sábado, 23 de fevereiro de 2008

SOMOS LIVRES? DETERMINISMO E LIBERDADE


Esta é a pergunta decisiva. De facto, se não somos livres, o que se chama dignidade humana pode ser uma convenção, mas não tem fundamento real.
Mas quem nunca foi assaltado pela pergunta: a minha vida teria podido ser diferente? Para sabê-lo cientificamente, seria preciso o que não é possível: repetir a vida exactamente nas mesmas circunstâncias. Só assim se verificaria se as "escolhas" se repetiam nos mesmos termos ou não.
Não há dúvida de que a liberdade humana é condicionada. Mas ela existe ou é uma ilusão? Não vêm agora neurocientistas dizer que, mediante dados da tomografia de emissão de positrões e da ressonância magnética nuclear funcional, se mostra que afinal as nossas decisões são dirigidas por processos neuronais inconscientes?
De qualquer modo, em 2004, destacados neurocientistas também tornaram público um "Manifesto sobre o presente e o futuro da investigação do cérebro" - cito Hans Küng, no seu Der Anfang aller Dinge (O princípio de todas as coisas) -, revelando-se prudentes no que toca às "grandes perguntas": "Como surgem a consciência e a vivência do eu?
Como se entrelaçam a acção racional e a acção emocional? Que valor se deve conceder à ideia de 'livre arbítrio'? Colocar já hoje as grandes perguntas das neurociências é legítimo, mas pensar que terão resposta nos próximos dez anos é muito pouco realista." É preciso continuar as investigações, no sentido de perceber o nexo entre a mente e o cérebro. "Mas nenhum progresso terminará num triunfo do reducionismo neuronal. Mesmo que alguma vez chegássemos a explicar a totalidade dos processos neuronais subjacentes à simpatia que o ser humano pode sentir pelos seus congéneres, ao seu enamoramento e à sua responsabilidade moral, a autonomia da 'perspectiva interna' permaneceria intacta. Pois também uma fuga de Bach não perde nada do seu fascínio, quando se compreende com exactidão como está construída."
A liberdade não é desvinculável da experiência subjectiva, da "perspectiva interna". Essa experiência é transcendental, no sentido de que se afirma até na sua negação. De facto, se tudo se movesse no quadro do determinismo total, como surgiria o debate sobre a liberdade?
Essa experiência coloca-se concretamente no campo da moral e da responsabilidade. Neste contexto, há um célebre exercício mental de Kant na Crítica da Razão Prática, que é elucidativo e obriga a pensar. Suponhamos que alguém, sob pena de morte imediata, se vê confrontado com a ordem de levantar um falso testemunho contra uma pessoa que sabe ser inocente. Nessas circunstâncias e por muito grande que seja o seu amor à vida, pensará que é possível resistir. "Talvez não se atreva a assegurar que assim faria, no caso de isso realmente acontecer; mas não terá outro remédio senão aceitar sem hesitações que tem essa possibilidade." Existem as duas possibilidades: resistir ou não. "Julga, portanto, que é capaz de fazer algo, pois é consciente de que deve moralmente fazê-lo e, desse modo, descobre em si a liberdade que, sem a lei moral, lhe teria passado despercebida."
O que confunde frequentemente o debate é a falta de esclarecimento quanto ao que é realmente a liberdade. Ela é a não submissão à necessidade coactiva, externa e interna, mas não pode, por outro lado, ser confundida com a arbitrariedade e a pura espontaneidade - não implica a espontaneidade a necessidade?
A liberdade radica na experiência originária do Homem como dom para si mesmo.
Paradoxalmente, é na abertura a tudo, portanto, no horizonte da totalidade do ser, que ele vem a si mesmo como eu único e senhor de si. Então, agir livremente é a capacidade de erguer-se acima dos próprios interesses, para pôr-se no lugar do outro e agir racionalmente.
É preciso distinguir entre causas e razões. Quando se age sob uma causalidade constringente, não há liberdade. Ser livre é propor-se ideais, deliberar e agir segundo razões e argumentos, impondo limites aos impulsos, inclinações e desejos, o que mostra que o Homem pode ser senhor dos seus actos e, assim, responsável, isto é, responder por eles.

