segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Almeida Garrett nasceu neste dia de 1799

Efeméride: 4 de fevereiro de 1799


João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett nasceu neste dia do ano 1799. foi um escritor e dramaturgo romântico, orador, par do reino, ministro e secretário de estado honorário português. Evoco-o hoje pelos seus méritos conhecidos de todos quantos se interessam pela literatura. E do muito que escreveu, transcrevo um texto que todos os ílhavos conhecem, ou deviam conhecer. 
Aqui fica a minha homenagem.

E os ílhavos saíram vencedores...

(...)
«Ora os homens do Norte estavam disputando com os homens do Sul: a questão fora interrompida com a nossa chegada à proa do barco. Mas um dos ílhavos – bela e poética figura de homem –, voltando-se para nós, disse naquele seu tom acentuado: “Pois aqui está quem há-de decidir: vejam nos senhores. Eles, por agarrar um toiro, cuidam que são mais que ninguém, que não há quem lhes chegue. E os senhores, a serem cá de Lisboa, hão-de dizer que sim. Mas nós...”
– “Nenhum de nós é de Lisboa: só este senhor que aqui vem agora.”
Era o C. da T. que chegava.
– “Este conheço eu; este é dos nossos!” bradou um homem de forcado, assim que o viu: “Isto é um fidalgo como se quer. Nunca o vi numa ferra, isso é verdade; mas aqui de Valada a Almeirim ninguém corre mais do que ele por sol e chuva, e há-de saber o que é um boi de lei, e o que é lidar com gado.”
– “Pois oiçamos lá a questão.”
–“Não é questão”, tornou o Ílhavo: “mas, se este senhor fidalgo anda por Almeirim, para Almeirim vamos nós, que era uma charneca outro dia, e hoje é um jardim, benza-o Deus! – mas não foram os campinos que o fizeram, foi a nossa gente que o sachou e plantou, e o fez o que é, e fez terra das areias da charneca.”
– “Lá isso é verdade.”
– “Não, não é! Que está forte habilidade fazer dar trigo aqui aos nateiros do Tejo, que é como quem semeia em manteiga. É uma lavoura que a faz Deus por Sua mão, regar e adubar e tudo: e o que Deus não faz, não fazem eles, que nem sabem ter mão nesses mouchões co plantio das árvores: só lá por cima é que algumas têm metido, e é bem pouco para o rio que é, e as ricas terras que lhes levam as enchentes.”
– “Mas nós, pé no barco pé na terra, tão depressa estamos a sachar o milho na charneca, como vimos por aí abaixo com a vara no peito, e o saveiro a pegar na areia por não haver água... mas sempre labutando pela vida.”
– “A força é que se fala” tornou o campino, para estabelecer a questão em terreno que lhe convinha: “A força é que se fala: um homem do campo que se deita ali à cernelha de um toiro que uma companhia inteira de varinos lhe não pegava, com perdão dos senhores, pelo rabo!...”
E reforçou o argumento com uma gargalhada triunfante, que achou eco nos interessados circunstantes que já se tinham apinhado a ouvir os debates.
Os ílhavos ficaram um tanto abatidos; sem perderem a consciência de sua superioridade, mas acanhados pela algazarra.
Parecia a esquerda de um parlamento quando vê sumir-se, no burburinho acintoso das turbas ministeriais, as melhores frases e as mais fortes razões dos seus oradores.
Mas o orador ílhavo não era homem de se dar assim por derrotado. Olhou para os seus, como quem os consultava e animava, com um gesto expressivo, e voltando-se a nós, com a direita estendida aos seus antagonistas:
– “Então agora como é de força, quero eu saber, e estes senhores que digam, qual é que tem mais força, se é um toiro ou se é o mar.”
– “Essa agora!...”
– “Queríamos saber.”
– “É o mar.”
– “Pois nós que brigamos com o mar, oito e dez dias a fio numa tormenta, de Aveiro a Lisboa, e estes que brigam uma tarde com um toiro, qual é que tem mais força?”
Os campinos ficaram cabisbaixos; o público imparcial aplaudiu por esta vez a oposição, e o Vouga triunfou do Tejo.»

