo de consideração, de estima, de atenção. Onde está Jesus está o melhor do ser humano, de toda a humanidade: respeito sagrado pela consciência, proximidade solícita face aos excluídos dos bens da vida, entrega generosa e abnegada pelos indefesos e perseguidos, perdão incondicional aos ofensores, amor sem limites aos inimigos. A pessoa humaniza-se na medida em que estiver ao lado de Jesus, cultivar a sua opção de vida, preferir o seu estilo de relação e assumir a sua forma de compromisso. A sociedade é espelho da condição humana que Jesus dignificou, repondo as leis ao serviço das pessoas, abolindo tradições sem sentido, transgredindo normas menores opressivas, abrindo horizontes de cooperação, dando espaço aos marginalizados, purificando as aspirações dos sonhadores e propondo a todos uma qualidade de vida de excelência no amor e na paz. Com Jesus nada se perde nem desvirtua. Tudo se assume e eleva, a fim de condizer com a nossa comum dignidade humana. Vale a pena estar do seu lado, apostar nele, correr o risco com ele. Georgino Rocha

Língua à Portuguesa

Reconhecer o valor estético da Língua
A língua não é apenas um veículo de comunicação. É também o meio pelo qual expressamos os nossos pensamentos, as nossas emoções, os nossos afectos... Eu diria que a língua não tem somente o género gramatical feminino; ela é 100% feminina, e, como tal, também ela é vaidosa! Por trás dos bastidores, que são as regras firmes da gramática, está também o encanto de ela aparecer em palco e mostrar a beleza das suas roupas, que são as palavras; das suas jóias, que são as figuras de estilo; da sua maquilhagem, que são as reticências e os pontos de exclamação a mais!! E ninguém ouse censurar esta vaidade de “alguém” que não envelhece, mas que, pelo contrário, rejuvenesce a cada dia que passa! Reconheceram o valor estético da língua?!!
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NOTA: Aqui ao lado, em CULTURA, coloquei um blogue que se dedica a questões da Língua Portuguesa, com saber, arte e bom humor. Como amostra do que pode ler em Língua à Portuguesa, ofereço aos meus leitores o texto desta página. Passe por lá para ver mais e para aprender.

Casa Gafanhoa

Há tempos escrevi aqui um texto, ilustrado com fotos da Casa Gafanhoa. Volto a ele e às fotos, por me parecer pertinente, neste início do Verão, época das férias grandes. Grandes significa com mais tempo para visitar o que há de importante.

Campos de Aveiro


Vejo os campos de Aveiro…
Árvores verdes, brancas velas
Em fugitivo idílio,
Na planície cortada de canais;
E no centro a lagoa, ébria de cor, dormindo.

Teixeira de Pascoaes

Manuela Ferreira Leite: o que mudaria com ela?


"Chegou a hora de Manuela Ferreira Leite nos dizer o que é que o país mudaria com um Governo seu".

João Marcelino, "Diário de Notícias", 21-06-2008

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NOTA: Ora aqui está uma boa questão, que aplaudo. Cansados de ouvirmos falar mal uns dos outros, chegou a hora de a nova líder do PSD (ou PPD-PSD, como alguns gostam) nos dizer, olhos nos olhos, o que é que faria ou fará se um dia estiver à frente do Governo. De diferente e melhor, já agora. Já estamos todos cansados de mais do mesmo..., deixando o país e os portugueses a ver passar o comboio do progresso, rumo a outras bandas.