Anselmo Borges
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A Conversa Aberta do Fórum::UniverSal vai ter como convidado o antigo Presidente da Assembleia da República, Barbosa de Melo. O tema, "Os (esc)olhos da Justiça, é por demais oportuno. Será no CUFC, no dia 5 de Março, pelas 21 horas. A entrada é livre.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Descontentamento social

Os escândalos recentes, provocados pela crise do BCP, os altos salários de alguns gestores, privados e estatais, a corrupção, as reformas promovidas pelo Governo sem explicações credíveis e claras para que o povo as entenda, a arrogância de alguns ministros que falam do alto da sua cátedra sem ouvirem quem quer que seja, as cumplicidades e os negócios entre dirigentes partidários e a alta finança, bem como a última entrevista do primeiro-ministro, José Sócrates, em que mostrou desconhecer o país real, tudo isto tem gerado grandes perplexidades na sociedade portuguesa. Sente-se, claramente, que o povo está descontente. Tanto o que trabalha como o que se encontra na situação de aposentação ou reforma. É indiscutível a tristeza que tolda os olhares de quem tem de viver a contar os míseros euros que tem no bolso, para conseguir chegar ao fim do mês sem grandes dívidas, quando se sabe que uma minoria (sempre a crescer, diga-se de passagem) tem muitos milhares ou milhões à discrição. Sem aumentos salariais de acordo com a inflação, os trabalhadores e aposentados confrontam-se, no dia-a-dia, com a subida incontrolável dos preços. Desemprego e precariedade no trabalho assustadores. A vida do cidadão comum degrada-se a olhos vistos. Medicamentos e alimentação caríssimos e dívidas à banca com juros e encargos sempre em alta são razões constantes de inquietação, neste país em que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. O 25 de Abril veio para que houvesse mais democracia e mais justiça social. Mas a injustiça social, afinal, continua a conspurcar a nossa democracia. Há um milhão de portugueses com fome. Outros tantos em pobreza extrema. A SEDES veio hoje com um conjunto de denúncias (ver texto mais abaixo) muito pertinentes. Quem as assina são especialistas na matéria. Oxalá os nossos políticos as analisem e passem à acção, para se evitarem conflitos sociais de contornos imprevisíveis. Há dias houve quem sugerisse um Movimento de Indignação, fundamentalmente para o povo mostrar o seu estado de descontentamento e revolta. Agora veio a SEDES. O que virá a seguir? FM

Na biblioteca de Egas Moniz

Dedicada ao médico e investigador científico que con-quistou o primeiro Prémio Nobel para Portugal pelas suas pesquisas na área das funções cerebrais, (Me-dicina, em 1949), esta casa-museu, nos arredores de Estarreja [Avanca], reúne espólio diverso, incluindo o gabinete onde o cientista habitualmente trabalhava. A biblioteca, objectos pessoais e a zona residencial da moradia completam o espaço visitável.

NOTA: Esta é mais uma sugestão do PÚBLICO. Na página dois, do P2, num cantinho, à esquerda, vem sempre uma proposta a ter em conta. Aqui a deixo, para que os meus leitores, se puderem, passem pela Casa do Marinheiro, em Avanca.

SEDES alerta: crise social de contornos imprevisíveis à vista

A SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) tornou público uma TOMADA DE POSIÇÃO em que alerta os poderes instituídos e a sociedade em geral para “um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional”. A dado passo, denuncia que “O mal-estar e a degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento. E se essa espiral descendente continuar, emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever”. Lembra a degradação da confiança no sistema político e diz que vivemos num ambiente sem valores, onde medra a corrupção, um cancro que corrói a sociedade e que a justiça não alcança, com a colaboração de alguma comunicação social sensacionalista e de uma justiça ineficaz. A SEDES conclui a sua Tomada de Posição, sublinhando: “A regeneração é necessária e tem de começar nos próprios partidos políticos, fulcro de um regime democrático representativo. Abrir-se à sociedade, promover princípios éticos de decência na vida política e na sociedade em geral, desenvolver processos de selecção que permitam atrair competências e afastar oportunismos, são parte essencial da necessária regeneração”.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Tribunal Administrativo e Fiscal no Convento das Carmelitas


Alvitra-se a hipótese de o Tribunal Administrativo e Fiscal ficar instalado no antigo Convento das Carmelitas, em Aveiro, a título provisório. Tenho pena que não seja estudada a forma de aproveitar aquele espaço para fins culturais, preferencialmente sob responsabilidade da Igreja Católica. Penso que essa seria a melhor solução. Mas como os políticos é que sabem...