Almeida Garrett


In "Viagens na minha terra"
Nota: O fidalgo "C da T" era o Conde da Taipa

Efeméride - Início da Guerra Colonial

4 de Fevereiro de 1961


Em Angola, neste dia, em 1961, começou a guerra colonial portuguesa, ao abrigo das políticas defendidas por Salazar, que proclamavam que Portugal era um país multicultural, multirracial e multicontinental, uno e indivisível. Nas escolas, desde tenra idade, todos eram doutrinados para estes princípios, de que Portugal se estendia do Minho ao Algarve, chegando a Timor e Macau, depois de passar por Angola e Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, Açores e Madeira. A guerra está na memória da minha geração, pelas mortes que custou, pelos traumas que provocou, pelos mutilados que deixou. Tudo isto tende a ficar esquecido, mas tal não é fácil para os que por lá passaram e para milhares de famílias que viram partir para a luta tantos dos seus filhos. Muitos por lá ficaram.

domingo, 3 de fevereiro de 2019

DO PANAMÁ PARA PORTUGAL

Anselmo Borges
1. Nesta sua presença de 5 dias nas Jornadas Mundiais da Juventude no Panamá, o Papa Francisco também visitou um centro de detenção de jovens, que é modelar, pois, com a ajuda de assistentes sociais, psicólogos e peritos de várias especialidades, prepara os jovens para a sua integração na sociedade, sendo também obrigatória a sua participação em cursos de formação profissional e de desenvolvimento humano. Francisco animou-os: “Que ninguém vos diga nunca: ‘não vais conseguir’. Deus não vê rótulos nem condenações, vê filhos.” 
Foi ali que um jovem preso contou ao Papa a sua história: que desde pequeno sempre sentira um vazio interior, a falta de um olhar carinhoso de pai; um dia, encontrou esse olhar em Deus, mas, depois, caiu e agora encontrava-se ali cumprindo uma pena; e disse-lhe, do fundo do seu contentamento, que havia de ser um grande chefe. Francisco ouviu com atenção e carinho, como só ele sabe escutar. E o jovem comentou enternecida e admirativamente: “... Que alguém como você tenha arranjado tempo para ouvir alguém como eu, um jovem privado da liberdade!... Não sabe a liberdade que sinto neste momento!” O jesuíta Diego Fares comentou: “Talvez tenha que ser um preso para valorar quem o Papa é e o que faz.” 
 Ao longo desta sua viagem, Francisco encontrou-se com políticos, bispos, padres, religiosos e religiosas, fez discursos para as centenas de milhares de jovens, vindos de 155 países, mas encontrou tempo para escutar a história deste rapaz e assim escreveu mais um capítulo da sua encíclica, que não é de palavras, mas de gestos, encíclica que dá sentido a todas as suas encíclicas e discursos. Jesus também assim procedeu. 

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Eduardo Lourenço: "Não sou um grande pensador, o mundo é que pensa"

"Não creio que a Bíblia naufrague, 
mesmo numa civilização tão desapiedada (...) 
como a nossa."

Eduardo Lourenço
«"Não sou um grande pensador, o mundo é que pensa e eu tento imaginar o que ele me está a dizer. O mundo já não tem aquela leitura tradicional que herdámos do século XIX, em que o livro era o começo, o princípio e o fim da nossa experiência com o mundo e com nós próprios", disse Lourenço.
"O nosso livro fundamental é a Bíblia, pelo menos até agora. Não creio que a Bíblia naufrague, mesmo numa civilização tão desapiedada, tão violenta internamente, tão pouco cheia de misericórdia como é a nossa nestes tempos que correm".»

