PARAÍSOS EFÉMEROS E ÂNSIA DE FELICIDADE
O contexto social e religioso destes dias de recordação e saudade, dado os sentimentos pessoais que suscita, como as experiências dolorosas, fruto das tragédias naturais dos últimos meses e dias, conhecidas e vividas, ao longe e ao perto, deram-me ensejo para esta reflexão.
A ânsia de viver e de ser feliz comanda a vida de qualquer pessoa normal. “Experimentar” passou a projecto motivador de muitas vidas de jovens e adultos. Fazem-se poupanças, parte-se à procura de terras e mares distantes que a publicidade vende chamando-lhes “paraíso”, exorcizam-se medos de repetição de cataclismos e, sabendo, embora, que tudo é efémero, a decisão de ir mais longe, ainda que apenas geograficamente, não se deixa vencer facilmente por perigos vividos. De um momento para o outro, todos ficamos a saber mais de ciclones e maremotos em terras de outros, fustigadas por forças incontroláveis, que provocaram morte e destruição.
É a ânsia de felicidade, de bem-estar, de poder dizer e contar, de novas sensações e experiências, se exóticas tanto melhor, que vai comandando a vida. E parte-se, assim, um mês depois, para terras e situações que se haviam já riscado da lista das vivências desejadas e possíveis. A vida, com o seu fascínio, ainda que a estadia no paraíso seja de dez ou de quinze dias.
Nesta semana houve multidões de gente nos cemitérios. Um misto de gosto e de desgosto, de dor e de saudade, de lembrar e de esquecer. Os ingredientes parecem de festa: muita gente, muitas flores, muitos abraços, encontros de um ano que cada ano se repetem, comunicação pessoal bem diferente da do velório, de há muito ou pouco tempo. Como nos ritos de festa, tudo passa depressa.
Pouco ou nada se fala de morte, porque a morte incomoda sempre e é página a virar, sem demora, para não perturbar a vida. Muitos vão ao cemitério, lugar de mortos, sem passagem pelo templo, lugar de vivos. Alimento de uma nostalgia ou avivar de uma esperança, ou apenas a ilusão de uma ânsia que não se consegue abafar e a que não se pode dar muito tempo nem alimento, porque há sempre recordações para esquecer e cálices difíceis de beber até ao fim.
Nem o efémero dos paraísos sonhados, nem o rito que anualmente se repete nos cemitérios, por mais que sejam longos os caminhos andados, parece convidarem a parar para ler a vida, descobrir o seu valor e penetrar no segredo, tão profundo, como incómodo, do sentido da vida e da morte. Será que depressa volta tudo ao mesmo, neste frenesim que se vive e onde é preciso ter a coragem de parar, para poder viver melhor e com mais sentido? Quando os mortos deixam de nos falar no silêncio dos cemitérios, a vida dos vivos já tem pouco de vida e nada de esperança.
Quando a catástrofe deixa de interpelar quem podia ter sido vítima ou quando o inesperado para outros, que a todos nos pode tocar, está arredado de qualquer reflexão com mais sentido, é sinal de que a correria da vida nos foi enchendo de nada.
O paraíso não pode ser efémero, porque ele faz parte inseparável da ânsia pessoal de felicidade. A morte não atrai a morte, porque também é mestra de vida. Parar para reflectir não é tempo perdido, porque o sentido do que se faz, dá sempre valor novo ao tempo que nos resta.
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