Madeirenses não querem independência

Um trabalho da Eurosondagem para a Renascença, SIC e Ex-presso sublinha que os madeirenses não querem ser independentes. A sondagem diz ainda que os madeirenses não acreditam em discursos de políticos que apelam ao separatismo. Aliás, os resultados são claros, pois 72,2% dizem "não" à independência da Região Autónoma da Madeira. Pode ser que agora alguns espertos calem as ameaças.

Aveiro: cidade vista de outros ângulos





O Centro Cultural e de Congressos, domina, de certa forma, um bom espaço turístico da cidade dos canais. O excelente aproveitamento de uma antiga fábrica de cerâmica, a "Jerónimo Pereira Campos & Filhos", que marcou uma época de exploração intensiva do barro, dando trabalho, directa e indirectamente, a centenas de pessoas, mereceu esta reforma, agora de braço dado com a cultura. Se vier a Aveiro, e se pelo Centro Cultural passar, não deixe de entrar. É que há sempre que ver e que admirar.

Medidas oficiais sobre famílias de acolhimento a crianças

As intenções são de atender, visto que se trata de proporcionar um clima familiar a crianças sem família, capaz de as educar e defender, aproximando a solução dos problemas a quem os possa compreender.
Reflectindo sobre o problema das famílias de acolhimento, com intuitos do bem de pessoas indefesas, não faltam razões para o fazer com cuidado e serenidade. Nem sempre as boas intenções, ainda que justificadas, são caminho para bons resultados.
De repente, parece que os responsáveis políticos acordaram para a importância da família como primeira e natural escola de educação dos seus filhos. Então se decidiu que, onde família não existe, a criança tem direito a uma família, que, não sendo a de sangue, é contratada, com obrigações e restrições legais, para a acolher, com a preocupação de ser, o melhor possível, uma família “faz de conta”.
No fundo, parece dever ser uma família contratada pelo Estado, sob vigilância técnica, para acolher e guardar, que, se em alguns casos até pode resultar, todo o entrelaçado da solução não faz prever grandes resultados. Bastarão as estatísticas, que dirão daqui a meses dados numéricos, porque o mais importante é indizível; então saberemos que há tantas crianças acolhidas, menos tantas crianças em instituições, tantas já entregues à família de sangue, e por aí adiante. Não consigo ver o amor e o clima propício à educação de crianças indefesas, um objecto de contrato entre instâncias oficiais e famílias, sujeitas a vigilância e controle, que não se podem afeiçoar, porque também não poderão adoptar as crianças que lhes são entregues. Vão repetir-se os casos que têm enchido os jornais e os telejornais. Se não podem afeiçoar-se, como as poderão educar?
Se não as podem educar, segundo exigências normais, requeridas pelo clima educativo, porque lhas entrega o Estado? Será apenas um modo de dar trabalho e diminuir assim a taxa do desemprego? As crianças são pessoas, não são coisas. Todos o sabemos.
Pouco ou nada se faz para dignificar a família normal. Muito se permite e favorece para que ela nasça sem consistência e perca a pouca que ainda pode ter, por razões triviais. O Estado, com a facilitação do divórcio e a banalização do sexo, com medidas políticas e sociais avulsas, umas deficientes e outras discutíveis, mas todas a tocar a vida familiar por dentro, tem vindo, consciente ou inconscientemente, a destruir a família normal e a torná-la, em muitos casos, família sem a alegria de o ser e incapaz de o vir a ser.
Há em Portugal instituições sérias e credenciadas, e até inovadoras no campo educativo, por mais que custe a alguns técnicos sociais admiti-lo, que têm mostrado e continuam a mostrar a sua grande capacidade, humana e afectiva, de doação gratuita e de entrega incondicional a crianças que lhes foram entregues, muitas apanhadas na rua onde foram abandonadas, deixando atrás de si mistérios de dor indizíveis. Ao longo de muitos anos foram dando consistência a um labor educativo persistente, como o de uma maternidade afectiva indiscutível, nem sempre fácil, entregando, por fim, à sociedade jovens responsáveis e preparados para nela viverem, com capacidade de participação, que falta a muitos outros, nascidos em berços dourados. A generalização de que as instituições são sempre negativas para as crianças, comporta uma mentira e um preconceito, não admissíveis a gente que trabalha no campo social do Estado e julga que um diploma a credencia para dizer disparates e ter atitudes de arrogância, que roçam a ignorância, a má educação e mesmo a injustiça.
A consideração de problema tão grave, como o de crianças em famílias de acolhimento e em instituições, exige trabalho em rede e parceria, discernimento com conteúdos e critérios, ideias claras e valores a defender e a promover, realismo sem preconceitos. O Estado, é minha convicção, não tem coração para educar, e os seus servidores têm horários de funcionário público, que não existem na família, nem nas instituições credenciadas. Ele tem de saber as suas limitações e obrigações, ver o seu lugar neste processo, que nunca será de dono das crianças, de saber absoluto e exclusivo, de decisor sem apelo do que pensa, por si, ser o melhor, de juiz das famílias que geraram filhos, de intérprete exclusivo de crianças que não ama.

