sábado, 3 de novembro de 2007

O MISTÉRIO DA MORTE E O SEU DEPOIS

Neste domínio, há um pudor que nos habita. Peço, pois, a compreensão benevolente do leitor.
Quando os meus pais morreram, olhei - era o fim de um mundo! - e constatei que o que deles restava não eram eles e lembrei-me daquela pergunta lancinante que Tolstoi coloca na boca de Ivan Ilitch moribundo: onde é que eu estarei, quando cá já não estiver?
Sempre que passo pela terra que me viu nascer, faço uma visita ao cemitério e, ali, diante dos seus túmulos, ouço as palavras do anjo às mulheres diante do túmulo de Jesus : "Não está aqui!"
Diante da morte, fazemos a experiência do mistério pura e simplesmente. A morte é o absoluto, sem relação. O absoluto tem uma dupla face: a morte e Deus. Daí, tudo quanto dizemos sobre a morte e sobre Deus sentirmo-lo como nada que nos convoca para o silêncio, segundo o preceito de Wittgenstein: "Sobre aquilo de que se não pode falar deve-se calar."
Para onde vão os mortos? O que é morrer e o que é a morte? Depois, o quê?
Impressionou-me em extremo a declaração do teólogo J. I. González Faus sobre o pai, que lhe transmitiu a fé e que considera "uma grande personalidade": "Terminou a sua vida derrotado e duvidando de Deus como quase todos os humanos."
A morte e o seu depois constituem para nós uma tenaz: impensáveis que nos obrigam a pensar. Impensável que tudo acabe como impensável qualquer depois. Lá está Pascal: "Incompreensível que Deus exista, e incompreensível que não exista; que a alma seja com o corpo, que não tenhamos alma; que o mundo seja criado, que o não seja, etc."
O filósofo ateu E. Bloch é modelar nestas perplexidades. A mim perguntou-me ironicamente onde é que meteria tantos milhares de milhões de seres humanos, se houvesse ressurreição dos mortos. Um dia, em Viena, disse que, se houvesse ressurreição, as galinhas estoirariam a rir. Mas, na juventude, admitiu a reencarnação. Na maturidade, teorizou sobre "o núcleo do Humanum extraterritorial à morte".
Bloch casou com Else von Stritzky, uma cristã de Riga, e a relação que entre os dois cresceu foi a de um amor como há poucos. Ela morreu jovem, e o filósofo foi fixando no Diário a sua dor, aliviada pela esperança do reencontro "do Outro Lado" (Drüben), "no Além" (Jenseits).
O teólogo J. Moltmann contou-me que, poucos dias antes da morte, lhe perguntou como reagia a esse desafio, tendo ele respondido: "Estou curioso" - note-se, porém, a força da palavra alemã "neugierig", com o sentido de ansioso por novidades. Moltmann também escreveu que "na véspera de morrer, ao entardecer, ele escutou mais uma vez a sua música mais querida, a abertura de Fidelio, de Beethoven, com o sinal das trombetas para a libertação dos cativos no final". Essa passagem, que associava à Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses, 13, 16: "Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá dos céus e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro", sempre o comovera. É que, como escreveu, "em Beethoven, pré-anuncia-se a chegada de um Messias. Erguem-se desde as masmorras sons de liberdade e de recordação utópica. O grande momento chegou, a estrela da esperança cumprida no aqui e agora".
Depois da morte, é a eternidade: a eternidade do nada ou eternidade de Deus. Mas não se tratará da dupla face da mesma eternidade, como diriam, no limite, os místicos? Não será a pergunta - para onde foram os mortos?, onde estão os mortos? - que é mal formulada? Porque os mortos não foram nem estão: a pessoa dos mortos é.
Por mim, nos dias 1 e 2 de Novembro - os dias em que as nossas sociedades científico-técnicas, que fizeram da morte tabu, permitem a visita dos mortos -, coloco um CD com o Requiem Alemão de Brahms e outro com o Requiem de Mozart no leitor de CD, em homenagem aos meus pais, amigos e todos os mortos - poderão ser uns cem mil milhões. A música diz-nos o indizível: o que é existir simultaneamente no tempo e fora dele.
In Diário de Notícias de hoje

PARA PENSAR



Onde há ódio, que eu leve o Amor;
Onde há ofensa, que eu leve o Perdão;
Onde há discórdia, que eu leve a União;
Onde há dúvida, que eu leve a Fé.

Onde há erro, que eu leve a Verdade;
Onde há desespero, que eu leve a Esperança;
Onde há tristeza, que eu leve a Alegria;
Onde há trevas, que eu leve a Luz.