Ler mais em  Euronotícias 

Notas do Meu Diário: Desassoreamento da Ria

Laguna em maré baixa
É público que a Ria de Aveiro está assoreada há muito. É sina sua e nossa, desde que me conheço. E o Governo, como é público, vai avançar daqui a umas semanas com trabalhos de desassoreamento. 
Nas meus escritos sobre a região lagunar, tenho por costume cantar loas à beleza da nossa terra, com a Ria a ocupar um espaço especial. A Ria de Aveiro fascina-nos. É um facto. Ainda há tempos, quando falei dos seus canais, a maioria dos quais nunca visitei com olhares críticos, alguém opinou, sublinhando que estão assoreados, sendo, por isso, impossível navegar por eles. E não duvidei. 
O desassoreamento que vai ser feito implica uma despesa enorme, da ordem dos 17,5 milhões de euros, e depois dos trabalhos executados e pagos cada um vai à sua vida. E com a Ria acontece o mesmo, como desde a sua origem, há uns mil anos. Então que fazer? A meu ver,  o desassoreamento devia ser mais frequente, com as entidades competentes a saírem dos seus gabinetes para denunciarem as zonas assoreadas e atuarem de imediato e em conformidade. É lirismo da minha parte? Talvez. 
Bom fim de semana

F. M.

Notas do Meu Diário: Em Portugal, a culpa morre solteira...




Em Portugal, a culpa morre solteira imensas vezes. Os processos de corrupção e compadrios, entre outros grandes crimes, nunca mais chegam ao fim e nem é preciso citá-los. No caso da derrocada da estrada de Borba, onde morreram pessoas, está toda a gente à espera de se saber quem foram os culpados. Será que algum dia se virá a saber quem não reparou, por obrigação, que a derrocada estava a ameaçar?
Agora vem o inquérito parlamentar descobrir que a CGD emprestou milhões sem as mínimas garantias de um dia ser reembolsada pelas empresas beneficiadas. E quem alimenta tudo isto?  Tem de ser o povo português, está claro.
Ao que chegou a nossa democracia...

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Jesus, expulso da cidade, segue o seu caminho

Georgino Rocha
"Felizes os que são coerentes 
e fazem o que creem, 
e creem o que o Evangelho ensina"

A esplanada da sinagoga de Nazaré, após a celebração em que Jesus intervém, torna-se palco de um acontecimento notável que marca o início simbólico do caminho para Jerusalém. A seguir à homilia, a assembleia reage cheia de entusiasmo e admiração, dando testemunho “a seu favor pelas palavras cheias de graça que saíam da sua boca”. Dir-se-á que é uma reacção coerente com a novidade anunciada e compreendida, com a linguagem de Jesus, o leitor mensageiro, com as expectativas dos participantes no rito do culto semanal. Dir-se-ia que Jesus seria ovacionado no final e coroada de êxito a sua primeira vinda oficial à terra natal. Mas o ser humano é instável e a sua curiosidade insaciável. Surgem as perguntas de pesquisa sobre a identidade de Jesus. E com elas a suspeita e a disputa. Vamos acompanhar o desenrolar do episódio que o Evangelho de Lucas (Lc 4, 211-30) nos deixa como “portal” do que vem a acontecer na caminhada para Jerusalém.
“Este episódio do rechaço de Jesus em Nazaré tem um caracter simbólico: em certo sentido é uma síntese de todo o evangelho, afirma o comentador do nosso texto na Homilética, 2019/1, p. 42. E prossegue dizendo que “Jesus irá experimentando um fracasso cada vez maior (até os seus próprios amigos o abandonam e um dos mais íntimos o atraiçoa).

O entusiasmo dos nazarenos constitui o início da alegria que desabrocha em quem segue Jesus nos caminhos da missão. O número vai aumentando chegando a ser uma pequena multidão. E mostra-se em gritos e aclamações públicas, em encontros de rua e festas de família, em convites e refeições, e em tantos outros modos. Seguir Jesus dá sentido à vida, revigora energias, alimenta a esperança, desinstala, cria laços de pertença, traça novos ritmos.
Mas esta adesão inicial esgota-se rapidamente se não for alimentada e robustecida pela convicção firme, fruto da razão inteligente iluminada pela graça da fé. Como é urgente dar-lhe suporte consistente? Vem a propósito a advertência de Jesus: Casa construída sobre areia está sujeita a derrocada ao primeiro vendaval. E vem a propósito trazer à memória eventos apostólicos de grande sucesso imediato que se esgotam no momento do encerramento. A intensidade da experiência vivida dilui-se e acaba por ser apenas memória saudosa e gérmen de nostalgia frustrante. Reganhar ânimo e começar de novo exige grande confiança em Deus e paciência criativa.