PITADAS DE SAL – 10
A MINHA BOTADELA
Caríssima/o:
Estou em crer que os mais jovens não conhecerão o termo e, por conseguinte, falar de «botadela» não lhes dirá nada; deixem-nos aos mais velhos gozar bem a palavra que muito nos diz. Passou o carnaval... Se disser que a «botadela» era assim como o carnaval da faina salineira não fugirei da verdade: até metia bandeiras, «música» de testos e tachos e frigideiras, e mangações com os moços mais novatos e inocentes, além de uma bacalhoada de se tirar o barrete! Ah, com a animação já me esquecia: era um dia de muito trabalho para o marnoto e todos o que o rodeavam!
Mas leia-se o que dizem os entendidos:
Primeiro, lugar aos dicionários:
«s. f. - Última preparação da marinha, para a crystallização do chloreto de sódio. (De botar)»
[Novo Diccionário da Língua Portuguesa
Candido de Figueiredo - 1913]
De seguida, aos estudiosos:
1. «Botadela - Acção de botar. - O dia da botadela é de festa, comemorando-se com comes- e- bebes, para que se convidam os amigos e o pessoal das marinhas vizinhas.
Botar - Última parte da fase preparatória da marinha; consiste na alimentação dos cristalizadores com a água utilizada para se iniciar a extracção do sal.»
[Diamantino Dias
- Glossário]
2. «Concluída, com a solidária ajuda do pessoal das marinhas mais chegadas, a dura faina de andoar e arear os meios, “arriada” finalmente a moira dos meios de cima para os cristalizadores, principiava a festa, na qual participavam os que tinham trabalhado, amigos, convidados e a mulher e filhas do marnoto. Estas faziam o comer, que constava de caldeirada, geralmente de peixe variado e não das clássicas enguias, menos boas na altura, ou de favas e batatas novas cozidas com bacalhau, petingas, espadim, chicharros de par, consoante o que havia e era crível constituir mimo para o regalo do palato.
Comia-se de larada, no chão, onde alvejava toalha da brancura do sal de espuma, à sombra do palheiro, modesta mas gritantemente embandeirado. Esfuziavam as conversas, diziam-se graças, estrugiam gargalhadas, e, na vasta planura do salgado, aquela roda de gente, comunicativa e fraterna, prefigurava-se um vero ninho de alegria.»
[João Sarabando,
Cagaréus e ceboleiros, pp. 37-38,
Porto:Campo das Letras,
citado por Énio Semedo,
Ecomuseu do salgado de Aveiro]