Oh Mestre, fazei que eu procure menos
Ser consolado do que consolar;
Ser compreendido do que compreender;
Ser amado do que amar.

Porque é dando que se recebe;
É perdoando que se é perdoado;
É morrendo que se ressuscita
Para a Vida Eterna.


Liturgia das Horas,
na Hora Intermédia de hoje

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

RECORDANDO


Na tranquila tarde do outono seco
e pardacento
viajam meus olhos ao encontro
de encontros esquecidos

Vi então no rumorejar dos pinheiros
o sussurro
de amizades não perdidas
no ar quente da vida

Senti na planura da ria serena
a alegria partilhada
por tantos… tantos…
embalados no meu espírito

Reconheci no corre-corre
dos dias agitados
marcas vibrantes de sonhos floridos
nas tardes que brilham

Compreendi na ternura cálida
que todos se sentam tranquilos
para o bate-papo
no banco da minha memória

Fernando Martins

Fiéis defuntos de 2007

RÁDIO TERRA NOVA: Concurso literário



“HISTÓRIAS DO MAR E DA RIA”


A Rádio Terra Nova, em colaboração com a Comissão das Comemorações do Bicentenário da Abertura da Barra de Aveiro, lançou um concurso literário, destinado a alunos dos Agrupamentos das Escolas dos sete municípios ligados à Ria de Aveiro, nomeadamente, Ovar, Estarreja, Murtosa, Aveiro, Ílhavo, Vagos e Mira. Ao concurso, denominado HISTÓRIAS DO MAR E DA RIA”, podem concorrer jovens matriculados no Ensino Básico (1º, 2º e 3º ciclos) e no Ensino Secundário. O prazo de entrega dos trabalhos termina no dia 3 de Abril de 2008.

STELLA MARIS

10 de Novembro, 20 horas


CONVÍVIO COM FADOS E OUTRAS MÚSICAS

Instituições que não promovam o convívio e a partilha estão condenadas ao fracasso. O clube Stella Maris, da Obra do Apostolado do Mar, com sede na Gafanha da Nazaré e vocacionado para servir os homens do mar e da ria e seus familiares e amigos, quer apostar na aproximação das pessoas, proporcionando-lhes bons momentos de confraternização e alegria.
No próximo dia 10 de Novembro, pelas 20 horas, haverá um jantar para quem se inscrever. A ementa, à moda serrana, oferece sopa de castanhas, lombo e vitela assada no forno, mais doces variados, castanhas assadas, jeropiga e outras bebidas.
Os interessados poderão reservar a sua mesa pelo telefone 234 367 012 ou na sede do clube.

FÁTIMA - 4

Porta principal
Painéis do Rosário (lado esquerdo)

Painéis do Rosário (lado direito)


Cruz Alta



João Paulo II



O QUARTO MAIOR TEMPLO DO MUNDO


Quando cheguei à nova igreja de Fátima, a tal que dizem ser uma igreja para o século XXI, não senti que estava perante um templo clássico. De qualquer forma, fui-me habituando à ideia de que os templos não têm que ser sempre do mesmo estilo. Cada época reflecte neles as suas sensibilidades, as artes dominantes e os gostos próprios dos artistas convidados a concebê-los. Nessa perspectiva, percebi que a igreja da Santíssima Trindade começa por ser muito diferente do que os nossos gostos têm guardado lá no âmago. Mas gostei, logo que me fixei na grandiosidade do templo, o quarto maior do mundo.
A porta principal, de grande imponência, ou não seja Cristo a PORTA, está ladeada por dez painéis de bronze, do artista português Pedro Calapez, representativos dos Mistério do Rosário. Depois, as portas laterais, alusivas aos doze Apóstolos, caracterizam-se pela sua simplicidade e com uma referência a cada um dos seus patronos.
No exterior, como que a envolver a igreja, podemos apreciar quatro estátuas: D. José Alves Correia da Silva, primeiro bispo da restaurada Diocese de Leiria, Pio XII, Paulo VI e João Paulo II.
O que registei, num primeiro momento e nos que se seguiram, foi que o povo nutre pelo Papa João Paulo II um carinho especial. Compreende-se. Foi o Papa mais conhecido e mais carismático do século XX e grande devoto de Nossa Senhora de Fátima. Constantemente pessoas a apreciá-lo e a pedir a sua intercessão junto de Deus, depositando flores junto da sua estátua orante.
Depois a Cruz Alta, muito contestada, conforme se tem verificado na comunicação social. De qualquer forma, o que vi foi sintomático: há muitos a contestá-la, mas também há muitos a admirá-la, pela força com que ela nos atrai. Não será fácil, para olhos habituados a um Cristo com rosto, como se vê nos crucifixos, mas estou convencido de que a riqueza simbólica acabará por se impor. Afinal, o autor está a convidar-nos a construirmos, na nossa mente, um Cristo ao gosto de cada um nós. A partir de traços simples, marcantes, poderemos interiorizar um Cristo que nos modificará por dentro, com um rosto que a nossa imaginação e sensibilidade poderão moldar. Talvez por isso, muitos fotógrafos amadores, como eu, não se cansavam de fixar nas suas máquinas aquela Cruz, vista dos mais variados ângulos.