FM

APONTAMENTOS SOBRE RELAÇÕES IGREJA(S)-ESTADO (5)

Nas concepções tradicionais, o divino acabava por identificar-se com o universo, necessário e eterno. "Tudo está cheio de deuses", afirmou Tales. O cosmos era um deus perceptível sensorialmente, a totalidade do divino e do humano. Deus era mais um atributo do cosmos do que um sujeito. Confundia-se com a profundidade numinosa da realidade. Neste quadro, a afirmação do Deus pessoal transcendente e criador constituiu uma revolução na História da consciência religiosa e é o legado bíblico essencial à Humanidade. Num processo que culmina com os últimos profetas, no tempo do exílio na Babilónia (séculos VI e V a.C.), Israel, erguendo--se acima da hierogamia e do politeísmo, operou, com a fé monoteísta, "a sua grande revolução religiosa", como escreveu o teólogo X. Pikaza. Deus é transcendente ao mundo e, criando-o em liberdade, retira-lhe o carácter sacral. O mundo, agora, é simplesmente mundo, distinto de Deus. As realidades mundanas têm verdade em si mesmas, as suas próprias leis e autonomia. Esta foi a condição de possibilidade da secularização. Deus não se identifica com nada do mundo. Deus é, pois, infinitamente transcendente, independente e distinto e distante do mundo. Mas, paradoxalmente, por isso mesmo, é sumamente presente ao mundo enquanto criador e, porque o mundo é mundo e o Homem é Homem, pode revelar-se e o Homem pode aceitar pela fé ou rejeitar a sua manifestação. Na sua diferença, a proximidade de Deus com o Homem é de diálogo, ficando aberta a possibilidade do próprio ateísmo, que não existia numa concepção sacralizada do mundo. O mistério cristão da encarnação também pressupõe a diferença de Deus, do Homem e do mundo. Não admira, pois, que, nas suas origens, o cristianismo aparecesse como uma religião surpreendentemente "secular". Nas comunidades cristãs, havia ministérios e carismas, mas não uma casta sacerdotal. A liturgia consistia essencialmente numa refeição fraterna nas casas dos cristãos. Os presbíteros e quem presidia vestiam normalmente, mesmo na celebração eucarística. Usava-se a língua habitual, não havia templos. Foi tal o choque sobretudo por causa da inexistência de sacrifícios que os cristãos foram acusados de ateísmo. Como mostrou L. González-Carvajal, com o reconhecimento do cristianismo como religião oficial do Império, tudo se foi modificando, passando inclusivamente o cristianismo de religião perseguida a religião perseguidora. Apareceram os templos e a mesa comum da refeição familiar deu lugar ao altar. Se, no Novo Testamento, todos os cristãos eram considerados "santos", impôs-se a distinção entre o clero (a parte "sagrada") e os leigos (a parte "profana"). Ergueram-se barreiras entre o "presbitério" e o resto do templo: o lugar próprio do sacrifício eucarístico ficava reservado aos sacerdotes, que foram retirados da vida normal e sujeitos à lei do celibato. Só o clero podia distribuir a comunhão, pois as mãos "impuras" dos fiéis não deviam tocar os santos mistérios. Depois, monarcas reivindicaram o direito divino dos reis e papas formularam a teoria das duas espadas. Durou séculos a luta entre a Igreja e a modernidade e ao clericalismo contrapôs-se o anticlericalismo. De qualquer modo, mesmo se teve de impor-se à Igreja oficial, havia na Bíblia um fermento de laicidade. Foi assim possível o Estado moderno laico, no quadro de uma racionalidade da organização da vida colectiva, etsi Deus non daretur (como se Deus não existisse): não compete ao Estado decidir se Deus existe ou não, mas tratar dos negócios da existência em comum no mundo e defender a liberdade religiosa de todos. Claro que, de ambas as partes, haverá sempre a tentação do poder. E quem não sabe que, na sua dinâmica, o poder tende a ser total? Pelo seu lado, a Igreja só deveria reclamar liberdade. Sem privilégios. A título de exemplo: que interesse pode ela ter no casamento católico com efeitos civis? Não seria preferível, também aqui, separar águas? De qualquer modo, como escreveu o teólogo E. Schillebeeckx, a Igreja será cada vez mais uma "Igreja de voluntários". Anselmo Borges