António Marcelino

Na Linha Da Utopia

Lorosae!

1. Na terra de Timor Lorosae José Ramos-Horta desperta do pesadelo de 11 de Fevereiro. O pó vai acalmando, nem que seja pelo decretar vigilante do “estado de emergência” do governo timorense, agora solicitado como prolongamento para mais 30 dias. A mulher de Xanana Gusmão foi com os filhos agradecer à GNR. É confirmado, pela investigação minuciosa da Missão das Nações Unidas no território, se é que dúvidas existissem, que os dois ataques «estavam relacionados, foram feitos pelo mesmo grupo». Ramos-Horta, gravemente ferido e resgatado pela GNR, foi evacuado para o vizinho Royal Hospital de Darwin. Xanana conseguiu fugir. O rebelde Alfredo Reinado, líder dos ex-militares revoltosos, foi morto no dia dos acontecimentos. Mas, terá sido morta a raiz de todos os problemas desta jovem nação?
2. É difícil falar de Timor. Se o é para quem lá esteve anos e calcorreou as montanhas, muito mais o é para quem não pisou esse chão do sol nascente. Não é só o problema da distância física, dos milhares de quilómetros que nos separam, é bem mais o lugar que Timor ocupa no coração dos portugueses. Por muitas razões da história passada e pelas contínuas pontes de todos os dias com Timor, terra independente desde 2002. Talvez, como se diz, seja mesmo necessário colocar “o coração ao largo” para ver com olhos de ver o que acontece. Timor é (mesmo) dos timorenses. Será que todos os timorenses já se aperceberam disto no esforçado trabalho a realizar todos os dias? Todas as solidariedades não podem substituir todas as responsabilidades. Aliando-se a cooperação do “ensinar a pescar”, será mesmo necessário voltar a pergunta (na teoria, que seja) para o povo de Timor: “Que querem os timorenses de Timor?” (É fácil escrever esta questão, e sabemos do seu simplismo de quem está deste lado do mundo… Mas, por que lado envolver e comprometer?!)
3. Após a independência, como depois de todas as independências seja de que género for, os anos seguintes são decisivos. É o tempo da consolidação e da estruturação das instituições participativas e democráticas. Em Abril-Junho de 2006 ocorreu uma enorme vaga de violência, verificando-se o aprofundar de incompatibilidades de grupos que pensam de forma diferente sobre vários assuntos. Estes ataques de Fevereiro de 2008, diante de problemas sociais em que todas as instâncias e cidadãos têm de ser parte das soluções de forma democrática, acabam por demonstrar que o objectivo era derrubar os poderes presidenciais e governativos… Nestas conjunturas, e diante do incerto futuro, “ter pena” de Timor também não ajuda nada (pelo contrário é não aceitar corajosamente que Timor é dos timorenses). Talvez, simbolicamente, nesta “entrega de Timor aos cidadãos de Timor”, na busca de soluções (sem ociosidade e) pelo trabalho concreto de todos os dias possa residir uma chave do futuro. Mas, o que é SER cidadão e TER o poder em Timor?
4. Custa a compreender, pese embora todas as naturais formas diferentes de pensar sobre isto ou aquilo, que já quase tenha sido perdida a memória colectiva como coesão das lutas pela independência. Ou esta terá sido mais pela emoção e nem tanto com a razão e o compromisso de todos?! Muitos timorenses estão em Portugal nas suas formações pessoais e profissionais. Diante da apreensão do necessário regresso irá também na bagagem a confiança para construir um país Timor onde o sol da paz e do desenvolvimento brilhem cada dia. (Quanto a nós, sabemos que tudo o que dissemos não é nada comparado com a complexa realidade a trans-formar…)

Alexandre Cruz