Fernando Martins

Aveiro: Inauguração do Museu prevista para Novembro de 2008




Desde Maio do ano passado que o Museu de Aveiro está a sofrer profundas obras de ampliação e requalificação. Um mega projecto de cerca 5 milhões de euros, projectado pelo arquitecto portuense Alcino Soutinho, que está a decorrer dentro dos prazos. Uma vez concluído, este será dos museus nacionais com maior área de exposição permanente, que conta a história da arte portuguesa entre os séculos XV e XIX
Leia a reportagem de Sandra Simões no Diário de Aveiro

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

ARES DO OUTONO


OUTONO

Recolhe-se a morrer a Natureza.
O ar é fruto e mosto. Nos pomares
O moribundo Outono põe a mesa
E despeja o seu sangue nos lagares.

A Natureza expira; e, na tristeza
Da lenta morte que lhe vem dos ares,
Morre em paz, finda em sonho e em certeza,
Depois de abastecer todos os lares.

Anda na vida a lentidão do sono.
Maternalmente, as árvores, fraquíssimas,
Mal sustentam o fruto. O Inverno vem…

Assim expira o renascente Outono,
Em tardes que são mortes sereníssimas
De dias bons e que viveram bem…

Afonso Lopes Vieira

Na Linha Da Utopia

TODOS (OS) SANTOS

1. É uma “multidão incontável”, como nos diz o livro do Apocalipse de João. Ninguém no mundo tenha a pretensão de contar o incontável, pois não é uma questão de números mas de qualidade. A Celebração de Todos os Santos faz-nos parar, reparar, viajar, (re)encontramo-nos nos nossos, os que vivemos com os que já partimos. É um gesto, um sinal, um carinho que quererá significar a continuada presença, pois cada ser humano nasce (do e) para o infinito de Deus. Sim, a dignidade humana fala-nos muito acima do finito da histórias e das coisas que todos os dias temos ou não temos em mãos.
2. É a celebração de TODOS os Santos. Todos, mesmo todos, não só para alguns! No fundo, nesse “todos” estão os que viveram do AMOR, os que dialogaram (ou em consciência recta dialogariam) com o “outro”; são os que amaram (Deus é Amor) de todas as nações, culturas, religiões, modos e formas de vida. Os que viveram a comunhão vivem agora essa comunhão de sentido existencial (muito acima do corpo biológico) com a fonte de todo o SER, Deus, o único Absoluto que é acolhido de forma criativamente diversa nas diferentes religiões e culturas e que no Cristianismo assume-se como uma PESSOA! Que proximidade directa e relacional admirável, Deus entre nós, como nesse desejado natal de todos os dias e todas as noites.
3. Dia de Todos os Santos, o dia da maior abertura de espírito! Não dia de todos os “santinhos”, isso não existe, a não ser em ainda muita da pesada tradição que continua a tardar em criar ponte directa com cada contemporaneidade. “Santos” sim, o mesmo é dizer: caminhantes na busca de uma perfeição absoluta, esta que está sempre acima do que somos, sempre a puxar por nós, no mundo do trabalho, das escolas, da sociedade, da comunidade humana. Lembra-nos este dia o essencial: somos bem mais que matéria, somos SER, consciência, lugar de diálogo existencial…que nos recria a esperança e o sentido da vida. No fim de tudo, e na medida em que amamos a vida, esta, transformando-se, só pode continuar, no eterno, no nosso espírito, numa presença carinhosa de paz com todos, com tudo.
4. Não é algo instrumental, não é uma coisa técnica, não tem fórmulas, tal como a paz, a poética, a liberdade, a felicidade e o amor não as tem. É bem mais profundo e a sua percepção depende da profundidade de cada coração humano que corajosamente se sabe abrir às possibilidades (e)ternas do amor. Cada gesto, cada vela, cada flor, será esse horizonte pacífico que em Deus nos torna presentes uns nos outros. Como diz Agostinho da Silva, «o tempo que vivemos, se for mesquinho, amesquinha o eterno». Não amesquinhemos, neste dia libertemos esse nosso “eterno” num abraço terno aos nossos; esse abraço que cada dia se quer multiplicar na construção da justiça e da paz!


Alexandre Cruz

VIVER A REALIDADE NUM MUNDO COMPLEXO

O desafio para pensarmos em que mundo vivemos e o que é que nele fazemos que seja determinante e válido, para nós e para os outros, é um desafio que nos afecta e, por vezes, nos incomoda. É mais fácil vivermos de ideias feitas e dados pacificamente adquiridos, que viver com interrogações permanentes, prontos a mudar de rumo, se aquele em que navegamos nos leva a becos sem saída, escolhos inesperados e perigosos, águas mornas e paradas que, para nos iludirem, ainda reflectem o sol do Inverno.
Por mais que se publicite o conforto, a verdade é que, para quem quiser permanecer vivo, responsável e actuante, o conforto e a instalação acabaram. A viagem de uma vida activa faz-se agora sobre a crista da onda e de barco a remos contra a maré. Não dá para os que enjoam com facilidade, nem para aqueles que têm lugar cativo no sofá cómodo da sua sala ou de qualquer outra.
Hoje, tanto os responsáveis políticos como os das grandes instituições que venceram ou julgam ter vencido o tempo, correm o risco de viver num passado que já não existe e de olhos fechados a um presente que se vai construindo à revelia de regras e princípios, aos quais não se reconhece grande cotação. Nivelar a vida com a mesma rasoura é um passo curto e fácil, mas ineficaz e perigoso. Predomina o efeito da mudança imparável
O mundo secularizado defende a sua autonomia e as suas regras e não é mais o mundo dependente da religião ou que se inspira nos seus princípios morais. A Igreja, nos tempos que correm e depois de um concilio ecuménico, não é mais a Igreja da gloriosa cristandade ou a Igreja armadilhada contra as diversas formas de oposição, religiosas ou políticas. A família não é mais a família tradicional em que convivem pais filhos e netos e em que o homem é sempre o detentor único da autoridade, mas a família nuclear e dispersa, com relações internas mais difíceis e poderes repartidos. A escola deixou de ser o espaço normal de educação e transmissão de saber e tornou-se uma instituição que já não se entende a si mesma e de que o Estado se apropriou, como dono único de um brinquedo perigoso, provocando nela mudanças a torto e a direito, à revelia de alunos, pais e professores e surdo ao rumor insistente da opinião pública.
Um mundo diferente exige respostas diferentes, gente com sabedoria, acordada para a realidade e capaz de tomar posição equilibrada e séria, ante os problemas que enfrenta. No que toca à Igreja e aos seus responsáveis, nada de mais urgente. Os redutos de persistente cristandade e os grupos de gente azeda que em tudo vê inimigos, não podem travar uma acção pastoral realista que sabe o que programa, o que faz, qual o sentido das suas decisões e sempre aberta à participação dos seus membros, chamados a pensar o caminho que importa andar e a andá-lo em comum. Muitos planos e programas parece darem pouca atenção às pessoas concretas, hoje tão diferentes nas suas experiências humanas e religiosas, que enfrentam mudanças culturais sérias, assimilam critérios e optam por modelos de vida indiferentes a acções apostólicas correntes, que, não raro, vão pouco além da generosidade dos agentes pastorais tradicionais. No nosso espaço religioso coabitam cristãos esclarecidos, pagãos baptizados, gente de muitas crenças e algumas pertenças, muitos indiferentes. E, por vezes, até visitam o templo e seus anexos ou vão passando pelo adro, ateus e agnósticos satisfeitos consigo próprios. Um mundo plural que deve marcar o rumo de uma acção própria que, por sua natureza, não pode ser indiferente ou inócua. Gente que ainda gravita no espaço religioso experimenta no seu mundo secular formas de participação activa, a que a Igreja não pode ficar alheia.
Ao mesmo tempo, a verdade que se propõe tem de casar com a realidade que se vive, de outro modo aumenta a insignificância do que se é e se propugna. Um mundo complexo é para uma Igreja serva um desafio apaixonante, nunca um convite à alienação. A Igreja sempre teve por vocação enfrentar desafios. É esse o seu caminho.

António Marcelino